História Ambiental e Migrações: diálogos – GERHARDT (RL)

MORETTO Samira1 História ambiental
Samira Moretto. Foto: Researchgate  /

GERHARDT M Historia ambiental e migracoes História ambientalGERHARDT, Marcos; NODARI, Eunice Sueli; MORETTO, Samira Peruchi. (Orgs.). História Ambiental e Migrações: diálogos. São Leopoldo: Oikos; Chapecó: UFFS, 2017. 267 p. Resenha de: NUNES DE SÁ, Débora. Revista do LHISTE, Porto Alegre, v.4, n.6, p.268-272, jan./dez., 2017.

O livro “História Ambiental e Migrações: diálogos”, organizado pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Laboratório de Imigração, Migração e História Ambiental (LABIMHA) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Marcos Gerhardt, Eunice Sueli Nodari e Samira Peruchi Moretto, traz um conjunto de catorze textos que analisam as interfaces entre a História Ambiental e as migrações humanas em diferentes espaços e períodos históricos. Os autores e autoras oriundos de diferentes universidades, interpretam e analisam as diferentes relações socioambientais e consequentes transformações nas paisagens estabelecendo também um diálogo que é interdisciplinar.

O primeiro capítulo “Colonização e desflorestamento: a expansão da fronteira agrícola em Goiás nas décadas de 1930 e 1940”, foi escrito por Sandro Dutra e Silva, José Luiz de Andrade Franco e José Augusto Drummond. Nele, os autores analisaram as devastações que ocorreram nas florestas de Goiás, inseridas no bioma do Cerrado, também chamadas de “Mato Grosso de Goiás” e classificadas como Floresta Estacional Decidual. Por meio de relatos, tais como o do advogado Carlos Pereira Magalhães (1881-1962) e da atriz e escritora norte-americana Joan Lowell (1902-1967) e de relatórios como o produzido por Speridião Faissul (que acompanhou Leo Waibel pelo interior de Goiás), entre outras fontes, os autores analisaram as transformações e os meios como o Mato Grosso de Goiás foi devastado pelas ações humana. O maior impacto foi a partir do início do século XX, quando ocorreu a expansão de ferrovias e rodoferrovias, a implantação da “A Marcha para o Oeste” colocada em prática pelo governo de Getúlio Vargas e a consequente criação da Colônia Agrícola Nacional de Goiás.

No segundo capítulo, escrito por Marcos Gerhardt, “O relato de Wilhelm Vallentin: meio ambiente e imigração”, o autor tomou como fonte de análise a obra In Brasilien, publicada em 1909 em Berlim, pelo viajante alemão Wilheln Vallentin. Esse viajante descreveu sua passagem pela América meridional, relatando paisagens e o descrições sobre o Sul do Brasil no relato de Vallentin, com relação às comunidades teuto-brasileiras. Interpretou também que, assim como para outros viajantes e cronistas do fim do século XIX e início do XX, Vallentin pensava que “havia uma rígida separação entre cultura e natureza” (GERHARDT, NODARI, MORETTO, 2017, p. 42), e reafirmou que atualmente há um esforço para se pensar cultura e natureza de forma menos dicotômica.

“Da Alemanha para a florestal subtropical brasileira: as propostas do Dr. Paul Aldinger para as colônias alemãs no sul do Brasil”, escrito por João Klug, analisa a ação do pastor alemão Paul Aldinger na colônia Hansa Hamônia, localizada no Vale do Itajaí entre 1901 e 1927. Aldinger foi o responsável pelas atividades escolares e religiosas desenvolvidas na colônia de Hamônia e foi o responsável pela fundação do jornal Der Hansabote que, em suas publicações, priorizou temáticas voltadas aos assuntos escolares e eclesiásticos, bem como a produção agrícola da colônia. Klug analisou como Paul Aldinger foi sujeito ativo na organização da Hansa Hamônia, e como eram contraditórias as impressões sobre sua personalidade.

No capítulo seguinte, “A construção do espaço rural nas colônias de imigrantes do sul do Brasil”, Manoel P. R. Teixeira dos Santos analisou como se deu a privatização das terras florestais cobertas pela Mata Pluvial Atlântica, em especial para a constituição da Colônia Blumenau em Santa Catarina a partir de 1850. Santos utilizou como fontes mapas e relatórios estatísticos do período de 1861 a 1880 que conjugados permitiram ao historiador identificar a distribuição dos lotes coloniais e as consequentes transformações ambientais, bem como a expansão das áreas de cultivos e pastagens na Colônia Blumenau.

Eunice Sueli Nodari, em “Entre florestas e parreiras: a vitivinicultura no Alto Vale do Rio do Peixe/SC”, explorou os diferentes valores atribuídos à produção de vinho, sejam eles simbólicos, culturais, estéticos ou econômicos, analisando, assim, como a produção de vinho no Brasil, tendo como um de seus financiadores os incentivos estaduais e federais, tornou-se uma commodity e transformou paisagens. Sua análise é parte do projeto de pesquisa “Dos vinhedos familiares às grandes empresas: a reconfiguração de paisagens no Brasil através da Vitivinicultura” em parceria com a Stanford University.

“Os pinhais da fazenda Quatro Irmãos/RS e a Jewish Colonization Association”, escrito por Isabel Rosa Gritti, analisa a ação da companhia colonizadora Jewish criada em 1891 “com o objetivo de propiciar a emigração dos judeus vítimas de discriminações no leste europeu” (GERHARDT, NODARI, MORETTO, 2017, p. 95). Essa companhia adquiriu em 1909 a Fazenda Quatro Irmãos com 93.985 hectares, em terras que no período pertenciam ao município de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, e administrou-a até 1962. A autora, a partir da análise de diferentes fontes, afirmou que a Jewish tinha como principal preocupação a exploração florestal da fazenda e que sua preocupação com os imigrantes era secundária.

O capítulo “História Ambiental e as migrações no Reino Vegetal: a domesticação e a introdução de plantas”, de Samira Peruchi Moretto, produz um estado da arte sobre a introdução e a domesticação de espécies vegetais. A autora estuda e analisa as diferenças entre uma espécie considerada introduzida com relação àquela domesticada. Afirmou também que a “alimentação tem uma relação bastante direta com a escolha, a domesticação e a dispersão de plantas”. (GERHARDT, NODARI, MORETTO, 2017, p. 120).

“Paisagem e uso comum da Floresta Ombrófila Mista pela ocupação cabocla do Oeste de Santa Catarina”, de Marlon Brandt, analisa três períodos histórico-geográficos desde a metade do século XIX à primeira metade do XX, os quais o autor considerou fundamentais para compreender as práticas costumeiras da população cabocla e a sua interação com a Floresta com Araucária no Oeste de Santa Catarina. Seu estudo perpassa o uso da terra, a extração da erva-mate e a criação de animais, analisando também como se deu a ruptura desse sistema nas primeiras décadas do século XX, em consequência das práticas introduzidas pelos colonos.

Miguel M. X. de Carvalho, em “O aumento da população humana (colonização e crescimento vegetativo) e os impactos sobre a floresta com araucária – séculos XIX e XX”, por meio da interpretação de recenseamentos demográficos do período de 1872 a 1960, analisou como os fluxos migratórios possibilitaram o crescimento vegetativo da população na região de ocorrência endêmica da Floresta com Araucária no sul do Brasil e como, em decorrência disso, houve uma descontrolada exploração madeireira que levou ao “quase total desaparecimento das florestas primárias com araucária” (GERHARDT, NODARI, MORETTO, 2017, p. 141).

No capítulo seguinte, Luís Fernando da Silva Laroque pesquisou as “Movimentações e relações com a natureza dos Kaingang em territórios da bacia hidrográfica Taquari-Antas e Caí, Rio Grande do Sul” no período dos séculos XIX ao XXI. Além do aporte teórico na história ambiental, também utilizou autores que estudam o conceito de territorialidade, isto é, as diferentes relações sociais, políticas e simbólicas. O autor constatou que, atualmente, “acionando a memória e a continuidade de suas movimentações” (GERHARDT, NODARI, MORETTO, 2017, p. 171), as comunidades Kaingangs, localizadas em Estrela, a Jamã tÿ Tãnh, a Foxá em Lajeado, a Pó Mág em Tabaí e em Farroupilha a Pó Nãnh Mág, no Rio Grande do Sul, vivem o processo de (re)territorialidade de suas comunidades.

Em “Entre decretos, disputas judiciais e conflitos armados: batalhas entre Estado, camponeses e indígenas pela posse da Reserva Florestal de Nonoai-RS” Sandor Fernando Bringmannn analisou a luta histórica do grupo étnico Kaingang pela Reserva Florestal de Nonoai e afirmou que a redemarcação da reserva como área indígena “[…] é fruto muito mais das pressões protagonizadas pelos índios, por meio de mobilizações políticas e ações armadas, do que por ações das agencias indigenistas que parecem ter abandonado as prerrogativas pelas quais foram criadas” (GERHARDT, NODARI, MORETTO, 2017, p. 190).

A historiadora argentina María Cecilia Gallero escreveu “La yerba mate en el prisma de la historia ambiental, Misiones (Argentina)”, no qual analisou transformações no ambiente de Misiones, no início do século XX, decorrentes da introdução do cultivo de erva-mate (Ilex paraguariensis), produto importante econômica e historicamente para a região misionera. Abordou as características da economia extrativa, a chegada dos profissionais suíços que iniciaram o cultivo em grande escala da Ilex e, por último, os impactos resultantes da introdução dos ervais cultivados. Dessa forma, elaborou um panorama da mudança de uma economia ervateira extrativa para uma produtiva, tomando como objeto de análise a Cooperativa de Productores de Yerba Mate de Santo Pipó, fundada por imigrantes suíços.

No capítulo “‘O tempo é minha testemunha’: só as pedras estavam aqui, todo o resto é imigrante”, os autores Haruf Espindola e Maria Vilarino historicizam o processo de ocupação da região do Vale do rio Doce. A primeira ocupação da região foi indígena, em especial, do tronco linguístico Macro-Jê, que ocupavam o leste de Minas Gerais, norte do Espírito Santo e centro-sul da Bahia. As primeiras tentativas de ocupação da região por parte de imigrantes europeus e seus descendentes ocorre com o processo de mineração, especialmente na porção mais a Oeste do rio Doce, na cidade de Mariana. Mesmo com esforços estatais, que criaram vários artifícios para fomentar a ocupação da região, os resultados foram pequenos. No final do século XIX, outra tentativa, dessa vez com colonos estrangeiros foi realizada, com destaque especial para a Colônia do Rio Doce, onde colonos estadunidenses confederados tentaram implantar sua ocupação. No entanto, estes não tiveram êxito, devido a problemas de saúde, como a malária. A ocupação efetiva da região só ocorreu no século XX, com a construção da ferrovia ligando Vitória a Minas, que tinha como objetivo a expansão da fronteira agrícola e a extração de recursos minerais, ao mesmo tempo em que implementou um plano de saneamento e controle de patógenos.

