Fronteira e Defesa Nacional: Segurança Integrada e Ajuda Humanitária | Monções – Revista de Relações Internacionais | 2021

Esta edição da revista Monções1 – o dossiê Fronteira e Defesa Nacional: Segurança Integrada e Ajuda Humanitária – reúne um conjunto de artigos que abordam diferentes temáticas das Relações Internacionais contemporâneas. Os textos dão enfoque especial à crise decorrente da imigração venezuelana para o Brasil, com seus desdobramentos – Operação Acolhida, políticas de interiorização dos imigrantes e a questão dos refugiados em Mato Grosso do Sul – e trazem ainda análises das políticas públicas voltadas à faixa de fronteira do Brasil, como o projeto SISFRON e a implantação do RTU, e da política para as fronteiras do governo Trump e os fluxos migratórios da América Latina para os Estados Unidos. Por fim, é apresentada uma resenha que aborda a temática do terrorismo.

O dossiê Fronteira e Defesa Nacional: Segurança Integrada e Ajuda Humanitária traz em sua abertura uma entrevista com o diplomata Celso Amorim, ex-Ministro das Relações Exteriores do Brasil. Na entrevista, concedida à equipe da revista Monções, o diplomata discorre sobre sua trajetória profissional, sua atuação como diplomata no âmbito do MERCOSUL, sua atuação na ONU, suas experiências como Ministro da Defesa e como Ministro das Relações Exteriores do Brasil. Ao longo de sua fala, o diplomata aborda diferentes temas como geopolítica, PEB, BRICS, Conselho de Defesa Sul-Americano, ZOPACAS, Operação Ágata e a Comissão da Verdade. Ao final da entrevista, Amorim analisa as mudanças na política externa do Brasil a partir de 2016 e traz um prognóstico do cenário internacional pós-COVID19, comentando o papel dos Estados Unidos de Biden, o protagonismo da China, a importância da UNASUL e a crise na Venezuela, entre outros temas.

Na sequência, no artigo The future of Brazil-Venezuela partnership under a migration crisis context: confidence-building measures by border understandings, Thiago Gehre Galvão, Bruna de Paula Miranda Pereira e Maurício Kenyatta Barros da Costa fazem uma análise do futuro da parceria entre Brasil e Venezuela em meio à crise migratória, trazendo uma abordagem acerca das medidas de construção de confiança por meio de entendimentos de fronteira. O argumento central dos autores é que a crise decorrente da imigração venezuelana para o Brasil (2015-2021) gerou medidas de construção de confiança relacionadas a fatores como: mobilização da opinião pública, políticas públicas governamentais nacionais e subnacionais, coordenação multinível e multi-ator e ações integradas da sociedade civil e de organizações internacionais. Além de abordar as relações fronteiriças Brasil-Venezuela, o artigo apresenta alguns insights sobre como aumentar a conscientização sobre a segurança integrada e ajuda humanitária na política global do século XXI.

Por sua vez, no artigo A articulação entre os ministérios da Saúde e da Defesa para operacionalização da Força-Tarefa Logística Humanitária em Roraima entre 2017-2020, Regina Vianna Brizolara e José Roberto Pinho de Andrade Lima trazem uma análise da ForçaTarefa Logística Humanitária em Roraima, enfocando a articulação entre os ministérios da Saúde e da Defesa na execução de ações de saúde. Os autores afirmam que deficiências no sistema de saúde de Roraima têm dificultado o enfrentamento da crise sanitária e a oferta de serviços de saúde aos venezuelanos. Em suas conclusões, Brizolara e Lima indicam que é preciso fortalecer sistemas locais de saúde e aprimorar a vigilância em saúde em fronteiras para mitigar futuros riscos para a saúde pública e para a Segurança Nacional no enfrentamento de crises humanitárias.

Ainda dentro do tema da crise venezuelana, Roberto Uebel, Lara Sosa Márquez e Matheus Fröhlich contribuem com o trabalho Governança migratória e pandemia da COVID19: a resposta brasileira à crise migratória de venezuelanos pela Operação Acolhida. Neste trabalho, os autores buscam descrever e contextualizar a resposta brasileira à recente migração de venezuelanos ao território brasileiro, analisando-a a partir da Operação Acolhida, pela ótica da governança multinível empregada pelas organizações internacionais (OIs) e por sua atuação perante a pandemia da COVID-19. Os resultados do estudo apontam para um processo de securitização migratória a partir da atuação das Forças Armadas sob a orientação e a tutela do Estado brasileiro, que traz implicações para a formulação de políticas públicas adequadas de acolhimento e reconhecimento da cidadania das pessoas em situação de migração.

