Índios e Espaços: visibilidade e protagonismo históricos / Revista Espacialidades / 2019

Cada vez mais articulados, os povos indígenas nas Américas têm conquistado espaço e atuado nas mais diversas áreas. Grupos antes negligenciados, agora ocupam lugares de destaque nos meios políticos, artísticos, acadêmicos, religiosos e todos os mais que permeiam a sociedade. Se hoje o número de trabalhos acadêmicos que buscam explicitar os protagonismos e agências indígenas aumentaram é porque houve uma renovação teórico-metodológica contra a perspectiva na qual, por muito tempo, estes povos apareciam na história nacional de maneira alegórica, datada e estereotipada, pouco condizente com sua realidade e com os processos históricos pelos quais passaram desde o momento do contato.

Impossível não destacar a aproximação entre a Antropologia e a História para o enriquecimento das produções acadêmicas sobre estas populações e para o adensamento teórico das discussões desenvolvidas nas Universidades, que não se limitam ao meio acadêmico. O diálogo com outras disciplinas, como a Geografia, gerou pesquisas sobre os elementos culturais característicos de povos específicos sendo determinantes para migrações e estabelecimento de assentamento, bem como o diálogo com a História do Direito possibilitou compreender as bases legais para o trabalho (escravo ou livre) dos índios desde o período colonial.

Perceber integrantes destes povos ocupando espaços na sociedade que antes lhes eram negados ou aos quais eram desestimulados a ocupar, como as Universidades, o Congresso Nacional, ou mesmo o cotidiano de centros urbanos, nos faz perceber a importância de relatá-los historicamente como o são: agentes de suas próprias histórias. Expor artigos sobre as articulações políticas destes povos em momentos cruciais de nossa história nacional, sobre a importância de seus elementos culturais em sua organização social, sobre sua constante busca por direitos enquanto povos diferenciados, traz à luz a atuação constante e imprescindível desta população nos processos históricos nos quais estão inseridos.

Neste sentido, o dossiê Índios e Espaços: visibilidade e protagonismo históricos reúne artigos que mostram, de diversas formas, como os povos indígenas atuam e atuaram nestes diferentes espaços e como suas agências são imprescindíveis na escolha de seus elementos culturais diacríticos, formação de seus grupos e na luta por seus direitos, além de trazer artigos que contemplam discussões conceituais que vêm sendo travadas no universo acadêmico nos últimos anos.

Exemplo disso é a discussão sobre os conceitos de território e territorialidades nos estudos sobre os processos de transformação do meio em que os povos indígenas coloniais habitavam e como estes tiveram que lidar com estas transformações, como mostra Marcos Felipe Vicente, doutorando em História pela Universidade Federal Fluminense – UFF, no artigo de abertura deste dossiê, intitulado “Transformação dos espaços indígenas coloniais: algumas reflexões conceituais”.

Da mesma forma que os conceitos estão sendo revistos, a historiografia de partes específicas do país também está sendo revisitada, como a região sul de Minas Gerais, que teve grande importância no período colonial pelas minas auríferas que abrigava. Gustavo Uchôas Guimarães, professor de História na rede pública de Minas Gerais, no artigo “O trabalho de visibilização dos indígenas nos estudos sobre Minas Gerais: o caso sul-mineiro de Virgínia e seus arredores” propõe uma revisão histórica do que vem sendo produzido sobre esta região, mais especificamente sobre a Serra da Mantiqueira e o rio Verde.

O terceiro artigo desta edição traz um debate historiográfico sobre as contribuições e limitações do Estruturalismo enquanto vertente explicativa de análise dos povos indígenas, a partir de respostas às críticas tecidas por Claude LéviStrauss, publicadas no periódico L’Homme, em 2001. O artigo “Críticas ao Estruturalismo na virada do século: o debate nas páginas de ‘L’Homme’ e ‘The Americas’ (2001-2003)”, escrito por Caio Rodrigues Schechner, mestrando em História Social pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, traz este debate tão caro ao campo da História e das Ciências Sociais.

Em “À luz da ‘civilização’: representações indígenas nas narrativas dos viajantes (MT, séc. XIX-XX)”, Carlos Alexandre Barros Trubiliano, Professor Adjunto de História da Universidade Federal de Rondônia – UNIR, utiliza a análise de discurso nos relatos de viajantes para perceber como o Estado de Mato Grosso e seus habitantes eram representados nestes relatos. Também utilizando crônicas, relatos e cartas de viajantes e conquistadores, Bruno Oliveira Castelo Branco, doutorando em História Moderna pela Universidade Federal Fluminense – UFF, investiga a etapa inicial de colonização do Paraguai, analisando a problemática das categorias de trabalho atribuídas aos povos Guarani, em “‘Paraíso de Maomé’, terra de escravos: as categorias de trabalho indígena Guarani na etapa inicial da conquista. Paraguai e Rio da Prata (1541-1556)”.