O último capítulo, “A imigração senegalesa: dimensões históricas, econômicas e socioambientais”, foi escrito por João Carlos Tedesco. O recorte temporal adotado se dá a partir do século XX, no qual o autor analisou os diversos aspectos históricos da emigração senegalesa, tanto para países da América do Sul como da Europa Ocidental. Tedesco afirmou que a emigração “revela um amplo tecido de causalidades, consequências e dimensões sociais”, e que os “[…] emigrantes revelam ser sujeitos ativos no mundo contemporâneo, ao mesmo tempo em que são vítimas de múltiplas mudanças ambientais, culturais e religiosas” (GERHARDT, NODARI, MORETTO, 2017, p. 253).

Em seu conjunto, História Ambiental e Migrações: diálogos permite compreender as diferentes transformações nas paisagens, sejam sociais ou ambientais, decorrentes das ações humanas, principalmente pelo viés das migrações de humanos e plantas. A multiplicidade de fontes utilizadas pelos autores e autoras proporcionam aos leitores e leitoras transitar pelos diferentes caminhos que integram o cultural e o natural. É uma importante contribuição historiográfica não só para a abordagem da História Ambiental, mas sim todas as áreas do conhecimento que têm interesse em compreender como se estabeleceu as interações entre humanos e não humanos ao longo do tempo.

Débora Nunes de SáDoutoranda no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina e integrante do Laboratório de Imigração, Migração e História Ambiental (www.labimha.ufsc.br), sob a orientação da professora Doutora Eunice Sueli Nodari. E-mail: [email protected]

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Currículo de História: Reflexões Sobre a Problemática da Mudança a partir da Lei 10.639/2003 – TORRES (RL)

TORRES, Marcele Xavier. Márcia Serra Ferreira. “Currículo de História: Reflexões Sobre a Problemática da Mudança a partir da Lei 10.639/2003”. In: MONTEIRO, Ana Maria (et al.). Pesquisa em ensino de História: entre desafios epistemológicos e apostas políticas. Rio de Janeiro: Muad/Faperj, 2014. Resenha de: ROSA, Tatiane Mendes. Revista do LHISTE, Porto Alegre, v.3, n.5, p.99-104, jul./dez, 2016.

O propósito aqui é fazer uma resenha reflexiva a partir do texto: “Currículo de História: Reflexões Sobre a Problemática da Mudança a partir da Lei 10.639/2003” (MAUD x FAPERJ, 2014) das Professoras Marcele Xavier Torres e Márcia Serra Ferreira, a obra traz uma análise sobre a obrigatoriedade de inserção da História da África e dos africanos no ensino de História no Brasil a partir da Lei 10.639/2003.

A inovação da introdução curricular em relação à História da África nos estudos da História do Brasil a partir da lei 10.639/03 é um tema que gradativamente vem sendo debatido e levado a publicações de pesquisas, artigos, ensaios, etc. A publicação da pesquisa organizada por Marcele X. Torres e Márcia S. Ferreira, reforça a importância desta lei no desenvolvimento histórico educacional em nosso país.

As autoras atuam com pesquisas nas áreas de História e Educação, contribuindo no aprimoramento da formação de professores, educadores e pesquisadores. Um dos resultados destas pesquisas pode ser verificado no livro “Pesquisa em Ensino de História: entre desafios epistemológicos e apostas políticas (2014)” caracterizada por uma coletânea de textos acadêmicos elaborados por pesquisadores que atuam no campo educacional. O texto escolhido traz a reflexão da pesquisa dividida em duas partes, distribuída em 12 páginas, proporcionando ao leitor uma compreensão do tema, possibilitando uma busca maior de detalhes e informações na bibliografia e livros indicados. A obra também proporciona uma análise sobre o que vem sendo desenvolvido nos centros acadêmicos sobre a lei 10.693/03 e aplicado nos currículos escolares.

A apresentação das ideias das autoras se faz presente no desenvolver da pesquisa apresentada onde fica nítida ao leitor a compreensão do conteúdo pesquisado, visto que, na elaboração do texto publicado se faz uma trajetória de conceitos permitindo a objetividade da proposta. Elas trabalham com a compreensão de que o homem é o protagonista de sua própria história e agente formador de suas mudanças em um futuro desconhecido. É possível identificar a transformação do novo e/ou novidade no trecho que nos fala: “[…] o ‘novo’ não é apenas o que resulta de uma mudança estrutural, tampouco esta em transformação radi cal promovida por uma instituição. […]” (TORRES; FERREIRA, 2014: p. 84), o novo para acontecer necessita de um lugar (ambiente) e condições de equilíbrio para se constituir. Para o escritor Ferretti (1995), segundo as autoras:

[…] a mudança como resultado das iniciativas de alterações que são incorporadas a diferentes objetos, com vistas a atender a determinados objetivos que se configuram tomando como ponto de partida os problemas identificados na realidade que se pretende mudar. (TORRES; FERREIRA, 2014: p. 84).

Os conceitos desenvolvidos servem de base para chegarmos ao ponto de estudo do Currículo Escolar onde há a necessidade de mudança e inovação para atender a inserção de novos conteúdos que tratem de temas não abordados antigamente com tamanha eficiência, mas que na atualidade esses temas devem ser mais trabalhados para atender a realidade e compreensão dos alunos.

As professoras Marcele e Márcia utilizam outras referências teóricas para debater a mudança curricular, para isso consideram o autor Popkewitz que contribui com seus escritos na questão da transição da mudança onde se faz necessário ter um paralelo entre o que se foi praticado no tempo transcorrido em associação a atualidade, gerando assim um deslocamento que estabelece rompimentos e seguimentos, como fica evidenciado em: “[…] pensar a partir da relação entre o passado e o presente significa ‘identificar interrupções, descontinuidades e rupturas da vida institucional’ (Popkewitz, 1997, p. 22).” (TORRES; FERREIRA, 2014: p.86). Este autor também considera importante o estudo regional na pluralidade da sociedade abrangendo fatos locais mais peculiares dentro das relações de poder existente e acredita que as alterações podem ser feitas através de uma reforma educacional a partir do uso de termos pertencentes ao aprendizado escolar. Em relação a esta alteração de significados as autoras nos trazem o escritor Silva que em seus escritos nos mostra que “no contexto da história do Currículo é preciso desconfiar particularmente da tentação de atribuir significado e conteúdo fixos a disciplinas escolares que podem ter em comum apenas o nome.” (SILVA, 1995: p. 8 apud TORRES; FERREIRA, 2014: p.87). Seguindo nesta linha de mudança curricular o temos o comentário das autoras sobre Goodson onde:

“[…] as mudanças devem ser compreendidas como o resultado de um conflito entre assuntos internos e relações externas, pois ‘quando o interno e o externo estão em conflito (ou dessincronizados) a mudança tende a ser gradual ou efêmera” (GOODSON, 1997: p. 56 apud TORRES; FERREIRA, 2014: p.87).

Nesta primeira parte do texto as autoras fazem a reflexão que o Currículo atua como formador de entendimento da consciência social, local competitivo rodeado de ambição e de relações desiguais de empoderamento. Ambas as autoras deste artigo reafirmam que a mudança curricular seja na universidade, seja na escola “[…] não é um processo fácil tratando-se de um movimento no qual se ‘inventam tradições’[…]” (TORRES; FERREIRA: 2014 p.88)”. O estudo da História da África e da cultura afro-brasileira e africana no ensino de História se encaixa no contexto acima abordado por se tratar de uma nova interpretação no contexto tradicional curricular.

A segunda parte do texto nos trás a mudança no ensino de História a partir da Lei 10.639/2003 que refere à obrigatoriedade de revisão curricular na Educação Fundamental do ensino de História da África e da cultura afro-brasileira e africana no Brasil. O teor desse tema é justificado pelas autoras por conter fundamentos de alterações importantes no ensino da disciplina de História, por que é uma ciência que possui a pratica curricular de mostrar a soberania do homem branco em relação ao homem não branco, especificamente o africano, nas relações de convivência em nossa sociedade, ou seja, as autoras não buscam uma nova disciplina escolar com essa temática e sim, procuram aflorar as inquietudes da História Nacional oficial ensinada para outro viés histórico não relacionado com a conjuntura social presente.

A História como disciplina escolar, assim como o a educação no Brasil é baseada no sistema educacional europeu (séc.XX), sendo contada a partir do olhar do estrangeiro. Nestas circunstâncias a História sempre foi vista pelo heroísmo e bravura do seu ator principal o homem branco, onde é representado por figuras ilustres, um ser humano independente e com capacidade de “civilizar” o mundo. Com o passar do tempo e dos acontecimentos a disciplina de História teve mudanças baseada nas produções acadêmicas européias e pelos diferentes cenários políticos sociais surgidos no passar dos anos, mas sem perder o eurocentrismo. Com a extensão do sistema educacional brasileiro no final do século XX foi possível que outros grupos não elitizados freqüentassem as escolas, esse fato ocasionou uma alteração na homogeneização do perfil social dos alunos que freqüentavam o educandário, destinado antes aos filhos da elite política brasileira. Sendo assim, “[…] seja pela transformação do perfil do alunado, seja pelo crescimento dos movimentos sociais voltados para a inclusão de grupos historicamente marginalizados, os currículos foram sendo crescentemente contestados.” (TORRES; FERREIRA, 2014: p.90). Ao longo do tempo os conteúdos desenvolvidos em História sofreram indagações por não retratar a História da África e dos afro-brasileiros no Brasil gerando uma revisão disciplinar. O final do século XX em nosso país é caracterizado por uma História marxista que retrata a disputa de classes sociais e as relações de produções. Com base nisso, tivemos algumas alterações nos currículos escolares, onde ficou evidenciado “hegemonicamente pela inclusão da luta dos africanos, tanto na África quanto no Brasil, em uma perspectiva estrutural mais ampla, envolvendo dominantes e dominados. […]” (TORRES; FERREIRA, 2014: p.90). As autoras nos remetem a contextualização que a partir do final do processo da Ditadura Militar no Brasil as discussões sobre igualdade e democracia conquistaram maior visibilidade na luta pela inclusão das minorias e dos grupos marginalizados pela História Oficial. Coube ao ensino de História motivar o aluno a indagar seu eixo histórico e analisar seu papel de ator social.

