História Agrária: conflitos e resistências (do Império à Nova República) | Dayane Nascimento Sobreira e Júlio Ernesto Souza Oliveira e Rafael Sancho Carvalho Silva

Obra organizada por Dayane Nascimento Sobreira, Júlio Ernesto Souza Oliveira e Rafael Sancho Carvalho Silva, o livro História Agrária: conflitos e resistências (do Império à Nova República) apresenta as recentes discussões realizadas na I Jornada de História Agrária: Conflitos e Resistências na Construção da Nação, evento que ocorreu na Universidade Federal da Bahia (UFBA) entre os dias 10 e 11 de 2019. O colóquio foi organizado pela equipe do GT História Agrária da Bahia (HISTAGRO).

Analisando processos históricos de luta pela terra, partindo da ruralidade como eixo de análise, o livro se propõe a discutir a História do Brasil através de dimensões de violência e resistência que são constitutivas dos conflitos agrários, observando tais conflitos em suas múltiplas especificidades nos períodos imperial e republicano brasileiro. Dividida em quatro partes, a obra aborda a História Agrária como um campo plural em suas possibilidades de estudo e pesquisa. Os textos discutem a História Agrária a partir de relações fundiárias, étnico-raciais, de gênero e de trabalho, com reflexões teórico-metodológicas que contribuem para o campo da História Agrária e Rural da Bahia.

A Parte I do livro, intitulada Territórios negros sob as lentes da História, traz importantes reflexões acerca da luta da população negra pelo acesso e uso da terra. Com o título Das Farinhas, mas nem tanto: Agricultura e Escravidão na Comarca de Nazaré, Bahia (1850-1888), o artigo de Alex Andrade Costa analisa conflitos na Comarca de Nazaré no período imperial brasileiro, localidade que era predominantemente rural e com expressivo trabalho na lavoura. É atento a isso que o autor observa estratégias de uso e ocupação da terra, a partir de fontes diversas, discutindo como a terra compreendia um espaço de sobrevivência de pessoas pobres.

No artigo seguinte, intitulado História Social da propriedade na perspectiva do território quilombola, as autoras Lilian Soares da Silva e Liberací Maria Souza Soares discutem conceitos de comunidades quilombolas, territórios, legislação e memória mediante o estudo de caso da Comunidade Remanescente de Quilombo na região metropolitana de Salvador, na Bahia. A pesquisa das autoras constitui relevante contribuição para a História Social da propriedade. Nesse sentido, o estudo trata da identidade negra a partir das marcas de lutas e resistências quilombolas, apresentando relações entre passado e presente, assim como perspectiva de luta pela garantia da propriedade da terra enquanto direito daqueles sujeitos.

A Comunidade Quilombola de Barriguda sob a ótica dos direitos humanos: lutas, conquistas e dilemas é o título do capítulo do historiador Fabiano da Silva. Em seu estudo, analisa os desafios da efetivação de políticas públicas na Comunidade Quilombola de Barriguda, localizada no município de Mucugê, na Bahia, atentando para direitos contidos na promulgação da Constituição Federal de 1988, em especial, os direitos da população negra. A partir de fontes e evidências diversas, o autor discute historicamente os direitos quilombolas criados e mantidos mediante práticas de luta daqueles sujeitos, refletindo sobre como a luta pela terra se tornou parte daquele quilombo.

Intitulada Território, Propriedade e Trabalho, a Parte II do livro apresenta discussões partindo de relações conflituosas entre terra, trabalho e propriedade, trazendo importantes perspectivas de análise que contribuem para estudos sobre o processo histórico de transformação nas relações sociais no campo. Estudando o processo de formação territorial e sua relação com a sobrevivência das populações e definição de territórios, o capítulo da historiadora Fabrícia de Oliveira Santos, com o título Costume, terra e trabalho camponês na formação territorial de Itabaiana, Sergipe, apresenta considerações teóricas sobre o estudo do costume com o objetivo de analisar a formação territorial do município de Itabaiana, em Sergipe. Por meio dos registros de memórias, das descrições etnográficas e dos inventários de fontes, a autora trata da ocupação colonial de Itabaiana a partir da resistência de camponeses, práticas coletivas que são renovadas continuamente.

