Intellectuals In The Latin Space During The Era Of Fascism: Crossing Borders | Valeria GAlimi e Annarita Gori

Na década de 2010, especialmente após a onda internacional de protestos que teve início com a Primavera Árabe em 2011, tornou-se clara uma ascensão de movimentos, ideologias, culturas políticas, partidos e governos de extrema-direita, alguns abertamente (neo)fascistas, com um poder de influência sobre a política europeia que não era visto desde os anos 1930 (Löwy 2015, 653). Nos Estados Unidos, o cenário das eleições presidenciais de 2016, em que foi eleito o candidato republicano Donald Trump, também se caracterizou pela emergência de grupos de direita radicais que vão desde a direita institucionalizada com o Tea Party do Partido Republicano, até discursos mais radicais na alternative right e nos movimentos neofascistas/neonazistas, que se tornaram atores da mais alta relevância sob o governo Trump (Alexander 2018, 1009). No Brasil, a eleição de Jair Bolsonaro em 2018 demarcou essa guinada à direita radical, armamentista, evangélica e tecnológica que se difunde rapidamente pela internet.

Entre hoje e o século passado, as direitas radicais, e especialmente os fascismos e neofascismos, guardam em comum o nacionalismo chauvinista e xenófobo, articulado para a exploração dos “pânicos de identidade” que surgem nos campos conservadores, com a violência cultural com que o capitalismo transforma estruturas socioeconômicas e formas de vida, gerando sentimentos “antissistema”, “anti-cosmopolitas”, “antidemocráticos”, “anti-pluralistas”, “anticomunistas”, “anti-globalistas”, etc. Majoritariamente, são favoráveis a políticas autoritárias de segurança pública, como a introdução ou reabilitação da pena de morte. (Löwy 2015, 654). Em resumo, para utilizarmos uma expressão de Francisco Carlos Teixeira da Silva (2000, 179) inspirada na interpretação de Zeev Sternhell (Cf.: Sternhell 1995, 3-35) do fascismo como cultura política, a “negação do outro” continua a ser a tônica dos discursos e práticas fascistas ao longo do tempo.

Esse contexto histórico atual tem imposto às ciências sociais e à historiografia uma atitude de diuturna reflexão sobre o passado trágico dos regimes totalitários e movimentos fascistas que, de forma direta ou indireta, inspiram em grande medida a ascensão das direitas radicais hoje. Nesse cenário pejado pelos desafios de análise e compreensão das novas transformações da política e da forma como a conhecemos, se coloca como necessária e oportuna a leitura do livro Intellectuals In The Latin Space During The Era Of Fascism: Crossing Borders, obra coletiva organizada pelas historiadoras italianas Valeria Galimi e Annarita Gori, publicado por Routledge/ Taylor and Francis Group em 2020.

Valeria Galimi é Professora de História Contemporânea na Università di Firenze, Itália, com Doutorado pela Scuola Superiore Sant’Anna di Pisa. Como pesquisadora e professora em várias universidades e centros de estudo na Itália, França, Israel e Estados Unidos, a autora é especialista na história da França contemporânea, história do antissemitismo europeu, história do fascismo e na história cultural e social da Segunda Guerra Mundial e seu legado. Autora do livro Sotto gli occhi di tutti. La società italiana e le persecuzioni contro gli ebrei, Le Monnier 2018. Annarita Gori é Pesquisadora Associada no ICS-UL (Instituto de Ciências Sociais – Universidade de Lisboa), Portugal, e Professora Visitante no Department of Portuguese and Brasilian Studies da Brown University (ganhadora do prêmio FLAD-Brown, Spring Semester, 2020), com Doutorado pela Università de Siena. Sua área de especialização se concentra na propaganda cultural em ditaduras de direita e nas redes intelectuais na Europa do período Entreguerras, com ênfase no Estado Novo português. Ambas as pesquisadoras se colocam, portanto, como investigadoras de reconhecimento internacional no campo da história intelectual da era dos fascismos.

