História da comunicação: experiências e perspectivas | Igor Sacramento e Letícia Cantarela Matheus

História da Comunicação: experiências e perspectivas é uma coletânea, organizada por Igor Sacramento – da Universidade Federal do Rio de Janeiro – e Letícia Cantarela Matheus – da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, composta de 14 capítulos advindos da contribuição de pesquisadores renomados de universidades norte-americanas e brasileiras do Rio de Janeiro e de São Paulo. A obra está dividida em duas partes. A primeira, denominada Sistemas, traz 6 capítulos. A segunda – Meios – traz 8, a que se segue um conjunto de minicurrículos dos autores e dos organizadores. A coletânea se constitui num panorama bastante útil para quem busca adentrar nas discussões acerca das investigações referentes a práticas jornalísticas ou midiáticas e seus modos de enunciar, pois faz circular diferentes abordagens cujas contribuições aos estudos do campo da comunicação merecem divulgação.

A primeira contribuição é do bastante conhecido entre nós, Robert Darnton, da Princeton University, especialmente por sua obra “O grande massacre dos gatos. E outros episódios da história cultural francesa” publicada no Brasil em 1986. Para a presente coletânea, Darnton nos brinda com “Mademoiselle Bonafon e a Vida Privada de Luís XV: circuitos de comunicação na França do século XVIII”, cuja tradução é de Simone do Vale, que também é responsável pela tradução de outros quatro capítulos. Neste texto, Darnton vai tecendo detalhes do episódio de M.Bonafon, uma criada da corte, responsável por uma publicação que colocava a monarquia em situação constrangedora, com os costumes da época da Revolução Francesa, o controle da opinião pública e as publicações de então que traziam as relações de poder tecidas entre as cortesãs, membros da aristocracia, serviçais, amantes de figuras de poder na corte francesa. Darnton supõe a existência de um menu sonoro que fazia funcionar o sistema de comunicação oral das cidades modernas, localizáveis nos registros dos arquivos da Bastilha. Uma das tarefas da polícia do Antigo Regime era praticar a censura e a coerção sobre sujeitos. Os comentários maledicentes dirigidos ao rei eram motivos de prisão. Os registros dos arquivos da Bastilha são indicadores de relatórios da polícia a respeito desses sujeitos e sua reclusão. Assim, a polícia produzia o seu próprio jornalismo, sua própria notícia. A partir, então, do processo movido contra Mademoiselle Bonafon, Darnton faz um estudo sobre boatos, livros proibidos que, muitas vezes, contavam com um guia de interpretação – à parte – do romance e, consequentemente da política da época, constituindo, dessa forma, uma história das mídias e da opinião pública.

O segundo capítulo “Escravos, Oralidade e Letramento” é de Marialva Carlos Barbosa, também bastante conhecida professora e pesquisadora da área da comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, autora de um clássico: “História cultural da Imprensa: Brasil, 1900 – 2000, também da Editora Mauad. Neste capítulo, Marialva Barbosa traz luz aos modos de comunicação do mundo dos escravos do século XIX no Brasil, cujos cenário e sujeitos são excluídos da história da comunicação. Em sua análise, essa autora nos dá a conhecer as figuras de escravos “janelas de prisão” como uma forma de veículo privilegiado de circulação de notícias, já que a certos escravos era permitido sair e circular pela cidade do Rio de Janeiro e, ao voltar a casa, trazia as notícias capturadas. Nesse sentido, corpo e voz são consideradas as tecnologias de comunicação da época escavagista. Alguns escravos realizavam práticas de letramento, ao lerem os jornais a outros escravos. Além disso, Barbosa evidencia registros da época que se referem também a práticas de escritura entre escravos. Um desses registro são os anúncios de fuga de escravo – e a devida premiação a quem o encontrasse – que incluía na descrição física a capacidade de ler.

