Entre Sertões e Representações: Ensaios e Estudos | Antônio Fernando de Araújo Sá

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Antônio Fernando de Araújo Sá | Foto: Acervo pessoal

SA F Entre sertoes Entre Sertões e RepresentaçõesA primeira resenha de livro que produzi foi em 2007, um comentário crítico da obra de Terry Eagleton, “Depois da Teoria: Um olhar sobre os Estudos Culturais e o Pós-Modernismo”. Na ocasião, fui convidado pelo Prof. Dr. Antônio Fernando de Araújo Sá a proferir palestra sobre esse livro em um Curso de Extensão promovido pelo Grupo de Pesquisa “História Popular do Nordeste”, na Universidade Federal de Sergipe. Livro complexo, que me exigiu um bom esforço intelectual para criticá-lo.

O desafio agora recai sobre um livro escrito pelo próprio Professor Antônio Fernando de Araújo Sá e lançado ano passado. O empenho exigido nesta resenha não foi inferior ao dedicado ao livro produzido pelo filósofo e crítico literário britânico.

Depois que concluí a primeira leitura de “Entre Sertões e Representações: Ensaios e Estudos” a motivação inicial para tal empreitada me veio em função de que tenho me dedicado nos últimos anos ao estudo do misticismo sertanejo. E, devido à complexidade da obra, fiquei meditando sobre qual seria a maneira mais adequada para construir um fio condutor coerente que pudesse dar conta da quantidade enciclopédica de aspectos da realidade sertaneja que são apresentados no livro. Como conheço o autor desde 2006, percebi que o melhor caminho seria uma abordagem biobibliográfica.

Antônio Fernando de Araújo Sá conhece o Sertão por vivência e por estudo. Ele não é um pesquisador meramente de gabinete. Ora, pelo que conheço, poucos professores universitários fazem viagens tão frequentes ao Sertão e aos locais que marcaram sua História quanto o autor desse volume que vos apresento.

A abordagem, porém, que você irá encontrar no livro é uma espécie de metassíntese da produção teórica, literária, historiográfica e cultural sobre o sertão e suas representações. Assim, dialogar com a obra requer conhecimento literário e formação cultural adequada, afeita às questões regionais.

Além de consistência cultural mínima o leitor precisará de atenção às nuances do raciocínio acadêmico, tendo em vista que o livro na realidade está entretecido de uma interpretação dialética da História, na qual o autor trabalha continuamente com categorias que se contrapõem, dialogam e se interconectam na interpretação do sertão nordestino, sobretudo tradição e modernidade, passado e presente, euclidianismo e conselheirismo; litoral e interior, civilização e barbárie.

Ora, quem acompanha minimamente a trajetória intelectual do autor percebe a postura dialética do mesmo diante da realidade. Não é por acaso que durante seu doutorado trabalhou de forma dialógica a História e a Memória [1], e publicou, em 2005, um livro que ecoava essas reflexões, intitulado: “Combates entre História e Memória”, pela Editora da UFS (Universidade Federal de Sergipe).

Postura existencial e intelectual consoante ao objeto de seu estudo, o sertão-mundo e sua complexidade, a tal ponto de Ariano Suassuna sumarizar assim: “O sertão não é brincadeira, não. O sertão é o nódulo espinhento, pedregoso e belo do Brasil real”. (SUASSUNA, 2021).

Nessa busca dialética pela interpretação histórica do sertão, o autor, que coordena um Grupo de Pesquisa intitulado “História Popular do Nordeste”, formado em 1997, seguindo essa linha de investigação, menciona em várias partes que busca mostrar os modos de vida “dos grupos subalternos”.

Mas, além de realidade dialética e complexa, o Sertão também é plural. Fernando Sá percorre vários sertões. Primeiro, o Sertão banhado pelo rio São Francisco, “sob o olhar do estudiosoaventureiro Richard Burton” (1821-1890). A partir do registro de viagem desse diplomata inglês pelos sertões da Bahia e Minas Gerais, entre junho e novembro de 1867, o controverso explorador produziu um relato etnográfico de sua viagem com estereótipos inescapáveis, mas, que serviu para documentar os “hábitos, crenças e gestos vivenciados no cotidiano rural e popular, que poderiam desaparecer, por conta do avanço da modernidade, no Brasil.” (SÁ, 2020, p. 37). Além de seu registro da fauna e flora da região.

