Hinduism & Its Sense of History – SCHARMA (RMA)

SHARMA, Arvind. Hinduism & Its Sense of History. New Delhi: Oxford University Press, 2003. 134p. Resenha de: CARVALHO, Matheus Landau de. Teoria e metodologia do tempo na Índia: o pensamento hindu sobre a História. Revista Mundo Antigo, v.5, n.11, dez., 2016.

Publicado pela Oxford University Press em 2003, Hinduism & Its Sense of History é uma obra do historiador indiano Arvind Sharma dividida em quatro partes dedicadas à teoria e metodologia da história da Índia. Calcado em uma ampla gama de fontes primárias e secundárias de caráter historiográfico, religioso, linguístico e filosófico, Sharma avalia a afirmação recorrente há séculos de que os hindus como um povo e o Hinduísmo como uma tradição religiosa plural não possuem um senso de história suficiente.

O autor inicia a primeira parte, intitulada History of the Notion that Hinduism Has No Sense of History [História da Noção de que o Hinduísmo não Possui Senso de História], enumerando os aspectos recorrentemente usados para sustentar a tese de que o Hinduísmo não possui um senso elaborado e suficiente de história, quais sejam, a ausência de cronologia, a ausência de história, a ausência de senso de história, a ausência de historiografia e a ausência de uma teoria da história. Em seguida, Sharma apresenta características das percepções gregas dos relatos de Megástenes (350 A.E.C –  290 A.E.C.) e Arriano (c. 92 E.C. – 175 E.C.), além da maneira pela qual viajantes chineses como Fa Hien, Yuan Chwang e I-tsing, segundo seus objetivos budistas, registraram suas observações sobre aspectos sociais e religiosos na Índia da dinastia Gupta (c. 320 E.C. – c. 550 E.C.) até o século VII E.C.

O autor discorre sobre as pressuposições islâmicas acerca do senso de cronologia e história dos hindus expressas nos pensamentos de Al-Bīrūnī (973 E.C. – 1048 E. C.), e discute como o estabelecimento dos britânicos na Índia engendrou não somente a produção de uma visão europeia sobre a ausência de senso de história dos hindus, como também algumas pesquisas paleográficas e arqueológicas, apontando para a questão de uma suposta influência brāhmaṇica no pensamento e no registro históricos pelos hindus. Sharma aborda a relação entre o papel ativo do cientista e o objeto observado segundo o que denomina de “Princípio de Heisenberg na Indologia”, além de apresentar a maneira pela qual a presença ocidental na historiografia indiana influenciou o material histórico no qual esta historiografia se baseou. O autor aponta também para as principais características do debate entre orientalistas e anglicistas sobre a educação ministrada aos indianos a partir da década de 1830 em detrimento do sânscrito como idioma e literatura, assim como para a natureza política do projeto de uma historiografia indiana pós-colonial.

Na segunda parte, Implications of such a View for Indian Studies [Implicações de tal Visão para os Estudos Indianos], o autor destaca os desdobramentos do argumento de que os hindus não possuem um senso de história em várias áreas do conhecimento humano, como a importância para a história do fato da maioria dos relatos sobre a Índia até a presença britânica não provir dos próprios indianos, mas de estrangeiros, ou a questão de natureza política dos argumentos que conjugam a tese do “Despotismo Oriental”, a suposta e milenar imutabilidade da sociedade indiana, assim como a ausência de um estado-nação em toda a história da Índia, antes da Independência em 1947, com a ausência de um senso próprio de história.

Sharma destaca a importância para estudos sociológicos e econômicos dos equívocos implicados nas concepções de uma suposta ausência de propriedade privada e também do modo de produção asiático, assim como na reificação e interpretação essencialista da casta como uma categoria na sociologia hindu. Com relação aos estudos de psicologia religiosa, o autor remete à sugestão de relacionar a ênfase da psicologia religiosa hindu na eternidade com a ausência do senso de história calcada no processo dinâmico de mudança de realidades empíricas.

As principais diretrizes da filosofia de G. W. F. Hegel que influenciaram a visão de que os hindus não possuem um senso de história também são abordadas pelo autor, assim como a maneira pela qual a concepção de tempo mitológico das realidades hindus contribuiu para a visão de que não possuíam um senso de história devido as suas dimensões religiosas. Com relação à estética, Sharma aponta para a natureza temática e a noção de tempo privilegiadas nas representações artísticas ao longo da história da Índia pré-islâmica, além de aludir a questões acerca de estrutura e sentido das tradições literárias hindus contrapostas às questões de expressão historiográfica e senso de história.

Sharma inicia a terceira parte, intitulada Hindu Responses to the View that Hindus Have No Sense of History [Respostas Hindus à Visão de que o Hinduísmo Não Possui Senso de História], apontando para a admissão e simpatia de certos estudiosos pelo fato de europeus terem “restaurado” a história do Hinduísmo através de pesquisas acadêmicas em padrões ocidentais. O autor destaca alguns argumentos que negam a ausência de áreas do conhecimento secular humano com algum senso histórico ou de material literário de expressão histórica no Hinduísmo, chamando atenção também para a existência de alguns cálculos político-sociais de promoção da unificação dos povos indianos através de sua “desistorização” (ahistoricizing history). Sharma discute a característica de algumas relações entre tautologia moral dos fatos humanos e reconhecimento de suas vicissitudes empíricas no pensamento hindu, ressaltando a polissemia que a palavra “empírico” pode assumir entre o projeto de historiografia ocidental e a percepção indiana de fato histórico.

