História Ambiental e Migrações: diálogos – GERHARDT (RL)

MORETTO Samira1 História ambiental
Samira Moretto. Foto: Researchgate  /

GERHARDT M Historia ambiental e migracoes História ambientalGERHARDT, Marcos; NODARI, Eunice Sueli; MORETTO, Samira Peruchi. (Orgs.). História Ambiental e Migrações: diálogos. São Leopoldo: Oikos; Chapecó: UFFS, 2017. 267 p. Resenha de: NUNES DE SÁ, Débora. Revista do LHISTE, Porto Alegre, v.4, n.6, p.268-272, jan./dez., 2017.

O livro “História Ambiental e Migrações: diálogos”, organizado pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Laboratório de Imigração, Migração e História Ambiental (LABIMHA) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Marcos Gerhardt, Eunice Sueli Nodari e Samira Peruchi Moretto, traz um conjunto de catorze textos que analisam as interfaces entre a História Ambiental e as migrações humanas em diferentes espaços e períodos históricos. Os autores e autoras oriundos de diferentes universidades, interpretam e analisam as diferentes relações socioambientais e consequentes transformações nas paisagens estabelecendo também um diálogo que é interdisciplinar.

O primeiro capítulo “Colonização e desflorestamento: a expansão da fronteira agrícola em Goiás nas décadas de 1930 e 1940”, foi escrito por Sandro Dutra e Silva, José Luiz de Andrade Franco e José Augusto Drummond. Nele, os autores analisaram as devastações que ocorreram nas florestas de Goiás, inseridas no bioma do Cerrado, também chamadas de “Mato Grosso de Goiás” e classificadas como Floresta Estacional Decidual. Por meio de relatos, tais como o do advogado Carlos Pereira Magalhães (1881-1962) e da atriz e escritora norte-americana Joan Lowell (1902-1967) e de relatórios como o produzido por Speridião Faissul (que acompanhou Leo Waibel pelo interior de Goiás), entre outras fontes, os autores analisaram as transformações e os meios como o Mato Grosso de Goiás foi devastado pelas ações humana. O maior impacto foi a partir do início do século XX, quando ocorreu a expansão de ferrovias e rodoferrovias, a implantação da “A Marcha para o Oeste” colocada em prática pelo governo de Getúlio Vargas e a consequente criação da Colônia Agrícola Nacional de Goiás.

No segundo capítulo, escrito por Marcos Gerhardt, “O relato de Wilhelm Vallentin: meio ambiente e imigração”, o autor tomou como fonte de análise a obra In Brasilien, publicada em 1909 em Berlim, pelo viajante alemão Wilheln Vallentin. Esse viajante descreveu sua passagem pela América meridional, relatando paisagens e o descrições sobre o Sul do Brasil no relato de Vallentin, com relação às comunidades teuto-brasileiras. Interpretou também que, assim como para outros viajantes e cronistas do fim do século XIX e início do XX, Vallentin pensava que “havia uma rígida separação entre cultura e natureza” (GERHARDT, NODARI, MORETTO, 2017, p. 42), e reafirmou que atualmente há um esforço para se pensar cultura e natureza de forma menos dicotômica.

“Da Alemanha para a florestal subtropical brasileira: as propostas do Dr. Paul Aldinger para as colônias alemãs no sul do Brasil”, escrito por João Klug, analisa a ação do pastor alemão Paul Aldinger na colônia Hansa Hamônia, localizada no Vale do Itajaí entre 1901 e 1927. Aldinger foi o responsável pelas atividades escolares e religiosas desenvolvidas na colônia de Hamônia e foi o responsável pela fundação do jornal Der Hansabote que, em suas publicações, priorizou temáticas voltadas aos assuntos escolares e eclesiásticos, bem como a produção agrícola da colônia. Klug analisou como Paul Aldinger foi sujeito ativo na organização da Hansa Hamônia, e como eram contraditórias as impressões sobre sua personalidade.

No capítulo seguinte, “A construção do espaço rural nas colônias de imigrantes do sul do Brasil”, Manoel P. R. Teixeira dos Santos analisou como se deu a privatização das terras florestais cobertas pela Mata Pluvial Atlântica, em especial para a constituição da Colônia Blumenau em Santa Catarina a partir de 1850. Santos utilizou como fontes mapas e relatórios estatísticos do período de 1861 a 1880 que conjugados permitiram ao historiador identificar a distribuição dos lotes coloniais e as consequentes transformações ambientais, bem como a expansão das áreas de cultivos e pastagens na Colônia Blumenau.