Já no tocante à atuação das Forças Armadas do Brasil na fronteira com a Venezuela, o trabalho de Alexandre Fantini Martins e Vanessa Cabral Gomes, intitulado A participação do Exército Brasileiro na crise migratória venezuelana em Roraima: uma visão da logística humanitária, analisa quatro pontos da missão, que incluem a estrutura do Exército Brasileiro (EB) em Roraima, a coordenação civil-militar, as atividades realizadas e as dificuldades encontradas. As conclusões do trabalho apontam que os treinamentos e capacitações influenciaram na montagem de uma estrutura humanitária adequada. Além disso, a boa articulação entre os agentes envolvidos na ação humanitária e o Exército Brasileiro foi e continua sendo fundamental para o sucesso da missão. Por fim, o trabalho enfatiza as variadas atividades realizadas pelo o EB e as dificuldades em relação à distância, à falta de infraestrutura e ao contexto sociocultural.

Outro trabalho com enfoque na Operação Acolhida é o de Josias Marcos de Resende Silva, Thiago da Rocha Passos Gomes, intitulado Resposta governamental brasileira à crise migratória venezuelana: a contribuição do exército brasileiro na Operação Acolhida. O artigo traz uma análise da Operação Acolhida, com enfoque nas ações do Exército Brasileiro, como uma resposta governamental do país à crise migratória venezuelana. Segundo os autores, no estado de Roraima, a migração de venezuelanos ocasionou uma situação caótica, com graves impactos nos sistemas de saúde, educação e na segurança pública. Nesse contexto, a criação da Força-Tarefa Logística Humanitária (Operação Acolhida) foi uma medida do governo brasileiro que visa evitar o colapso do estado de Roraima e prover a ajuda humanitária aos migrantes. A conclusão do trabalho é de que a Operação Acolhida propicia uma resposta multidisciplinar e integrada do Estado brasileiro à crise migratória venezuelana.

Por seu turno, no trabalho Peacetime planning: the question of Venezuelan refugees in Brazil, Orlando Mattos Sparta de Souza, Danielle Morais B. Sparta e Leonardo de Andrade Alves abordam a questão dos refugiados venezuelanos no Brasil e como o governo brasileiro pode melhorar o seu planejamento para a recepção dos refugiados em tempos de paz. Tendo em vista a insuficiência de infraestrutura das cidades brasileiras do estado de Roraima para a absorção do contingente de refugiados, que tem causado problemas para os próprios brasileiros, o referido artigo enfoca eventuais problemas derivados do fluxo migratório e busca aferir como o governo brasileiro pode acolher os refugiados sem comprometer a segurança da população brasileira.

Também com enfoque nos impactos da crise venezuelana no Brasil, o trabalho de Julia Silva Rensi e Maria Luísa de Brito Câmara aborda as dificuldades do processo de interiorização dos imigrantes venezuelanos no território brasileiro. Intitulado Barreiras para a integração dos povos Warao no Rio Grande do Norte, o artigo aponta que a chegada de povos indígenas venezuelanos (em especial os Warao) ao Brasil desafia os limites das políticas migratórias. Segundo Rensie e Câmara, as principais barreiras para a integração dos Warao em território brasileiro são: acesso à documentação; abrigamento adequado; aplicação da educação escolar indígena e do ensino do português; inserção laboral; respeito aos saberes médicos da etnia e seus modos de vida. As conclusões do trabalho apontam que no Rio Grande do Norte existe um avanço importante na integração funcionalista em questões como a documentação e o abrigamento. Porém, questões como a inserção laboral, a educação indígena e o conhecimento e acolhida dos modos de vida Warao seguem como desafios em aberto.

No tocante à temática dos refugiados na região Centro-Oeste do Brasil, César Augusto Silva da Silva e Thainy Gomes da Silva Santos trazem o trabalho intitulado Uma perspectiva sobre a presença de refugiados no Estado de Mato Grosso do Sul. No artigo, os autores apresentam um mapeamento dos refugiados em Mato Grosso do Sul, com o fim de delinear uma perspectiva quantitativa destes no estado, levando em consideração as prerrogativas previstas nos acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário e o Estatuto dos Refugiados (Lei 9.474/97). As conclusões do trabalho apontam a existência de uma quantidade expressiva de refugiados em Mato Grosso do Sul, sendo que parte deste contingente acabou sendo identificada como migrante, ou sequer foi contabilizada. Aferiu-se ainda que as políticas públicas que deveriam alcançar os refugiados de forma integral não se concretizam de maneira efetiva e direitos constitucionalmente fundamentais não vêm sendo garantidos satisfatoriamente.