No terceiro capítulo, “Os livros, as flores e a dinâmica das edições populares no século XIX”, Alessandra El-Far da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) inicia com uma construção breve do cenário da edição de livros populares no Rio de Janeiro no final do século XIX, apontando a Coleção Econômica vendida a preços baixos. Nesse cenário, localiza a produção de obras que trazem o código das flores que servia de comunicação entre jovens nas práticas de sedução, corte e namoro. Há uma relação dessas práticas com a ausência de estudos das mulheres da época. Assim, enviar uma rosa não tem o mesmo significado de uma margarida e de um amor-prefeito. Conhecer tal código e usá-lo foi uma forma de comunicação fechada que constituiu subjetividades, especialmente a de mulheres desse século, ainda que transbordando para o século seguinte. Tal prática não propiciava uma interlocução mais complexa e, de certa forma, mantinha as moças da época garroteadas a uma baixa estimulação a práticas de letramento mais sofisticadas.

“O Canibalismo da Memória no Fluxo Global de Notícias” de Barbie Zelizer da University of Pennsylvania, também com tradução de Simone do Vale, é o quarto capítulo. Nele a autora traz reflexões sobre a memória, seu funcionamento local e global e o jogo do apagamento nas construções discursivas das notícias. Ao tratar do canibalismo da memória, Zelizer o faz a partir de quatro estágios: minimização, substituição, deslocamento e transporte. Exemplificando com o tsunami de 2004 no Sri Lanka, Índia, Tailândia e Leste da África, evidencia como a SKY TV NEWS enviou 50 jornalistas à Ásia e um só à África, demonstrando os interesses ocidentais nas diferentes regiões. Mostra, ainda, como as notícias sobre a calamidade ficou centrada em turistas e em visitantes ilustres, preterindo as pessoas locais que não foram citadas nominalmente, constituindo em um caso exemplar de minimalização. Em relação à substituição, a autora lembra os casos de extermínio em massa no Timor-Leste como um “outro Camboja” e Burundi como “a próxima Ruanda”. Tece, também, suas considerações sobre os apagamentos nas notícias e as remissões de imagens, como o ataque em 11 de setembro serem remetidos a um novo “Pearl Harbor”. Assim, quanto mais global for o alcance de uma notícia, mais simplista e sem nuanças se apresenta a dimensão mnemônica da notícia. Nesse sentido, um evento passado, colado ao evento noticioso presente, altera a compreensão da experiência local no veículo de comunicação.

José Cardoso Ferrão Neto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) é o autor do quinto capítulo, cujo título é “Tábuas da Lei e Surras de Gato Morto: ética e comunicação na encruzilhada do escrito e do oral”. Retomando Robert Darnton (“O grande massacre dos gatos”), Ferrão Neto apresenta uma discussão densa a respeito da construção discursiva do mundo jornalístico que afeta, conforma e enforma as práticas cotidianas a partir de parâmetros éticos. Puxando fios da tradição oral dos antigos do Egito e dos hebreus, problematiza a questão do oral (ética marcada no coração) e o peso da escrita (ética marcada na pedra mosaica). Parte de um episódio tornado notícia: a publicação acerca do decreto promulgado pelo governador do Estado do Rio de Janeiro, em 2011, regulamentando os procedimentos dos servidores públicos referentes a questões éticas para discutir sobre a ética corrente na boca do cidadão comum, que está marcada pela oralidade e, portanto, de cor, no coração, em contraponto à escrita do decreto.

O sexto e último capítulo dessa parte é de autoria de uma das organizadoras da coletânea, Leticia Cantarela Matheus da UERJ, como já dito inicialmente. Esse capítulo intitulado “Um “Spam Telegráfico”: investigações sobre novas formas de circulação noticiosa no final do século XIX no Brasil” traz informações sobre a entrada do telegrama na vida cultural do País, ainda no período monárquico, e sua popularização. Mostra sua relação com os jornais e, ao tratar do telegrama múltiplo – para vários endereços na mesma transmissão –, relaciona-o a um fenômeno atual e denomina essa tecnologia de “avô do spam” de hoje. Trata, ainda, de como o telegrama entrou na rede de geração de notícias e na construção de agências noticiosas, apontando como o fazer jornalístico foi sendo constituído pela presença da tecnologia telegráfica e como ela foi constituindo as agências e as notícias, ora com indicação da fonte emissora do telegrama, ora apagando-a.

