Imagining North-Eastern Europe. Baltic and Scandinavian states in the eyes of local, regional, and global observers/Diacronie. Studi di Storia Contemporanea/2022

The image of North-Eastern Europe appears composite and complex. While its geographical conglomeration is cut across by the Baltic Sea, it is not a coherent area at a cultural and political level. Yet, the numerous investments made by local and international actors in attempting to define this space call for a closer scrutiny of the processes of imagining and re-imagining spaces[1]. North-Eastern Europe is a repository of numerous perceptions and self-perceptions on a local, region, and global level. It is a crossroad for international routes and a point of contact for insular realities, near and distant at the same time.

In the last centuries, the history of the Baltic Sea has also been a history of how the small riparian states devised the most diverse and original strategies to coexist and emerge from the shadow of major continental players in their Eastern and Southern flanks. These strategies ranged from adapting their culture, politics, and identities in face of the most threatening existential dilemmas, in geopolitical contexts in which the transnational circulation of persons, ideas and goods made impossible the hermetic closure of state borders to foreign influences. Going international and searching for legitimation from foreign partners was the drive of ideas and practices of regional cooperation, of cultural and diplomatic initiatives with states and international organizations. The power of imagining one’s own “island” as a part of a broader entity was a resource for the states in the process of guaranteeing peace and stability in the region; for many societal groups, imagination has been (and is) an important resource for planning a better world in which to achieve freedom and emancipation. Yet, spreading utopia about unity, peace, and cooperation was also a means by which imperialist powers attempted to inscribe the small states within their areas of influence. Therefore, there are good arguments for treating analytically the act and the practices of imagining with the same methods by which processes of knowledge circulation are presently analyzed within the field of history of knowledge [2]. Like knowledge, imagination does not exist by itself: it has a historically-defined genealogy; it is produced by actors that diverge for education and social position; it is inscribed in genres and carried in media of the most different kind; it has different kinds of audiences; it may be comprehensible, endorsed, and even allowed only in determined places, and not in others. Leia Mais

História regional: convergências entre o local e o global | Carlos Eduardo Zlatic

A História regional tem ocupado as pesquisas acadêmicas de forma muito expressiva. É importante sinalizar que o regionalismo, tão silenciado por visões cada vez mais globalizantes, vem preencher lacunas deixadas por matrizes de pesquisa por vezes superficiais. Por outro lado, ainda é comum na academia a sobreposição entre conceito sobre História regional, História local e até mesmo macro-história. Neste sentido a presente obra vem delimitar muito bem o papel dos estudos em História regional no campo das pesquisas historiográficas. A obra apresentada possui uma organização em cinco capítulos, sendo cada capítulo organizado em subcapítulos. O cerne do livro pode ser percebido já em sua apresentação, quando o autor expõe sua observância no campo teórico-metodológico da História regional, além de buscar identificar análises e olhares voltados para o conceito de região. Neste sentido, para o autor, é importante o foco no estudo das regiões e territórios pois são onde ocorrem as ações dos atores sociais, seus afetos, trabalho e lazer.

A obra não se retém a pensar as regiões e territórios enquanto organizações estáticas, mas também possui a sensibilidade de buscar entender o mundo globalizado e suas fronteiras invisíveis. Para o autor a História regional tem como foco as regionalidades e suas especificidades sociais, políticas e econômicas. É importante perceber as relações diretas entre História regional e contextos mais amplos, como também o papel que a História regional possui no desenvolvimento de estudos globais, colocando em “xeque” visões deterministas. Leia Mais

História & Distopia: a imaginação histórica no alvorecer do século 21 / Julio Bentivoglio

É revelador o aumento das pesquisas sobre as condições que envolvem o fazer historiográfico. Interessantes trabalhos têm sido produzidos em âmbito nacional e internacional por diversos pesquisadores que buscam questionar os mais distintos fundamentos que circunscrevem o discurso histórico[1]. Como, por exemplo, as estruturas temporais e as dimensões ética, estética, linguística e performática. Isso indica uma mudança substancial na maneira com que o historiador encara seu ofício, desvinculando-se de um espaço naturalizado e legitimado previamente por seu lugar social e seus métodos estabelecidos. Se por um lado, revela esse desejo em tensionar o lugar da disciplina história no mundo contemporâneo, sua rigidez metodológica e seu alcance social; por outro, demonstra que a matriz histórica cientificista, fundada sob a égide da modernidade, divide agora seu lugar hegemônico com outras formas de conhecer e produzir reflexões sobre o passado.

