Escritas de si nas Américas | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2018

Um amplo movimento historiográfico, empreendido a partir dos anos oitenta do século XX, incorporou fontes antes consideradas “acessórias” e/ou “informativas”, concedendo-lhes novo status. Se há bem pouco tempo o indivíduo era apreendido como um elemento frágil e incerto de um “todo” que o sobrepujava, com a readaptação das lentes de análise, a historiografia se dispôs a um arrojado projeto: inquirir-se sobre a concepção de verdade histórica, aproximando-se das perspectivas criadoras e inventivas, emergentes do mundo privado, íntimo e particular. Essas últimas três palavras desvelam o encontro com as práticas cotidianas em escala micro. Igualmente, desvelam a invisibilidade e o anonimato impingidos àqueles que não integravam o rol de lideranças e/ou heróis porque não eram identificados como portadores da capacidade de significar sua experiência no tempo. Seguindo essa argumentação, o sentido de cada uma das palavras mencionadas se amplia, instaurando-se a diferença entre elas. O íntimo e o particular integram o ambiente privado. Entretanto, não se reduzem a ele nem exprimem a convergência de práticas nesse espaço. Por um lado, o particular é íntimo, a depender da interlocução que se produz entre os sujeitos na cena histórica; por outro, o particular pode ser mobilizado por mitos e rituais públicos, sem prejuízo ao segredo íntimo, que permanece resguardado no privado. Por esses cruzamentos, as dicotomias e dissensões entre indivíduo e sociedade desaparecem, dando lugar a uma investigação que privilegia a troca de experiências – no micro, reconhece-se o macro; no indivíduo, exprimem-se as práticas socioculturais.

No interior de um lugar (as Américas) e tempo (séculos XIX a XXI), a presença da heterogeneidade de sentidos anuncia que a mudança profunda se encontra exatamente no desejo de apreender e compreender historicamente o processo de subjetivação. Esse é o pilar que sustenta a escrita de si; sem subjetivação, ela inexiste. Então, uma segunda exigência se coloca: a de examinar a linguagem, entendida como fonte primária a estruturar o universo do sujeito. Morte do autor, identificação da autoria, ficcionalização da vida narrada, prefiguração, performance, personificação, forma e conteúdo discursivo, recepção e circularidade, dentre tantos outros fenômenos, tornam-se variáveis a serem consideradas quando da análise da linguagem que conforma a escritura específica da escrita de si. Portanto, não de qualquer escritura, mas daquela que, por seus mecanismos internos comunicados externamente, expressa o processo de subjetivação. Epistolários, biografias, autobiografias, diários e até mesmo a literatura foram examinados, revisitados, revalorizados, levando-se em conta a potencialidade linguística para expressar o tempo (o físico, o subjetivo e o histórico). Entretanto, as fontes não se desatam do sujeito, e, por isso, exigem também a inquirição acerca dos distintos envolvidos no processo de escrita, a saber: o sujeito que narra/escreve, os sujeitos com os quais ele dialoga diretamente e com os quais sequer sabe que dialoga (os receptores da circulação), os que ordenam, arquivam e legitimam a produção escrita/narrada como fonte histórica (editores, memorialistas, arquivistas, museólogos, dentre outros).

Por fim, cabe lembrar que, muito antes do reconhecimento à subjetividade advir do campo historiográfico, inúmeros sujeitos – homens e mulheres, figuras públicas e anônimas – elaboraram e se utilizaram das chamadas escritas de si, seja para se reinventarem, seja para se afirmarem. Escrever sobre si examinando as motivações íntimas de suas ações é parte inicial do esforço de elaboração subjetiva. Acompanha esse esforço a tarefa de eleger um outro. Vergonha, medo, culpa, estima, orgulho clamam pela persona. 3 Se na confissão cristã nem tudo é dito, posto que o “pecado original” não se extingue, na celebração da vida escancaradamente exposta dos tempos modernos, a solidão e a censura tornam mais charmosas e aventureiras as descobertas dos historiadores. O jogo dialético da escrita de si captura-se lentamente: ela revela escondendo-se. Se sujeitos arriscaram a se expor foi (é) por motivos complexos, mas, sobretudo, por vislumbrarem na escrita de si o meio adequado para alcançar três formas de apropriação relevantes, quais sejam: a) a reinvenção de si e a ficcionalização da vida; b) a lapidação da imagem e a reparação de identidades (ou, ainda, sua desconstrução); c) a reivindicação de um espaço público, que entendiam obliterado, para explorar e exprimir as experiências subjetivas.