Já no capítulo Histórico de um conflito entre sindicato de trabalhadores assalariados rurais e empresa produtora de eucalipto no litoral norte da Bahia, Josias de Oliveira Porto Neto investiga o movimento grevista realizado em 2010, nos municípios de Entre Rios e de Alagoinhas, na Bahia, sede de uma empresa produtora de madeira e onde fica localizado o viveiro de produção de mudas de eucalipto. Em seu estudo sobre aquela greve, o autor analisa o processo de resistência de trabalhadores contra a terceirização. Para isso, foram realizadas entrevistas com dirigentes sindicais, além de pesquisas com imprensa, relatórios de auditorias e outras fontes. Com isso em vista, o texto proporciona uma contribuição para discussões sobre o processo de reestruturação produtiva e o processo de precarização social do trabalho, examinando experiências e práticas de resistência dos sujeitos sociais participantes daquele conflito.

Apresentando seu estudo sobre o processo histórico de surgimento da propriedade privada da terra, o capítulo Desenvolvimento capitalista e modernização da agricultura: elementos para uma análise histórica do Prodecer, do historiador Júlio Ernesto Souza de Oliveira, tem o objetivo de analisar historicamente o Programa de Cooperação NipoBrasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados (PRODECER), criado no ano de 1979. Desse modo, o autor aborda como a questão agrária foi tratada após o golpe civil-militar de 1964, discutindo impactos e transformações geradas pelo Estatuto da Terra de 1964, visto aqui como instrumento jurídico que proporcionou a expropriação de terras e, com isso, a intensificação de conflitos no campo. Partindo disso, Oliveira desenvolve importante reflexão sobre as transformações no setor agrícola brasileiro que foram implementadas pela ditadura civil-militar, processo que gerou ações de expropriação de terras contra comunidades camponesas e acumulação de terras por parte de grupos da classe dominante.

A Parte III da obra tem como título Entre silenciamentos e resistências e objetivou trazer para a discussão pesquisas significativas sobre o lugar das mulheres no mundo rural, assim como sobre a questão indígena no Império brasileiro. Com isso em vista, no capítulo Os indígenas nas fronteiras do Império: terras, legislação e conflito, a historiadora Renata Ferreira de Oliveira realiza pesquisa sobre a política indigenista no Império a partir da documentação referente ao Regulamento das Missões, de 1845, e a Lei de Terras, de 1850. Nesse percurso investigativo, a autora trabalha ainda com os relatórios ministeriais produzidos no século XIX, discutindo sobre o processo histórico de regulamentação dos indígenas e apresentando relações conflitivas entre terras e legislação, assim como relações entre política de trabalho e política de terras.

Com o título O lugar das mulheres no mundo rural, a temática de gênero como categoria na análise historiográfica é o ponto central no estudo de Maria de Lourdes Schefler. No capítulo, a autora investiga as experiências cotidianas diversas de mulheres, ao passo que analisa a constituição da identidade de mulheres rurais, processo fundamental para a compreensão de processos amplos de formação da sociedade agrária brasileira. Nesse sentido, o texto discute dimensões da história agrária brasileira a partir de relações de gênero, atentando para ausências de práticas e experiência de mulheres nos estudos sobre a questão agrária. Em contrapartida, a autora também pontua esforços recentes de estudos da historiografia agrária sobre o papel das mulheres nas lutas agrárias, como, por exemplo, pelo acesso e permanência na terra, na luta por direitos, assim como em conflitos diversos e dificuldades enfrentadas no cotidiano rural daqueles sujeitos, explicitando trajetórias múltiplas de luta e resistência das mulheres no mundo rural.

