Macabéias da colônia: criptojudaísmo feminino na Bahia – ASSIS (PL)

Em 1497, os judeus portugueses foram convertidos à força e transformados em cristãos-novos. Apesar disto, uma considerável parcela destes, agora chamados, antigos judeus, continuou praticando e repassando os ensinamentos de seus antepassados às novas gerações, adotando comportamentos e práticas secretas. Porém, com a instauração do Tribunal do Santo Ofício, em Portugal, e a intensificação dos trabalhos inquisitoriais muitos deixaram o território português emigrando para as terras brasileiras. Assim sendo, durante a primeira visitação do Santo Ofício à América portuguesa entre 1591 e 1595 ganhou destaque o número de mulheres cristãs-novas acusadas de práticas judaicas. Isto sinaliza a intensa participação feminina na transmissão e propagação de um chamado judaísmo secreto. 2

Pesquisas sobre as mulheres constituem hoje uma área de estudos em franco desenvolvimento, merecendo a atenção de pesquisadores de diversos campos. Angelo Adriano Farias de Assis vem se dedicando ao estudo da mulher há alguns anos, já tendo diversos trabalhos acerca da temática, sendo de se destacar seu interesse pela participação feminina no criptojudaísmo, como guardiãs e propagadoras das leis mosaicas.

Além de Angelo Assis, Lina Gorenstein contribui de forma significativa para o estudo do criptojudaísmo no feminino, em sua tese de doutorado, por exemplo, analisa a atuação das cristãs-novas na perpetuação do judaísmo na América colonial. A autora busca compreender não só as trajetórias dessas cristãs-novas, mas também o ambiente social em que viviam em meio à perseguição empreendida pelo Santo Ofício. Para ela, os inquisidores consideravam as mulheres como um dos maiores perigos para a sociedade católica, uma vez que acreditavam que as tradições judaicas eram transmitidas as novas gerações pelo sangue, pela memória feminina e até mesmo pelo leite materno. 3

A obra Macabeias da colônia: criptojudaísmo feminino na Bahia de Angelo Adriano Farias de Assis apresenta ao leitor a importância da participação feminina no processo de resistência judaica na América portuguesa, apontando o papel das mulheres como guardiãs das leis mosaicas, mesmo que de forma limitada e improvisada devido às possibilidades vigentes. O livro é um guia para todos aqueles que se interessam ou tem curiosidades em descobrir os comportamentos religiosos dos cristãos-novos no Brasil colonial.

Angelo Adriano Farias de Assis é graduado em História pela Universidade Federal Fluminense, onde também obteve os títulos de mestre e doutor em História Social. Atualmente é professor Adjunto da Universidade Federal de Viçosa e membro da Cátedra de Estudos Sefarditas “Alberto Benveniste”, da Universidade de Lisboa. Tem experiência na área de História, com ênfase em História do Brasil Colônia, atuando principalmente nos seguintes temas: Inquisição no Brasil; Inquisição no mundo ibérico e colonial; religiões e religiosidades no mundo iberoamericano; criptojudaísmo; cristãos-novos; ensino de história; literatura, história e memória.

Ao resgatar a trajetória de uma família ilustre de cristãos-novos desde Portugal até Matoim, no Recôncavo da Bahia, o autor tem por objetivo analisar a importância feminina para a manutenção e sobrevivência judaica no mundo luso-brasileiro durante os séculos XVI e XVII, através do estudo dos processos movidos pelo Tribunal do Santo Ofício da Inquisição lisboeta contra a família Antunes, principalmente a matriarca Ana Rodrigues, suas filhas e netas, apontadas como macabeias, no Recôncavo baiano.

O livro compreende cinco partes, e nos capítulos iniciais, o autor faz um resgate histórico do tempo dos judeus em Portugal, apresentando uma breve discussão bibliográfica sobre o convívio destes com os cristãos velhos na península Ibérica, bem como dos motivos sobre sua forçada conversão ao cristianismo em 1497 no território português.