Tendo como eixo as considerações até aqui expostas, a edição número 24 da Revista da ANPHLAC apresenta aos leitores o dossiê intitulado As escritas de si nas Américas, composto por dez artigos e uma resenha. Na seção Artigos Livres, temos três contribuições. Em todos os textos do dossiê desfilam fontes autorreferenciais. Com satisfação, verificamos uma incontestável diversidade, tanto no que se refere à representatividade das regiões do continente americano quanto à documentação manejada pelos pesquisadores. Os textos apresentam hipóteses e conclusões surpreendentes e inquietantes, com a preocupação constante de explicitar a fecundidade das fontes analisadas – cartas, memórias, diários, relatos autobiográficos (que se misturam a inquéritos folclóricos e história em quadrinhos). Adotou-se o critério cronológico para a apresentação dos artigos, cujos recortes temporais cobrem o período entre a primeira metade do século XIX e o início do século XXI.

No artigo que abre o dossiê, “As imagens de Simón Bolívar: do general iluminista aos usos do passado e das crônicas coloniais”, Marcus Vinícius de Morais, audaciosamente, apresenta-nos mais um Simón Bolívar, reconhecendo os “outros tantos” criados pela disputa instituída entre os escritos do general criollo e a historiografia. O autor encontra esse “outro Bolívar” relendo os textos clássicos do caraquenho e propondo a ampliação das fontes primárias. Interessa-lhe, especialmente, demonstrar de que forma esse representante da elite oitocentista recorreu ao passado colonial. Ao fazer isso, Morais nos convence de que o apelo ao passado é uma estratégia para afirmar as narrativas independentistas e permitir a elaboração subjetiva do referido General. A contribuição do artigo encontra-se, sobretudo, na ratificação da linguagem polifônica das independências: o Bolívar de Marcus Vinícius de Morais é uma mistura surpreendente das reinvenções vocabulares do iluminismo, das conhecidas táticas de guerra e da crítica colonial. Nessa mistura, residem a novidade e a ultrapassagem da linguagem política europeia, o que valida, assim, a originalidade das independências.

Em “As imagens do jornalista Héctor Florencio Varela sobre Madame Lynch e o Paraguai no pós-Guerra da Tríplice Aliança”, Natania Neres da Silva discute a relevância da biografia publicada em 1870 pelo jornalista argentino sobre uma figura controversa na história do Paraguai, Elisa Lynch, a companheira do general Solano López e personagem importante na Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870). A autora argumenta e demonstra como essa produção biográfica de Varela serviu de modelo às biografias posteriores, difundindo e consolidando, portanto, uma determinada interpretação (duradoura) a respeito de Lynch e do Paraguai. As relações intelectuais e políticas do jornalista, a acalentada causa americanista, acabam por associar Elisa Lynch por Orion ao estabelecimento de uma (vitoriosa) narrativa nacional paraguaia. Nesse caso, a fonte conduz Natania Neres a se interrogar sobre a ambiência após a guerra e, ainda, sobre os envolvidos, diretamente ou indiretamente, no processo de escrita do jornalista – um espectro que alcança os liberais argentinos e os futuros receptores da biografia que a citariam, ora crítica, ora acriticamente.

O terceiro artigo, “Memórias e entrevistas de um professor primário para um inquérito folclórico argentino”, de Vitor Hugo Silva Néia, aborda uma documentação original, os inquéritos folclóricos, idealizados pelo Conselho Nacional de Educação. O fluxo intenso de imigrantes na Argentina tornou-se preocupação constante dos intelectuais nacionalistas da década de 1920, uma vez que os imigrantes eram vistos como fator de desestabilização social e risco para a identidade nacional. Nesse sentido, a aplicação do inquérito respondia à “argentinização” das práticas populares, corroborando-a. A associação entre a educação e o folclore se realiza pela crença nacionalista de que o folclore expressaria a tradição, o passado e, portanto, guardaria elementos fundamentais para a introjeção da nacionalidade. Para esse projeto, os professores (ou outros profissionais, tais como diretores de escola) assumiam o lugar de mediadores, localizavam-se privilegiadamente entre o controle do Estado Nacional e as práticas populares. Daí, a importância da mobilização da categoria profissional na aplicação dos inquéritos e compilação dos resultados. Neia demonstra a originalidade das fontes, sobretudo quando as analisa enquanto escritas de si. Os elementos biográficos e autobiográficos integram os inquéritos na medida em que denotam a subjetividade do professor e dos entrevistados, ora se aproximando, ora contrariando os sentidos originalmente pretendidos pelos autores do inquérito.