O livro propõe análises que vão para além do estudo do fascismo, lançando luz sobre o ainda pouco investigado domínio do que as autoras chamam “Latin Space”, que é ao mesmo tempo geográfico e cultural, e envolve tanto a Europa do Sul quanto a América Latina. O foco do livro está na ação desta categoria chamada “intelectuais”, que envolve funcionários públicos, escritores, jornalistas, artistas, até importantes “agentes transnacionais” inseridos nas redes intelectuais. Nesta obra encontram-se questões como o problema do alinhamento de ideologias e valores nacionalistas a um projeto de criação de uma “República das Letras” transversal às fronteiras nacionais, quais eram os tipos de redes que integravam e quem eram esses intelectuais-em-ação, qual o seu papel histórico? As organizadoras apostaram neste campo de pesquisa ainda pouco explorado, mas promissor, onde se investiga, sob novas óticas e perspectivas, a ação dos intelectuais de direita em suas redes, em suas viagens e na circulação de suas ideias em um circuito transatlântico, durante o período Entreguerras. Seu principal objetivo, sem dúvida alcançado, é oferecer uma contribuição original aos debates sobre os regimes autoritários no período Entreguerras, convidando-nos à novas formas de abordagem (Galimi e Gori 2020a).

O livro se divide em duas partes, e soma ao todo nove capítulos, escritos com a colaboração de oito especialistas deste tema, além das duas organizadoras. O capítulo 1, que abre a obra coletiva, Hybridizing ideas in the Latin space: Transnational agents and polycentric cross-border networks, de Annarita Gori e Valeria Galimi, as autoras abordam a importância de agentes intelectuais na difusão transnacional de ideologias de direita, que acabou formando um sentimento de unidade de valores e objetivos que, embora valorizassem o nacionalismo como principal sentimento, também criavam um “espaço latino” internacional e policêntrico de circulação de intelectuais e ideias de direita (Galimi e Gori 2020b, 1-2).

A Parte 1, “Agentes Transnacionais”, é iniciada com o capítulo 2, António Sardinha and his Ibero-American connections: Traditionalism and universalism, de Sérgio Campos Matos. O autor traz como principal problema em análise a questão de como Sardinha, líder do Integralismo Lusitano unia um ideal universalista de hispanismo a um nacionalismo contrarrevolucionário católico romano (Matos 2020, 15-16). No capítulo 3, Ramiro de Maeztu between Spanish and Argentinian nationalism, Alfonso Botti e Daniel Lvovich analisam as relações estabelecidas entre Ramiro de Maeztu com os círculos da Direita Nacionalista na Argentina, analisado como agente transnacional crucial para a formação do nacionalismo autoritário entre Europa e América Latina (2020, 35). O capítulo 4, Pietro Maria Bardi’s first journey to South America: A narrative of travel, politics and architectural Utopia, de Paolo Rusconi, analisa a visão utópica plena de referências ideológicas desenvolvida na interpretação da arquitetura modernista de Pietro Maria Bardi, a partir de suas viagens à Grécia e à América do Sul nos anos 1930 (2020, 57). No capítulo 5, Plínio Salgado between Brazil and Portugal: Formation and transformation of Brazilian integralism, Leandro Pereira Gonçalves analisa a trajetória de Plínio Salgado, fundador e chefe supremo da Ação Integralista Brasileira (AIB), maior e mais bem sucedido movimento fascista fora da Europa no período Entreguerras, suas relações e distanciamentos com relação ao Integralismo Lusitano, e os percursos trilhados por Salgado nas redes intelectuais das direitas entre Brasil e Portugal (2020, 85-86).

A Parte 2, “Redes intelectuais”, é iniciada com o capítulo 6, The Association de la Presse Latine:Efforts and failure of a right-wing transnational pan-Latinist Project, de Annarita Gori. A partir da análise da obra de autores como Francisco Homem Christo Filho, a historiadora investiga a “latinidade”, de conceito cultural a programa político transnacional, desenvolvido nas redes das direitas inspiradas pelo chamado “pan-latinista” (“La Vie Latine”) de Mussolini, como tentativa de resposta à crise da cultura ocidental que se abateu após a Primeira Guerra Mundial (Gori 2020, 109-110). No capítulo 7, Les amis étrangers: Maurrassian circles and a French perspective on the Latin space during the thirties, Valeria Galimi aborda as controvérsias surgidas em torno da interpretação do historiador israelense Zeev Sternhell (Cf.: Sternhell 1995) que apontou a França do final do século XIX como nascedouro das raízes da ideologia fascista, que tomou sua forma mais conhecida na Itália dos anos 1920. Portanto, o surgimento do fascismo é tratado pela historiadora a partir de uma perspectiva transnacional (Galimi 2020, 132). O capítulo 8, Atlantic crossings: Intellectual-politicians and the diffusion of corporatism in thirties Latin America, de António Costa Pinto, nos apresenta uma análise da ampla tendência ao corporativismo verificada por jornalistas estrangeiros na América Latina do após – Segunda Guerra Mundial, que, comparada ao cenário vivido em países da Europa do Sul, como Portugal, Espanha e Itália, acentua a associação predominante entre catolicismo e autoritarismo, que merece esta investigação minuciosa (2020, 152). No capítulo 9, Local and global connections of Argentinian, Uruguayan and Chilean fascists in the thirties and early forties, Ernesto Bohoslavsky e Magdalena Broquetas analisam as conexões internacionais de grupos políticos e jornais na Argentina, Uruguai e Chile existentes dentro de uma cultura fascista transnacional nos anos e início dos anos 1940, que se apresentavam ideologicamente como a “terza via” de seus respectivos países (2020, 171-172).