Em última instância, o explorador visava mesmo era o interesse comercial do Império britânico, porém conseguiu identificar o potencial econômico dos rincões por onde passou e a importância do rio São Francisco para o futuro do país.

Como estudioso do misticismo sertanejo, chamaram minha atenção os detalhes que o livro apresenta sobre as romarias em Bom Jesus da Lapa, na Bahia. Isso porque, como escreve Fernando Sá, “o Bom Jesus da Lapa foi e é a maior devoção dos beiradeiros do São Francisco e o seu santuário remonta ao desbravamento da região, em 1704.” (SÁ, 2020, p. 37). Das crenças no invisível que impregnavam a visão de mundo dessas populações ribeirinhas, o explorador registrou o “cavalo d’água”, importante devido à sua rara menção na bibliografia, “a lenda do Minhocão” e a “Mãe d’Água”, “uma sereia que habita o fundo do rio”.

Na sequência, um romance cujo título é uma palavra só, “Maleita” (1934), de Lúcio Cardoso, descreve a realidade do conflito entre a modernidade e a tradição em Pirapora, Minas Gerais, sob o pano de fundo da dura realidade de uma peste de malária que assolou a região no final do século XIX. Nesse capítulo, o que chama a atenção é a constatação de Fernando Sá: “A maioria dos discursos historiográficos e literários sobre o sertão insiste na pouca influência das populações negras, na composição racial do típico homem sertanejo (…) O negro no sertão é quase uma realidade invisível.” (SÁ, 2020, p. 45).

Assim, na sua busca por “reler a história a contrapelo”, o autor se baseou na história narrada em “Maleita” para mostrar a influência do negro na história do médio São Francisco. Novamente, chamou minha atenção o aspecto místico, concentrado na figura do personagem João Randulfo, que representa a população local e sua resistência ao avanço da modernização, e é um “curandeiro”, considerado “quase ‘sagrado’” pelas populações ribeirinhas da região.

Na verdade, o romance revela uma “simbiose” entre a população local e a natureza. E, ao final, depois de constatar a derrota do projeto modernizador, o autor destacou a força dessa unidade nas seguintes palavras: “Apesar das múltiplas representações do sertão no romance, subjaz uma noção determinista da terra sobre o homem, do deserto sobre o homem, tanto que o engenheiro se sentia um ‘átomo daquele todo que era o sertão’” (…) O sertão dominava a narrativa, os personagens. O rio São Francisco era um mundo, que, além de cenário, era personagem vivo do romance.” (SÁ, 2020, p. 50).

Logo após a conclusão de seu Doutorado, em 2007, o Professor Fernando Sá desenvolveu um Projeto de Pesquisa que reforçou sua preferência metodológica pela História Oral [2]. Intitulado “Cabelo, Barba e Bigode: memória dos barbeiros em Sergipe (1960-2007)” [3] , o Projeto visava “analisar, a partir das fontes orais, as formas de organização e a construção histórica das práticas simbólicas dos barbeiros em Sergipe no período de 1960 a 2007.”[4]

Projeto de curta duração, ao qual o autor se dedicou, nos parece, para reforçar sua inserção no campo da pesquisa em História Oral já que o mesmo, no período compreendido entre 2008 e 2010 foi Diretor da Regional Nordeste da Associação Brasileira de História Oral.

Julgamos, assim, esse tema como um parêntese na evolução do interesse de pesquisa do autor, já que o Professor Fernando Sá se dedicava aos estudos sobre o sertão desde meados da década de 1990, quando, iniciando há pouco sua carreira de Professor Universitário, apresentou trabalho em Seminário ocorrido na Universidade Federal de Sergipe (1995), intitulado: “Sertão Vai Virar Mar: Canudos na Virada do Século.”

Assim, em 2008 o autor demonstrou sua determinação de retomar a pesquisa para a compreensão das complexidades do sertão, e iniciou o desenvolvimento do Projeto de Pesquisa intitulado “O Sertão de Pierre Verger”. Nesse projeto, o recorte temporal se deteve no final dos anos 1940, quando da chegada ao Brasil do fotógrafo francês, e seu levantamento de natureza etnográfica, a partir de suas fotos publicadas na Revista O Cruzeiro. Aqui, a fotografia foi encarada como “documento de história social”, capaz de revelar “figuras e paisagens esquecidas da memória nacional, especialmente os sobreviventes da guerra de Canudos”.