Sob a perspectiva da História das Relações de Gênero e dos estudos sobre as escritas de si, Ana Beatriz Mauá Nunes analisa o intercâmbio epistolar entre duas grandes figuras da cultura – uma chilena e outra argentina. Sob o título “Para quebrar o monólogo masculino: reflexões sobre o papel das mulheres no mundo das letras nas correspondências entre Gabriela Mistral e Victoria Ocampo, 1926 a 1956”, a autora discute as relações de caráter pessoal e intelectual estabelecidas entre as escritoras no período referido, destacando os significados das identidades latino-americanas, o papel do intelectual engajado na construção dessas identidades e o lugar da mulher e do feminismo, tema que recebe maior aprofundamento.

O Paraguai reaparece no artigo “ ‘Desterro’, ‘Exílio Dourado’, ‘Esquecimento’: a experiência do ostracismo de dois intelectuais paraguaios em primeira pessoa (1950- 1965)”. Marcela Cristina Quinteros analisa o contato epistolar entre Juan Natalicio González e Víctor Morínigo, respectivamente, presidente deposto e ministro, ambos afetados pelo golpe de estado de 1949. A troca de correspondência, que perdurou por longos quinze anos, é espaço privilegiado para esmiuçar as relações entre o privado, o íntimo e o particular, buscando, assim, a exposição do que denominamos processo de subjetivação. Passando pelas fases que modificaram a experiência de ambos, do desterro ao exílio, o texto de Quinteros vai desnudando, paradoxalmente, a dureza do “exílio dourado”, marcado pela distância da terra natal e pelo afastamento da cena política. “Desterro assalariado” e “solidão mexicana” são signos e indícios da tumultuada experiência dos exilados. As consequências políticas após prolongados períodos fora do Paraguai e os mecanismos utilizados pelo governo paraguaio para manter os adversários longe do país integram a narrativa (e a análise) epistolar, ao lado da elaboração desses personagens de sua própria experiência.

“Esculpir a vida com palavras: Autobiografia de Marina Núñez del Prado (1908- 1995)”, de autoria de Giovanna Pezzuol Mazza, é o sexto artigo do presente dossiê. Mazza traz a análise da autobiografia artística da escultora boliviana Marina Núñez del Prado, participante ativa do movimento indigenista andino. Sob o título Eternidad en los Andes, a autobiografia foi publicada em 1973. Enfrentando o potencial subjacente dos escritos autorreferenciais e desvendando as intrincadas relações entre subjetividade individual e contexto social, o texto analisa as estratégias utilizadas pela artista para construir uma narrativa que, marcada pela memória, julgava digna de ser preservada. A autora destrincha a forma pela qual Marina Núñez esculpe uma persona, afirmando-se como artista profissional que centrou suas atenções na representação da mulher indígena.

Cuba está representada pelo texto de Jorge Luiz Teixeira Ribas, “Cartas da Revolução Cubana: Reinaldo Arenas antes do exílio Mariel”. Arenas, intelectual censurado e perseguido por ser homossexual e pelo teor de seus escritos, escreveu cartas ao casal de amigos Jorge e Margarita Camacho, entre os anos 1967-1980. Objetivando ressaltar a importância da escrita epistolar para a historiografia sobre o período, o autor aprofunda a compreensão do contexto revolucionário no que se refere à relação entre os intelectuais e a revolução. Por meio da análise das missivas, o pensamento político, os aspectos subjetivos, as ideias e os sentidos que Arenas produziu em relação às políticas revolucionárias e a sua avaliação dos alcances e limites das duas primeiras décadas da Revolução são captados e discutidos no texto. A densidade dos conflitos de Arenas e, ao mesmo tempo, os silêncios e interditos impostos pelo contexto revolucionário tornam a leitura das cartas, bem como sua análise, um desafio.

Pedro Demenech traz sua contribuição com o artigo “A traição do falcão: Ángel Rama nos Estados Unidos”. Com base no Diario, escrito pelo intelectual uruguaio entre 1974 e 1983 e publicado originalmente em 2001, Demenech propõe contribuir com uma análise a respeito da inserção de Rama na cultura norte-americana, considerando principalmente a experiência universitária do intelectual no país. O autor busca interpretar a maneira como o crítico literário construiu e modelou um self que, segundo seu argumento, distinguia-se do intelectual público. O Diario revela o desejo e o esforço de Rama, mesmo nas ocasiões em que os nega, em se transformar: as diferenças que enxergava “fora de si” (principalmente por meio das comparações entre as práticas universitárias latino-americanas e estadunidenses) serviam ao processo de subjetivação. O artigo trata também do episódio que levou à sua expulsão dos Estados Unidos, o conhecido Trampa 28, quando o intelectual foi declarado “comunista subversivo”, sob o amparo de resquícios legais macarthistas.