Uma rápida pesquisa na base da língua inglesa do Google Ngram Viewer –   ferramenta que permite ao seu usuário a busca e análise de dados dentro da plataforma de livros digitalizados do Google Books – nos permite identificar um crescimento exponencial no uso do vocábulo dystopia a partir dos anos 1960[2]. Em certa medida, o aumento no interesse pela ideia de distopia, pode ser visto como um reflexo do desencantamento com as promessas emancipadoras de futuro, sustentadas pelas metanarrativas do progresso. Esse aumento coincide também com um momento decisivo do pensamento ocidental, no qual a recepção dos esforços em torno da constituição de uma crítica ao projeto filosófico/político da modernidade são igualmente crescentes[3].

Na atualidade não faltam produções culturais que exploram o tema da distopia. Na literatura é notório o interesse por revisitar alguns clássicos da ficção científica, como as HQ do enigmático V de Vingança, e os romances de Philip K. Dick, George Orwell, Isaac Asimov, entre outros. No cinema destacam-se, desde a década de 1980 até o presente, uma quantidade exorbitante de produções aclamadas entre os espectadores, dentre as quais estão Blade Runner (1982), Matrix (1999), e as recentes séries, Black Mirror (2011-2019), Dark (2017-2020), e The Handmaid’s Tale (2017 – ). É certo que tais manifestações culturais são um sintoma de uma inédita experiência histórico-temporal, que coloca em xeque nossa relação amigável com o futuro e as possibilidades mais significativas de mudanças na vida social. Mas de que maneira a historiografia responde (ou pode responder) a essa configuração da realidade? Quais horizontes são abertos para o conhecimento histórico reformular algumas noções como narrativa, historicidade, temporalidade, e consciência/imaginação historiográfica?

É a partir dessas e outras evidências e perguntas, que Júlio Bentivoglio[4], em seu instigante livro História & Distopia, fornece uma importante contribuição aos estudos históricos. O trabalho de Bentivoglio é relevante no momento em que sua intenção principal não se limita a desarticular os mitos fundadores do saber histórico (algo que vem sendo feito há um bom tempo), mas, para além disso, em propor novas categorias fundamentais de observação da prática historiográfica. Nesse sentido, o texto trabalha em duas preocupações indispensáveis da pesquisa histórica: refletir sobre o mundo no qual estamos inseridos e as condições que definem nossa historicidade; e questionar, até mesmo desestabilizar, os clichês nos quais a escrita da história se desdobra. A erudição do livro está justamente em não ser apenas uma redundante observação das fissuras que atingem a historiografia, mas em avançar e propor novas abordagens a partir dessa constatação.

Bentivoglio, animado pelas reflexões de Hayden White sobre a imaginação histórica e a nova filosofia da história (Cf.: WHITE, 2002), argumenta que uma inédita consciência historiográfica emergiria no alvorecer do século XXI, notoriamente pós-moderna e distópica. Isso significaria dizer, que a forma pela qual o historiador trata, enreda, e apresenta o passado que lhe é disponível, seria resultado de uma experiência da história determinada pela produção de um lugar deslocado, impróprio, fora do eixo e hostil, sendo analiticamente sintetizado pela noção de deslugar. O passado, longe de responder a uma verdade absoluta, é desprendido das coerções praticadas pelo método da ciência histórica, para se deslocar em diversos sentidos que lhe são atribuídos por narrativas, representações e simulacros.

Minha hipótese é a de que acompanhamos a emergência de um novo paradigma poético-linguístico, pré-crítico e meta-histórico. E que esse paradigma, no século XXI, é eminentemente distópico. Ou seja, a atual consciência na historiografia é um modo preciso de pensamento, cuja pré-elaboração do enredo de início é, em si mesma desconfiada, seja das capacidades científicas da história, seja das realizações da historiografia, seja das evidencias ou da materialidade do passado, seja das verdades produzidas pela história a ele. O passado tornou-se deslocamento, deslugar (BENTIVOGLIO, 2019, p. 58).

Tal definição de distopia como deslugar, é uma abertura para pensarmos a própria temporalidade do conceito, rompendo sua definição mais comum e imediata, que o coloca como o contrário da utopia. Nesse sentido, distopia não é apenas uma relação temporal distante entre futuro e presente, mas pode se caracterizar como uma irradiação de forças que deslocam um imaginário compartilhado sobre o passado irrevogável, admitindo dessa maneira, sua interferência assombrosa e fantasmagórica no presente. Considera-se, portanto, que a distopia na história remete a espectralidade de um passado-presente (cf: HARTOG, 2013; HUYSSEN, 2014). “A distopia não é uma antiutopia, ela é um deslugar, que não se encontra exatamente no futuro, mas, que pode estar em qualquer lugar, inclusive no presente e no passado” (BENTIVOGLIO, 2019, p. 96).

