Ensino de História na Amazônia: práticas pedagógicas como reflexão para a pesquisa | Mandurarisawa | 2020

O desafio de exercer a carreira de magistério no Brasil não tem sido das mais fáceis, principalmente depois da ascensão da extrema direita no país e no mundo. Este cenário político possibilitou o fortalecimento de ideias de cunho neofascista que trouxe no seu bojo o fortalecimento de racismo, xenofobia, machismo, assim como o negacionismo científico. Este último com intensa repercussão entre os professores de História do ensino básico à pós-graduação. No ensino básico, a disputa de narrativas tende a ser mais prejudicial devido a interferências mais direta no mercado editorial e subtração de temáticas importantes. Os representantes políticos adeptos deste ideário chegaram ao poder em 2018 pelo voto popular.

Com a sociedade convulsionada, temas consensuais nas pesquisas históricas como escravidão negra, golpe militar no Brasil, gênero, entre outros, passaram a ser contestados não a luz de novas pesquisas e sim por atos de vontade de adeptos do novo grupo de poder numa conjuntura política específica cujos acontecimentos e explicações ainda estão se desenrolando. Respostas simplistas a questões complexas fazem parte do rol de explicações por parte dos ideólogos: “a escravidão no Brasil era melhor, pois os negros já eram escravizados em seus antigos territórios”; “em 1964, no Brasil, assumiu o poder os militares através de um regime militar constitucional” e assim por diante.

A disputa de narrativas, entre elas a da explicação histórica, veiculada além dos livros didáticos com selo oficial, se modernizou e ganhou novos campos de disputa como a rede mundial de computadores. Com regulamentação ao sabor do deus mercado, essas narrativas encontraram nas novas tecnologias (plataformas como Youtube, Facebook, Twitter, Instagram) um poderoso veículo de difusão do pensamento da extrema direita atingindo e influenciando diretamente crianças, adolescentes e adultos.

No meio desse cenário de polarização política fomos surpreendidos pela pandemia de Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars-Cov-2), o Covid-19, no início de 2020. A pandemia tornou-se um novo capítulo para o acirramento pelo qual a nação brasileira dividida passou a conviver. Com alta taxa de transmissibilidade e de letalidade acabou por impor, de modo compulsório, o uso das novas tecnologias ao professorado brasileiro sem que a grande maioria tenha sido preparada para o uso deste novo recurso tecnológico aplicado à educação. Da noite para o dia, o ensino remoto, mediado pelas tecnologias da comunicação, até então pouco conhecidos da grande maioria dos professores brasileiros, passou a fazer parte do cotidiano. Aulas virtuais, lives nas redes sociais, classroom, google meet, moodle, entre outros, ganharam um novo significado na profissão docente no Brasil.

Diante deste cenário, os professores da região amazônica conviveram com novos desafios. Com a pandemia em alta, os problemas regionais e estruturais como a desigualdade social ficaram mais expostas e se impuseram aos seus habitantes. Com o ensino remoto, os abismos estruturais – como a exclusão digital – se tornaram perceptíveis e os professores da região amazônica passaram a conviver com a falta de sinal da internet ou com seu funcionamento precário e compromete ainda mais qualquer resultado pedagógico que se busque alcançar. De uma maneira geral, essa crítica, guardadas as proporções, foi enfrentada pelos professores no Brasil.

A resposta dos profissionais da educação a essas barreiras está sendo dada com luta e criatividade, mas também com inovações e propostas pedagógicas que valorizam sobretudo o protagonismo do sujeito na história assim como uma história decolonial necessária nesses tempos de obscurantismos e negacionismos científicos. Conviver e não sucumbir a essas adversidades que se repetem e sabotam a prática docente, só tem sido possível enfrentá-las nos valendo de nossas inteligências e respostas com base na ciência. Sem dúvida, este foi o espírito que guiou e conduziu os autores que tornaram possível o Dossiê “Ensino de História na Amazônia: práticas pedagógicas como reflexão para a pesquisa”. Desde as discussões iniciais, a preocupação dos organizadores do dossiê foi valorizar as diversas experiências dos professores, seja do ensino básico ou universitário, no tocante às práticas pedagógicas desenvolvidas na sala de aula, tendo como preocupação um ensino que se contraponha a todas as formas de cerceamento às liberdades.

O professor Dr. Milton Melo (in memoriam) convida-nos a uma reflexão sobre a Formação Continuada dos professores de História dos Anos Finais, desenvolvida na Secretaria Municipal de Educação da cidade de Manaus (SEMED). Melo aborda a dinamicidade do trabalho do formador de história na elaboração de estratégias para as práticas na sala de aula. Nesse mesmo caminho, o historiador Júlio Silva e o arqueólogo Marcus Rabelo refletem sobre o uso da cultura material na formação continuada de professores dos Anos Iniciais, e discutem como o artefato histórico não é somente um recurso pedagógico, mas um canalizador da valorização da história local e da memória individual e coletiva.

Eduardo Gomes discute, a partir da realidade de Roraima, como práticas inovadoras no ensino de história contribuirão para superação de obstáculos impostos pela pandemia de Covid-19 na Escola Agrotécnica, ligada a Universidade Federal de Roraima EAgro/UFRR. Girlane Santos e Alexandre da Silva, estabelecem um profícuo e salutar diálogo entre a literatura e a temporalidade histórica, com criatividade e entendendo os desafios enfrentados pelo profissional de História.

Camila Souza e Carvalho Barbosa exploram o potencial e necessário debate sobre a utilização dos memes como fonte para o ensino de história a uma geração que utiliza seus significados instantâneos como disseminação de ideias, recurso útil para se trabalhar acontecimentos e conceitos históricos.

O professor Alfredo Clodomir reflete sobre as implicações e impactos da Lei Nº 11.645/2008, que dispõe sobre a obrigatoriedade dos estudos de Histórias e Culturas indígenas na sala de aula do ensino básico em Boa Vista, Roraima, mostrando como é difícil, mas importante, romper com uma cultura escolar que valoriza o etnocentrismo europeu em detrimento da cultura local.

O professor Luciano Telles relata uma experiência com alunos de uma escola pública manauara, compartilhando como o saber escolar pode contribuir para a formação de alunos com uma consciência crítica baseado no diálogo e na democracia, recursos necessários nesses tempos em que vivemos. E, por último, o historiador Narciso Freitas e a pedagoga Maria Jussara levam-nos a trilhar os caminhos da educação inclusiva quando relatam os desafios de se trabalhar com alunos com deficiência auditiva, onde o processo de ensino e aprendizagem se dá por meio da linguagem em Libras.

Ainda umas palavras finais. Ao longo dos últimos meses na elaboração deste dossiê, a pandemia do Covid-19 recrudesceu no Amazonas sobrevindo a segunda onda. Neste ínterim, Milton Melo, um dos organizadores e autores desta obra, não resistiu a Covid-19, nos deixando de modo repentino. Ao mestre Milton, como era chamado pelos colegas professores de História que participavam da formação de história, dedicamos este dossiê.


Organizadores

Hideraldo Lima da Costa – UFAM / Coordenador do GT- Ensino de História e Educação.

Julio Santos Silva – SEMED.

Milton Melo dos Reis Filho – SEMED.

Cláudia Barros – SEMED.

Moisés Dias de Araújo – SEMED/SEDUC.


Referências desta apresentação

COSTA, Hideraldo Lima da; SILVA, Julio Santos. Apresentação. Mandurarisawa – Revista Discente do Curso de História da UFAM. Manaus, v.4, n.2, p.3-5, 2020. Acessar publicação original [DR]

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