Eunice Sueli Nodari, em “Entre florestas e parreiras: a vitivinicultura no Alto Vale do Rio do Peixe/SC”, explorou os diferentes valores atribuídos à produção de vinho, sejam eles simbólicos, culturais, estéticos ou econômicos, analisando, assim, como a produção de vinho no Brasil, tendo como um de seus financiadores os incentivos estaduais e federais, tornou-se uma commodity e transformou paisagens. Sua análise é parte do projeto de pesquisa “Dos vinhedos familiares às grandes empresas: a reconfiguração de paisagens no Brasil através da Vitivinicultura” em parceria com a Stanford University.

“Os pinhais da fazenda Quatro Irmãos/RS e a Jewish Colonization Association”, escrito por Isabel Rosa Gritti, analisa a ação da companhia colonizadora Jewish criada em 1891 “com o objetivo de propiciar a emigração dos judeus vítimas de discriminações no leste europeu” (GERHARDT, NODARI, MORETTO, 2017, p. 95). Essa companhia adquiriu em 1909 a Fazenda Quatro Irmãos com 93.985 hectares, em terras que no período pertenciam ao município de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, e administrou-a até 1962. A autora, a partir da análise de diferentes fontes, afirmou que a Jewish tinha como principal preocupação a exploração florestal da fazenda e que sua preocupação com os imigrantes era secundária.

O capítulo “História Ambiental e as migrações no Reino Vegetal: a domesticação e a introdução de plantas”, de Samira Peruchi Moretto, produz um estado da arte sobre a introdução e a domesticação de espécies vegetais. A autora estuda e analisa as diferenças entre uma espécie considerada introduzida com relação àquela domesticada. Afirmou também que a “alimentação tem uma relação bastante direta com a escolha, a domesticação e a dispersão de plantas”. (GERHARDT, NODARI, MORETTO, 2017, p. 120).

“Paisagem e uso comum da Floresta Ombrófila Mista pela ocupação cabocla do Oeste de Santa Catarina”, de Marlon Brandt, analisa três períodos histórico-geográficos desde a metade do século XIX à primeira metade do XX, os quais o autor considerou fundamentais para compreender as práticas costumeiras da população cabocla e a sua interação com a Floresta com Araucária no Oeste de Santa Catarina. Seu estudo perpassa o uso da terra, a extração da erva-mate e a criação de animais, analisando também como se deu a ruptura desse sistema nas primeiras décadas do século XX, em consequência das práticas introduzidas pelos colonos.

Miguel M. X. de Carvalho, em “O aumento da população humana (colonização e crescimento vegetativo) e os impactos sobre a floresta com araucária – séculos XIX e XX”, por meio da interpretação de recenseamentos demográficos do período de 1872 a 1960, analisou como os fluxos migratórios possibilitaram o crescimento vegetativo da população na região de ocorrência endêmica da Floresta com Araucária no sul do Brasil e como, em decorrência disso, houve uma descontrolada exploração madeireira que levou ao “quase total desaparecimento das florestas primárias com araucária” (GERHARDT, NODARI, MORETTO, 2017, p. 141).

No capítulo seguinte, Luís Fernando da Silva Laroque pesquisou as “Movimentações e relações com a natureza dos Kaingang em territórios da bacia hidrográfica Taquari-Antas e Caí, Rio Grande do Sul” no período dos séculos XIX ao XXI. Além do aporte teórico na história ambiental, também utilizou autores que estudam o conceito de territorialidade, isto é, as diferentes relações sociais, políticas e simbólicas. O autor constatou que, atualmente, “acionando a memória e a continuidade de suas movimentações” (GERHARDT, NODARI, MORETTO, 2017, p. 171), as comunidades Kaingangs, localizadas em Estrela, a Jamã tÿ Tãnh, a Foxá em Lajeado, a Pó Mág em Tabaí e em Farroupilha a Pó Nãnh Mág, no Rio Grande do Sul, vivem o processo de (re)territorialidade de suas comunidades.