O trabalho de Bentivoglio, ao revisitar a formação da ciência histórica no século XIX, demonstra que a consciência historiográfica moderna estaria marcada por uma “tensão entre os objetivos utópicos e a adoção de práticas disciplinares distópicas” (BENTIVOGLIO, 2019, p.26). Esse conflito viria à tona com as reflexões epistemológicas que são caracterizadas como pós-modernas – como os passados práticos de Hayden White – que admitem uma ampla circulação do passado, destituindo assim, o próprio privilégio da historiografia em organizar arbitrariamente o passado. Bem como, as reflexões de Foucault sobre as condições de possibilidade que fundam a ciência histórica moderna.

Contudo, se o caráter distópico da moderna historiografia residia no método, hoje a distopia se autonomizou como imaginação histórica (o impacto dos sentidos da experiência da história sobre os modos de pensar) e consciência historiográfica (os artefatos e técnicas usados para conferir forma a uma narrativa). Nesse cenário, portanto, seria possível afirmar que assim como a utopia estava para a modernidade, a distopia está para a pós-modernidade. A história utópica, que transcorre sobre a racionalidade moderna, seria uma tentativa arbitrária de produzir sentido as metanarrativas do progresso e disciplinar o passado em um único regime de verdade. No sentido que submete o passado ao controle único do historiador sob as premissas de um regime de cientificidade de pretensão realista. O autor observa que a noção de objetividade do projeto historiográfico ocidental, caracteriza esse desejo da narrativa histórica em conhecer o passado como ele realmente foi ou de reconstruí-lo o mais fielmente possível através de modelos (métodos) científicos. A diferença decisiva entre uma história utópica e uma história distópica seria então que a natureza distópica da história de algum modo acaba por abalar não somente o mito fundador do passado, como o próprio mito de fundação científica da história na modernidade, porque se patenteia a existência de tantos passados quanto as obras de histórias serão capazes de produzir” (BENTIVOGLIO, 2019, p. 30).

Num panorama geral, o pequeno livro oferece uma densidade admirável. A quem interessar a leitura, encontrará um percurso de investigação que passa pelas raízes da literatura distópica; pela formação da ciência histórica no século XIX; pela crise de representação e o esgotamento das filosofias especulativas da história (o já conhecido debate sobre o fim da história). Tal caminho, que ao primeiro olhar pode parecer desconexo, é uma tentativa bem-sucedida de ilustrar que há sobre a historiografia, uma incidência de outro tipo de imaginação histórica, que se distancia do conceito moderno de história. Alguns aspectos dessa distinção podem ser abordados pela passagem do passado lugar ao passado deslugar; do regime de cientificidade ao narrativismo; da verdade absoluta aos confrontos de sentido sobre o passado; do modernismo ao pós-modernismo; do futuro aos passados-presentes; do otimismo ao ceticismo; enfim, da utopia à distopia.

O trabalho em questão também é importante pois se torna uma base teórica imprescindível para que a historiografia possa alcançar novos objetos de pesquisa. O objeto não deve ser apenas aquilo que esgotamos em análises exaustivas, como se fosse algo cristalizado no tempo e no espaço; uma historiografia que tem a distopia como parte fundamental de sua prática deve transformar o objeto naquilo que nos leva ao caminho do pensamento, da reflexão filosófica sobre nossas bases epistemológicas, e que principalmente, propõe questões ao tempo presente. Tais objetos não-convencionais fazem parte desse movimento de produzir a partir do estranhamento, de enxergar soluções a partir da catástrofe que se aproxima. É pensar o mundo contemporâneo de um lugar, ao mesmo tempo, perigoso e privilegiado. Somente assim, enxergando o passado a partir de outras perspectivas, poderemos conferir espessura a um presente fraturado e pensar sobre o que o futuro poderá vir a ser.

O livro de Júlio Bentivoglio, reforça que a distopia deve ser encarada como uma noção organizadora dos fenômenos do tempo presente. Não podemos mais acusa-la de extrapolar os limites da ficção e do real. É justamente essa preponderância em trazer à tona o absurdo, que constitui seu lugar como um potente meio de crítica ou de reflexão em relação ao nosso presente. Trata-se de questionar o real, tensionar o cotidiano e as relações socias já estabelecidas. Esse incomodo que é provocado pela agressividade da imaginação distópica deve assumir-se como um despertar para a historicidade que atravessa, dentre outras dimensões, o saber histórico. Perceber a relevância de elementos da vida contemporânea como a tecnologia, a vigilância, e a catástrofe, é interrogar, mas sobretudo, encarar os sentidos que compõem a experiência da história hoje.

