Kierkegaard: construção do estético – ADORNO (FU)

ADORNO, T. Kierkegaard: construção do estético. São Paulo: Editora da UNESP, 2010. Resenha de: SILVA, Elias Gomes da. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v.12, n.3, p.292-297, set./dez., 2011.

Este livro de Theodor W. Adorno surge no mercado editorial brasileiro como pressuposto e reconhecimento de que o autor alemão foi responsável por uma experiência intelectual cujos aportes teóricos são postos em um ambiente de fecundidade e fronteira (p. 7). Diversas obras foram publicadas sobre o pensamento de Sören Kierkegaard nas últimas décadas, inclusive muitas na América Latina. Estes textos, enquanto produções científicas, preferencialmente, são desenvolvidos a fim de estabelecer uma investigação pautada por uma postura plural, onde o que predomina em última instância é a tentativa de demonstrar a originalidade que compõe o entorno do complexo pensamento do autor. A tradução e publicação dessa obra de Adorno se comprometem com a maximização e atualização dos debates entre diversos pesquisadores no território nacional, tanto com aqueles que se propõem estudar a obra de Kierkegaard, como também com a comunidade adorniana como um todo.

Preliminarmente, a obra está estruturada e dividida em três partes principais (p. 11). Na primeira parte, o leitor se depara com a tese de habilitação de Adorno ao ensino superior na Universidade de Frankfurt am Main, detidamente elaborada entre os anos 1929 e 1930, contendo também as reestruturações estabelecidas pelo próprio Adorno e publicadas em 1933 nas quais o mesmo se propôs apresentar algumas pontuações sutilmente diferenciadas. Na segunda e terceira parte do livro, foram inseridos dois anexos, onde o autor pode demonstrar alguns apontamentos e novas formulações adquiridas ao longo de sua vida acadêmica e, sobretudo, em sua maturidade. Dentro dessa estruturação tripla, vejamos a primeira parte, cujo conjunto de textos é mais extenso.

Na primeira parte do livro, temos os seguintes capítulos: Exposição do estético, Constituição da interioridade, Explicação da interioridade, Conceito do existir, A lógica das “esferas”, Razão e sacrifício e Construção do estético.

No primeiro capítulo (Exposição do estético), Adorno tenta demonstrar a base que compõe a metodologia utilizada por Kierkegaard na exposição de seu pensamento. Em sua explicação, a autor alemão afirma ter encontrado o fio condutor que possibilita uma maior compreensão do filósofo dinamarquês. Para Adorno, ao lermos a obra de Kierkegaard, a primeira coisa de que precisamos para compreendê-la é distingui-la da poesia propriamente dita (p. 12). Os fundamentos que norteiam a filosofia de Kierkegaard não podem ser necessariamente os fundamentos poéticos (p. 12). Objetivando advogar essa ideia, Adorno afirma que, em sua obra, o próprio Kierkegaard teria renegado a ideia de ser confundido com um simples poeta (p. 12). Embora a obra do nórdico esteja carregada de elementos poéticos, os mesmos devem ser entendidos como metáforas, estratégia e alegorias, que visam a atingir uma espécie de telos superior (p. 41). Adorno nos alerta dizendo que não poderíamos desconsiderar “[…] a seriedade estratégica de Kierkegaard se pretendesse anular a dignidade da palavra pelo recurso psicológico aos pseudônimos” (p. 40). Haja vista que a exposição do estético em Kierkegaard possui relevâncias filosóficas significativas, cujas figuras estéticas devem ser pensadas apenas como metáforas, estratégicas e alegorias objetivando um telos, que não se limita a simples narrativas poéticas.