Assuntos também importantes nas produções acadêmicas sobre os povos indígenas são as questões de migrações e mobilidades espaciais. “Xukuru-Kariri: mobilidades espaciais indígenas em Alagoas na segunda metade do século XX”, escrito por Adauto Santos da Rocha, mestrando em História pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, e Edson Silva, Professor Titular de História na Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, buscam evidenciar as mobilidades dos Xucuru-Kariri que residem em Palmeira dos Índios-Alagoas, para trabalhos sazonais, discutindo os percursos entre as cidades nas quais os trabalhos são realizados e as aldeias Xukuru-Kariri, durante a segunda metade do século XX.

Partindo da região Nordeste para o Norte do Brasil, no sétimo artigo do dossiê, de Daniel Belik, Doutor em Antropologia Social pela Universidade de St. Andrews-Escócia, procurou compreender as experiências espaciais dos indígenas na Amazônia ao percorrer caminhos pela floresta e como a relação deste bioma com povos externos a ele ocorre de forma distinta em “Caminhos Indígenas: Espaços de movimentação pela Amazônia”.

“Migrações Terena para a periferia de Campo Grande (MS): a manutenção de relações tradicionais de parentesco em contextos urbanos”, escrito por Luiz Felipe Barros Lima da Silva, mestrando em Antropologia Social da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS, e Victor Ferri Mauro, Docente do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS, também abordam a temática dos deslocamentos. Além de analisarem os deslocamentos espaciais de um pequeno grupo Terena, os autores investigam a manutenção de redes de parentesco e compadrio.

Vinícius Alves de Mendonça, graduando em História pela Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL, analisa as pinturas corporais dos indígenas Jiripankó enquanto elemento representativo da memória e da identidade étnica deste povo, no artigo “História e grafismos: estudos sobre a pintura corporal entre os indígenas Jiripankó”. Assim como os Jiripankó tem em suas pinturas corporais um elemento representativo da memória, os Kaingang acionaram elementos identitários culturais na luta pela demarcação de suas terras. A paisagem, juntamente com outras atividades culturais, apresenta-se como lugares de memória que foram fundamentais para a consecução da demarcação da Terra Indígena Toldo Pinhal-SC, exposta no artigo “Places of memory and cultural re-signification in the indigenous land Toldo Pinhal, Brazil” escrito por Jesssica Alberti Giaretta, graduada em História pela Universidade Federal da Fronteira do Sul – UFFS, e Jaisson Teixeira Lino, Professor Adjunto na mesma instituição e Doutor pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto-Douro(UTAD) de Portugal.

Por fim, o último artigo desse dossiê, intitulado “Um quase eterno reencontro: Ailton Krenak e a Assembleia Nacional Constituinte (1987)” e escrito por Rômulo Rossy Leal Carvalho, graduando em História pela Universidade Federal do Piauí – UFPI, e Rafael Ricarte da Silva, Professor Adjunto da Universidade Federal do Piauí – UFPI. Neste artigo, os autores analisam as participações dos indígenas nos processos da Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988), especialmente, a atuação de Ailton Krenak, da comunidade Krenak.

Na sessão “Entrevista” do presente volume, contamos com a colaboração da Professora Doutora Patrícia Maria de Melo Sampaio, pesquisadora premiada da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, que durante toda sua vida acadêmica se debruçou no estudo das desigualdades, buscando compreender o universo do trabalho dos povos indígenas, africanos e as fronteiras existentes entre estas populações.

Fechando este volume, contamos com a contribuição do Doutor Francisco Cancela, Professor Efetivo da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, na sessão “Corpo documental”. “Leis municipais ou posturas da câmara e concelhos desta Vila de Porto Alegre: Notas para o estudo sobre política e administração nas vilas de índios”, apresenta as posturas municipais da câmara de uma vila de índio da antiga capitania de Porto Seguro chamada São José de Porto Alegre, lançando notas para futuras pesquisas sobre política e administração das Vilas de índios.

Desta forma, o presente volume da Revista Espacialidades busca corroborar com os estudos que versam sobre os múltiplos aspectos da experiência indígena e sua atuação nos mais diversos espaços. Através de artigos que abordam aspectos teóricos e metodológicos da produção acadêmica sobre estes povos, que trabalham suas migrações e / ou deslocamentos espaciais, bem como elementos culturais distintivos e sua atuação na política e na luta por seus direitos, busca-se contribuir de maneira proveitosa com esta temática tão importante e necessária.

O Editor Chefe e a Equipe Editorial da Revista Espacialidades desejam a todos uma excelente leitura!

Clara Maria da Silva (UFRN) – Editora de texto (normatização)

Douglas André Gonçalves Cavalheiro (UFRN) – Editor

Edcarlos da Silva Araújo (UFRN) – Gerenciador do site

Lígio José de Oliveira Maia (UFRN) – Editor Chefe

Ristephany Kelly da Silva Leite (UFRN) – Editora Gestora

Rodrigo de Morais Guerra (UFRN) – Secretário de Comunicação e Mídias Sociais

Thiago Venicius de Sousa Costa (UFRN) – Vice Editor Gestor

Victor André Costa da Silva (UFRN) – Secretário Geral


MAIA, Lígio José de Oliveira et al. Apresentação. Revista Espacialidades. Natal, v.15, n. 02, 2019. Acessar publicação original [DR]

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