No ensino de História do Brasil a contar do inicio do século XXI tivemos o estabelecimento da Lei 10.639/2003 que consiste no ensino de História da África e cultura afro-brasileira como já citado anteriormente. Esta lei busca readquirir as ações afirmativas dos negros na formação da sociedade brasileira impulsionando a população negra ao seu reconhecimento social. A lei foi decretada em 2003, mas a luta por esse reconhecimento legitimado vem de muito tempo que pode ser verificado, por exemplo, no Movimento Negro que sempre lutou pela integração da História e cultura afro-brasileira nos currículos escolares. Mesmo sendo uma lei, a mesma não garantiu até o momento que essa mudança nos currículos escolares seja eficaz em relação aos contextos anteriormente desenvolvidos nas escolas através da visão do outro, no caso do olhar eurocêntrico. Após 13 anos de implantação a lei 10.639/03 ainda não rompeu com o “costume” de se retratar o negro africano e o afro-brasileiro somente como escravizado e submisso ao opressor europeu. A alteração é gradual e necessita de orientação de como deve ser aplicada, pois toda mudança curricular envolve fatores externos que vão além do ambiente escolar, envolvidos em uma cultura intrínseca. A modificação do currículo escolar faz parte do processo de transição do conteúdo histórico a ser desenvolvido com o alunado, mas para que essa transformação ocorra é preciso também que se faça um preparatório do corpo docente para trabalhar essa temática em aula, pois a lei é de 2003, mas há professores que começaram a atuar antes deste período e para os que atuam após esta data também se faz necessária uma formação para que haja preparo e referencial teórico que embase as aulas ministradas sobre a cultura africana no Brasil e a formação da nossa identidade no elo Brasil Africano e África Brasileira. A responsabilidade dessa alteração de paradigmas históricos se faz presente no embate político social onde uma nova retratação entraria em conflito com uma “tradição” secular no contexto social brasileiro.

Após a leitura do texto referido para este trabalho fico com algumas indagações: quais os motivos para a lei 10.639/03 não ser aplicada? Há interesse da parte governamental para que não haja uma nova historiografia em relação aos negros africanos e aos afro-brasileiros? Os professores recebem orientações didáticas em suas formações para desenvolverem em aula o referido tema? Os currículos escolares no âmbito nacional já estão atuando na proposta da lei? Atualmente, há algum tipo de verificação nos diários escolares para averiguar o que esta sendo desenvolvido? As ações afirmativas e a valorização do povo negro onde estão? Os professores estão recebendo ou receberam material didático para embasarem as aulas? Há formações de professores que abordam essa questão? Cabe somente aos professores de História trabalhar com a proposta da lei 10.639/03? Existe racismo nas escolas do Brasil? Alguma pesquisa já foi feita com os alunos de matriz africana para verificar se os mesmos já se sentiram descriminados, injustiçados ou envergonhados nas aulas que tratam sobre a formação do nosso país? As perguntas são inúmeras e não pararam por aqui. Será preciso fazer mais pesquisas sobre o tema abordado para elucidar essas questões. Com base no texto resenhado e nas perguntas acima, trago questões pertinente quando se trata da negritude brasileira e da formação afro descendente do Brasil, o racismo, o preconceito e a discriminação na escola. Para esta analise utilizei o livro “Superando o Racismo na Escola”, organizado por Krabengele Munanga, Brasil, 2005. Em minha carreira como Professora de História já sofri perguntas dos alunos tais como “bah, mas a senhora não tem cara de Professora!”, “Sora, a senhora fala de religião de matriz africana só porque a senhora é preta?”, “Sora, porque a senhora usa esse “troço” (turbante) na cabeça, tá com piolho?’’, “a senhora acredita em saravá?” foram perguntas que fizeram refletir sobre o convívio escolar de uma pessoa afro-brasileira. Como nos diz Sant’ana (2005): “[…] não dá para fugir da curiosidade dos alunos e nem é aconselhável camuflar as respostas. O jeito é enfrentar a questão de frente. […]” (SANT’ANA, 2005: p.40). E para enfrentarmos essas questões é necessário contextualizar a história do negro no Brasil e a nossa relação de identidade com o continente africano. Acredito que a maioria dos alunos ainda tenha a visão estigmatizada do negro escravizado, sofredor, pacífico e submisso ao branco europeu, como também percebo que as informações referentes à cultura africana merecem maior elucidação, pois ainda é vista como algo pejorativo onde usar turbante, usar elementos da religião de matriz africana ou falar sobre a Mama África no ambiente escolar assim como em toda nossa sociedade parece algo que causa estranheza ou afronta a cultura nacional. A figura do Professor é primordial para elucidar essas questões de racismo, preconceito e discriminação, pois o aluno inicia na escola em idade de formação da sua personalidade e é na escola que temos o nosso maior convívio social com as diferenças.

Referências

SANT’ANA, Antônio Olimpio. “História e Conceitos básicos sobre o Racismo e seus derivados” IN MUNANGA, Kabengele (organizador). Superando o Racismo na Escola. 2ª Ed. Revisada. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.

TORRES, Marcele Xavier. Márcia Serra Ferreira. “Currículo de História: Reflexões Sobre a Problemática da Mudança a partir da Lei 10.639/2003” IN MONTEIRO, Ana Maria (et al.). Pesquisa em ensino de História: entre desafios epistemológicos e apostas políticas. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Muad x Faperj, 2014.

Tatiane Mendes Rosa – 1 Professora de História Rede Pública. E-mail: [email protected]

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Peabiru: um caminho, muitas trilhas – ZAMBONI et al (RL)

ZAMBONI, E.; DIAS, M. F. S.; FINOCCHIO, S. (orgs.). Peabiru: um caminho, muitas trilhas. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2014, 200p. Resenha de: PACIEVITCH, Caroline; OLIVEIRA, Amanda Gabriela Rocha. Pelos caminhos do Ensino de História: Revista do LHISTE, Porto Alegre, v.2, n.2, p.161-166, jan./jun., 2015.

O livro Peabiru: um caminho, muitas trilhas (Letras contemporâneas, 2014, 200 p.), organizado pelas professoras Ernesta Zamboni, Maria de Fátima Sabino Dias e Silvia Finocchio, surgiu com o objetivo de “compartilhar os resultados de uma pesquisa coletiva desenvolvida por pesquisadores de diferentes universidades” (p. 7), no âmbito do “Projeto Peabiru: Ensino de História e Cultura Contemporânea”. O principal destaque da obra é a discussão crítica e inovadora dos referenciais teórico-metodológicos que acompanharam as pesquisas. Assim, na Apresentação do livro, é possível perceber que o Projeto Peabiru passa por dois elementos importantes para a pesquisa em ensino de História: o trabalho coletivo entre pesquisadores do Brasil e da América Latina e a dedicação em tornar os estudantes e professores da escola básica sujeitos privilegiados para a produção de conhecimento sobre ensinar e aprender história.

O texto Saberes escolares históricos en movimiento (p. 16-32), de Silvia Finocchio, cumpre o papel de contextualizar os demais capítulos. A autora discorre sobre as mudanças nos saberes históricos escolares e nas políticas públicas educacionais de Brasil, Venezuela, Chile, Bolívia, Argentina e Uruguai. É importante e necessária uma abordagem comparada na pesquisa em ensino de História na América Latina, embora a comparação não seja seguida explicitamente nos demais capítulos. Finocchio analisa três formas de representação cultural contemporâneas que influenciam novas relações e contextos vividos pelos saberes históricos escolares: o multiculturalismo e o pós-colonialismo, a cultura digital e a cultura compasional. Analisa também o papel das novas esquerdas latino-americanas em relação às políticas educacionais em seus respectivos países e oferece quatro conclusões: 1) a necessidade de aprofundar a produção e a circulação da análise de saberes históricos em movimento num contexto de transição cultural e com termos propriamente latino-americanos; 2) a crítica a que a escola ecoe tendências que reforçam uma visão de desalento em relação ao ensino; 3) a dispersão de tendências regionais que expressem culturalmente suas singularidades; 4) a hibridez teórica e política que marca os governos de uma esquerda pragmática na América do Sul e suas políticas curriculares. Infere-se que a relação entre o texto de Finocchio e o Projeto Peabiru reside na contextualização do projeto, que se interessa por elementos da formação de professores e da sala de aula de História, mas que não podem ser compreendidas sem as devidas relações com as políticas públicas sociais e educacionais vigentes nos últimos anos na América Latina, notadamente aquelas dirigidas por governos populares.

Após a ampla contextualização oferecida por Finocchio, os capítulos dedicam-se a detalhar pesquisas individuais ou coletivas que colaboram para os objetivos do Projeto Peabiru, na tentativa de conectar as demandas dos jovens com as responsabilidades e desafios da formação de professores de História.

O artigo Transformaciones en las fuentes de creación del conocimiento histórico: entre los nuevos livros de texto y los materiales digitales (p. 33-60), de Marisa Massone, analisa livros didáticos de História e o uso de materiais digitais relacionados ao ensino de História. A autora compara os livros didáticos de história do século XX e a mudança que sofrem a partir das décadas de 1980 e 1990 na Argentina, classificando os atuais livros didáticos de história como portadores de hipertextos: imagens e boxes de textos convivendo no mesmo espaço do texto escrito e podendo ser explorados. Massone também trata sobre a utilização de imagens e de filmes no ensino de história e sobre os livros didáticos passarem a conter sugestões de pesquisa na Internet. Essas mudanças propõem reflexões sobre a influência e o uso dos materiais digitais nas aulas de história, tema, como visto, central para o Projeto Peabiru. Nesse sentido, ela apresenta programas de criação de linhas do tempo e de criação de vídeos que podem contribuir na aula de história. O capítulo de Massone demonstra as proximidades entre as tendências para livros didáticos no Brasil e na Argentina, principalmente por trazer novas mídias para o livro, tanto na forma quanto no conteúdo (BUENO; GUIMARÃES; PINTO, 2012).

Utilizando outra ferramenta metodológica – uma série de questionários –, Magda Madalena Tuma aborda (p. 61-90) a questão da infância e sua relação com a mídia. O capítulo menciona que foram aplicados questionários aos alunos de 9 a 13 anos de duas escolas rurais e uma urbana (Londrina, Paraná), aos pais e aos professores dessas escolas. Embora não seja possível acessar explicitamente todas as características dos questionários, nota-se que a autora traça um perfil socioeconômico desses alunos e discorre sobre as escolas que foram estudadas, a fim de compreender também as condições e o contexto do consumo cultural dessas crianças. Tuma constatou que a maioria das crianças atribui maior utilidade à Internet para fazer trabalhos escolares, seguida da opção “comunicação com amigos”, entre outras constatações. O texto evidencia a potencialidade de expansão de uma compreensão mais profunda em relação às crianças, suas preferências sobre a mídia e suas opiniões sobre a escola.