Por fim, fica o convite à leitura desse livro que se torna uma referência de maior grandeza para aqueles interessados, principalmente, nos estudos em Teoria da História. Para além de sua amplitude argumentativa, o livro cumpre um papel importante na afirmação do protagonismo brasileiro como importante centro de pesquisa e reflexão teórica sobre a historiografia. Nele o leitor poderá encontrar as discussões mais atuais das pesquisas na área, juntamente com uma originalidade teórica, que confere ao texto aquilo que alguns historiadores ainda não entenderam muito bem: teorizar não é se limitar a comentar teorias alheias, mas sim traçar um diálogo sólido com a tradição e arriscar novas propostas e conceitos que movimentem a historiografia de seu lugar-comum.

Referências

HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

HUYSSEN, Andreas. Culturas do passado-presente: modernismos, artes visuais, políticas de memória. Rio de Janeiro: Contraponto; Museu de Arte do Rio, 2014.

WHITE, Hayden. Meta-história. São Paulo: Edusp, 2002.

Notas

1. Podemos citar teóricos da história como Ewa Domanska, Berber Bevernage, Sanjay Seth, Dipesh Chakrabarty, Ethan Kleinberg, Ivan Jablonka, Zoltán Simon, entre outros. No Brasil destaca-se a organização de pesquisadores em torno da Sociedade Brasileira de Teoria e História da Historiografia (SBTHH), algo que tem promovido um avanço qualitativo nas pesquisas da área. Além do trabalho de Bentivoglio, devemos destacar as recentes pesquisas de Valdei Araujo e Mateus Pereira sobre o atualismo, e o importante livro A história (in)disciplinada, organizado por Arthur Ávila, Rodrigo Turin e Fernando Nicolazzi.

2. O gráfico pode ser visualizado neste link. Acesso em: 18/06/2020.

3. Podemos citar como exemplo dois movimentos principais que percorrem a filosofia do século XX, são eles: o pós-estruturalismo e o esclarecimento da Escola de Frankfurt.

4. Simultânea a escrita desta resenha, foi lançada a série de entrevistas Crise & Historicidade – uma iniciativa de LETHIS-UFES e do NIET-UFMG, em parceria com a HH Magazine: humanidades em rede – que tem como segundo episódio uma entrevista do professor Júlio Bentivoglio sobre a relação entre história, distopia, e crise. Ela está dividida em duas partes, as quais podem ser acessadas através dos seguintes links:

Episódio 02, Parte 01: https://www.youtube.com/watch?v=AzKFECirBIk

Episódio 02, Parte 02: https://www.youtube.com/watch?v=dGG-5ufAUs0

Ricardo Mateus Thomaz de Aquino – Graduando em História pelo Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Tem interesse nas áreas de Teoria da História, História da Historiografia e História Intelectual. Atua como bolsista voluntário no projeto de extensão HH Magazine: humanidades em rede, história pública democrática.

Uma ecologia política dos riscos: princípios para integrarmos o local e o global na promoção da saúde e da justiça ambiental – PORTO (TES)

PORTO, Marcelo Firpo de Souza. Uma ecologia política dos riscos: princípios para integrarmos o local e o global na promoção da saúde e da justiça ambiental. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2012, 2. ed., 270 p. Resenha de: MIRANDA, Ary Carvalho de; TAMBELLINI, Anamaria Testa. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.12, n.1, jan./abr. 2014.

A abordagem de Marcelo Firpo de Souza Porto, em Uma ecologia política dos riscos…, traz uma contribuição valorosa ao debate, não só acadêmico, mas do conjunto da sociedade, sobre os riscos à saúde humana e ao ambiente a que estamos submetidos, decorrentes do modelo de desenvolvimento socioeconômico em curso. A partir da identificação dos conflitos socio-ambientais, fundamenta, com a complexidade conceitual que este campo de conhecimento e- prática exige, o escopo metodológico de abordagem de riscos ambientais e ocupacionais, não só fazendo a crítica aos modelos reducionistas utilizados, mas também apontando para caminhos que nos permita um desenvolvimento que tenha como preocupação fundamental a condição humana.