No nono artigo, a autobiografia, o mais autorreferencial dos gêneros que compõem as escritas de si, volta a ser contemplada no texto de Alexandre Guilherme da Cruz Alves Júnior, “O Fundamentalismo Cristão e ascensão da Direita Cristã nos Estados Unidos através da obra “Jerry Falwell: uma autobiografia”. Sublinhando a ascensão do Tea Party e a recente eleição de Donald Trump, o autor busca compreender a aliança entre o Partido Republicano e a Direita Cristã, apoiando-se na análise da trajetória do pastor fundamentalista cristão estadunidense Jerry Falwell. Assim, a narrativa autobiográfica permite ao historiador expor a complexa síntese entre religião e política. Nesse caminho, Alves Júnior pondera sobre os acordos políticos que viabilizaram a crescente intervenção de lideranças religiosas conservadoras junto ao Partido Republicano no último quarto do século XX.

O décimo e último artigo, “ ‘O que é normal e o que é louco?’ A vida com transtorno bipolar na autobiografia em quadrinhos Parafusos de Ellen Forney”, elaborado por Yonissa Marmitt Wadi e Diego Luiz dos Santos, aponta para a atualidade do tema e relevância das fontes que compõem este dossiê, em geral, e o artigo, em específico. Fruto de uma pesquisa inserida no campo da história da loucura e da psiquiatria, os autores analisam a narrativa, em primeira pessoa, de uma quadrinista norte-americana diagnosticada com transtorno bipolar. O argumento desenvolvido é de que houve intenções de ordem pedagógica e terapêutica, por parte da autora, ao transformar sua experiência em livro. A partir dessa premissa, aproximam-se da experiência da artista com a loucura. Como a narrativa autobiográfica sustenta a análise e associa-se às motivações já mencionadas, importa destacar como o diagnóstico acaba por classificar e enquadrar a subjetividade, a busca por alternativas ao tratamento psiquiátrico medicamentoso até a sua aceitação e a relação entre loucura e criatividade artística.

Na seção Artigos Livres, como adiantado, recebemos três contribuições.

Em “O pensamento latino-americano nos anos 1960 e 1970: debates, ideias, conceitos”, Alexandre Queiroz revisita o debate que ocupou a História Intelectual entre as décadas de 1960 e 1970. Apoiado em fontes como manifestos, conferências e ensaios, o autor apresenta, na primeira parte do artigo, o diálogo entre Leopoldo Zea e Augusto Bondy. Interessa-lhe também, mais amplamente, expor as polêmicas desenvolvidas no campo marxista, capitaneadas, sobretudo, pela Revolução Cubana, mas aprofundadas pelos debates em torno da via chilena e dos autoritarismos. Essa perspectiva histórico-revolucionária, “libertadora”, nas palavras de Queiroz, ocupa a segunda parte do artigo, sendo o tema a mobilizar os intelectuais. Alicerçado pela abordagem transnacional, o artigo demonstra que os importantes debates intelectuais latino-americanos encontram-se com duas exigências: a primeira, a de compreender o próprio continente e suas interações; a segunda, intimamente relacionada à anterior, a de rever e criticar pressupostos externos, como, por exemplo, o universalismo, o eurocentrismo e o essencialismo identitário.

No segundo artigo desta seção, “Gabriela Mistral: uma trajetória intelectual”, Ana Amélia de Moura Cavalcante de Melo acompanha, como sugerido, a trajetória de Gabriela Mistral. Reconhecida como poetisa, especialmente em virtude do Prêmio Nobel que lhe foi concedido em 1945, a ilustre chilena também ocupou cargos governamentais e atuou como jornalista e educadora. Entre seus temas de interesse, estiveram o mundo rural, os povos indígenas e a mulher. De acordo com Cavalcante de Melo, Gabriela Mistral “construía sua voz em um espaço de transgressão”, pelo que se entende o interesse feminista em emancipar as mulheres, conforme registrado em seu diário íntimo. Assim, tomando como fonte principal os escritos jornalísticos e detendose nos textos de juventude anteriores à premiação, a contribuição deste artigo reside no recorte da produção da literata e na exposição de suas perspectivas políticas e feministas, evidenciadas nos textos jornalísticos publicados em órgãos de divulgação do Partido Radical.