O artigo de Aléxia Pádua Franco (p. 91-113) reflete sobre a relação das redes sociais com a formação da consciência histórica dos alunos da educação básica na contemporaneidade. O conceito de consciência histórica é importante para o projeto Peabiru e tem sido objeto de interesse de diferentes grupos de pesquisadores no Brasil, a partir de diferentes apropriações (BAROM, 2014). Franco opta por submeter a teoria a seus interesses e aos dados obtidos na pesquisa, escapando da armadilha de forçar os dados a se encaixar em seu referencial teórico. Ela apresenta sua metodologia, que se aproxima de uma etnografia virtual sobre os conteúdos encontrados em sites como YouTube e Facebook relacionados com a produção de conhecimento histórico. A autora analisa materiais produzidos por alunos encontrados no YouTube e relacionados com o conteúdo de História, quais temas abordam, de que forma, que narrativa é utilizada, que imagens usam, problematizando, ao mesmo tempo, a presença – mais ou menos desenvolvida, dependendo do caso – de uma consciência histórica. A autora também apresenta o uso do Portal do Professor (MEC) e os produtos que se podem encontrar no site, problematizando a relação dos docentes com essas novas tecnologias, que não é só de consumo, mas também de produção. O capítulo de Aléxia Franco responde a diversos interrogantes que se esperam da pesquisa em didática: constatações baseadas no cotidiano da escola, reflexão crítica e proposições concretas para os docentes em formação (PAGÈS, 2002.).

É possível afirmar o mesmo para o texto La historia como disciplina escolar: una mirada desde el sitio Web Yahoo! Respuestas (p. 114-130), em que Gabriela Carnevale analisa o site como um espaço de construção do conhecimento histórico relacionado com o mundo escolar, para entender a confiabilidade, os modos e as formas desse conhecimento. A autora apresenta o site Yahoo! Respuestas, seu funcionamento, sistema, regras, gratificações, interações para compreender como se dá a construção do saber nesse recurso. Em seguida, Carnevale analisa tipos de questões e de respostas relacionadas à temática História como disciplina escolar elaboradas e postadas pelos usuários no espaço denominado Educación. Por fim, a autora problematiza as questões relacionadas ao site com a construção do conhecimento histórico no mesmo e na sala de aula e analisa as mudanças nessa construção do saber.

O capítulo de Juliana Pirola da Conceição e Maria de Fátima Sabino Dias (p. 131-155) se diferencia dos demais por abordar o desenvolvimento e as repercussões da disciplina de Estudos Latino-americanos (ELA) no Colégio de Aplicação (CA) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), isto é, as autoras analisam, também do ponto de vista do conceito de consciência histórica, uma proposta inovadora de disciplina escolar. Criada em 2003 por iniciativa dos professores do CA, a disciplina (até então inédita no Brasil) foi investigada em 2009 para que fosse possível entender sua influência no que as autoras chamam de “consciência histórica latino-americana” e a contribuição da disciplina no currículo escolar para a formação histórica desses jovens. Conceição e Dias constataram que a história latino-americana foi abordada de variadas formas na escola no Brasil desde meados do século XIX até os dias atuais, concluindo que pouco se estuda o continente no país, dando preferência à história europeia e à história nacional, por mais que nos últimos tempos livros didáticos tenham elaborado algumas propostas de trabalho com temáticas latino-americanas. As autoras apresentam o estudo feito através de questionários, seis anos após a implementação da disciplina. Conceição e Dias evidenciam a importância e o diferencial da disciplina de Estudos Latino-americanos na formação dos alunos do CA e como propostas criativas e que oferecem visões não eurocêntricas da história são escassas no Brasil.

O texto Materiales multimediales para la enseñanza de la historia (p. 156-180), de Gisela Andrade, analisa as mudanças nas práticas docentes, as possibilidades e os usos feitos das tecnologias da informação e da comunicação (TIC) no ensino de história na Argentina, principalmente com a implementação dos programas 1 a 1 (um computador para cada aluno) pelo programa Conectar Igualdad.com.ar em 2010. A partir disso, a autora nos apresenta suas fontes: as Carpetas Docentes de Historia produzidas pela Universidad Nacional de La Plata, que seriam como pastas/apostilas produzidas pela universidade para os professores do secundário disponíveis no site da instituição; e a Múltiples Voces para el Bicentenario, ferramenta elaborada pelo programa Conectar Igualdad do Ministerio de Educación de la Nación Argentina, disponível no portal Educ.ar. Seu principal objetivo é, através da análise desses materiais, delinear critérios para a seleção e criação de materiais multimídia para a formação inicial e continuada de professores de História. A autora analisa as três linguagens principais encontradas nos materiais anteriormente citados: cinema, entrevistas e imagens. Por fim, Andrade faz um balanço das características e possíveis usos desses materiais e das TIC nas aulas de História, levando os professores a utilizar as TIC como veículo para aprofundar os estudos e conhecimentos, e não somente como um recurso da sala de aula.

O capítulo que encerra a obra, As lentes captam o que o coração sente: investigando e aprendendo sobre o patrimônio histórico da cidade de Londrina (p. 181-198), de autoria das pesquisadoras Sandra Regina Ferreira de Oliveira e Silvana Muniz Guedes, aborda a questão do ensino de História e da educação patrimonial através do estudo e da investigação acerca da rua de pedestre (também chamada de Calçadão) de Londrina. As ações e as pesqui sas realizadas por professores e alunos da Universidade Estadual de Londrina e os participantes do PIBID pretendiam construir um material didático para ser usado no ensino de História dos anos iniciais do Ensino Fundamental, podendo trabalhar questões de história e memória com as crianças a partir do calçadão da cidade, o qual, devido a uma obra, deixou exposto o antigo calçadão. As autoras expõem a história de como, em que contexto e onde surgiram as primeiras ruas de pedestre no Brasil e, em seguida, sobre o contexto da criação da rua de pedestre mais famosa de Londrina e seu histórico de mudanças. O aspecto de maior interesse para o ensino de História, isto é, a potencialidade e a argumentação sobre o uso desse patrimônio na aula de História com as crianças, é problematizado no final do capítulo, no qual também se ressalta a importância de produzir materiais didáticos de forma coletiva.

As pesquisas desenvolvidas no Projeto Peabiru demonstram a centralidade da cultura contemporânea para a formação de professores de História e propõem, direta ou indiretamente, algumas questões: se os recursos digitais são valorizados pelos jovens, a solução para os problemas do ensino de História residiria em sua introdução massiva na sala de aula? Caberia, portanto, à formação de professores desenvolver métodos e técnicas para o uso desses recursos na escola? As pesquisas apresentadas no livro, à luz do contexto oferecido no primeiro capítulo, demonstram que as problemáticas podem ser outras: entendemos os papeis dos artefatos culturais contemporâneos na vida dos jovens? Compreendemos as construções e constantes modificações do mundo virtual e das tecnologias? Respondemos às demandas sociais e de formação cidadã que ainda são de responsabilidade da escola? O cuidado das pesquisadoras do Projeto Peabiru com o refinamento teórico-metodológico e com a atenção a professores e estudantes da escola básica, bem como com a contextualização e a articulação de seus trabalhos, oferece uma valiosa contribuição para essas reflexões.

Referências Bibliográficas

BAROM, Wilian Carlos Cipriani. Os micro campos da didática da História: A teoria da História de Jörn Rüsen, pesquisas acadêmicas e o ensino da história. Revista de Teoria da História. Universidade Federal de Goiás, volume 11, nº2, 2014. Disponível em: http://revistas.jatai.ufg.br/index.php/teoria/article/view/33419 (acesso em: ago/2015).

BUENO, João Batista Gonçalves; GUIMARÃES, Maria de Fátima; PINTO, Arnaldo Junior. Imagens visuais nos livros didáticos de história: formas de controle e avaliação desde 1990 até a atualidade. Revista NUPEM. Campo Mourão, volume 4, nº 7, ago/dez, 2012. Disponível em: http://www.fecilcam.br/revista/index.php/nupem/article/viewFile/205/187 (acesso em: ago/2015).

DIAS, Maria de Fátima Sabino; FINOCCHIO, Silvia; ZAMBONI, Ernesta. Peabiru, um caminho, muitas trilhas. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2014.

PAGÈS, Joan. Aprender a enseñar historia y ciencias sociales: el currículo y la didáctica de las ciencias sociales. Pensamiento Educativo. Volume 30, jul/2002. Disponível em: http://pensamientoeducativo.uc.cl/files/journals/2/articles/222/public/222-523-1-PB.pdf (acesso em: ago/2015).

Caroline Pacievitch –  Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Contato: [email protected].

Amanda Gabriela Rocha Oliveira–  Graduanda em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Contato: [email protected].

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Conversas com um jovem professor – KARNAL (LH)

KARNAL, Leandro. Conversas com um jovem professor. São Paulo: Editora Contexto, 2012. Resenha de: VOGT, Débora Regina. Revista do LHISTE, Porto Alegre, v.1, n.1, p.187-191, jul./dez., 2014.

Poucas experiências na graduação para não dizer quase nenhuma antecipam o primeiro dia de um professor em sala de aula. As aulas de psicologia da educação, da sociologia do ensino, os grandes debates sobre métodos de aprendizagem ou as discussões infindáveis sobre as linhas historiográficas tornam-se tímidas, quase inúteis, quando “enfrentamos” nossa primeira aula. E esse é o verbo que o professor Leandro Karnal utiliza: enfrentar. Em nosso mundo ideal todos esperam ansiosamente pela nossa presença e pelo conhecimento iluminista que inicialmente acreditamos ter. A realidade, sabemos, não é bem assim. No entanto, entre o mundo irreal e idealizado e o pessimismo abismal há um meio termo e nele podemos encaixar o livro de Karnal.

Segundo o autor, a obra não tem como objetivo discutir teorias ou novas concepções de ensino. Ele dialoga com elas, mas seu alvo é outro: é ensinar a fazer o cimento da construção, não seu desenho arquitetônico, em outras palavras: como é, na prática, ser professor. São 30 anos de experiência em que, em suas palavras, passaram centenas de colegas, dezenas de lugares e milhares de alunos. Entretanto, Karnal relata com simplicidade das alegrias e tristezas de ser professor, dos desafios da profissão, do cotidiano escolar e tem a humildade de relatar também seus fracassos, demonstrando que ser professor é, antes de tudo, um eterno aprendizado.