A compreensão sobre Vulnerabilidade Social é colocada no centro deste estudo como fio condutor da construção metodológica sobre os riscos, numa perspectiva integradora de diversos campos de conhecimentos, incluindo aqueles oriundos de fora do meio acadêmico. Deste modo, a sabedoria que provém da experiência das pessoas atingidas pelos problemas estudados se constitui também num pilar fundamental na construção do conhecimento necessário aos seus enfrentamentos. Unificando a ciência acadêmica com o conhecimento advindo de fora dela, no exercício da transdisciplinaridade, o autor nos apresenta caminhos mais consistentes aos desafios dos riscos em contexto no qual as complexidades tecnológicas de sistemas e produtos consumidos pela sociedade já não permite conferir à Ciência Normal e ao Estado a exclusividade de seus enfrentamentos. Os vários exemplos de acidentes ampliados, decorrentes de tecnologias complexas, como as tragédias de Chernobyl e Bhopal, apenas para citar dois acidentes que ganharam enorme notoriedade, pela gravidade e extensão, atestam esta realidade.

É preciso, portanto, desnaturalizar e contextualizar o risco, com base em uma visão crítica às concepções tecnicistas que sistematicamente desconsideram as populações afetadas, sobretudo as mais vulneráveis. Tal contextualização permitirá também estabelecer conexões entre os fenômenos locais e aqueles de natureza mais global, conferindo à análise das situações concretas de riscos a capacidade de articulá-los aos modelos socioeconômicos que imperam no mundo globalizado em que vivemos. Esta opção, particularmente, destaca o autor, “não é apenas uma técnica didática para facilitar a vida do leitor”, mas tem sua origem numa concepção teórico-filosófica que faz parte dos vários conflitos que marcam a crise da chamada Ciência Normal, tal como formulada por Thomas Kuhn, em A estrutura das revoluções científicas. Trata-se, então, de uma cosmologia que coloca o universo epistemológico necessariamente mediado pela ética, sem a “neutralidade” propagada pela ciência moderna e que supera a dicotomia entre o pesquisador e seu objeto de estudo. É uma abordagem metodológica que permite que o conhecimento gerado para construção de soluções concretas, diante dos riscos a que estamos submetidos, possa ser apropriado pelo conjunto da sociedade, proporcionando soluções compartilhadas, fazendo da ciência um componente importante na tomada de consciência social e adoção de medidas que possam pavimentar não a sustentabilidade do modelo vigente, mas uma sociedade sustentável.

Tendo tais princípios como referência às abordagens metodológicas para prevenção de riscos ambientais e ocupacionais em suas complexidades, o autor destaca que não existem respostas fáceis nem exclusivas. O desafio deve incorporar, de forma integrada, conceitos provenientes de diversos campos de conhecimento, tais como a saúde coletiva, as ciências sociais, as ciências ambientais, a ecologia política e a economia ecológica. Com esse pressuposto, estrutura o trabalho em cinco capítulos, traçando um recorrido que começa apresentando os referenciais empíricos e teóricos, ponto de partida fundamental aos estudos de riscos. Já neste momento está destacada a incorporação das dimensões éticas e sociais inerentes à sua abordagem, sustentando a necessidade de superação dos limites reducionistas para compreensão dos territórios. Tal superação será buscada nos postulados de Milton Santos sobre o território, ou seja, é um lugar de projetos e disputas, de onde emergem, ademais, questões sociais, ambientais e de saúde. É nos territórios onde a vida se constrói, expressando as contradições de uma sociedade estratificada econômica e socialmente. Esta estratificação gera contextos diferenciados, tornando inadequada a generalização de modelos científicos na análise, controle e prevenção de riscos. Nessa diferenciação se expressa a vulnerabilidade de grupos sociais, reveladora da lógica de modelos de desenvolvimentos que se dão em nome do crescimento produtivo, que concentra poder e riqueza ao mesmo tempo que gera exclusão social e pobreza. É nesse cenário que o autor traz o conceito de ‘vulnerabilidade’ como elemento central para o desenvolvimento de análises integradas e contextualizadas dos riscos. A partir deste conceito, destaca suas diversas dimensões, prioriza a Vulnerabilidade Social como componente fundamental do pro- cesso analítico, articula o local e o global, revela as limitações da Ciência Normal e assume uma nova base epistemológica: as concepções da Ciência Pós-normal, tal como formulada por Funtowics e Ravetz.

