Los Indios Medievales de Fray Pedro de Aguado: construcción del idólatra y escritura de la historia en una crónica del siglo XVI | Jaime Humberto Borj Gómez

Por que os indígenas seriam “medievais”? Logo no título de sua obra Borja Gómez introduz a noção de que a descrição do indígena realizada por europeus correspondia a critérios retóricos e a conceitos medievais. Baseando-se na Recopilación Historial do franciscano Pedro de Aguado, o autor critica a “tradição histórica contemporânea” que consolidou o estereótipo da conquista da América inserida na alvorada dos tempos modernos. Para Borja Gómez a idade moderna é uma “convenção” que pertence à experiência medieval: não se pode esquecer o sentido de continuidade que a cultura ocidental tem desde o século XII.

Essa noção de continuidade é ressaltada na análise das crônicas. Os relatos a respeito do Novo Mundo são comparados com expedições de franciscanos e comerciantes à Ásia e África nos séculos XII e XIII: “existe una línea que une las crónicas de las cruzadas, las narraciones de los comerciantes en Ásia y las crónicas de la conquista de América” (p. 5). O fato de Aguado ser um franciscano (Ordem estreitamente ligada aos descobrimentos) indicaria um dos “lugares” de onde o cronista escreve: “por ser franciscano llevaba sobre sí una tradición de tres siglos que relacionaba espiritualidad, viaje y escritura, lo que sitúa la crónica en una línea de continuidad con las narraciones que hicieron los franciscanos que viajaron a Mongolia” (p. 7).

Segundo o autor a narrativa de Aguado foi escolhida por ser considerada a primeira crônica da região (escrita no fim da década de 1570, teve problemas com a censura real e foi esquecida, sendo publicada apenas em 1906) e porque se constituiu em um “documento-monumento” sobre o qual se levantou boa parte das idéias das origens do Estado Nacional na Venezuela e Colômbia.

Em sua análise Borja Gómez se concentra em duas questões referentes à escrita no século XVI: o uso da retórica e o conceito de História. Após apontar duas formas de ler as crônicas (texto moderno que descreve hechos ou narração vinculada a experiências medievais) o autor indica seu interesse pela segunda, e censura os historiadores que abordam esses documentos desde seu paradigma positivista, buscando “verdades etnológicas” ao invés de abordá-los como “textos de cultura”. Borja Gómez indica que no século XVI a prática da História não era interpretada a partir de acontecimentos verídicos, mas sim da narração literária. Buscava-se, através de códigos conhecidos dos leitores, elaborar um discurso verossímil que alcançasse seu objetivo: ensinar. Neste período os ensinamentos morais se sobrepunham à noção de verdade no discurso histórico: “la narración no describía exactamente procesos políticos o históricos en el actual sentido del término, sino una reflexión moral que superditaba la concordancia de lo objetivo” (p. 69).

A partir desse conceito de História como Magistrae Vitae, Aguado vai buscando elementos que possam reforçar seus intentos: “Aguado aún permanecía bajo el gobierno de la palabra medieval, autoritaria y mágica por excelencia, que englobaba la realidad vivida, para hacerse ‘historia’. Por su intermedio, maestra de vida” (p. 210). Um dos elementos presentes na crônica é a utilização de citações da Bíblia e de clássicos greco-romanos que traziam maior credibilidade aos textos. Diferente da historiografia, que interpreta as fontes das obras do XVI como sinal de erudição ou anedotário, o frei as encarava como “provas” empregadas como recurso de amplificação da matéria retórica para persuadir o leitor. Dessa forma há uma aproximação na Recopilación entre: Nova Granada e a Terra Prometida, Lope de Aguirre e Átila, entre outros. Havia também a utilização de obras antigas como modelos de narração, por exemplo, a descrição das guerras na América baseadas na obra de Júlio César.

Aguado também se utilizou em sua construção retórica do Novo Mundo dos exempla: contos curtos e exemplares que fundiam elementos da hagiografia, de lendas e prodígios, cuja função era atrair a atenção do leitor, visando, de maneira simples, transmitir verdades unívocas a um público amplo. Era importante, mesmo que o relato narrado fosse fictício, sempre conservar seu caráter verossímil – que pudesse criar uma ilusão de coerência real ou se ajustasse a verdades lógicas. Borja Gómez divide os exempla em três tipos (todos presentes na obra do frei): histórico – ligado a personagens importantes; poético – literatura ou mitologia; verossímeis – tomados da vida cotidiana ou da natureza. Para o autor a utilização desse recurso retórico medieval já era evidenciada no próprio título da obra: a Recopilación insinua uma coletânea de relatos que funcionavam como exempla.

Devido à ligação da História com ensinamentos morais nas obras do século XVI, Aguado não apresenta uma imagem homogênea dos indígenas em seu texto. Existiam muitas imagens que se organizavam de acordo com as necessidades de amplificação e as intenções do autor. Dessa forma, a Recopilación Historial apresenta em sua primeira parte (Historia de la Nueva Granada) os índios que se revoltavam contra o Requerimiento como “déspotas”, entretanto, na segunda parte (Historia de Venezuela) essa revolta era justificada devido à falta de virtude dos europeus; a tirania, que no início estava relacionada com a idolatria dos nativos, no final da obra provinha dos europeus comandados por Lope de Aguirre: “quien supera con todas sus acciones a cualquier idólatra indígena” (p. 205).

Por fim Borja Gómez afirma que o verdadeiro triunfo da conquista da América foi a instauração de um imaginário. Através da utilização da arte retórica, Aguado e outros cronistas do século XVI criaram um “índioretórico”, que respondia a uma série de moldes pré-estabelecidos e a uma realidade textual – não apreendida pela experiência. No entanto, paradoxalmente, esse “índio-retórico” acabou se tornando um “índio-real”. Para o autor a historiografia continua lendo as crônicas do período com os princípios positivistas do século XIX, o que resultou numa “vitória da retórica”, no “éxito de la función moral de la descripción del índio” (p. 205) e na imposição de uma imagem dos nativos como “menores de edad” – repetida acriticamente por muitos até o início do século XXI.

Inserido no debate acerca do quanto de “indígena” é possível resgatar de uma crônica colonial, Borja Gómez – ao lado de outros autores como Walter Mignolo – aponta para um extremo negativo. Ao ressaltar os aspectos retóricos europeus o autor acaba, em certos momentos, anulando qualquer vestígio indígena nas crônicas coloniais, onde o “outro” é totalmente suprimido pela retórica. O que não significa que o oposto – crônicas como descrição real dos nativos – seja aceitável, sendo o espaço entre os pólos da retórica e do “retrato real” o local onde talvez se possa encontrar aspectos indígenas nas narrativas realizadas por europeus.

Luis Guilherme Assis Kalil – Mestrando em História Cultural pela Unicamp.


BORJA GÓMEZ, Jaime Humberto. Los Indios Medievales de Fray Pedro de Aguado: construcción del idólatra y escritura de la historia en una crónica del siglo XVI. Bogotá: CEJA, 2002. Resenha de: KALIL, Luis Guilherme Assis. Dimensões. Vitória, n.20, p. 271-274, 2008. Acessar publicação original [DR]

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