O primeiro capítulo da segunda parte, o de número 7, – MEIOS – é de Michael Schudson da Columbia University, intitulado “A Norma da Objetividade no Jornalismo Americano”, traduzido, também, por Simone do Vale. Neste capítulo, o autor traz à tona uma discussão interessante acerca da questão da objetividade e do engajamento discursivo na América do Norte, fazendo um percurso na história pré e pós independência dos Estados Unidos da América do Norte. Trata, ainda, dos impressores que eram pequenos empresários que não se envolviam em comentários sobre os discursos circulantes para mostrar como na década de 1890 os jornais eram bem partidários: Republicanos ou Democráticos. E, como tal, o posicionamento em relação a qualquer um desses polos políticos consistia no inevitável apagamento da parte contrária em suas publicações. Outro elemento colocado em evidência é a entrevista, que, ao longo de 1880, tornou-se um evento midiático e passou a ser uma forma discursiva bastante forçada que permitia invenções a partir dela. Daí terem sido proibidas naquele momento. O autor vai tecendo sua análise a respeito da construção da ideia de objetividade jornalística, mostrando quão complexa é essa relação da produção da notícia, da constituição do sujeito jornalista, das contribuições dos ecos culturais que os conformam e conclui que a teorizações, as justificativas da objetividade jornalística não podem ser reduzidas a questões econômicas ou tecnológicas somente, mas devem incluir as práticas sociais de independentização dos jormais que se desvincularam dos partidos políticos e as novas práticas de eleição nos Estados Unidos da América do Norte com cédulas com todos os candidatos, elaboradas por uma organização estatal, já que antes essas eram confeccionadas pelo partido e continham somente o nome do candidato daquele partido.

O capítulo 8 tem por título “Os Anos 1960-70 e a Reconfiguração do Jornalismo Brasileiro” de Ana Paula Goulart Ribeiro (UFRJ). Para tratar do tema proposto, a autora faz uma retrospectiva histórica do período com tônica especial ao período militar no Brasil, incluindo questões sobre a censura aos meios de comunicação, em especial aos jornais impressos. Aponta, ainda, para os gestos de colaboracionismo, para as resistências e as negociações dos agentes dos meios de comunicação com os militares e sua censura. Mostra, a partir do trabalho de Beatriz Kushnir (“Cães de guarda”, 2004) como são borradas as figuras e as fronteiras que registram ou delimitam o jornalista – nem sempre heroi – como resistência pura ao opressor bem como o papel do militar como jornalista nas redações. Trata, também, da modernização das empresas jornalísticas com foco no mercado e na prática jornalística. Analisa, finalmente, a decadência dos jornais, por questões econômicas relacionadas intrinsecamente a questões políticas da época da ditadura militar no Brasil.

No capítulo 9, de autoria de Marco Roxo (UFF), o tema do diploma é o foco. O título é “O Diabo e o Diploma: como a difamação do passado pode ajudar no jornalismo do Presente”. Neste capítulo, o autor mostra a transformação da prática da difamação em denúncias de escândalos para uma construção de um novo campo de práticas jornalísticas. Para tanto, retoma a história da escrita jornalística na Inglaterra, na Rússia e nos Estados Unidos da América do Norte, evidenciando como os jornalistas migraram da metáfora literária (personagem, dramas, conflitos) para as metáforas das ciências (coleta de dados, objetividade e informação). Inclui, também, as relações entre o jornalismo e os sindicatos desse campo, mostrando como um alimentava o outro e como o diploma passa a ser valorizado.

“Grande Angular na Praia: as origens dos paparazzi e o Festival de Cannes” é o título do capítulo 10 de Vanessa R. Schwartz (University of Southern California), com tradução de Igor Sacramento. Neste texto, a autora aponta o Festival de Cinema de Cannes como o marco da emergência do fenômeno paparazzi. Explica a origem do nome dessa prática do fotojornalismo e constrói um quadro bastante nítido das relações entre fotógrafos e fotografados, entre a captura da imagem e a espetacularização dos mitos do cinema. Fotos emblemáticas da época ilustram perfeitamente o tom do capítulo.