No segundo e no terceiro capítulos, Adorno fala sobre o tema da interioridade. O mesmo nos é apresentado de duas maneiras: a Constituição da interioridade e a Explicação da interioridade. No primeiro caso, predomina a tentativa do autor de demonstrar que, na obra de Kierkegaard, o conceito de interioridade está estabelecido a partir de sua concepção de antropologia teológica. Adorno afirma que, para Kierkegaard, a existência humana está sobreposta sobre a ideia de ter que decidir sobre a verdade e não verdade do simples pensar apenas pelo recurso racional da existência pensante (p. 65). Ou seja, nele a interioridade não visa necessariamente à determinação da subjetividade, e sim um postulado ontológico, tendo em vista que a mesma não aparece como teor da primeira, mas, sobretudo, como o seu palco. Pensar o conceito de interioridade em Kierkegaard é entender que as matrizes de sua constituição só podem ser de fato efetivadas onde se reconhece a alienação do sujeito e do objeto (p. 71). Dessa alienação nascem as críticas da interpretação de Adorno sobre Kierkegaard. Através de uma dialética imanente, a chamada interioridade sem objeto projeta-se para uma “ontologia transcendente” cujo ideal é: “O eu producente é o mesmo que o eu produzido” (p. 73). Em Kierkegaard, a subjetividade sem objeto é extremamente dolorosa. Trata-se de uma espécie de interioridade que chora a sua perda (p. 77). O curso desse processo é vivido e ocorre na situação ou intérieur.

Na Explicação da interioridade (terceiro capítulo), Adorno se dedica a demonstrar que, embora o conceito de interioridade em Kierkegaard se remeta a uma esfera privada e que supostamente estaria liberta do processo de coisificação, mesmo assim esta, por sua vez, pertenceria necessariamente a uma estrutura social específica, ainda que de forma polêmica (p. 113). Adorno faz uma crítica dizendo que, ao negar a questão social, o dinamarquês ficara à mercê de sua própria posição social (p. 114). Estabelecendo uma espécie de “leitura marxista” de Kierkegaard, o autor afirma que o mesmo possui características de um “pequeno burguês” (p. 115), tendo em vista que sua ética autônoma da pessoa absoluta prova em seus conteúdos sua relatividade à situação própria da classe burguesa. Assim, Adorno nos diz: “O si mesmo concreto é para Kierkegaard idêntico ao si mesmo burguês” (p. 117). Já na segunda parte do mesmo capítulo, o autor tece alguns apontamentos quanto à origem do espiritualismo de Kierkegaard. Essa tese espiritualista recebeu o nome de “corpo espiritual”, onde, de maneira metafórica, os elementos corporais aparecem sob o signo do “significado” entre a verdade e a não verdade do espírito (p. 122). Em Kierkegaard, as figuras corporais aprisionam o espírito na aparência da situação e do intérieur, fazendo com que Adorno reconheça o teor mítico como componente essencial na filosofia de Kierkegaard (p. 123). Os desdobramentos desses pressupostos podem esclarecer diversos outros temas, tais como: “a relação da interioridade sem objeto como ontologia oculta” (p. 134), “o esconjuro dialético do paradoxo da fé como interior que é incomensurável com o próprio exterior” (p. 135), “a determinação da subjetividade como indiferença em relação à história exterior cujo fundamento ocorre na melancolia” (p. 140), entre outros.

No quarto capítulo, temos a definição do conceito de existir. De todos os conceitos de Kierkegaard, o mais conhecido é o de existir (p. 157), o que em tese não significa fácil compreensão. A concepção de existir na filosofia kierkegaardiana se estabelece a partir de sua polêmica com o “cristianismo oficial”, o que para Adorno faz com que a mesma perca a sua atualidade radical, transformando-se numa espécie de “situação mental” para a qual instituição religiosa e a vida do indivíduo há tempos já saíram da dialética por meio da qual Kierkegaard as encontrou ligadas, embora ainda permanecendo como potências inimigas (p. 157). Assim, a pertinência e a atualidade radical do conceito só podem ser de fato preservadas, quando desvinculadas majoritariamente da dogmática positiva e das controvérsias com o protestantismo. A pergunta de Kierkegaard sobre a verdade parece ser mais atual e urgente, quando se remete à realidade da existência [Dasein] sem interferência da tese dogmática (p. 157). O grande legado do conceito de existir encontra-se na questão ontológica. Para Adorno, a questão pelo sentido do ser-aí [Dasein] é o que hoje mais se busca extrair da leitura de Kierkegaard. Todavia, a utilização do termo ontologia para o autor dinamarquês só pode ser entendida polemicamente, ou seja, como sinônimo de metafísica. Pois, nota-se que o “[…] ser-aí não pode ser compreendido como modo de ser, nem mesmo em sentido “aberto” [“erschlossen”] a si mesmo” (p. 158). O que interessa não é a construção de uma ontologia fundamental, mas sim o estabelecer de um movimento que deve conduzir o indivíduo a uma interioridade sem objeto, cujo comprometimento mítico destina-se à liberdade de encontrar uma verdade paradoxal (p. 164). O conceito de existência não é interpretado literalmente como ontologia; para Kierkegaard, o indivíduo não é capaz por si mesmo de reconhecer seu próprio eu. A existência precisa ser conquistada. Como se diz: “[…] ela conjura sem imagens, para apossar-se dele em pura espiritualidade” (p. 168). A conquista da existência só é possível em um ambiente mítico. A existencialidade em um ambiente mítico desemboca na doutrina kierkegaardiana do desespero (p. 185).