Sendo resultado de pesquisa realizada sobre a Marcha das Margaridas, movimento de mulheres rurais que surgiu em 2000, realizada em Brasília, o artigo E margarida virou semente: experiências e resistências de mulheres rurais no Brasil, da historiadora Dayane Nascimento Sobreira, resgata todo o processo de luta no campo a partir do movimento pela criação de políticas públicas. Movimento esse que denuncia opressões vivenciadas cotidianamente pelas mulheres no campo, expressando experiências e resistências de mulheres rurais no Brasil. Nesta perspectiva de análise, a autora destaca como central a memória de resistência de Margarida Maria Alves e sua luta pela reivindicação e criação de direitos para trabalhadoras e trabalhadores rurais. Com isso em vista, a pesquisa da autora trabalha a memória de Margarida a partir, também, do uso da literatura de cordel como fonte histórica, além de documentos diversos que explicitam a luta de trabalhadoras rurais por terra, saúde, educação e direitos trabalhistas.

A Parte IV do livro, Revisitando o Ofício, apresenta textos que discutem dimensões da pesquisa em história, em especial questões teóricas e metodológicas presentes nos estudos de História Agrária. Sendo assim, a última parte do livro traz uma entrevista com o professor Antonio Fernando Guerreiro Moreira de Freitas, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), intitulada Historiografia, História Regional e da Bahia. A entrevista realizada por Aloísio Santos da Cunha, Lina Maria Brandão de Aras e Rafael Sancho Carvalho da Silva teve o objetivo de evidenciar a trajetória daquele professor como historiador e suas reflexões e análises sobre História Agrária e História Regional. Na entrevista, foram tratados assuntos como a formação acadêmica e profissional do professor entrevistado, sua trajetória como estudante do curso de História, a formação de historiador, a atuação como professor e pesquisador, o processo de construção da tese de doutorado e o uso de fontes e referências diversas, como a literatura regional e as fontes orais, entre outras questões e contribuições relevantes daquele historiador para os estudos de História Regional e História do Brasil.

No artigo intitulado Elementos conceituais para uma abordagem da História Social Agrária, encontra-se a tradução inédita do artigo do historiador Mario Samper-Kutschbach, originalmente publicado em 1989 com o título Historia Social Agraria: elementos conceptuales para su análisis. Em seu estudo, o historiador parte de elementos conceituais para analisar historicamente as formas de vinculação de unidades domésticas rurais aos diversos mercados e relações mercantis no campo, examinando, nesse processo, a imposição da lógica do capital na sociedade agrária. Tendo isso em vista, a pesquisa discute o papel da organização familiar no processo de transição ao “capitalismo de base agrária”, analisando o processo de constituição de mercados de produtos agropecuários, artesanais, de terra, etc. Desse modo, apresenta significante reflexão sobre o desenvolvimento das relações mercantis no campo a partir de uma sistematização de perspectivas teóricas diversas sobre a questão agrária.

Como posfácio do livro, no texto Construção colegiada, dialógica e progressiva de uma compreensão enriquecida do agro e da ruralidade, em perspectiva sócio-histórica e centro-americana, também do historiador Mario Samper-Kutschbach, é produzida uma reflexão sobre a História Social Agrária trinta anos depois do artigo visto anteriormente, trazendo aqui novas considerações sobre estudos recentes acerca da História Social, Rural e Agrária, em especial sobre a América Central e sobre a Costa Rica.

Esse é um livro que contribui com importantes pesquisas e perspectivas teóricas e metodológicas sobre questões da História Agrária, a partir de fontes e documentações diversas trabalhadas por pesquisadores e pesquisadoras que abordam processos históricos de constituição de conflitos rurais e resistências de trabalhadores rurais no Brasil. Sendo assim, os artigos apresentados na obra compõem importante campo de discussão historiográfica para a História Social, apontando para mudanças significativas nos estudos históricos, assim como para relações entre presente e passado, observando perspectivas de construção do futuro.


Resenhista

Avelino Pedro Nunes Bento da Silva – Graduado em Licenciatura Plena em História (2018) e Mestre em História (2021) pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM).


Referências desta Resenha

SOBREIRA, Dayane Nascimento; OLIVEIRA, Júlio Ernesto Souza; SILVA, Rafael Sancho Carvalho (Orgs.). História Agrária: conflitos e resistências (do Império à Nova República). Salvador: UFBA, 2020. Resenha de: SILVA, Avelino Pedro Nunes Bento da. História Agrária no Brasil: conflitos, lutas, resistências e memórias. Revista Ágora. Vitória, v. 31, n.3, 2020. Acessar publicação original [DR]

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