Na síntese do pesquisador, “Apesar de sua obra fotográfica (de Pierre Verger) estar vinculada, principalmente, à cultura afro-brasileira, Verger buscou uma leitura da identidade nacional, para além do litoral, em que se realçam elementos da cultura popular, tipos humanos e aspectos religiosos dos sertões nordestinos”[5].

Como resultado desse Projeto, que contou com a participação de cinco bolsistas de Iniciação Científica na coleta dos dados, o autor publicou, em 2010, um artigo na Revista “Projeto História”, do Programa de Estudos Pós-Graduados em História da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), sob o título “O Sertão de Pierre Verger”.

O resumo do artigo amplia a compreensão do trabalho que foi feito nesses dois anos de pesquisa:

O artigo resgata a categoria sertão a partir das reportagens fotográficas produzidas por Pierre Verger com sua Rolleiflex, entre os anos de 1940 e 1950, para a revista O Cruzeiro. Recuperase o diálogo que Verger estabeleceu na época com pesquisadores que buscavam refletir sobre o sertão nordestino, como Alfred Métroux, Roger Bastide ou Ben Zimmermam, centrando-se a análise na viagem de Verger à região de Canudos em 1946. Suas fotos documentaram as reportagens de Odorico Tavares sobre Euclides da Cunha; sobre o Reduto de Antônio Conselheiro; sobre Os Sobreviventes; e sobre Monte Santo. Como atos de afeição, suas fotografias buscavam a fusão com a cultura sertaneja, penetrando em outras fendas da memória – vestígios vigorosos marcados, de forma indelével, naqueles sobreviventes e remanescentes da guerra de Canudos. (SÁ, 2021, p. 357).

Dez anos após, o autor fez uma revisão do texto desse artigo e o publicou como capítulo, agora com um título mais ampliado: “O Sertão de Canudos sob o olhar de Pierre Verger”. O interessante é que, no artigo, aparece uma foto de Pierre Verger que não consta no Capítulo do livro. Na página 377 da supracitada Revista Acadêmica, a FIGURA 11: Sem título, Canudos (BA), c. 1946, sob a frase” “Nada lembra mais o silêncio do que a pedra e a cruz”, (SÁ, 2021, p. 377), mostra uma cena da vida cotidiana no sertão. É a comprovação documental de um costume criptojudaico, de natureza mística, que também foi cultivado pelos descendentes dos seguidores de Antônio Conselheiro, qual seja; todo transeunte deve colocar uma pedra nos túmulos por onde passa.

Ainda em 2008, a pesquisa do Professor Fernando Sá incorporou uma fonte inovadora para analisar as representações sobre o episódio mais marcante da História do Sertão, a Guerra de Canudos. Depois de se valer de fontes tradicionais tais como o relato de viajantes, a literatura e as fotos de retratistas internacionais, sob o título “Canudos Plural: Imagens em Movimento do Sertão em Guerra”, ele fez uma análise da “cinematografia brasileira” do final da década de 1980 e da década de 1990, que, ao tentar “retratar o país” faz uma “redescoberta do sertão”.

Depois de historiar sucintamente a produção cinematográfica, a partir de 1953, sobre a temática do cangaço e de Canudos, Fernando Sá se concentrou em filmes que, no período supracitado, decidiram “expor o passado”, se detendo em suas representações desse episódio sombrio e perturbador de nossa história sertaneja.

O princípio de interpretação utilizado foi fornecido por Pierre Nora, ao criticar a memória coletiva imposta pelos media e percebê-la como “campo de forças políticas e ideológicas”. Porém, a partir dessa época, a História foi escrita sob a pressão das memórias coletivas, especialmente dos grupos sociais marginalizados, com suas memórias subterrâneas se contrapondo à memória que se quer nacional”. (SÁ, 2020, p. 130).

Seguindo esse princípio hermenêutico, o historiador analisou “Guerra de Canudos” (1997), dirigido por Sérgio Rezende. Tendo se constituído no filme “mais caro, até então (seis milhões de dólares) da cinematografia brasileira, levando quase quatro anos para ser produzido e o “mais visto, no ano de 1997, com mais de 700 mil ingressos”, a narrativa gira em torno do drama de uma família, no sertão da Bahia, do final do século XIX, a partir do olhar feminino de Luísa (Cláudia Abreu).” (SÁ, 2020, p. 126).