No âmbito das políticas públicas de segurança para a faixa de fronteira do Brasil, o artigo de Marcelo Hinago e Fabricio Pelloso Piurcosky, intitulado A capacitação no projeto SISFRON: as lições aprendidas do Projeto Piloto e as perspectivas para o prosseguimento das próximas fases, aborda os principais aspectos da capacitação de recursos humanos na fase piloto do Projeto Estratégico Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON) e suas implicações para o Exército Brasileiro. Os autores concluem que algumas iniciativas extracontratuais adotadas na primeira fase do projeto, assim como outras a serem incorporadas na segunda fase – como a centralização dos treinamentos e as trilhas de conhecimento – são significativas para o processo de capacitação.

Outro trabalho dedicado à análise do funcionamento do SISFRON é o artigo de Pedro Artur Leite Rodriguez e Alexander Cambraia Nascimento Vaz, intitulado As relações interorganizacionais em programas públicos: um estudo de caso no Programa Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras – SISFRON. No artigo, os autores analisam os mecanismos pelos quais são operacionalizados os relacionamentos interorganizacionais, em particular a gestão de partes interessadas, no funcionamento e desempenho do SISFRON. Na análise, os autores levam em conta cinco fatores, que serviram de parâmetro operacional e métrica comparativa: necessidades, reciprocidades, eficiência, confiança e cultura organizacional. O trabalho, que contou com dados obtidos por meio da aplicação de um questionário a agentes públicos ligados ao SISFRON, aponta que é necessário um modelo de governança aplicável nas diversas fases do sistema, para que seja propiciada uma gestão de natureza integradora.

Ainda dentro da temática das fronteiras, o trabalho de Marcus Maurer de Salles, intitulado Integração fronteiriça no MERCOSUL: avanços institucionais e jurídicos contemporâneos da cooperação transfronteiriça regional, afere o tratamento que o MERCOSUL vem dando às suas fronteiras, para além da ótica da defesa e da segurança, enfatizando a dimensão social e a cidadania transfronteiriça, o que se consolidou no Estatuto da Cidadania do MERCOSUL. Levando em conta a natureza da integração fronteiriça e da cooperação transfronteiriça no MERCOSUL a partir da análise da recente criação do Subgrupo de Trabalho Nº 18 “Integração Fronteiriça” e da compreensão das dinâmicas de atuação dos primeiros anos de funcionamento do bloco, o artigo aponta que a abordagem interdisciplinar, para além dos aspectos tradicionais de defesa e segurança, faz do MERCOSUL um importante laboratório de ensaio para os estudiosos de cooperação transfronteiriça regional.

Com ênfase na análise do mercado de trabalho na zona de fronteira do Brasil com o Paraguai, o artigo de Deise Baumgratz e Eric Gustavo Cardin, intitulado Regime de Tributação Unificado (RTU) como política de controle do Circuito Sacoleiro, aborda o Regime de Tributação Unificado (RTU), criado pela Lei 11.898/2009, como uma política pública brasileira dirigida a controlar e arrecadar tributos oriundos das atividades do Circuito Sacoleiro. O trabalho, que é enriquecido por uma entrevista com o auditor da Receita Federal do Brasil sobre o funcionamento do RTU, traz, inicialmente, uma caracterização da fronteira de Foz do Iguaçu e Ciudad del Este. Na sequência, são analisados o modus operandi do Circuito Sacoleiro e a variação das táticas utilizadas em função do acirramento da fiscalização e do controle do Estado. Por fim, são analisadas as implicações do RTU e suas limitações.

Mudando o enfoque para o Norte do continente, em uma abordagem acerca das migrações entre a América Latina e os Estados Unidos, o trabalho de Érica Sarmiento, intitulado A captura dos corpos descartáveis nas fronteiras. As migrações forçadas, as políticas estadunidenses e a América Latina, traz uma análise das migrações forçadas, priorizando os deslocamentos da região do Triângulo Norte para o México e os Estados Unidos, tomando por base as mídias digitais, os relatórios de organizações civis e governamentais publicados no período do governo do presidente Donald Trump (2017-2021). O artigo apontou que no desenrolar dessa tragédia migratória a segurança humana torna-se menos importante que a securitização. Em meio à política de controle migratório dos Estados Unidos, as deportações e o encarceramento de crianças representam milhares de vidas que se transformam em corpos descartáveis das fronteiras.