Deste modo, as respostas sociais tornam-se componente de destaque na perspectiva de enfrentamento dos riscos socioambientais. O autor enfatiza, então, a importância do Movimento pela Justiça Ambiental e as ações solidárias em rede, como manifestações dos movimentos sociais voltadas para a transformação da realidade e destaca o princípio da precaução, colocando-o como desafio civilizatório no enfrentamento das incertezas decorrentes da complexidade tecnológica, que cada vez mais é incorporada à vida social. Nesta dimensão, a incerteza passa a assumir condição de destaque nas avaliações de risco. E são vários os tipos de incertezas assignados. Vão da incerteza técnica, relacionada, por exemplo, à qualidade de bases de dados utilizados para a formulação de cálculos, passando pela incerteza metodológica, expressa na margem de valores relacionados a intervalos de confiança, chegando à incerteza epistemológica, esta a mais grave, pois, conforme assinalado no livro, expressa uma “lacuna estrutural entre o conhecimento disponível e a capacidade de analisar e realizar previsões acerca do problema analisado”.

Para melhor precisar o referencial conceitual analítico na análise dos riscos, ou seja, a Vulnerabilidade, e, apoiado nos marcos da epistemologia ambiental da ciência Pós-normal, o trabalho destaca que a Vulnerabilidade é um conceito polissêmico, utilizado em diversos campos de conhecimentos e, portanto, em diversas situações. No mundo fisicalista, analisado pela física, química e as engenharias, a Vulnerabilidade está relacionada a máquinas, instalações e processos produtivos possíveis de acidentes e falhas. Trata-se de uma abordagem funcionalista, cujo universo considera apenas a perda de função do sistema técnico. A ergonomia francesa do pós II Guerra dá uma passo adiante com relação a esta abordagem reducionista, ao transformar sistemas técnicos em sociotécnicos, relacionando, assim, a confiabilidade técnica à humana.

No mundo da vida, analisado pelas ciências biológicas e biomédicas, a Vulnerabilidade é um conceito relacionado aos sistemas complexos dos seres vivos, envolvendo organismos e ecossistemas. No universo da biologia e da ecologia, é considerada como perda de vigor, incapacidade adaptativa ou descontinuidade de espécies ou ecossistemas. Na biomedicina, a noção de vulnerabilidade está referida à existência de indivíduos ou grupos sociais suscetíveis com predisposição para contração de doenças diante de situações de risco. Ao desconsiderar as dimensões sociopolíticas, econômicas, culturais e psicológicas, na análise das situações de saúde, este paradigma reduz a vida a sua dimensão biológica ou genética, cujo exemplo histórico ficou cunhado na difusão da eugenia aplicada pelos nazistas para produzir, com base na seleção humana sustentada pela genética, a superioridade de certas ‘raças’.

Na perspectiva de superação do reducionismo do paradigma biomédico, o campo da saúde pública passa a incorporar elementos sociais, culturais e econômicos na análise de situações de riscos a determinadas doenças. Será, então, no mundo do humano que a noção de Vulnerabilidade ganha sua dimensão mais complexa, estando relacionada a sistemas sociais, sociotécnicos e de relações de poder. Tem, então, como campos de conhecimento as ciências sociais e humanas, assim como a filosofia, exigindo que questões de natureza ética e moral sejam incorporadas às suas análises. Visto sob esta perspectiva, o estudo destaca a natureza humana e social da Vulnerabilidade, valorizando os processos históricos no condicionamento dos riscos gerados pelos modelos de desenvolvimento econômico e tecnológico. Trata-se, então, de considerar Contextos Vulneráveis. Nesses contextos, o conceito de Vulnerabilidade Social protagoniza-se e está tipificado em dois componentes: o das populações vulneráveis, aquelas mais atingidas em situações de injustiça ambiental, e aquele relacionado ao Estado e à sociedade civil.

O primeiro componente, chamado de ‘Vulnerabilidade Populacional’, corresponde a grupos sociais submetidos a determinados riscos, decorrentes de maior carga de danos ambientais que incidem em populações de baixa renda, grupos sociais discriminados, grupos étnicos tradicionais, bairros operários e populações marginalizadas em geral. Expressam-se, por exemplo, através de discriminação social e racial, que se concretizam por desigualdades no acesso à renda, educação, moradia, proteção social, atenção- à saúde, assim como em precárias relações de trabalho. São grupos sociais muitas vezes ‘invisíveis’, com baixa capacidade de organização e influência nos poderes decisórios, situação que contribui, também, para a invisibilidade dos riscos a que estão submetidos, tornando-os ainda mais vulneráveis.

O segundo componente, a Vulnerabilidade Institucional, relaciona-se ao papel do Estado, envolvendo capacidade institucional (incluindo recursos técnicos e humanos), assim como as políticas econômicas, tecnológicas e arcabouço jurídico. Resulta de relações complexas de alcance internacional, nacional e local, expressando contradições e disputa de interesses decorrentes do antagonismo de classes. No escopo deste componente da Vulnerabilidade Social, o autor destaca o fenômeno da globalização atual que procura impor a quebra de barreiras de proteção aos Estados nacionais, fazendo fluir fluxos financeiros internacionais, cuja dinâmica pode produzir colapsos em economias nacionais, com importantes impactos sociais.