No capítulo 11, “O Rio em Revista: cultura urbana e lazer nas ilustradas dos anos 1940-1950”, a autora Ana Maria Mauad da Universidade Federal Fluminense (UFF) traça uma deliciosa análise das práticas de lazer do Rio de Janeiro nas décadas de 1940-1950, evidenciando as diferenças de classes sociais e as formas de lazer. Vai num olhar da Copacabana às gafieiras, trazendo à tona as agruras das donas-de-casa cariocas que perdiam suas serviçais para o mundo do glamour dos teatros de rebolado, das gafieiras e das emergentes escolas de samba.

“O Poder Feminino no Serial-Queen Melodrama: a etimologia de uma anomalia” é o título do capítulo 12, de Ben Singer (University of Wisconsin-Madison), com tradução, também, de Simone do Vale. Neste texto, o tema é a produção cinematográfica chamada de melodramas de rainhas do seriado em que há a construção cultural de uma feminilidade associada a um heroísmo feminino. O foco central é a heroína como mulher poderosa que se afina com as demandas de um público consumidor. Nesse sentido, a análise faz conexões interessantes com os costumes de época e com diversas faixas sociais. Mostra, ainda, como esse tipo de filme se relaciona com o mundo da moda feminina, promovendo tendências de consumo. Esse gênero contribuiu para as transformações decisivas na construção cultural da feminilidade num contexto de capitalismo industrial e uma economia de consumo urbano nos Estados Unidos da América do Norte.

O capítulo 13 tem por título “A Economia Doméstica da Audiência Televisiva na América do Pós-Guerra” de Lynn Spigel (Northwestern University), cuja tradução é de Simone do Vale também. A autora analisa as revistas femininas voltadas para o lar de forma a elaborar uma história da vida cotidiana de pessoas integradas à recepção da televisão no espaço doméstico nos anos 40-50 nos Estados Unidos da América do Norte. Evidencia como tais revistas fazem circular um discurso que associa o prazer da mulher associado à produtividade útil voltada à tranquilidade do lar ao lado do prazer do homem associado ao descanso passivo na poltrona em frente à televisão.

No último capítulo, o de número 14, a contribuição fica a cargo de Igor Sacramento da UFRJ, um dos organizadores da coletânea. O título é “Quem é o autor? Dias Gomes, Aguinaldo Silva e o conflito entre gerações no campo da telenovela brasileira dos anos 1980”. Neste texto, Sacramento discute de modo pungente a questão da autoria do texto teledramatúrgico “Roque Santeiro”, levado ao ar pela Rede Globo de Televisão durante o período de 24 de junho de 1985 a 22 de fevereiro de 1986. Apresenta o embate entre a genialidade consolidada em grife de Dias Gomes – pautada na experiência no teatro nacional-popular – e o deslocamento para uma nova estética que descola o real no ficcional exercitada por Aguinaldo Silva e outros novos roteiristas. Ao discutir essa questão da autoria, trata, também, da construção de estéticas da teledramaturgia televisiva brasileira.

Esse conjunto de 14 capítulos acerca de temas de interesse à pesquisa na área da história da comunicação é uma indicação clara em direção a um campo fértil que um olhar investigativo pode se voltar. Nesse sentido, a presente coletânea pode servir como um bom guia a estudantes e a pesquisadores da área da comunicação.


Resenhista

Silvia Ines Coneglian C. de Vasconcelos – Departamento de Língua e Literatura Vernáculas, Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

SACRAMENTO, Igor; MATHEUS, Leticia Cantarela (Orgs). História da comunicação: experiências e perspectivas. Rio de Janeiro: Mauad, 2014. Resenha de: VASCONCELOS, Silvia Ines Coneglian C. de. Panorama de investigações em pauta. Revista Brasileira de História da Mídia. São Paulo, v.3, n.2, p.183-186, jul./ dez. 2014. Acessar publicação original [DR]

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