História regional: convergências entre o local e o global | Carlos Eduardo Zlatic

A História regional tem ocupado as pesquisas acadêmicas de forma muito expressiva. É importante sinalizar que o regionalismo, tão silenciado por visões cada vez mais globalizantes, vem preencher lacunas deixadas por matrizes de pesquisa por vezes superficiais. Por outro lado, ainda é comum na academia a sobreposição entre conceito sobre História regional, História local e até mesmo macro-história. Neste sentido a presente obra vem delimitar muito bem o papel dos estudos em História regional no campo das pesquisas historiográficas. A obra apresentada possui uma organização em cinco capítulos, sendo cada capítulo organizado em subcapítulos. O cerne do livro pode ser percebido já em sua apresentação, quando o autor expõe sua observância no campo teórico-metodológico da História regional, além de buscar identificar análises e olhares voltados para o conceito de região. Neste sentido, para o autor, é importante o foco no estudo das regiões e territórios pois são onde ocorrem as ações dos atores sociais, seus afetos, trabalho e lazer.

A obra não se retém a pensar as regiões e territórios enquanto organizações estáticas, mas também possui a sensibilidade de buscar entender o mundo globalizado e suas fronteiras invisíveis. Para o autor a História regional tem como foco as regionalidades e suas especificidades sociais, políticas e econômicas. É importante perceber as relações diretas entre História regional e contextos mais amplos, como também o papel que a História regional possui no desenvolvimento de estudos globais, colocando em “xeque” visões deterministas.

O livro possui uma abordagem sobre a História regional bem atual, dialogando de maneira interdisciplinar com a Geografia de forma mais direta, como também a Filosofia, Sociologia e as Ciências Políticas. Contudo, a historiografia é a metodologia principal utilizada pelo autor. É importante destacar o olhar amplo que o livro gera durante sua leitura pois aponta como o estudo do regional é essencial para as pesquisas acadêmicas, assim como deve ser analisado enquanto uma pesquisa multidisciplinar, levando o pesquisador a busca de conceitos que, por vezes, foge ao campo da historiografia.

Já na apresentação do livro o autor aponta de forma simples e geral a abordagem de cada capítulo. Visto isso, no capítulo 1, que é subdividido em três itens referentes ao diálogo entre História e Geografia no contexto interdisciplinar, o autor irá analisar o conceito de região, que é a base da escrita do livro, além da História, o espaço e a paisagem, referencias importantes para o entendimento da História regional. Podemos identificar um debate sobre o conceito de região onde o autor utiliza de conceitos da Geografia e da História para traçar este arcabouço tão importante para entendermos a História regional. Ainda é comum que estudantes de História não consigam diferenciar o conceito de região do conceito de local. Neste aspecto, o autor demonstra com o auxílio da Geografia o que podemos entender por região, ficando mais claro a inserção das pesquisas históricas no tempo e no espaço. Partindo das relações cientificas estabelecidas entre História e Geografia o autor busca perceber as relações estabelecidas nas organizações das mais diversas sociedades humanas, sua ocupação e suas relações com o meio natural. Para tanto o autor busca salientar a dinâmica que o conceito de região cria com relação aos estudos em História e Geografia, traçando possibilidades diversas de estudo. Desta forma as paisagens são analisadas como resultado da passagem do tempo, fruto das ações dos atores sociais em seus hábitos, podendo ser vista em suas complexidades. Neste sentido, região parte da noção de relação entre o homem e o espaço durante um período, partindo que essa relação gera marcas sobre o território, suas formações e na construção das paisagens (Zlatic 2020, 44).

Fechando o capítulo o autor aponta para a reflexão sobre paisagem e espaço como temas que irão para além da Geografia, possuindo dimensões históricas pois se manifestam na longa duração como resultado das modificações feitas pelo homem em determinados lugares (Zlatic 2020, 49).

No segundo capítulo o autor irá se debruçar sobre a formação e utilização do conceito de História regional pela historiografia. Subdividindo em quatro subitens, o autor relaciona o conceito de região apresentado no primeiro capítulo com a pesquisa histórica. Ponto importante é destacar as formas de implementação deste conceito nas pesquisas acadêmicas, assim como seus limites. O texto nos leva a refletir sobre a importância e a utilidade do conceito de região para a História. Não há por parte do autor uma indicação de dualismo entre as visões macro ou gerais frente ao regionalismo, para ele a importância do conceito está na possibilidade em obter um olhar mais específico, uma forma de observar e analisar o comportamento dos atores sociais (Zlatic 2020, 72).

Desta forma, os resultados obtidos pela História regional fazem com que o historiador consiga observar de forma mais sistemática as interpretações que criam pesquisas e resultados em um âmbito mais amplo. Portanto, com um olhar mais próximo do objeto, a História regional obtém respostas mais detalhadas sobre os fatos históricos, justamente por permitir ao pesquisador um recorte mais detalhado. “Com essa interpretação, não pretendemos colocar a abordagem regional como inconciliável ou contrária em relação as macroanálises, e sim salientar que cada uma tem suas especificidades” (Zlatic 2020, 73).