“Os robôs de Asimov e o futuro da humanidade”, da autoria de Andreya S. Seiffert, é o terceiro e último artigo da seção. O objetivo central é apresentar os contos de Isaac Asimov, Eu, robô, escritos durante 1940 e reunidos e publicados em 1950. Escritor de ficção científica norte-americano, nascido na Rússia, Asimov partilha conosco a visão de um futuro em que máquinas criam outras máquinas, cada vez mais sofisticadas, prontas a realizar o trabalho cotidiano. Para a autora, embasada pela crítica literária, os contos de Asimov permitem enxergar a associação entre a narrativa fantástica e os temas onipresentes na sociedade estadunidense das décadas de 1940 e 1950, como é o caso da escravidão e da homofobia. É mais do que reconhecida a fecunda relação entre história e literatura e, no que se refere à ficção científica, de matriz inglesa e norte-americana, também não se desconhece a importância dos projetos editoriais norte-americanos fomentados nos tempos da Guerra Fria. Diante das relações mencionadas, o exame dos contos de Asimov explicita os caminhos de um programa cultural que circulou pelas Américas e consolidou percepções políticas duradouras no continente.

Na seção Resenhas, o leitor encontrará também a apresentação dos resultados de uma pesquisa em que o tratamento das fontes se nutriu das perspectivas teóricas e metodológicas das escritas de si. O texto de Eugênio Rezende de Carvalho analisa o livro da historiadora Fabiana de Souza Fredrigo, Guerras de papel: Francisco de Paula Santander e Simón Bolívar, das peças autobiográficas à relação epistolar (1826-1837), recentemente publicado. À luz da historiografia, Fredrigo estabelece um diálogo entre as fontes de natureza autobiográfica e epistolar, relendo e reavaliando as memórias e as cartas de Francisco de Paula Santander (1792-1840). Ao confrontar essas fontes com as epístolas de Simón Bolívar (1783-1830) e analisar como o venezuelano é descrito pelo antigo companheiro de armas em suas memórias, a autora reforça a hipótese de seu trabalho anterior: a existência de uma vigorosa rede de sociabilidade entre os generais independentistas hispano-americanos, que resiste, inclusive, aos combates, aos fracassos e à existência de projetos distintos para a administração das regiões libertadas. Carvalho afirma que a obra Guerras de papel pode ser vista como “a expressão do combate vivaz e fundamental pela renovação da historiografia acerca tanto dos processos e movimentos de independência política das colônias espanholas na América quanto do pensamento político hispano-americano do século XIX”.

Finalizando, gostaríamos de agradecer a valiosa contribuição de dezenas de pareceristas e do revisor, Daniel Barbo, que também trabalharam para o resultado final da presente edição. Nosso desejo é que os leitores e leitoras apreciem os artigos aqui apresentados e que o dossiê “Escritas de si nas Américas” incentive e promova o surgimento de novas pesquisas.

Nota

3 Entendemos persona como a figura que se (re)constrói no texto e depende de um contexto externo – que é o que lhe obriga à escrita. Partindo desse pressuposto, estabelecem-se relações entre autor e personagem e entre texto e contexto, sem que essas relações sejam apriorísticas ao ato biográfico. Desse modo, quando fazemos referência à persona, estamos admitindo a criação, a invenção, e apropriando-nos, também, do significado latino: máscara. Como mencionamos, a escrita de si revela escondendo-se. In: FREDRIGO, Fabiana. Guerras de papel: Francisco de Paula Santander e Simón Bolívar, das peças autobiográficas à relação epistolar (1826-1837). Goiânia: Editora UFG, 2017.


Organizadores

Romilda Costa Motta – Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), Brasil, sob a orientação de Maria Ligia Coelho Prado. E-mail: [email protected]

Fabiana de Souza Fredrigo – Professora da Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás (UFG), Brasil, credenciada no Programa de Pós-Graduação em História, na linha de pesquisa intitulada Ideias, saberes e escritas da (na) história. E-mail: [email protected]


Referências desta apresentação

MOTTA, Romilda Costa; FREDRIGO, Fabiana de Souza. Apresentação. Revista Eletrônica da ANPHLAC, n. 24, p. 1-9, jan./jun. 2018. Acessar publicação original [DR]

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