Como o próprio nome diz, seu alvo é o jovem professor, que talvez ainda não tenha concluído os estágios obrigatórios e que precisa encontrar seu lugar na sala de aula, no cotidiano escolar e na vida dos alunos. No entanto, ouso dizer que ele atinge também outro público, que já está no magistério, mas sabe que tem muito a aprender e está disposto a ouvir. Karnal procura fazer um livro simples e prático, sem ser simplificado e banal. Dessa forma, ele aborda praticamente todos os pontos da aula: o professor, o ambiente, o aluno, o conteúdo entre outros. Escreve sobre a coordenação, os colegas, os pais e o próprio governo ou da mantenedora para atingir tanto aquele que se dedica ao setor público, como aquele que trabalha em instituição privada.

Quando aborda a sala de aula o historiador discute as várias circunstâncias que estão dentro de uma aula. Uma noite mal dormida, uma conta não paga ou uma simples dor de cabeça podem, sim, ter como resultado uma péssima aula. Somos humanos e temos limitações e elas são também físicas. Ter noção de como está se sentindo, antes de entrar numa aula, ajuda a encarar seus limites e a lidar melhor com a situação. Além do professor há o conteúdo que deve ser trabalhado, estudado e planejado antes da entrada em sala. Ele dá um conselho sadio: planos gigantescos são muitas vezes inúteis e podem nos fazer crer que são desnecessários. Não são, mas devem ser os mais práticos possíveis, tendo claro sempre aonde se quer chegar.

O aluno é o ponto central e ele chama atenção: ele não pode ser nosso problema. Tal como o médico não pode ver o paciente como problema, mas sua doença, nós não podemos acreditar que nosso aluno é um problema, seu comportamento até pode ser, ele não. O olhar de educandos, de acordo com ele, é um ótimo parâmetro, mas não deve ser o ponto de chegada, sim um diagnóstico e um ponto de partida. Karnal compara a aula com um trabalho artesanal, é meticuloso, sensível e não há nada que garanta sua segurança absoluta.

O livro deixa claro que boa parte da seriedade de nosso trabalho vem de nossa concepção sobre o nosso fazer. Se nós agirmos de forma que demonstre que os alunos podem ouvir ou não e nada muda, desvalorizamos nosso trabalho diante daquele que é a nossa plateia. A visão que temos de nós mesmos e da importância do que fazemos demonstra a seriedade com nossa profissão. Segundo Karnal, uma aula mal dada pode não destruir vidas como um erro médico ou uma ponte mal construída por um engenheiro, no entanto, é bem possível que esses erros tenham como resultado aulas ruins.

Karnal dedica um capítulo inteiro para falar da criatividade e outro sobre as tecnologias. Como uma caixa de milagres, as duas são apontadas como soluções para a falta de interesse dos alunos e o desânimo que os alunos têm pela escola. O autor desmitifica a criatividade vista, muitas vezes, como quase uma revelação divina. Mostra que ela é fruto de muito esforço, mostra também o quanto uma aula criativa dá trabalho em relação a uma aula tradicional e que, por isso, não pode ser feita todos os dias. Uma aula expositiva pode cumprir bem seu papel e na maioria das vezes o faz. Uma aula criativa, no entanto, mexe com emoções e nossa memória trabalha através dela e por isso somos capazes de lembrar o que nos marcou emocionalmente.

Quando aborda as tecnologias Karnal chama a atenção para um erro crasso: acreditar que uma aula torna-se melhor pelo simples uso de tecnologias. Elas são ferramentas didáticas, mas não produzem por si mesmas uma boa aula. Ao usar um ‘power point’, por exemplo, se o professor somente ilustra o que fala, sem analisar imagens, sua subjetividade como são montadas e feitas perde-se muito da capacidade exploratória. Há turmas diversas e diferentes tipos de alunos, alguns são atingidos por uma técnica, outros por outra. Variar no uso das tecnologias e da criatividade nos possibilita caminhar com uma turma de forma mais orgânica possível na construção do aprendizado.

Sendo o aluno o alvo de nosso trabalho é de imaginar que o cotidiano do profissional é a convivência com pessoas. Entretanto, além dos alunos há no mínimo mais quatro grupos de pessoas que perpassam o trabalho docente: os pais, os diretores, a coordenação e os colegas. Há muito a aprender com eles, mas há os que simplesmente podem estar ali para atrapalhar nosso caminho. Encarar os pais pela primeira vez após o aluno ter tirado uma nota ruim, ou a coordenação que pensa ter a solução mágica para suas aulas, mas que não fica 15 minutos controlando uma turma, é um desafio tratado com um ar quase fraternal por Karnal, como um pai que aconselha seu filho antes de seu primeiro dia de trabalho. Ele fala de hierarquias, aconselha a falar menos na sala dos professores antes de conhecer os colegas, a perceber que há diferentes tipos de pais etc. O mérito de seus conselhos é a saída das soluções mágicas, ele não demonstra que tudo é fácil ou que não há soluções, mas que há sempre um meio termo sem abrir mão do bom senso e da ética profissional.

A avaliação, desafio para iniciantes, mas também para professores com maior trajetória é refletida e analisada por Karnal. Há um perigo que ronda boa parte dos professores: a vingança na hora da avaliação. Muitas vezes vista como um jogo narcisista em que chega a hora de mostrar quem realmente manda, de demonstrar que o trabalho é sério e que, sim, ele pode ser cruel. Quem já transitou como profissional numa escola já viu nos colegas e em si mesmo o sorriso vingativo na hora de aplicar uma avaliação. É dia de nossa tranquilidade e passividade diante do nervosismo de nossos alunos. O autor é franco: muitas vezes inventamos desculpas – como os desafios da vida ou a necessidade de avaliar seriamente – para o que pode ser uma demonstração de nosso ego. Por outro lado, é um trabalho que deve ser levado a sério e feito com dedicação. A prova como sabemos não avalia somente o aprendizado dos alunos, mas a atuação do profissional. Segundo ele, a prova deve ser operatória. Recorrer à memorização pode ser exaustivo e inútil na maioria dos casos. É necessário ter claro aonde se quer chegar e quem são seus alunos, na hora de produzir uma boa avaliação.

Há um capítulo escrito por sua irmã, Rose Karnal, que diferente dele deu aula para diversos níveis e hoje se volta mais para a graduação, pós-graduação e formação de professores, dedicou-se à vida toda ao ensino básico. É formada em letras pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e é educadora há 32 anos. Acredito que por ela estar no ensino básico onde os problemas sobre disciplina são mais recorrentes é que Leandro a convida para escrever esse capítulo específico.

Disciplina é em si um tema espinhoso. Diante de casos de violência dentro das escolas com registros que se espalham no país, falar dela é um desafio e pode intimidar. De acordo com ela, a disciplina é um conquista diária e também uma repetição de ações que proporcionem um clima de aprendizagem. Há uma diferença entre autoridade e autoritarismo e não há aprendizado sem ordem e respeito. No entanto, não há segredos ou “toque mágico” para resolver os problemas disciplinares, a prática funciona muito mais que a teoria e há coisas que funcionam com um aluno e são desastrosas com outro. Rose salienta pontos fundamentais que também são apontados por Leandro em seu texto: organização do ambiente, atenção na aula, não conivência com a violência e mais importante que tudo, lembrar que é o professor o adulto na sala de aula.

Um dos capítulos mais instigantes e talvez um dos mais estimulantes em ‘conversas com um jovem professor’ é a narrativa dos erros cometidos, que Karnal intitula “Pedras da nossa estrada”. Ele narra as situações em que foi irônico e quando se sentiu vitorioso ao soltar um comentário ácido para um aluno que o incomodava em uma manhã, por estar com conjuntivite, ou que fez caretas e comentários ao ler o nome de um aluno. Todos nós já fizemos ou sentimos vontade de fazer isso: soltar um comentário demolidor para um aluno que consegue nos incomodar. Sabemos que como professores, temos esse poder e por vezes é grande a tentação de fazer isso e se sentir vitorioso diante da turma.

No entanto, ao ler o relato franco e honesto desse professor com mais de 30 anos de experiência podemos ter certeza que não seremos os primeiros, nem os últimos a ter vontade de nos vingar naqueles que deveriam ser o alvo de nosso trabalho: os alunos. Karnal lembra-nos, contudo, que é preciso lembrar sempre quem é o adulto e quem é a criança ou o adolescente. O docente não é um aluno mais adiantado, ele é o professor, que se não necessariamente amar com todo coração determinada turma, deve antes de tudo, agir como profissional da melhor forma possível. Afinal, não seria ideal para um médico fazer uma cirurgia ruim porque um paciente incomodou muito nas consultas.

Ao final de cada capítulo, o professor Karnal cita filmes que são um conjunto de inspirações a parte. Ele foge dos modelos de professor salvacionista, mas apresenta filmes cujos professores têm um trabalho difícil e que por vezes podem fracassar. No entanto, a pequena transformação que se tem é a mudança na vida de uma pessoa, a percepção de que realmente conseguiu ensinar, fazer o trabalho valer a pena.

O livro do professor Leandro Karnal é leve, bem humorado e serve ao que se propõe que é dialogar com o docente iniciante. No entanto, ele também ultrapassa isso, já que compara nosso trabalho com outras profissões, sai do muro das lamentações, mas também demonstra que nem tudo são sorrisos e alegrias. É um texto de um professor sério e comprometido com o que faz. Creio que só essa característica deveria nos levar a ouvi-lo atentamente. Prestar atenção em quem permanece como docente apreciando e valorizando o que faz é um bom começo para quem dá seus primeiros passos no magistério.

Débora Regina Vogt – Licenciada, Mestra e Doutoranda em História pela UFRGS. E-mail: [email protected]

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História da África – MACEDO (RL)

MACEDO, José Rivair. História da África. São Paulo, Editora Contexto. 2014. Resenha de: FATURI, Fábio; CANTO, Rafael. Revista do LHISTE, Porto Alegre, v.1, n.1, p.181-186, jul./dez., 2014.

Passada mais de uma década de promulgação da lei 10.639/03 que obriga o ensino de história da África e dos africanos nas escolas brasileiras, ainda se encontram barreiras no processo de sua efetiva implantação. Uma destas barreiras é o ainda pequeno número de materiais para embasar os profissionais da educação, sejam eles do nível fundamental ou do médio – ou mesmo universitário – acerca das realidades históricas das sociedades do continente africano. Nesse contexto, o livro História da África do professor e pesquisador José Rivair Macedo, publicado em 2014, entra no círculo de obras obrigatórias para aqueles professores que buscam conhecer as sociedades africanas a partir de um viés que tem por objetivo encontrar uma África sujeito e não uma África objeto.