A História regional pode ser caracterizada, portanto, como uma proposta de investigação historiográfica que consiste em depositar um olhar mais detido sobre uma região – isto é, uma divisão do espaço mais amplo -, possibilitando o enfoque de problemáticas que coloquem as dinâmicas e características próprias da área escolhida para estudo como condição central de sua análise. Podemos afirmar, diante disso, que, independentemente de onde a região esteja situada no interior da nação ou do globo, ela sempre será o centro do enfoque de uma historiografia regional. (Zlatic 2020, 77)

Com isso o argumento do autor fica mais direcionado. Um dos objetivos de sua escrita faz menção ao próprio ensino da História e como a História regional pode, de forma concreta, criar vínculos entre os estudantes e os objetos de pesquisa. Neste sentido tanto a História regional quanto a local apontam para a importância dos atores sociais nas arenas históricas, criando uma certa proximidade com a realidades dos alunos, que podem analisar trajetórias dos mais variados agentes, independentemente de sua posição social ou política. “Dessa forma, utilizar a História regional ou a História local como estratégia de ensino-aprendizagem favorece o interesse dos discentes, além de fomentar o envolvimento em prol da construção de uma consciência histórica” (Zlatic 2020, 106).

No terceiro capítulo subdividido em três subitens há um diálogo entre a História regional com outras vertentes de pesquisa entre elas a História local, o local e o global e as perspectivas macro. O autor trata de algo que ainda hoje cria equívocos, a relação entre História regional e História local, como também os contextos macro e micro. A História local, regional e mesmo a micro História, com suas especificidades, possuem como ponto balizar o cuidado em evitar os discursos oficiais que por vezes subvertem o resultado da pesquisa assim como os problemas com as determinações que pesquisas macro podem gerar.

Entendemos, assim, que a micro-História tem o potencial de compreender o local a partir daquilo que este demonstra em sua condição específica – cuidado com o qual se busca evitar os perigos das determinações macroanalíticas. Sem desatentar das relações entre as micro e as macrorrealidades, essa vertente historiográfica procura relacionar contextos distintos a fim de apresentar interpretações plurais para o entendimento da realidade histórica observada. (Zlatic 2020, 146)

Neste sentido, o autor aponta para a necessidade de um estudo conjunto, que valorize tanto os aspectos macro, quanto os aspectos micro, criando a possibilidade do pesquisador de compreender as arenas sociais, distanciando de possíveis tendências de um olhar limitado.

No quarto capítulo o autor se dedica aos exemplos históricos com um recorte temporal dos séculos XVI e XIX tendo como principal foco os conceitos de economia, sociedade e cultura. O capítulo é subdividido em três itens, relacionando a História regional com o contexto da região e do mundo, em um viés econômico, além das relações sociais. Seu recorte teórico se refere as questões da cultura, tão importantes frente a um mundo cada vez mais globalizado. “Portanto, se a cultura diz respeito ao homem, ao tempo e ao espaço, pode ser abordada pela História” (Zlatic 2020, 182).

No quinto e último capítulo, “Regionalismos, globalismo: relações entre regional e nacional”, o autor utilizando de três subitens toca nas questões de globalização e globalismo, estado-nação e nacionalismo, além dos regionalismos. As perspectivas desenvolvidas pelo autor apontam para questões importantes no cenário atual de pesquisa. Para o autor, a pressão por parte de correntes nacionalistas estimulou manifestações étnicas e políticas por atores políticos regionais, que se percebiam a margem da nação. Para tanto, já nas últimas décadas do século XX podemos entender os Estados-nação não mais como uma formação sociopolítica, econômica e cultural em sua soberania e seus limites, mas sim como sistemas que abrangem cada vez mais uma dimensão global (Zlatic 2020, 210-211).

As relações entre a região, a nação e o globo não se desenrolam apenas no plano cultural, mas também nas esferas sociopolíticas e econômica. A globalização demanda novas formas de organização por parte dos Estados-nação, impelindo-os a novas formas de organização governamental e empresarial, movendo seus lugares de produção e sua força de trabalho e criando articulações regionais que integram nações distintas em torno de objetivos comuns, como é o caso da União Europeia, do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) e do Mercado Comum do Sul (Mercosul). (Zlatic 2020, 213)

Neste sentido os estudos regionais não são searas por vezes fáceis de ser identificadas. Com as relações entre os Estados cada vez mais conectadas, o regionalismo fica comprometido, por vezes, por questões superficiais de abrangência global, tais como uma cultura massificada, questões políticas e econômicas desenvolvidas em blocos. Essas questões geram teias de relações no âmbito político, econômico, social e cultural, formadas por dinâmicas complexas, ligando áreas globais, nacionais e regionais (Zlatic 2020, 213).

O livro ainda conta com uma seção nomeada: “Como aproveitar ao máximo este livro”, onde o leitor recebe informações diretas sobre a composição e formatação da obra. Desta forma fica muito mais prático o manuseio e a leitura da obra referida. Os capítulos ainda contam com atividades de autoavaliação a atividades de aprendizagem, criando uma proposta real para a utilização do arcabouço teórico proposto pelo autor no que se refere ao conceito de História regional. Como se trata de um conceito que ainda cria certo embaraço entre historiadores, a referência bibliográfica comentada se torna um grande auxílio para o leitor, podendo ser ele tanto da História como também um auxílio para os demais campos de estudo das ciências humanas que se deparem com pesquisas pertinentes aos atores sociais e seu território.

Referência

ZLATIC, Carlos Eduardo. História regional: convergências entre o local e o global. Curitiba: InterSaberes, 2020.


Resenhista

Alexandre Luis de Oliveira – Professor adjunto do curso de História da Universidade Católica de Petrópolis (UCP). Pós-Doutor em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Doutor em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Mestre em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Licenciado em História pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CESJF). E-mail: [email protected] https://orcid.org/0000-0002-2555-3627


Referências desta Resenha

ZLATIC, Carlos Eduardo. História regional: convergências entre o local e o global. Curitiba: InterSaberes, 2020. Resenha de: Oliveira, Alexandre Luis de. História regional: possibilidades de pesquisa. Locus – Revista de História. Juiz de Fora, v.27, n.1, p. 455-459, 2021. Acessar publicação original [DR]

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