A interpretação que se apresenta da obra cinematográfica destaca um fio condutor que perpassa toda a obra, qual seja, a visão euclidiana do Sertão. Assim, não podemos deixar de observar que, ao longo dos capítulos do livro, o Professor Fernando Sá, com relativa frequência, dialoga com o pensamento de Euclides da Cunha. Talvez, fosse o caso até dele ter oferecido uma síntese dessa vertente na sua interpretação, explicitando seu pensamento, definido pelo Professor Marlon Solomon, da Universidade Federal de Goiás, como se inserindo “no campo das historiografias não-euclidianas do sertão”.

Nesse sentido, o autor arremata:

A crítica mais adequada para o filme de Sérgio Rezende é aquela que leve em consideração que o realismo e a objetividade são colocados em função de uma representação oficial da Guerra de Canudos, trazendo consigo o discurso imagético autoritário que remonta às fotografias de Flávio Barros. Neste discurso, o Exército aparece como civilizador ante o fanático Antônio Conselheiro, líder de um bando de ignorantes.” (SÁ, 2020, p. 130).

Perspectivas diferentes apareceram em “República de Canudos” (1989), “Caderneta de Campo” (1993), Utopia (1994), Canudos não Morreu (1996) do cineasta Pola Ribeiro que, esforçou-se por apresentar uma “pluralidade de pontos de vista” sobre o episódio histórico. “O impacto dos seus vídeos na comunidade atual de Canudos contribuiu para o arrefecimento do medo das pessoas se identificarem com os conselheiristas, sem serem chamados de um dos loucos do Conselheiro.” (SÁ, 2020, p. 134).

Na categoria de Curtas, Fernando Sá apresenta o trabalho de Otto Guerra e Adalgisa Luz, “O Arraial” (1997), “a partir de uma perspectiva sebastianista”. O autor, ao final destacou: “Mesmo com toda a crítica de historiadores e cientistas sociais quanto à inexistência do sebastianismo, nas prédicas e práticas de Antônio Conselheiro pode-se perceber uma permanência dessa leitura numa fusão entre as interpretações de Euclides da Cunha e Ariano Suassuna e a cultura popular, resultando numa circularidade entre as criações, nos diferentes universos culturais, como é o caso do cinema de animação de Otto Guerra”. (SÁ, 2020, p. 141).

Segue-se a análise de outras produções alternativas. Ao final do capítulo, o autor arremata sua incursão pelas representações cinematográficas da Guerra de Canudos com a seguinte conclusão: “…Canudos não se tornou história, é ainda memória, campo de vivência e luta, briga pelo presente e pelo futuro da República”. (SÁ, 2020, p. 141).

Entre 2009 e 2015, o Professor Fernando Sá dedicou suas pesquisas a outro tema que tem cativado seu interesse, que é o de perscrutar o impacto das Novas Tecnologias da Informação e Comunicação sobre a práxis dos historiadores. Em função disso, desenvolveu dois Projetos de Pesquisa: “Admirável Mundo Novo: História e Cibercultura” e “A Internet e a Oficina da História.”

Porém, quando decidiu enfrentar os Estudos de Pós-Doutorado voltou ao tema com o qual trabalhava há mais de vinte anos. Assim, desenvolveu no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), entre 2016 e 2017, o Projeto de Pesquisa “Fotografia, História e Memória: Marcel Gautherot e o sertão do rio São Francisco”.

Parte do relatório final desse estágio de Pós-Doutorado, sob financiamento da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), foi publicado como capítulo no livro objeto dessa resenha. Aqui, ocorreu um aprofundamento do Projeto desenvolvido entre 2008 e 2010 e uma comparação do trabalho de utilização da fotografia como recurso etnográfico por dois importantes fotógrafos estrangeiros que documentaram o sertão do rio São Francisco.

O autor destacou uma “convergência de olhares” dos dois “fotógrafos viajantes” sobre o mundo. Agora aparece o papel histórico de várias “fotorreportagens” publicadas na Revista O Cruzeiro, documentando os personagens, as embarcações, a produção agrícola, o artesanato, a natureza, a romaria de Bom Jesus da Lapa e as paisagens culturais.