A obra, que está dividida em sete capítulos, não segue uma perspectiva linear, cronológica respeitando, desta forma, a evolução própria daquele continente. Ela busca dar um panorama geral dos grandes grupos sociais existentes no continente, suas diversas relações com a Europa, a Ásia e dentro do próprio continente, além de tratar da questão da escravidão. Isto sem aprisionar a história tão vasta do continente apenas na questão do tráfico transatlântico de escravos, tema abordado com a devida profundidade no capítulo cinco.

Seria uma pretensão pensar que em um livro de menos de duzentas páginas seja possível resumir a longa história do continente africano, desde o início do processo de hominização até os movimentos de descolonização que marcaram, atualmente, de forma profunda as nascentes nações africanas. Basta pensar na obra monumental da UNESCO, História Geral da África, produzida nos anos 1970 e 1980, mas que só recebeu tradução para a língua Portuguesa em 2010, a mesma possui oito volumes e quase 20.000 páginas e cuja análise possui um recorte temporal semelhante. A capacidade e a qualidade da síntese são, neste sentido, qualidades destacáveis do livro resenhado neste espaço.

História da África serve como um ótimo guia para professores que buscam conhecer as diversas formas de sociedades africanas ao longo da história de uma forma bastante atualizada em se tratando de pesquisas históricas. Apesar da obra não possuir notas de rodapé, que permitam ao leitor buscar o caminho reverso do texto, ao final de cada capítulo o autor buscou referenciar os livros mais indicados para pesquisas futuras. Além de elencar uma grande variedade de filmes, sites e diversas outras formas que permitam ao leitor não só reconstituir a pesquisa em que o livro se embasou como também iniciar sua própria pesquisa.

Uma característica importante da obra é a presença, no corpo do texto, de pequenos trechos das diversas fontes pesquisadas pelo autor. São relatos de viagens e excertos de textos clássicos sobre o tema que se configuram como de leitura obrigatória para os professores que buscam, em sala de aula, apresentar uma “nova” África a seus alunos.

O primeiro capítulo da obra intitulado Pré-história Africana parte de uma sucinta descrição do ambiente natural daquele continente (condições geológicas, climáticas, etc.) que servem para demonstrar a diversidade de ambientes e as dificuldades impostas às populações, que sejam africanas, quer sejam exploradores de outros continentes. Estes elementos são fundamentais para compor as respostas as perguntas: por que o homem surgiu na África? E, por que estes grupos saíram da África?

A exposição desenvolvida pelo autor recupera elementos para demonstrar que mais do que o lugar do surgimento do homem, a África foi o espaço onde a humanidade se desenvolveu e assumiu características transmitidas e compartilhadas por todos os seres humanos do planeta. A análise desenvolvida neste capítulo se estende até a adoção, por parte dos grupos que habitavam aquele continente, da agricultura, da pecuária, substituindo a caça e a coleta. Mudanças que propiciaram o desenvolvimento de inovações tecnológicas, econômicas e sociais e abriram o caminho para subsequentes transformações, como a invenção da cerâmica e da metalurgia. O desenvolvimento destes domínios técnicos que explica o florescimento das primeiras civilizações africanas que serão analisadas nos capítulos posteriores.

No capítulo da obra Os povos da Núbia e do Índico, o autor apresenta as maneiras pelas quais os povos do nordeste e do litoral oriental da África organizaram-se em torno dos grandes rios e oceanos. São sociedades, portanto, em constante interação com povos de diversos espaços geoculturais, contatos e trocas constantes entre o cristianismo e o islamismo. Inicialmente são abordadas as civilizações egípcias e a meroítica, esta última que é, aliás, “a mais antiga civilização negra da África” (p. 25), onde já se fazem presente diversos traços originais das antigas sociedades africanas como, por exemplo, o papel diferencial da mulher na sociedade.

Ainda neste espaço, analisa-se a emergência do estado de Axum e da Etiópia que adotaram o cristianismo e a difusão do islamismo na África, sobretudo na região do Sudão Oriental e nas cidades Suaíli. As últimas linhas do capítulo ocupam-se do Grande Zimbábue, complexo arquitetônico localizado onde atualmente situam-se Moçambique e Zimbábue, que se destaca “por sua dimensão, ostentação e complexidade” (p. 37) e concluindo, a presença europeia na região.

No terceiro capítulo, O eixo transaariano, o autor ocupa-se de analisar as sociedades africanas que se organizaram para se adaptar ao deserto e à savana. Acompanhando, portanto, a evolução histórica destas populações que necessitaram tirar o máximo dos recursos disponíveis nestes ambientes que lhe ofereciam poucas condições para sobrevivência. De forma geral “esses grupos ocuparam deste a faixa litorânea do mar Mediterrâneo até os limites da floresta tropical” (p. 45-46).

A análise parte da islamização do Magreb, percorrendo o desenvolvimento das sociedades no eixo das rotas do Saara, destacando a atuação dos tuaregues. O estado de Gana, “o mais antigo estado negro organizado com ampla área de dominação política e econômica” (p. 52), do antigo Mali, o Império Songai e os estados Hauçá são analisados, sintetizando a diversidade e a riqueza deste cenário histórico da África Subsaariana.

No capítulo O mundo atlântico o autor recupera a experiência histórica deste espaço entre os séculos XVI e XIX, atentando para as mudanças estruturais e as transformações na organização social nas populações localizadas nas regiões banhadas pelo oceano Atlântico. Especialmente, a partir do contato destes povos africanos com mercadores e companhias comerciais da Europa. Contatos que são fundamentais, como demonstra o autor neste espaço, para compreender o processo de dominação europeia do continente.

Destaca-se a exposição do autor a respeito da Confederação Achanti desenvolvida por ele neste capítulo. Um estado que se desenvolveu, onde atualmente localizam-se as repúblicas de Ghana e Togo, as quais se tornariam essencialmente militaristas. Assumiriam a organização administrativa em torno dos amans (estados “confederados”), cuja economia baseava-se na extração de ouro e no lucro advindo do tráfico de escravo que “eram negociados nos fortes do litoral e com os mercadores do Sudão oriental” (p. 79).

Dentre os assuntos mais pertinentes em relação a história do continente africano encontra-se a questão da escravidão, sendo este o eixo para o desenvolvimento do quinto capítulo da obra, O tráfico de escravos. Citada como a maior causa da pobreza atual do continente por diversos autores, o tráfico internacional de escravos é tratado na obra em questão a partir de um ponto de vista que traça uma linha divisória bem determinada entre a escravidão endógena no continente africano e o tráfico internacional de escravos. A partir de análises de autores importantes acerca da escravidão africana como John Thornton ou Paul Lovejoy o autor apresenta as formas de como dava a redução ao cativeiro nas sociedades ancestrais africanas. Além disso, apresenta a forma como os cativos eram alocados nas sociedades africanas, onde apesar de sua condição nunca perdiam a identidade humana, o que irá ocorrer com o tráfico internacional. Essa diferenciação torna-se imprescindível no sentido de entender que não é correto afirmar que os africanos escravizavam africanos para vendê-los como escravos, pois não existia uma identidade coletiva continental. As identidades não ultrapassavam os limites da aldeia ou mesmo da linhagem.

A partir dessa diferenciação o autor mergulha na realidade do tráfico internacional de escravos e seus diversos pontos de análise. As rotas de longo curso, desde as caravanas de mercadores árabe-muçulmanos e afro-muçulmanos que cruzavam o deserto levando cativos, até as embarcações que cruzavam o Atlântico trazendo ao novo mundo os quase 10 milhões de escravizados. É nesse contexto onde os escravos tornam-se “peças” e deixam de ser humanos. “Tornando-se uma categoria social privada de todos os seus direitos e constituindo-se como a base do sistema de exploração econômica” (p.105). O autor analisa também os agentes que participam desse tráfico. Desde os primeiros momentos onde os “lançados” negociavam com as elites ou os principais dos reinos africanos no interior do continente, até o momento onde são constituídas as grandes redes de comércio, conectando diversos atores entre Europa, América e África. Na sequência é possível encontrar as moedas de troca, os valores correspondentes aos diferentes tipos de escravizados e como esse, que era um comércio subsidiário dentro das sociedades africanas, passa a tornar-se o principal meio de entrada de armas de fogo, bebidas alcoólicas desestruturando as pequenas sociedades tribais.

Ao final desse capítulo o autor apresenta ao leitor uma ótima reflexão acerca da diáspora africana, suas diversas faces no novo mundo, seus graves problemas nas sociedades americanas e o rescaldo dessa, que foi a maior emigração da história da humanidade. O autor reflete também sobre a questão da abolição do tráfico de escravos e sua ligação direta com a Revolução industrial.

No sexto capítulo A condição colonial é abordado o período entre os anos 1870 e 1960 onde praticamente todo o continente esteve submetido às nações europeias. Contudo as análises feitas pelo autor procuram salientar os pontos de desenvolvimento e adequação a que as sociedades africanas conseguiram moldar-se para sobreviver ao jugo europeu. Sem, é claro, demonstrar a situação político, econômico e social a que esses povos foram submetidos. Entretanto, essa forma de análise permite que se permita às sociedades africanas tornam-se agentes de seu destino e não apenas meros expectadores dentro do contexto a que foram submetidas. Dentre os pontos importantes analisados nesse capítulo está o da afirmação do Islã dentro das diversas sociedades africanas. Até hoje existe a discussão acerca de que, se foi a África que se Islamizou ou se foi o Islã que se africanizou. O autor apresenta as diversas faces do Islã e sua força dentro do continente. Assunto pouco discutido nas obras que se tem acesso no Brasil. Normalmente a África é vista como um continente de religiões exóticas ou mesmo ligado às religiões afrodescendentes, o que é um grande equívoco, tal é a envergadura do Islamismo nas diversas partes do continente africano. Além desse assunto o autor se propõe a refletir sobre um dos temas mais importantes, em se tratando de estudos africanos na atualidade, o diálogo entre a tradição e a modernidade. Autores como Hampaté Bá, Walter Rodney são utilizados como ferramenta para que se possa repensar a forma como devem ser tratados os estudos africanos. A condição do imperialismo e do colonialismo são temas fundamentais nesse capítulo que traçam um panorama histórico com análises bastante profundas, dada a dimensão da obra. Nessa perspectiva o autor apresenta a situação dos viajantes europeus como Mungo Park ou David Livingstone que adentraram o continente e foram olhos do império, travestidos de naturalistas ou expedicionários. Rivair apresenta os mecanismos de exploração utilizados pelos europeus em suas diferentes formas ao longo desse extenso período. A construção do racismo científico é outro tema explicado pelo autor e que muitas vezes passa despercebido em outras obras dessa magnitude. Por fim, a questão sui generis da África do Sul e seu Apartheid que adentrou o século XX quase o século XXI e mostrou ao mundo já globalizado a face mais violenta da discriminação.