Adorno, no quinto capítulo, descreve e analisa a questão da lógica das “esferas”. Nesse sentido, pretende abordar aquilo que é chamado de os modos de existência. O filósofo alemão denomina os mesmos de “sistema da existência”, fazendo a seguinte ressalva: por mais cuidadoso que seja em evitar para essa teoria o título de sistema filosófico, Kierkegaard acabará por revelar seu caráter sistêmico, sobretudo ao utilizar a palavra “esquema” ao se referir à sua doutrina das esferas (p. 194), advogando essa ideia de sistema, Adorno faz uma comparação com Kant dizendo: “[…] com esse esquema, podemos nos orientar sem sermos perturbados” (p. 194). Ainda nesse mesmo capítulo, o autor analisa a questão da origem das esferas, o que para ele possuiria necessariamente caráter hierárquico. (p. 197). As três esferas da existência, a estética, a ética e a religiosa, têm como “lógica operacional” o elemento dialético, cuja mutação deve ocorrer preferencialmente através do salto (p. 211). A esfera estética é a dialética não dialética voltada para fora de si mesma, enquanto que a esfera ética é a dialética não dialética voltada para dentro de si mesma (p. 196). No que diz respeito à esfera religiosa, Adorno afirma que se trata de uma dimensão existencial cuja fundamentação dialética é determinada pelo paradoxo da dúvida, que é representada pela fé e pela ideia de vida santa, apostólica, tal como Kierkegaard polemicamente demonstra (p. 211).

Adorno termina a primeira parte do livro com os seus dois últimos capítulos, que são: Razão e sacrifício e Construção do estético. No primeiro caso, temos a tentativa adorniana de demonstrar o “autoaniquilamento do idealismo” na obra de Kierkegaard. A noção de autoaniquilamento do idealismo tem como principal expoente Hegel. Adorno afirma que se trata do método dialético, onde a totalidade é recebida a partir da dinâmica de conceitos abstratos, onde jamais se contemplam ou resultam fenômenos individuais (p. 233). É esse método que Kierkegaard pretende criticar. Porém, para Adorno, embora Kierkegaard tenha escarnecido incansavelmente de Hegel, o mesmo seria muito mais parecido com ele do que gostaria de pensar (p. 234). Por exemplo: os elementos da “resignação infinita” que compõem a filosofia de Kierkegaard; ainda que hipoteticamente tente excluir essa suposta totalidade, o mesmo acaba, sem perceber, remetendo-se a totalidade. Seria algo profundamente semelhante aos projetos de Feuerbach em seu “conceito iluminista de homem”, como também ao pensamento que Marx desenvolveu, sobretudo as categorias do valor de troca e da mercadoria, que também conservam por certo a memória de totalidade como quintessência do conjunto de ações de todos os fenômenos da sociedade capitalista (p. 234).