Nesse particular, o autor revelou ter incorporado as potencialidades do espaço cibernético ao seu trabalho de historiador, uma vez que pesquisou no acervo de fotografias do Instituto Moreira Salles que, sobre a obra de Marcel Gautherot, traz a seguinte informação:

 Adquirida pelo Instituto Moreira Salles em 1999, a obra completa do francês Marcel Gautherot compõe-se de cerca de 25 mil imagens que abrangem um vasto leque temático e situam seu autor entre os nomes fundamentais da fotografia brasileira no século XX. (SALLES, 2021)

Nota-se, assim, que o trabalho de pesquisa do Professor Dr. Fernando Sá ao longo de sua vida profissional revelou coerência pois, mesmo quando desviou seu foco de pesquisa para outros interesses não deixou de incorporar um recurso que, provavelmente, incluiu em sua práxis a partir dessas pesquisas sobre o fazer do historiador impactado pelas Novas Tecnologias da Informação e Comunicação, qual seja, a proliferação de arquivos no espaço cibernético.

Assim, depois de mostrar os “Olhares Viajantes sobre o rio São Francisco” e as “Imagens de Canudos e(m) outras Artes”, Professor Fernando Sá dedicou-se a desvendar o “Sertão Contemporâneo”. Nesse esforço, produziu os dois últimos textos que compõem seu livro e que representam os trabalhos mais recentes que escreveu sobre o tema, a partir de 2017.

Refletindo sua inserção no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFS (Universidade Federal de Sergipe), onde chegou a ocupar o cargo de Vice-Coordenador entre 2013 e 2015, enviou para a “Revista de História Regional”, que se define como “espaço de divulgação de trabalhos que tenham enquadramento teórico e metodológico dentro do campo de pesquisa em História e Região”, um artigo onde apresenta o tema da identidade nacional e o “sertão de Sergipe”, a partir da obra de João Ubaldo Ribeiro, especificamente, o Romance “Sargento Getúlio”.

No resumo do texto, o autor sintetiza sua compreensão da obra:

Em diálogo com a tradição intelectual que remonta a Euclides da Cunha e João Guimarães Rosa, o romance Sargento Getúlio (1971), de João Ubaldo Ribeiro, retratou o sertão sergipano como lugar de travessia. O percurso entre Paulo Afonso, na Bahia, e Barra dos Coqueiros, em Sergipe, trouxe, ao protagonista, experiências relacionadas às transformações sociais e políticas ocasionadas pelos conflitos entre a tradição e a modernização. Transformado em espécie de anti-herói, pautado pela virtude (areté), o Sargento Getúlio atravessou as brenhas do sertão tensionado entre o apelo pelo enraizamento e a tentação da errância, revelando os sentimentos e emoções de pessoas ordinárias embrutecidas pelo sistema político dominante. (SÁ, 2021a, p. 193)

E, por fim, visitou outro tema da História do Sertão, com o qual convive no cotidiano de seu trabalho docente, ao organizar excursões de estudos pelas “trilhas da memória do cangaço”, periodicamente, com os(as) estudantes do Curso de História da Universidade Federal de Sergipe.

Para tanto, se valeu como fonte da “iconografia do cangaço” e de “documentos fotográficos sobre o bando de Lampião”. Dentre tantas possibilidades de fontes imagéticas sobre o cangaço, o autor concentrou sua análise no Projeto Fotográfico de Márcio Vasconcelos, disponibilizado no espaço cibernético, comprovando a adequação do desempenho de seu ofício de historiador às possibilidades e desafios dos tempos atuais.

O Projeto Fotográfico, que obteve patrocínio do Ministério da Cultura através da FUNARTE (Fundação Nacional de Artes), intitulou-se “Na Trilha do Cangaço: Um ensaio fotográfico pelo Sertão que Lampião pisou”, e está disponível em um Website com visual primoroso no endereço: http://natrilhadocangaco.com.br/projeto.php.

Mas, o que mais interessa aqui é a interpretação que o autor, a partir dessa fonte imagética, faz do episódio do cangaço e do cotidiano de seus agentes históricos nos idos das décadas de 1920 a 1940 e a sua comparação com os dias atuais.