Ainda no âmbito da política de controle de fronteiras dos Estados Unidos, o artigo de Fernando Luz Brancoli e Simone da Silva Ribeiro Gomes, intitulado Estados Unidos e a política de controle de fronteiras: práticas de militarização e mecanismos de vigilância com o México no pós-11 de setembro, aborda os debates sobre a gestão das fronteiras nos Estados Unidos, especialmente com o México, após a chegada de Donald Trump à presidência do país. O trabalho demonstrou que, apesar da guinada discursiva apontada por Trump a partir de 2017, os dispositivos de controle, militarização e de construção de inimigos estão presentes na lógica de controle fronteiriço EUA-México há décadas, principalmente a partir do governo de George W. Bush (2001-2009).

O texto de Tassio Franchi e Tomaz Espósito Neto fazem uma revisão bibliográfica sobre o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteira (SISFRON). Com isso, os autores apresentam as diferentes percepçõessobre o projeto. Assim como, os pontos de aproximação e de divergência entre as várias vertentes de análise.

Por fim, a presente edição de Monções traz uma resenha do livro de Harmonie Toros, Terrorism, talking and transformation: a critical approach, elaborada por Matheus Hoffman Pfrimer. Segundo Pfrimer, o livro demonstra por meio do enfoque da Escola de Frankfurt a complexidade do fenômeno do terrorismo e as medidas empreendidas para mitigá-lo. O principal argumento de Toros se desenvolve em torno da ideia de que conversar com terroristas tem um profundo caráter transformador, não apenas para aquele que se apresenta como negociador, mas também para o próprio terrorista. Pfrimer afirma que a autora procura ancorar seu argumento não apenas no campo teórico, mas por meio de elementos empíricos produzidos em sua investigação de dois casos (Irlanda do Norte e Mindanao). De acordo com Pfrimer, a primeira parte do livro se destinaria a estudiosos mais experientes sobre o assunto, enquanto a segunda parte do livro poderia ser bem aproveitada por jovens pesquisadores interessados nas práticas de pesquisa e suas encruzilhadas.

O esforço deste dossiê foi de trazer uma visão plural sobre o tema, com pesquisadores de diversas instituições. Convidamos à leitura, reflexão e diálogo com os artigos e seus autores e autoras. Por fim, aproveitamos este momento para agradecer a Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e a equipe de editores e técnicos da Revista Monções, pela recepção e apoio à proposta deste dossiê desde o seu início.

Por último, mas não menos importante, queremos sublinhar a dedicação dos integrantes do projeto PROCAD-Defesa (CAPES/MD) Defesa Nacional, Fronteiras e Migrações: Estudos sobre ajuda humanitária e segurança integrada, que colaboraram desde a gestão, até com contribuições originais e pareceres para a confecção da presente edição.

Nota

1 Este trabalho está inserido nas atividades do projeto Defesa Nacional, Fronteiras e Migrações: Estudos sobre Ajuda Humanitária e Segurança Integrada (Edital PROCAD-Defesa 2019) com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Ministério da Defesa. Outrossim, está inserido no projeto Cátedra Jean Monnet da UFGD, financiado por recursos da Comissão Europeia pelo Programa Erasmus +


Organizadores

Tomaz Espósito Neto – Professor adjunto da Universidade da Grande Dourados (UFGD), Dourados- MS, Brasil. E-mail: [email protected]  Orcid: https://orcid.org/0000-0002-6139-8791

Camilo Pereira Carneiro – Professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia-GO, Brasil. E-mail: [email protected]  Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7229-1298

Fernando José Ludwig – Professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Porto Nacional-TO, Brasil E-mail: [email protected]  Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3365-9181

Tássio Franchi – Professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), Rio de Janeiro – RJ, Brasil E-mail: [email protected] Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3434-5560


Referências desta apresentação

ESPÓSITO NETO Tomaz; CARNEIRO, Camilo Pereira; LUDWIG, Fernando José; FRANCHI Tássio. Apresentação. Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD. Dourados, v.10 n.20, p.1-9, jul./dez. 2021. Acessar publicação original [DR]

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