A proposta de uma abordagem transnacionalista apresentada por Galimi e Gori demonstrou-se um manancial de possibilidades para a historiografia de ideários e movimentos políticos internacionalizados por meio de redes intelectuais sem fronteiras estanques. O transnacionalismo tem múltiplos significados que demarcam diversas perspectivas e assinalam campos de investigação muito distintos, que englobam em um espaço social transnacional “relações sociais que cruzam fronteiras, redes e fluxos de pessoas, ideias e informação, diásporas, reprodução de processos culturais em escala global, reconfiguração e expansão do capital a nível mundial e movimentos sociais que articulam o local e global” (Bohórquez-Montoya 2009, 276). Uma proposta que, sem dúvida, constitui um dos pontos fortes desta obra coletiva, que acaba por oferecer amplos temas de investigação, tratados por pesquisas profundas e de necessária complexidade, apresentando uma variedade de nuances que o tema, com seus intricados problemas históricos, exige.

Referências

ALEXANDER, Jeffrey C. “Vociferando contra o Iluminismo: a ideologia de Steve Bannon”. Sociologia e Antropologia Política, v. 08.03, (2018): 1009-1023. https://doi.org/10.1590/2238-38752018v8310

BOHÓRQUEZ-MONTOYA, Juan Pablo. “Transnacionalismo e historia transnacional del trabajo: hacia una síntesis teórica”. Papel Político, 1, n. 14 (2009): 273-301.

GALIMI, Valeria, e Annarita Gori, edit. Intellectuals In The Latin Space During The Era Of Fascism: Crossing Borders. London; New York: Routledge; Taylor and Francis Group, 2020. (Routledge Studies in Modern History). https://doi.org/10.4324/9781351057141

LÖWY, Michael. “Conservadorismo e extrema-direita na Europa e no Brasil”. Serviço Social e Sociedade, n. 124 (2015): 652-664. https://doi.org/10.1590/0101-6628.044

SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Fascismo. Em Dicionário Crítico do Pensamento da Direita: ideias, instituições e personagens, Francisco Carlos Teixeira da Silva, Sabrina Evangelista Medeiros, e Alexandre Martins Vianna, 170-184. Rio de Janeiro: FAPERJ; Mauad, 2000.

STERNHELL, Zeev, Mario Sznajder, e Maia Asheri, orgs. The birth of fascist ideology: from cultural rebellion to political revolution. Princeton: Princeton University Press, 1995.


Resenhista

Pedro Ivo Dias Tanagino – Doutor em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), com estágio de doutoramento (Junior Visiting Fellowship) no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL). Pesquisador em estágio de pósdoutoramento na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Bolsa P.E.P.G-PUCSP/PNPD-CAPES, Número do Processo: 88887.373072/2019-00. Projeto: 88882.463217/2019-01 – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). E-mail: [email protected]  https://orcid.org/0000-0003-1121-5472


Referências desta Resenha

GALIMI, Valeria; GORI, Annarita (Eds). Intellectuals In The Latin Space During The Era Of Fascism: Crossing Borders. London/New York: Routledge; Taylor and Francis Group, 2020. Routledge Studies in Modern History. Resenha de: TANAGINO, Pedro Ivo Dias. Latinidades autoritárias nos dois lados do Atlântico: uma proposta de estudos transnacionais das direitas no entreguerras por Valeria Galimi e Annarita Gori. Locus – Revista de História. Juiz de Fora, v.26, n.2, p. 490-494, 2020. Acessar publicação original [DR]

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