Na Construção do estético, o autor fala da presença persistente da melancolia, que mesmo diante de todos os outros estádios, se encontraria ainda nos últimos escritos de Kierkegaard (p. 270). Isso ocorreria, porque o dinamarquês estabilizou as bases de seu pensamento voltado para uma espécie de “sacrifício existencial” (p. 290), cuja melancolia teria a difícil tarefa de estabelecer a devida mediação. Por esse motivo, a existência humana para Kierkegaard é considerada trágica (p. 278). A interioridade sacrifical busca desejosamente a reconciliação consigo mesma e com Deus, ou seja, o projeto de reconciliação da existência só pode ocorrer mediante o uso da melancolia-mediadora (p. 278). Assim, a construção do estético em Kierkegaard está determinada pelo desejo da reconciliação. Todavia, na medida em que o projeto de reconciliação possui dimensões de caráter teológico-metafísico, a doutrina kierkegaardiana da arte ficará subordinada indiscutivelmente a esse telos. Dito isso, para Kierkegaard o estético é determinado por imagens efêmeras (p. 280), onde o sacrifício existencial não atinge conjuro subjetivo (p. 285). Na esfera estética, o pathos da subjetividade não pode se autoreconciliar. Trata-se daquela região da aparência dialética, onde a felicidade é prometida historicamente como a decomposição da existência (p. 285). Por outro lado, Adorno também reconhece a estratégia de Kierkegaard de valorizar a arte como método filosófico. A rigor: “Quanto mais arte mais interioridade” (p. 292). A comunicação kierkegaardiana tem como principal regra a construção de um pensamento subjetivo, onde o locutor tenta exigir do receptor a autonomia de poder atentar para a forma intersubjetiva da comunicação (p. 292).

Os dois anexos inseridos na última parte do livro realçam a obra. O primeiro deles, A doutrina kierkegaardiana do amor, é de 1940 (dez anos após a defesa de sua tese). Trata-se da conferência para teólogos e filósofos do círculo americano de Paul Tillich. Nela o autor teve a ocasião de posicionar-se mais precisamente na temática da religiosidade. Para Adorno, a essência da obra de Kierkegaard está direcionada ao processo vivo da fé, devendo inclusive ser compreendida a partir de sua principal tese de que a subjetividade é a verdade (p. 311). Do início ao fim, através dos estádios da existência, a filosofia de Kierkegaard é estruturada na tentativa de levar o leitor à dialética de uma verdade teológica. Não se trata do trabalho de um simples teórico, que, após ter encontrado, se propõe ensinar, sistematizando o caminho. Ou seja, de forma existencialmente trágica, Kierkegaard se propõe alcançar o crístico, sem que ele próprio, de algum modo, tenha alcançado primeiro, tendo em vista, que o mesmo não partilha do típico otimismo da filosofia idealista, de poder, a partir de si mesmo, chegar ao absoluto.

Adorno se propõe tecer algumas afirmações sobre As obras de amor, publicada em 1874. A primeira delas é que, em Kierkegaard, o amor só pode ser de fato cristão, quando é capaz de amar cada homem por amor a Deus e numa relação com Deus (p. 314). A prática do amor transforma-se na qualidade da pura interioridade. Adorno interpreta a concepção de amor em Kierkegaard como uma determinação abstrata e universal, o que torna o objeto do amor indiferente. As diferenças individuais e comportamentais dos homens são reduzidas a meras determinações. Para Adorno, o mandamento cristão do amor (na versão de Kierkegaard) não conhece nenhum objeto. Ele diz: “A substancialidade do amor carece de objeto” (p. 314). O amor deve ser uma ruptura com a natureza (p. 315) Tendo em vista a sua relação com Deus, o mesmo deve significar a ruptura dos impulsos próprios do imediato. Dito isso, a doutrina kierkegaardiana do amor possui caráter totalmente abstrato (p. 323). Assim, para o filósofo alemão Kierkegaard teria tomado de “empréstimo” características da burguesia, para desenvolver o seu conceito universal de homem, empurrando-as para o cristianismo (p. 323). Adorno também reconhece o lado demoníaco desse tipo de amor, sobretudo no exagero da transcendência que ameaça a cada instante transmudar-se em algo sombrio, da humilhação do espírito diante de Deus na nua e crua hybris, para ele provar sua própria onipotência criadora com onipotência do amor (p. 316-317), fazendo com isso nitidamente oposição à doutrina kierkegaardiana do amor, onde não é permitido questionar o sagrado, mas sim submeter-se (p. 326-327). A esperança que Kierkegaard deposita no amor não é, porém, outra coisa senão a realidade encarnada da redenção (p. 338).

