Morte e Etnografia | Revista M. | 2022

Representacoes da Morte Morte
Representações da Morte | Imagem: AH Aventuras na História

O campo de estudos etnográficos sobre a morte conta com uma notável expansão nas últimas duas décadas. Isso tem possibilitado o aumento de conhecimento sobre os modos como os diferentes grupos sociais simbolizam e atribuem sentido à morte e ao morrer, revelando práticas, imaginários e processos sociais sobre os quais sabíamos pouco. Contudo, a expansão dos questionamentos não foi acompanhada por uma problematização acerca das formas de desenvolvimento dessas pesquisas, nem sobre os cuidados metodológicos em sua realização.

A etnografia, ferramenta metodológica utilizada por diversas disciplinas na atualidade, tem papel de destaque no estudo dos processos que envolvem a morte. A imersão durante um longo tempo na vida cotidiana das populações favorece a compreensão do caráter socialmente produzido em torno dos valores, discursos, práticas e representações sobre o tema, contribuindo, entre outras questões, para salientar o caráter difuso da distinção entre a morte – um dos poucos universais humanos – e a vida. Aliás, tem permitido dar atenção a questões chave contextuais no que concerne à interpretação de situações perpassadas pela morte. Deste modo, enquanto em alguns âmbitos, a profusão da palavra e de testemunho são significativas, em outros, o papel do silêncio permite entrever a presença de tabus ou de valores relevantes para a análise. Além disso, enquanto em certos contextos prima pela expressão pública de emoções frente à morte, em outros, a norma consiste na emergência de diversas modalidades de racionalização.

Por outro lado, a presença no campo transforma e altera os contextos sociais. O que nos propicia questionar acerca das relações estabelecidas com nossos interlocutores, das apropriações que eles podem fazer de nosso trabalho, das derivações que ele possa ter nesses contextos etc. Assim, é preciso considerar o modo como os pesquisadores podem ser afetados em sua tarefa de conduzir um trabalho etnográfico de longo prazo em um contexto particularmente difícil de lidar, no qual a morte é protagonista.

No âmbito dessas discussões, este dossiê questiona os vínculos entre a morte e a metodologia etnográfica. A seguir apresentamos os artigos e detalhamos os temas-chave desenvolvidos em cada um.

O dossiê é iniciado pela entrevista de Bárbara Martínez com Jacques Galinier, Diretor emérito de pesquisa no Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) da França, membro do Laboratoire d’Ethnologie et de Sociologie Comparative (LESC) da Université de Paris X-Nanterre. O antropólogo expõe notavelmente o modo como a experiência de vida se entrelaça com as maneiras de conceber e realizar etnografia. Contundentemente, a trajetória de seu trabalho de campo também ilustra as formas como o labor etnográfico modificouse na última metade do século XX e no início do XXI. A seguir, María Agustina Zeitlin e Laura Puga desenvolvem uma etnografia sobre os sentidos e as ações em relação às mortes na causa dos “crimes do franquismo”, tanto em Buenos Aires quanto em Tenerife. Em seu artigo, apresentam como as interpretações sobre a morte estão associadas com as narrativas da memória, impactando fortemente os atores envolvidos. Celeste Castiglione analisa as formas de relacionamento com os rituais mortuários dos migrantes na Argentina no século XIX, com especial atenção aos cemitérios de Azul, Ayacucho e Carlos Casares (província de Buenos Aires, Argentina). A análise incide sobre a relação entre os grupos migrantes, sua capacidade de ação em torno do ritual mortuário e o papel do Estado nestes processos. A seguir, Pieter Dennis Van Dalen Luna e Marita Pilar Marcelo Mellado analisam os rituais funerários, em uma comunidade do Perú, abordando como as interpretações sobre a morte e os rituais a ela vinculados se entrelaçam com as narrativas da memória. Finalmente, nosso artigo intitulado “A etnografia e a ética nos estudos sobre a morte e o morrer” efetua uma revisão das relações entre a morte e a Etnografia, a partir do final do século XIX, passando pelos primeiros manuais disciplinares e as etnografias sistemáticas dedicados ao tema como meio de analisar outras dimensões da vida cotidiana, até as etnografias sistemáticas sobre a morte, e a recente perspectiva dirigida ao problema da ética antropológica. Salientamos que o vínculo entre morte e etnografia está cada vez mais afetado pelo problema da ética na pesquisa e especificamos que, embora as investigações das últimas décadas levantem indagações acerca do papel do pesquisador no campo, as pesquisas se desenvolvem como um evento construído com os interlocutores. Ao mesmo tempo, está presente o questionamento sobre o perigo do extrativismo metodológico, uma vez que ainda persiste certo imaginário sobre a inocuidade da Etnografia, o que, em parte, é decorrente do privilégio da narrativa descritiva de resultados.

Este dossiê que enfoca o vínculo entre etnografia e morte apresenta artigos que abordam o estudo de contextos mortuários diversos. Interessa-nos reconstruir as diferentes maneiras como os pesquisadores abordam a metodologia etnográfica em torno da morte, as ferramentas que utilizam, as dificuldades no trabalho de campo e as formas de apresentação da morte.


Organizadores

Bárbara Betsabé Martínez – Doutora em Antropologia pela Universidade de Buenos Aires. Investigadora Assistente do CONICET, com sede no Instituto de Ciências Antropológicas da Universidade de Buenos Aires (ICA-UBA). CV: https://www.conicet.gov.ar/new_scp/detalle.php?keywords=&id=37030&datos_academicos=yes  ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6822-9608 E-mail: [email protected]

María Gabriela Irrazábal – Doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Buenos Aires. Investigadora adjunta do CONICET, com sede no Programa Sociedad, Cultura y Religión do Centro de Estudios e Investigaciones Laborales (CEIL). CV: https://www.conicet.gov.ar/new_scp/detalle.php?id=33584&datos_academicos=yes     ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1611-9084 E-mail:  [email protected]


Referências desta apresentação

MARTÍNEZ, Bárbara Betsabé; IRRAZÁBAL, María Gabriela. Apresentação. Revista M.- Rio de Janeiro, v. 7, n. 13, p. 5-7, jan./jun. 2022. Acessar publicação original [DR]

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