No capítulo que conclui a obra, intitulado Descolonização e o tempo presente, o autor busca apresentar um pouco da situação dos diversos países do continente e sua situação atual traçando uma linha histórica desde o final da segunda guerra mundial até a primavera árabe de 2011. Trabalho extremamente difícil em apenas um capítulo, mas que inicia com as bases do anticolonialismo. Os movimentos messiânicos que buscaram na ancestralidade africana raízes para suas lutas de libertação, a participação dos africanos na guerra junto aos brancos. Nesse contexto o autor apresenta ao leitor nomes importantes na constituição do movimento conhecido como Negritude: Franz Fanon, Aimé Cesaire, Leopold Senghor. A partir daí iniciam-se as análises acerca da descolonização no contexto da Guerra Fria. Nesse momento cada uma das grandes potências busca trazer, da forma que fosse possível, as jovens nações africanas para seu campo de influência. De acordo com o autor, esses estados fragilizados e com pouca estrutura foram cooptados de diversas maneiras e naqueles em que não foi aceito o julgo foram apoiadas ditaduras, que muitas delas viraram o século XXI.

Finalizando o trabalho, o autor ainda propõe uma pequena análise dos estados pós-coloniais ao final do século XX, refletindo acerca das heranças coloniais e da cultura africana. Nesse ponto é possível identificar a importância de utilizar das análises acerca do continente que façam da África sujeito de história e não apenas expectador. Pois aqui é possível ver que apesar de hoje ser o continente mais pobre do planeta suas diversas faces estão encravadas por todos os outros lugares do mundo. Milhares de pequenas Áfricas, como diz o autor, sobrevivem culturalmente ao redor do mundo e através de uma leitura histórica bem aprimorada é possível enxergar uma história do continente africano que fuja dos estereótipos comuns. E que, ao mesmo tempo consegue-se analisar os profundos dilemas a que o continente tem de se deparar no século XXI.

Fábio Faturi – Mestrando em História – PPG História/UFRGS. E-mail: [email protected]

Rafael do Canto – Mestrando em História – PPG História/UFRGS. E-mail: [email protected]

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LHISTE | UFRGS | 2014

LHISTE3 História ambiental

A Revista do LHISTE – Laboratório de Ensino de História e Educação da UFRGS (Porto Alegre, 2014) – é uma publicação semestral especializada em trabalhos acadêmicos sobre o ensino de história, em todos os níveis e etapas educativas, além de sua intersecção com outras áreas do conhecimento.

Constitui-se, portanto, em espaço para a comunicação de pesquisas e reflexões sobre a prática docente, os processos de aprendizagem, a construção de currículos em história, a formação de professores, a memória e a educação patrimonial e o ensino de história e a interdisciplinaridade, entre outros temas caros ao campo.

Também visa à divulgação e registro de novas estratégias, metodologias e objetos, formando um banco de dados especializado em boas práticas pedagógicas de professores em formação inicial, nos estágios e no PIBID/História, assim como de professores da educação básica.

É formada por um Conselho Editorial vinculado ao LHISTE e um Conselho Consultivo mais amplo, composto por professores-pesquisadores de diversas instituições universitárias do país e do exterior, com reconhecida atuação no ensino de história e áreas afins.

É dividida em quatro seções, como descritas abaixo, Artigos, Relatos, Resenhas e Entrevistas. Os trabalhos que se enquadram nas três primeiras categorias são recebidos em fluxo contínuo e avaliados por pares. Podem ser submetidos textos de graduandos, pós-graduandos e profissionais formados em licenciaturas, mestrados e doutorados em História e áreas afins.

Além dos trabalhos recebidos continuamente pelo SEER (Sistema de Editoração Eletrônica da UFRGS), a revista pode publicar dossiês temáticos, com chamadas regulares. Também são previstos números especiais extraordinários, com temas específicos e registros de eventos organizados pelo LHISTE e/ou de relevância para o ensino de história.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN 2359-5973

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Pluralidade de olhares: Construtivismo e multiperspetiva no processo de aprendizagem – GAGO (RL)

GAGO, Marília. Pluralidade de olhares: Construtivismo e multiperspetiva no processo de aprendizagem. Maputo: EPM-CELP, 2012. Resenha de: CARVALHO, Ana Paula Rodrigues. Narrativas divergentes no processo de desenvolvimento do pensamento histórico em sala de aula. Revista do LHISTE, Porto Alegre, v.3, n.4, p.99-105, jan./jun., 2013.

Indagar como os alunos pensam historicamente e de que forma eles lidam com a existência de diferentes narrativas históricas sobre um mesmo evento passado são os principais objetivos da pesquisa conduzida por Marília Gago. Com base em uma teoria construtivista sobre aprendizagem, o aluno e suas ideias são o foco principal deste estudo. Superando uma visão tradicional de ensino de História que previa uma assimilação passiva de informações transmitidas em sala de aula, Gago considera os alunos como sujeitos no processo de aprendizagem e coloca-os diante de problemas a serem solucionados.

A concepção de aprendizagem histórica defendida neste livro passa pela compreensão, por parte do aluno, sobre a disciplina da História e a forma como ele relaciona os saberes produzidos em sala de aula à sua própria subjetividade, dotando-os de significância e tornando-os fatores de orientação para as decisões de sua vida prática. A partir de pesquisas realizadas na área da Educação Histórica por historiadores como P. Lee, I. Barca, M. Carretero e D. Shemilt, a autora assevera que, para a obtenção de uma progressão do pensamento histórico, alguns aspectos devem ser considerados. Ressalta-se a importância de se partir das ideias prévias dos alunos para, em seguida, trabalhar com conceitos substantivos e de segunda ordem.

Com fundamento nesses pressupostos teóricos, Gago propõe investigar, a partir do tema da romanização da Península Ibérica, de que forma os alunos lidam com a multiperspectividade da narrativa histórica, colocando-os diante de uma situação-problema que eles devem resolver. A explanação da metodologia utilizada faz com que a obra possa encontrar espaço de ação entre os professores interessados em colocar em prática um ensino de História pautado na construção do saber em sala de aula de forma dinâmica e inclusiva.

O primeiro capítulo, Teorias de aprendizagem, como o título indica, ocupa-se de algumas teorias de aprendizagem, a saber: behaviorismo, humanismo e cognitivismo. A partir da explanação das respectivas teorias, Gago buscou discuti-las a partir da proposta do construtivismo social. Segundo adeptos do behaviorismo – Watson, Skinner, Thorndike, Pavlov –, o Homem responderia a estímulos externos, e suas reações poderiam ser moldadas de acordo com as recompensas obtidas. As recompensas poderiam ser negativas, com o escopo de reprimir determinado comportamento, ou positivas, com o objetivo de estimular sua repetição. Segundo essa teoria, o processo de aprendizagem é externo e concentra-se em atividades que o aluno deve conseguir realizar. Nessa perspectiva, o aluno não é considerado um sujeito ativo no processo de aprendizagem, ele seria moldado a partir de estímulos, e suas reações seriam recompensadas ou punidas de acordo com os objetivos postos pelo professor. Por outro lado, conforme as teorias cognitivistas, o sujeito é ativo no processo de aprendizagem, pois ele é capaz de organizar e atribuir significados a fatos e objetos a partir de suas experiências e vivências. Para as teorias cognitivistas, o aluno se encontra mais predisposto a aprender quando percebe o que está sendo trabalhado como relevante para sua vida, daí a necessidade de estimular o contato entre as ideias prévias dos alunos com os saberes novos e seus possíveis usos na vida prática. Na teoria humanista, é o aluno que estipula o que quer aprender. A sua aplicação em sala de aula seria organizada por meio de debates, discussões, resolução de problemas. Nesse contexto, o professor seria apenas um facilitador, pois o aluno seria independente e completamente responsável por seu processo de aprendizagem, o que comportaria muitas vezes uma preparação escolar inadequada. O construtivismo social surge na década de 1990 no bojo das teorias cognitivistas. Nessa abordagem, o aluno enquanto sujeito ativo do processo de ensino aprendizagem deve ser estimulado, a partir de situações-problema, a desenvolver saberes de forma mais elaborada com base em suas ideias prévias. A construção do conhecimento é ativa e inovadora, faz-se a partir da relação entre saberes advindos da experiência e do meio em que se insere o sujeito da ação com os saberes a ensinar. É por meio da dialética entre os saberes novos e os saberes familiares que o sujeito constrói seu próprio conhecimento. Conforme essa abordagem, a construção do conhecimento histórico perpassa o desenvolvimento de competências vinculadas à natureza epistemológica da História. Sendo assim, além dos conceitos substantivos, que encontram muita ênfase nas teorias mais tradicionais, o construtivismo também propõe trabalhar com conceitos de segunda ordem em sala de aula.

O capítulo dois, Narrativa no âmbito da História, trata, especialmente, dos desafios relacionados à construção do conhecimento histórico na sua forma materializada – a narrativa. A narrativa histórica é a reconstrução de atos do passado a partir de interpretações de evidências no presente. A interpretação enquanto característica intrínseca à produção da narrativa histórica ocasiona debates acerca de sua natureza ficcional ou científica. O relativismo cético que evidencia o caráter interpretativo, seletivo e perspectivado da narrativa histórica é contraposto pela ideia de uma narrativa construída a partir de evidências que seguem determinados parâmetros metodológicos e, portanto, não ficcionais. Mesmo reconhecendo a subjetividade na produção do conhecimento histórico, a integridade intelectual, a busca pela objetividade e o suporte em evidências demarca a fronteira entre a narrativa histórica e a narrativa ficcional. A definição de narrativa histórica proposta por Gago encontra suporte em Atkinson. A escrita da história é descritiva, explicativa e perspectivada. Descritiva porque o historiador tem o compromisso de remeter a determinados acontecimentos da temporalidade analisada. Explicativa devido a procurar responder aos porquês de dadas situações do passado com o objetivo de formar um quadro inteligível dele, mesmo que seletivo. Além disso, busca as conexões com outros acontecimentos e evidências históricas. Por fim, a escrita da história é perspectivada, uma vez que existe uma pluralidade de posições diversas sobre o mesmo tema, dependendo do ponto de vista do historiador, dos recortes, seleções e escolhas realizadas e do quadro conceptual utilizado. A narrativa histórica apresentaria também características de uma “estória” ficcional no que diz respeito ao desenvolvimento de uma trama contingente e vinculada à verossimilhança. No entanto, a narrativa histórica se distingue da ficcional pelo respeito à evidência. A partir desses pressupostos, a autora pretende investigar como os alunos pensam a existência de narrativas diferentes sobre um mesmo tema do passado.