Finalizando o livro, temos o anexo II: Kierkegaard outra vez. Adorno agora se concentra, sobretudo, nos abusos cometidos contra a obra de Kierkegaard, ressaltando seu lado não conformista (p. 15). Pronunciado em 1963, ano de comemoração dos 150 anos do nascimento de Kierkegaard, o texto possuiu seis tópicos. No primeiro deles, Adorno apresenta Kierkegaard como testemunha e discípulo da verdade (p. 339). Nesse sentido, o autor não teria, em hipótese alguma, a pretensão obsessiva de ser uma espécie de “mestre-fundador” de nenhuma nova escola filosófica. Ou seja, “[…] ter seguidores, fundar uma escola, eram temas de zombaria para quem se designava como indivíduo” (p. 341). Se Kierkegaard, durante toda a sua vida, combateu a objetivação da filosofia como sistema, que subtrai dela a experiência do indivíduo, conseqüentemente o mesmo teria se contraposto também a essa moderna tentativa de seus interpretes, de elevar a sua “teologia” ao status de positiva (p. 342).

Nos demais tópicos do anexo, Adorno continua a sair em defesa de Kierkegaard, principalmente contra alguns pastores e filósofos que, naquela ocasião na Alemanha, haviam se apropriado da filosofia de Kierkegaard com o pressuposto de um padroeiro ou de uma espécie de mestre-fundador (p. 343). Através dos trabalhos de tradução de Christoph Schrempf, Theodor Haecker, a obra de Kierkegaard se tornou uma espécie de estandarte do protestantismo, sobretudo nos trabalhos do teólogo Karl Barth. Por outro lado, tendo em vista as duas camadas (teológicofilosófica) que compõem a obra de Kierkegaard, em meados dos 1920 suas reflexões foram destacadas por Heidegger e Jaspers, sendo direcionadas para uma ontologia antropológica (p. 344), legando com isso a Kierkegaard os atributos de um filosófico clássico. Para Adorno, essa trajetória de “vitória” constitui-se uma espécie de inverdade, sobretudo em relação às máximas e aos conteúdos doutrinários do próprio Kierkegaard (p. 347).

Todavia, para consolidar essa tese, Adorno afirmou a necessidade de pensar a filosofia de Kierkegaard, sobretudo, a partir de sua relação com Hegel (p. 350), o que, de fato, não constitui uma relação feliz. Na verdade, para o alemão, a maior parte dos elementos que compõem a obra de Kierkegaard possuiu algum tipo de “relação-de-instância” nos trabalhos de Hegel. Os principais são: a dialética, a mediação, o salto, a interioridade (como consciência infeliz). Elementos esses que, segundo Adorno, não teriam sido interpretados corretamente pelo próprio Kierkegaard. No sistema de Hegel, a consciência infeliz está antes nesse meio-termo onde o pensar abstrato entra em contato com a singularidade da consciência como singularidade (p. 352). Desse modo, de maneira irônica, Adorno chega a dizer que Hegel teria derrotado seu inimigo mortal póstumo (Kierkegaard), ao inventá-lo profeticamente, a partir do movimento de sua própria filosofia (p. 353).

Desse fato resulta que, para Adorno, a tese fundamental de Kierkegaard – de que a verdade é a subjetividade – deve ser compreendida como algo de caráter idealista, embora reconhecendo que Kierkegaard tentou paralisar essa realidade, hipostasiando-a sob o nome de paradoxo. Também nisso ele permaneceria, ainda que às avessas, um discípulo de Hegel, visto que tinha restrições à lógica da não contradição (p. 354).

Poderíamos dizer que, nesse anexo, embora Adorno reconhecesse como grotesca a apropriação da filosofia de Kierkegaard como “espinha dorsal” de um novo sistema teológico ou filosófico, em hipótese alguma ele muda o seu discurso, mas conserva a sua principal característica, estabelecendo uma leitura de Kierkegaard polêmica e não convencional.

Elias Gomes da Silva – Universidade Federal de Ouro Preto. Ouro Preto, MG, Brasil. E-mail: [email protected]

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[DR]

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