Por conseguinte, Angelo Assis revela as condições desfavoráveis do cotidiano da gente hebraica no reino português, rejeitados pelo catolicismo e pressionados pela sua origem maculada e pelos comportamentos tidos como desviantes. Eram, por exemplo, obrigados a viverem em judiarias, bairros onde habitavam os judeus portugueses segundo suas leis e mediante o pagamento de determinados tributos, com hora marcada de saída e entrada em suas habitações.

No livro, o autor evidencia as angústias e as tribulações vividas pelos judeus ao manter em segredo e cultivar a religião de seus antepassados no interior de seus lares. Pois, segundo ele, muitos dos antigos judeus, agora cristãos-novos, encontrariam formas variadas em intensidade e conteúdo, de continuar ocultamente a comungar a fé do coração, o que o autor denomina de criptojudaísmo.

Nos demais capítulos, através do esboço da biografia dos Antunes, o autor faz um trabalho etnográfico procurando apreender as relações das mulheres judias com a lei e como guardiãs da tradição mosaica, analisando, principalmente, o comportamento religioso da matriarca da família dos Antunes, Ana Rodrigues. Que ao desempenhar o seu papel de mãe, professora e rabi, educava seus filhos seguindo as orientações de seus antepassados, fazendo prevalecer e sobreviver às leis judaicas.

Para Angelo Assis, tanto a família Antunes, como outras judias, se refugiaram na América colonial por motivos óbvios: além de fugirem do poder esmagador do Santo Ofício, sofreriam menos preconceitos e perseguições, bem como de menores pressões sociais e religiosas por ser um local onde suas tradições eram pouco conhecidas. O território brasileiro era espaço privilegiado para a resistência criptojudaica, graças a uma relativa harmonia entre cristãos-velhos e novos.

Desta forma, o autor analisa os comportamentos considerados heréticos atribuídos à família Antunes, e os seus significados durante as denúncias e confissões na mesa do inquisidor. O autor conclui o livro mapeando a sociologia dos denunciantes, na procura dos reais motivos que impulsionaram as acusações contra a matriarca da família Ana Rodrigues e os Antunes. Além disso, com notícias sobre a visitação de 1618-21, quando o caso da matriarca e sua fama de judaizante seriam novamente lembrados e denunciados à mesa do visitador.

O livro é de linguagem fácil e compreensível. A divisão dos capítulos em tópicos facilita a leitura do leitor e possibilita uma melhor compreensão da obra. Face à estrutura dada aos capítulos eles podem servir de base para seminários em que a temática seja o papel da mulher no criptojudaísmo, bem como para estudos sobre o cotidiano e os comportamentos religiosos de cristãos-novos na América Portuguesa. O trabalho é repleto de bibliografias especializadas sobre a temática e de grande utilidade para pesquisadores da área.

Certamente, esta obra é de suma importância para todos os historiadores e amantes da história que se dedicam ao estudo do fenômeno criptojudeu no Brasil colonial, e mais especificadamente da participação feminina na propagação das doutrinas mosaicas, fazendo prevalecer às tradições de seus antepassados em uma terra desconhecida. O livro vem contribuir para o aprofundamento deste tema, abrindo novas possibilidades de leitura e descortinando novos cenários de investigação.

Notas

1 Integrante do Vivarium – Laboratório de Estudos da Antiguidade e do Medievo (Núcleo Nordeste)

2 ASSIS, Angelo Adriano Farias de. Macabéias da colônia: criptojudaísmo feminino na Bahia- séculos XVI-XVII (Tese de doutorado). Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2004

3 SILVA, Lina Gorenstein Ferreira da. O sangue que lhes corre nas veias: mulheres cristãs-novas no Rio de Janeiro, século XVIII (Tese de doutorado). São Paulo: USP, 1999.

Referência

ASSIS, Angelo Adriano Farias de. Macabéias da colônia: criptojudaísmo feminino na Bahia. São Paulo: Alameda, 2012.

Cassiano Celestino de Jesus1 –  Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected]


ASSIS, Angelo Adriano Farias de. Macabéias da colônia: criptojudaísmo feminino na Bahia. São Paulo: Alameda, 2012. Resenha de: JESUS, Cassiano Celestino de. O criptojudaísmo feminino no Nordeste açucareiro. Ponta de Lança, São Cristóvão, v.8, n. 14, p.89-92, abr/out, 2014. Acessar publicação original [DR]

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