Além da característica indissociabilidade entre filosofia e religião na compreensão hindu de história, o autor chama a atenção para como as dimensões do tempo mítico hindu de uma história sagrada teriam inibido concepções de um tempo secular de uma história humana, sem se esquecer do reconhecimento, por alguns estudiosos, da potencialidade de categorias analíticas e dimensões semânticas sui generis do Hinduísmo como elaborações hermenêuticas de objetividade e factualidade. Neste âmbito, Sharma destaca tanto as possibilidades de coexistência entre história e mito nos campos da política e da verificação factual, quanto implicações da dinâmica entre livre-arbítrio e determinismo segundo a doutrina hindu do karma na concepção de história hindu.

Segundo o autor, alguns estudiosos sustentam que a maneira pela qual os hindus compreendem suas próprias tradições aponta para a revisão de algumas afirmações acerca da ausência de uma noção de historiografia e memória coletiva hindu, tornando-se necessária, além disso, uma revisão da tese que associa a ausência de um sentimento nacional pan-indiano na tentativa de se encontrar uma explicação política para um problema histórico. Sharma também aponta para argumentos que defendem a noção de antiguidade cultivada pelos hindus, assim como de métodos de exegese da escola filosófica do Mīmāṃsā como uma dimensão hermenêutica própria e significativa das tradições hindus.

O autor apresenta a maneira pela qual alguns intelectuais articulam as concepções de avatāra e divindade crística sob a perspectiva de compreensão da polissemia implícita não somente na palavra “Hinduísmo” como também na palavra “história”, e também aponta para um modo alternativo de história no Hinduísmo expresso através de três tipos de mediadores presentes na história da Índia, ou seja, os menestréis (charans), os genealogistas e cronistas, além dos historiadores de corte. Por fim, Sharma chama a atenção para alguns equívocos baseados em pré-concepções europeias na compreensão de diferentes momentos na evolução histórica de realidades geográfico-culturais entre si, assim como dos traços identitários e genuínos que distinguem estas mesmas realidades, destacando, além disso, alguns desdobramentos políticos da relação entre a ausência do senso de história e a ausência do senso de factidade (factity).

Na quarta e última parte, intitulada Does Hinduism Lack a Sense of History? Thesis Re-examined [O Hinduísmo Não Possui um Senso de História? Tese Reavaliada], Sharma procura responder se a proposição da ausência de senso de história no Hinduísmo é válida ou não, independentemente de suas origens, influências e respostas que tenha provocado. Num primeiro momento o autor destaca que, apesar de problemas de distribuição geográfica na Índia e possíveis danos ao longo da história, os monumentos com inscrições e registros dos governantes ao longo da história indiana são fontes privilegiadas de acesso significativo a fatos e concepções sócio-culturais. Como exemplo, Sharma aborda a maneira pela qual a inscrição de Rudradāman em Junagadh se refere a obras públicas, vitórias militares, dinastias reais, burocracia estatal,  concepções de tempo, padrões de sociedade e literatura sânscrita; assim como o pilar de Samudragupta em Allahabad, por sua vez, relata características político-geográficas e rituais de expansão do respectivo império pela Índia.

Acerca de várias dimensões da cultura hindu, o autor trata da relação entre as perspectivas védicas de exegese de escolas filosóficas do Hinduísmo, como o Mīmāṃsā, por exemplo, e a crença pré-estabelecida na eternidade dos Vedas, a presença simultânea de pontos de vista divergentes entre si sobre a suposta atemporalidade da língua sânscrita, assim como implicações das concepções cíclica e linear no discernimento entre tempo histórico e tempo cosmológico das tradições hindus. Sharma aponta para a manifestação concreta de senso de história por cada uma das estratificações sócio-ocupacionais (varas) que compõem o sistema de castas hindu, e analisa argumentos em torno da distinção entre senso de história e senso de antiguidade percebida na cultura hindu por viajantes estrangeiros desde tempos antigos. O autor chama a atenção para a importância dos diversos meios de expressão do senso de história através de registros administrativos e crônicas de caráter régio (vaṃśavalis), e menciona como alguns textos da literatura sagrada hindu se tornaram paradigma para a constituição de genealogias históricas em tradições literárias posteriores.

Após lançar mão de um diálogo acerca da percepção histórica de si mesmo do movimento de devoção mística hindu (bhakti), Sharma aponta para a existência de um senso de história hindu na maneira pela qual a história política é expressa através da arte escultural indiana. Por fim, o autor analisa a natureza e os limites dos argumentos que associam a ausência do senso de história na Índia com a ausência de vários registros históricos, oriunda da destruição decorrente de várias invasões militares ocorridas na história do subcontinente indiano.

De um modo geral, Arvind Sharma consegue conjugar, com sucesso, uma pluralidade metodológica nos argumentos apresentados com fontes das mais variadas naturezas e suportes, lançando mão, principalmente, de conceitos e categorias analíticas de tradições confessionais e intelectuais do Hinduísmo. Para além de um certo exagero no tamanho das citações utilizadas na ilustração de seus argumentos, o autor explora um espectro multifacetado de áreas do conhecimento humano ao englobar economia, estética, sociologia, psicologia, literatura, política, arqueologia e filosofia na tese que apresenta com o livro.

Sharma transita, com desenvoltura, tanto na metodologia verificativa da história, quanto na filosofia especulativa da história, abordando a história como conceito e como método. Inserida numa proposta de diálogo entre paradigmas teóricos e metodológicos ocidentais e indianos acerca da noção de tempo, a obra Hinduism & Its Sense of History é uma interessante contribuição para os estudos de compreensão do homo historicus como sujeito e como objeto da História.

Matheus Landau de Carvalho – Bacharel e Licenciado em História com Habilitação em Patrimônio Histórico pela Universidade Federal de Juiz de Fora em 2009. Especialista (2010) e Mestre (2013) pelo Programa de Pós-graduação em Ciência da Religião, pela mesma Universidade.

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