Por fim, são expressos 11 princípios norteadores da proposta de análise integrada e contextualizada de riscos em situações de vulnerabilidade e injustiça ambiental, no sentido de proporcionar uma visão abrangente dos problemas ambientais e ocupacionais, em situações de importantes desigualdades sociais, como é caso da realidade brasileira. Englobam a ecologia política dos riscos; a visão ecossocial da saúde humana; os aspectos multidimensionais e cíclicos dos riscos; as relações entre os níveis local e global; a necessidade de integração de conhecimentos e práticas; o agravamento dos ciclos do perigo em contextos vulneráveis; as singularidades de contextos onde os riscos ocorrem; a importância do conhecimento local e das metodologias participativas nas abordagens analíticas dos riscos; as incertezas inerentes a situações de risco; a importância da prevenção, precaução e promoção e o destaque às articulações dos movimentos sociais no enfrentamento das ameaças. São, em verdade, 11 pilares sobre os quais a análise integradora de situação de risco é sustentada com maior firmeza metodológica.

Toda esta construção metodológica traz consigo a busca de uma “ciência sensível” superando as dicotomias estabelecidas entre o técnico, o humano e o social, incrustadas nos discursos e práticas reducionistas da ‘ciência normal’. Com esta superação articula técnicos, cientistas, trabalhadores e cidadãos em geral na defesa da vida e da democracia. Enfim, é um trabalho solidário, justo e de grande densidade intelectual, refletindo a possibilidade concreta de encontros produtivos da ciência com os afetos.

Ary Carvalho de Miranda – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz. E-mail: [email protected]

Anamaria Testa Tambellini – Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

Literatura e suas fronteiras: do local e do global | Literatura, História e Memória | 2019

A Revista de Literatura, História e Memória tem o prazer de abrir o seu vigésimo quinto número com as reflexões em torno da Literatura e suas fronteiras: do local e do global.

Para dar início às discussões, o texto “La (im)posibilidad del diálogo en la tierra de nadie: el problema de la frontera en Texas, de Carmen Boullosa”, de Claudia Macías, analisa as possibilidades e os limites do diálogo entre raças e culturas no romance de Boullosa a fim de mostrar como a obra questiona os fatos históricos a partir do problema da memória coletiva frente à memória manipulada proposto por Paul Ricoeur. Leia Mais

Género y cuidado: teorías, escenarios y políticas – ARANGO GAVIRIA et al (REF)

ARANGO GAVIRIA, Luz Gabriela; AMAYA URQUIJO, Adira; PÉREZ BUSTOS, Tania; PINEDA DUQUE, Javier. Género y cuidado: teorías, escenarios y políticas. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, Pontificia Universidad Javeriana, Universidad de los Andes, 2018. Resenha de: GASCA, Ells Natalia Galeano. La dimensión política del cuidado Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v.27, n.2, 2019.

El libro Género y cuidado: teorías, escenarios y políticas contiene reflexiones sobre la interrelación entre las categorías de género y cuidado desde diferentes perspectivas. La edición académica a cargo de Luz Gabriela Arango, Adira Amauya, Tania Pérez Bustos y Javier Pineda Duque resulta de un esfuerzo interinstitucional entre la Universidad Nacional de Colombia, la Universidad Javeriana y la Universidad de los Andes de Bogotá. Se abordan debates teóricos y aportes empíricos derivados de investigaciones de autoras/es adscritas/os a distintas instituciones alrededor del mundo, lo que permite vislumbrar cómo el fenómeno del cuidado mantiene ciertas continuidades en el nivel doméstico, local y global. Las aportaciones contribuyen a entender cómo la categoría de cuidado tiene un potencial político de importancia, sobre todo en lo referente a la necesidad de encontrar formas de relación más justas y equitativas, desde los espacios micro sociológicos que afectan la vida cotidiana, hasta los macro sociales que afectan a los colectivos.