Em “Entre decretos, disputas judiciais e conflitos armados: batalhas entre Estado, camponeses e indígenas pela posse da Reserva Florestal de Nonoai-RS” Sandor Fernando Bringmannn analisou a luta histórica do grupo étnico Kaingang pela Reserva Florestal de Nonoai e afirmou que a redemarcação da reserva como área indígena “[…] é fruto muito mais das pressões protagonizadas pelos índios, por meio de mobilizações políticas e ações armadas, do que por ações das agencias indigenistas que parecem ter abandonado as prerrogativas pelas quais foram criadas” (GERHARDT, NODARI, MORETTO, 2017, p. 190).

A historiadora argentina María Cecilia Gallero escreveu “La yerba mate en el prisma de la historia ambiental, Misiones (Argentina)”, no qual analisou transformações no ambiente de Misiones, no início do século XX, decorrentes da introdução do cultivo de erva-mate (Ilex paraguariensis), produto importante econômica e historicamente para a região misionera. Abordou as características da economia extrativa, a chegada dos profissionais suíços que iniciaram o cultivo em grande escala da Ilex e, por último, os impactos resultantes da introdução dos ervais cultivados. Dessa forma, elaborou um panorama da mudança de uma economia ervateira extrativa para uma produtiva, tomando como objeto de análise a Cooperativa de Productores de Yerba Mate de Santo Pipó, fundada por imigrantes suíços.

No capítulo “‘O tempo é minha testemunha’: só as pedras estavam aqui, todo o resto é imigrante”, os autores Haruf Espindola e Maria Vilarino historicizam o processo de ocupação da região do Vale do rio Doce. A primeira ocupação da região foi indígena, em especial, do tronco linguístico Macro-Jê, que ocupavam o leste de Minas Gerais, norte do Espírito Santo e centro-sul da Bahia. As primeiras tentativas de ocupação da região por parte de imigrantes europeus e seus descendentes ocorre com o processo de mineração, especialmente na porção mais a Oeste do rio Doce, na cidade de Mariana. Mesmo com esforços estatais, que criaram vários artifícios para fomentar a ocupação da região, os resultados foram pequenos. No final do século XIX, outra tentativa, dessa vez com colonos estrangeiros foi realizada, com destaque especial para a Colônia do Rio Doce, onde colonos estadunidenses confederados tentaram implantar sua ocupação. No entanto, estes não tiveram êxito, devido a problemas de saúde, como a malária. A ocupação efetiva da região só ocorreu no século XX, com a construção da ferrovia ligando Vitória a Minas, que tinha como objetivo a expansão da fronteira agrícola e a extração de recursos minerais, ao mesmo tempo em que implementou um plano de saneamento e controle de patógenos.

O último capítulo, “A imigração senegalesa: dimensões históricas, econômicas e socioambientais”, foi escrito por João Carlos Tedesco. O recorte temporal adotado se dá a partir do século XX, no qual o autor analisou os diversos aspectos históricos da emigração senegalesa, tanto para países da América do Sul como da Europa Ocidental. Tedesco afirmou que a emigração “revela um amplo tecido de causalidades, consequências e dimensões sociais”, e que os “[…] emigrantes revelam ser sujeitos ativos no mundo contemporâneo, ao mesmo tempo em que são vítimas de múltiplas mudanças ambientais, culturais e religiosas” (GERHARDT, NODARI, MORETTO, 2017, p. 253).

Em seu conjunto, História Ambiental e Migrações: diálogos permite compreender as diferentes transformações nas paisagens, sejam sociais ou ambientais, decorrentes das ações humanas, principalmente pelo viés das migrações de humanos e plantas. A multiplicidade de fontes utilizadas pelos autores e autoras proporcionam aos leitores e leitoras transitar pelos diferentes caminhos que integram o cultural e o natural. É uma importante contribuição historiográfica não só para a abordagem da História Ambiental, mas sim todas as áreas do conhecimento que têm interesse em compreender como se estabeleceu as interações entre humanos e não humanos ao longo do tempo.

Débora Nunes de SáDoutoranda no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina e integrante do Laboratório de Imigração, Migração e História Ambiental (www.labimha.ufsc.br), sob a orientação da professora Doutora Eunice Sueli Nodari. E-mail: [email protected]

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