Retomando um dos principais fios condutores de seu pensamento e de sua obra, Fernando Sá destaca um detalhe revelador: a “convivência com a rica classe latifundiária fez com que Lampião tivesse acesso às inovações da modernidade.” E, para retomar o sentido dessa dialética presente em todo o livro, o autor arremata sua interpretação do ensaio fotográfico assim:

Vasconcelos apostou na busca do passado no presente, da resistência popular daqueles que disseram ‘não à situação’. A presença hoje de vaqueiros, romeiros, beatos e retratistas revela ‘as dimensões históricas e simbólicas profundas da realidade social da qual são agentes ativos’, (citando José de Souza Martins) na medida em que esse sertão mutante e não parado no tempo pode preservar a tradição sem descurar da modernidade.” (SÁ, 2020, p. 187).

Apesar de haver evitado o debate de muitos temas complexos, presentes na obra, sobre as “representações” do sertão, espero que, ao associar a produção do livro ao bem-sucedido [6] percurso de vida profissional do autor, essa resenha sirva de incentivo aos que estão iniciando a carreira acadêmica para se espelharem no exemplo de um profissional que mantém a coerência intelectual e está sabendo se reinventar diante dos desafios da sociedade do conhecimento à profissão de Historiador.

Notas

1. Sua Tese de Doutorado intitulou-se “Filigranas da Memória: História e Memória nas Comemorações dos Centenários de Canudos (1993-1997), defendida em 2006, na UNB.

2. O autor foi Diretor da Regional Nordeste da Associação Brasileira de História Oral no período compreendido entre 2008 e 2010.

3. O referido Projeto rendeu duas publicações ao autor: “TELES, E. L.; SÁ, Antônio Fernando de A. ‘Cabelo, barba e bigode’: Memória dos barbeiros em Sergipe (1960-2007). PONTA DE LANÇA (UFS), v. 2, p. 113-124, 2008. e TELES, E..; SÁ, Antônio Fernando de A. História Oral dos Barbeiros em Sergipe (1960-2007). Caderno de Cultura do Estudante (UFS), v. 6, p. 84-92, 2008.

4. http://lattes.cnpq.br/4761668150681726.

5. http://lattes.cnpq.br/4761668150681726.

6. Em 2019, Fernando de Araújo Sá tornou-se Professor Titular do Departamento de História da UFS (Universidade Federal de Sergipe), último degrau da Carreira docente nas IFES (Instituições Federais de Ensino Superior) no Brasil, coroando assim um projeto de vida profissional dedicada ao Ensino e à Pesquisa sobre o tema da História e Cultura do Sertão nordestino que já dura 29 anos.

Referências

SÁ, Antônio Fernando de Araújo. O Sertão de Pierre Verger. Projeto História. nº 40, junho de 2010. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/6136/4458 . Acesso em: 19 abr. 2021.

SÁ, Antônio Fernando de Araújo. Do sertão ao mar: o sertão como travessia em João Ubaldo Ribeiro. Revista de História Regional 22(2): 193-209, 2017. Disponível em: https://revistas2.uepg.br/index.php/rhr/issue/view/571. Acesso em 21 abr. 2021a

SÁ, Antônio Fernando de Araújo. Entre Sertões e Representações: Ensaios e Estudos. São Paulo, SP: Editora Liber Ars, 2020.

SALLES, Instituto Moreira. Marcel Gautherot. Disponível: https://ims.com.br/titularcolecao/marcel-gautherot/ Acesso em: 20 abr. 2021.

SUASSUNA, Ariano. A Pedra do Reino | Making Of | Taperoá | Parte 1. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ywc_dzoHeBM.  Acesso em: 08 abr. 2021.


Resenhista

Marcos Silva – Professor Associado IV no Departamento de História Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected]


Referências desta resenha

SÁ, Antônio Fernando de Araújo. Entre Sertões e Representações: Ensaios e Estudos. São Paulo, SP: Editora Liber Ars, 2020. Resenha de: SILVA, Marcos. Entre sertões e representações: ensaios e estudos, uma visada biobibliográfica. Ponta de Lança – Revista Eletrônica de História, Memória & Cultura. São Cristóvão, v.15, n.28, p. 232 -242, jan./jun. 2021. Acessar publicação original [DR].

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