O terceiro capítulo, Educação e cognição em História, analisa algumas pesquisas realizadas na área da Educação Histórica em países como Inglaterra, Portugal, Espanha, Canadá e Estados Unidos. Para responder à questão de como ensinar História, os pesquisadores desta área de investigação se voltam para as ideias que os alunos e os professores têm acerca da disciplina da História e dos conceitos meta-históricos. Superando uma visão de ensino pautada na memorização de fatos e datas do passado, essas pesquisas buscam, a partir da interlocução entre os conceitos substantivos e os meta- históricos, desenvolver um pensamento histórico mais elaborado nos alunos. Os conceitos meta-históricos estão ligados à própria natureza epistemológica da disciplina de História. A partir da compreensão de conceitos como evidência, empatia, mudança e causa, o aluno estaria capacitado a entender como se dá a construção do conhecimento histórico. Dotado de tais ferramentas e competências, o aluno seria capaz de questionar e resolver problemas ligados ao conceito de evidência, a provisoriedade da explicação histórica e a existência de diferentes narrativas sobre um mesmo tema. Com base nessa perspectiva de progressão das ideias históricas dos alunos, o professor assume um papel importante enquanto orienta dor e organizador das atividades na sala de aula. O professor deve ter uma ideia clara dos objetivos que se propõe a atingir e quais estratégias adotar para alcançá-los. O mapeamento das ideias tácitas dos alunos é o ponto de partida inicial para organizar atividades cognitivamente desafiadoras, pois, a partir do levantamento das ideias dos alunos, é possível pensar uma sequência didática capaz de trabalhar de forma gradual partindo dos níveis já alcançados até o nível que se pretende obter. De forma geral, as pesquisas realizadas no campo da Educação Histórica buscam, por meio da relação entre conceitos substantivos e meta-históricos, dotar os alunos de ferramentas mentais que lhes possibilitem uma leitura reflexiva, crítica e consciente sobre a realidade humana.

No capítulo seguinte, Metodologia, a autora expõe de forma clara a metodologia adotada para compreender o modo como os alunos pensam a existência de narrativas históricas divergentes sobre o mesmo tema. A partir da abordagem da Grounded Theory, a pesquisa foi feita com 76 alunos do início do 2º e 3º ciclos do ensino básico do norte de Portugal. Aos alunos foram entregues dois materiais: um contendo informações sobre o tema que seria abordado e outro composto por dois relatos históricos sobre “O povo romano e sua presença na Península Ibérica” e “O vinho do Porto”, acompanhados por um questionário. O questionário tinha entre seus objetivos chamar a atenção dos alunos para a existência de diferentes relatos, fazendo com que eles pensassem sobre a multiperspectividade na narrativa histórica e pudessem fornecer uma explicação para essa característica. Os dados foram recolhidos em três momentos diferentes. Foi realizado um estudo pré-piloto com seis alunos do 6º ano de escolaridade e seis alunos do 8º ano de escolaridade. O grupo selecionado era composto por alunos com aproveitamento considerado insuficiente, médio e bom. Em seguida, esses alunos responderam os questionários sobre os romanos na península Ibérica e sobre o vinho do Porto. A partir dos dados recolhidos, foi possível confirmar que os alunos entendiam as tarefas propostas. Na segunda fase, ou no estudo piloto, foi realizado o mesmo procedimento, mas com seis alunos do 5º ano e seis alunos do 7º ano. Assim como na primeira fase, os alunos compreenderam as tarefas propostas. A terceira fase, ou estudo principal, contou com a participação de 52 alunos. Eles responderam o questionário, e, em um segundo momento, nove deles participaram de entrevistas individuais. As entrevistas serviram para esclarecer algumas ambiguidades que surgiram nas respostas, bem como para observar se a análise realizada era congruente com o que os alunos expressaram de forma escrita.

No capítulo cinco, Ideias dos alunos acerca da variância da narrativa histórica, as respostas dos alunos foram categorizadas em cinco níveis de progressão. Com base na compreensão do texto, nas ideias sobre o conceito de narrativa, no papel do historiador na construção da narrati va e nas ideias sobre o passado, as respostas dos alunos foram categorizadas em “Contar – A Estória”, “Conhecimento – Narrativa correta”, “Diferença – Narrativa correta / mais completa”, “Autor – Opinião ou narrativa consensual” e “Natureza – Perspectiva”. No nível “Contar” a compreensão do texto foi parcial. Segundo os alunos, as narrativas relatavam o mesmo, mas com palavras diferentes. A variância era devido à forma que cada historiador utilizava para contar as “estórias”. No perfil “Conhecimento”, ocorreu uma compreensão restrita e às vezes global do texto. Para explicar a existência de narrativas divergentes, os alunos nesse nível apontaram para a impossibilidade de o historiador ter acesso a todas as fontes sobre um determinado tema. Só existiria uma narrativa correta, e seria aquela que contém mais informações sobre o passado. A ideia de passado nesse nível é estática – e, como o passado só aconteceu de uma forma, somente uma narrativa é possível. No nível de progressão “Diferença”, a compreensão do texto foi restrita ou global. A diferença das narrativas é explicada por uma maior ou menor quantidade de informações, portanto algumas narrativas seriam mais corretas do que outras. A diferença percebida também é justificada tendo como base o período em que as narrativas foram escritas. Mesmo apresentando uma ideia de relatividade do conhecimento histórico, os alunos nesse nível não foram capazes de justificar a variância histórica, por sustentar uma ideia de narrativa factual e mais completa. No nível “Autor”, a compreensão do texto foi restrita ou global. A explicação para a existência de narrativas diferentes é vinculada à figura do historiador. A partir de seu ponto de vista e da interpretação das fontes, ele seria o responsável pela existência de diferentes narrativas. Na opinião desses alunos, os historiadores são desonestos, pois não deveriam se basear em suas opiniões para escrever a história. No nível “Natureza – perspectiva”, ocorreu uma compreensão global das narrativas propostas. A divergência entre as narrativas é tida como intrínseca à escrita da história. O historiador, a partir dos questionamentos colocados, do aparato teórico utilizado e do contexto no qual está inserido produziria diferentes narrativas. A diferença não seria algo nocivo para história, pois lhe é inerente – a história é um saber em continua elaboração.

No sexto e último capítulo da obra, Discussão dos dados empíricos, os dados levantados na pesquisa são confrontados com os resultados de pesquisas realizadas na Inglaterra por Peter Lee e em Portugal por Isabel Barca. Observou-se que as ideias dos alunos portugueses e ingleses sobre a variância da narrativa histórica apresentavam similitudes. Além disso, observou-se também que o grau de complexidade das explicações sobre a existência de narrativas diferentes não estava determinado pela idade ou ano de escolaridade dos alunos. A capacidade de operar com conceitos metahistóricos por parte desses alunos leva a pensar sobre a importância de se buscar uma progressão do pensamento histórico em sala de aula por meio de atividades desafiadoras em detrimento de uma disciplina histórica marcada pela memorização e desvinculada das práticas quotidianas. Em uma abordagem mais quantitativa, a autora buscou identificar a distribuição dos alunos por níveis de progressão e a distribuição dos níveis de progressão por ano de escolaridade e por sexo. O nível de progressão mais presente foi o nível “Autor”, com 31%; os níveis “Contar”, “Conhecimento” e “Diferença” apresentaram 19% cada um; o nível “Fragmento” contabilizou 10%; e o nível mais elaborado, “Natureza – Perspectiva”, apenas 2%. No 5º ano, o nível mais presente, com 26%, foi “Conhecimento”, seguido pelo nível “Autor”, com 22%. O nível “Natureza- Perspectiva” não foi observado nesse ano de escolaridade. No 7º ano, o nível mais presente foi “Autor”, contando 40% dos alunos. O nível “Contar” e “Diferença” contabilizou, cada um, 20 % dos participantes. O nível mais elaborado, “Natureza – Perspectiva”, obteve 2%. No 5º ano de escolaridade, observou-se uma distribuição entre os níveis de progressão semelhante entre os sexos dos alunos. No 7º ano, o nível “Autor” foi encontrado em 71% dos participantes de sexo masculino, seguido pelos níveis “Fragmentos”, com 14,3%, e “Diferença”, com 14,3%. O nível “Autor” foi o mais frequente entre os alunos de sexo feminino, e o nível “Natureza – Perspectiva” contabilizou 5,6%. Segundo a autora, o fato de o nível “Natureza- perspectiva” não ter sido observado no 5º ano não prova que a idade é um fator determinante na formação de um pensamento mais elaborado, já que foram observados alunos de 10-11 anos em níveis de progressão mais elaborados do que alunos de 13-14 anos.

A importância dessa pesquisa se torna evidente quando a inserimos em um contexto maior, como, por exemplo, quando a colocamos em relação com outras pesquisas realizadas na área da Educação Histórica. Os dados levantados nessa obra somados aos de outros estudos realizados na Inglaterra por Peter Lee e em Portugal por Isabel Barca permitem demonstrar que os alunos são capazes de pensar e operar conceitos meta-históricos. Tais dados também servem para corroborar a importância de se buscar um ensino de História que leve em consideração a progressão do pensamento histórico.

Em um mundo cada vez mais globalizado e plural, no qual se vê uma proliferação de discursos múltiplos capazes de abarcar os mais diferentes pontos de vista sobre uma mesma realidade, torna-se impreterível dotar os alunos de instrumentos apropriados para se inserir e atuar de forma ativa e consciente na sociedade. A investigação acerca das ideias dos alunos sobre a existência de diferentes narrativas históricas de uma mesma realidade vai ao encontro dessa carência de orientação temporal. A superação de uma História cristalizada e desvinculada do presente é um dos principais objetivos levantados neste estudo, pois a finalidade do ensino de História é fornecer aos alunos instrumentos que lhe possibilitem ler o mundo historicamente e atuar nele de forma crítica e consciente.

Ana Pauloa Rodrigues Carvalho –  Mestranda em História Social na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Graduada em História pela Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (UNICENTRO). Membro do Laboratório de Ensino de História (LEHIS/UNICENTRO) e do Grupo de Pesquisa História, Ensino e Infância. Contato: [email protected].

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