El libro se encuentra divido en tres secciones: “Ética y ethos del cuidado”, “Escenarios y significados del trabajo del cuidado” y “Organización social del cuidado y política pública”. El primer capítulo, de autoría de Joan Tronto, es titulado “Economía, ética y democracia: tres lenguajes en torno al cuidado”. La autora hace una reflexión ética desde la óptica del cuidado, vinculando aspectos relativos a la democracia. Igualmente, reflexiona sobre las atribuciones inequitativas de responsabilidades de cuidado y las asocia con las desigualdades de poder, expresadas en la clase social, la raza, la etnicidad, la sexualidad, entre otras diferencias. Aquí, la autora tipifica diversas formas de exención de las responsabilidades. Su enfoque intenta evitar que, al considerar la dimensión ética, se dejen de lado las preocupaciones sociales y estructurales, intentando tener presentes las dimensiones morales y las asociadas a la economía del cuidado. En este sentido, considera que es importante enmarcar el cuidado de manera que nadie se entienda ni totalmente dependiente, ni totalmente autónomo. Leia Mais

In the Global Classroom 1 – PIKE; SELBY (CSS)

PIKE, Graham; SELBY, David. In the Global Classroom 1. Toronto: Pippin Publishing,1999. 256p. In the Global Classroom 2. Toronto: Pippin Publishing, 2000. 260p. Resenha de: BOYD, Kenneth. Canadian Social Studies, v.36, n.1, 2002.

This two-volume set originated at the Ontario Green School Project where educational planners noticed there was a widening gap between the school experiences of the students and global reality. They decided to create a resource that would help students to increase their understanding of local and global issues through collaborative and participatory learning processes. In the Global Classroom 1 and 2 are designed to help teachers approach several areas of concern including accountability, which tends to focus attention on statutory requirements rather than on human potential, and the concept of worldmindedness which stresses that the interest of individual nations must be viewed within the context of the overall needs of the planet. At the same time, Pike and Selby stress the idea that children learn best when encouraged to explore and discover for themselves. It is recognized that students cannot be programmed. At the personal level the books focus on the interconnectedness of an individual’s mental, physical and spiritual make-up. Students have to understand how personal well-being is entwined with the economic and political decision-making of governments around the world. The authors hope that by using these books students will come to see how global environmental trends are influenced by human behavior and changes in local ecosystems.

Individual students should be helped to understand that their perspective on any issue is but one among many; that there are a variety of cultural, social and ideological points. As educators, we have to provide students with such opportunities across the curriculum. These books look at areas or topics dealing with relevant global education knowledge, skills, and attitudes. There are countless possibilities for integrating these into the traditional subjects of the curriculum. Integration is important to understanding the world as a system and exploring its relationships. In the Global Classroom 1 and 2 give teachers and students many helpful suggestions for activities in which the students can engage. Student development goes hand-in-hand with planetary awareness. Global education is critical to the development of students who can prosper in the complex global system and who can contribute to building a more just and sustainable world.

Students’ learning should be self-motivated and directed, focussing on the needs of the students. By using these books students will experience a blend of teacher-led and self- or group-directed strategies. The suggested activities are organized by theme in order to facilitate their use across the curriculum and to promote an interdisciplinary approach in the classroom. Key activity concepts are explained at the beginning of each chapter. A matrix of concepts and activities follows each introduction. Connections to the other chapters are given underneath the matrix. Activities that explore similar or related concepts, though perhaps from different perspectives, are highlighted. Pike and Selby suggest that by exploring such connections in a sequence of activities students can better appreciate the interconnected nature of global issues.

The suggested time frame serves as a rough guide to the length of time necessary for students to understand the activity. Most of the activities are designed to fit within a 40 minute lesson. Materials and other necessary requirements for the activities, such as classroom layout or space, are also included. The resource lists assume an average class size of 30 students, though most activities will work successfully with groups ranging from 15 45. Student worksheets and other photocopy material often appear after the activity descriptions.

Pike and Selby provide step-by-step descriptions, written from the student perspective, of how the activities proceed. They offer a rationale for each activity, often provide further guidelines for teachers to maximize student learning, and frequently include questions for debriefing the activities. The questions serve to gear the students’ thinking toward issues and perspectives that may not have been considered or articulated. An extension section suggests ideas for specific follow-up work, either in class or outside school.

These global education activities are designed to be flexible learning tools that can be used in either infusion or integration modes of implementation. Their inherent flexibility offers countless possibilities for modification and adaptation, thereby meeting the particular needs of curricula, students and teachers. In the Global Classroom 1 deals with such concepts as Environment and Sustainability, Health, Perceptions, Perspectives and Cross Cultural Encounters, Technology and Futures. In the Global Classroom 2 deals with the concepts of Peace, Disarmament, Deterrence, Rights and Responsibilities, Equity, Economics, Development and Global Justice, Citizenship, and Mass Media. I found many activities that I would certainly use in my classroom. I would have to decide on whether others are as appropriate for student use.

Kenneth Boyd – Rosetown Central High School. Rosetown, Saskatchewan.

Acessar publicação original

[IF]