Motivation and narrative in Herodotus | Emily Baragwanath

Nos últimos anos é expressiva a quantidade de trabalhos publicados dedicados às Histórias de Heródoto. O empreendimento de Emily Baragwanath, intitulado Motivation and narrative in Herodotus (Motivação e narrativa em Heródoto), ainda sem tradução para o português, inserese nesta tendência de um “retorno” ao autor de Halicarnasso. Publicado pela série Oxford Classical Monographs, o estudo resulta da iniciativa da editora de publicação das eleitas melhores teses sobre literatura grega e latina, história e filosofia antiga da Universidade de Oxford.

A obra é composta de nove capítulos e um epílogo. Trata-se de um trabalho cujo desenvolvimento exige um cuidado especial no decorrer da leitura, pelo fato de o tema ser apresentado de forma um pouco densa. O leitor perceberá também a necessidade de uma razoável leitura prévia da obra de Heródoto e, por vezes, de algumas retomadas ao texto clássico para conferir a sequência das passagens. O principal elemento explorado pela autora é o fato de Heródoto utilizar-se de atribuições de motivação como estratégias narrativas nas Histórias. Heródoto, na concepção de Baragwanath, não busca estabelecer uma verdade absoluta, incontestável, para que seu leitor ou ouvinte receba as informações passivamente. Ao contrário, são essas estratégias narrativas que se apresentam como fator de estímulo para a intervenção do público no conteúdo de sua obra. Ao apresentar diferentes versões sobre os temas tratados, expor diferentes possibilidades de motivos, Heródoto convida seu público a tomar suas próprias decisões e construir suas respostas. Como já havia observado Catherine Darbo-Peschanski, Heródoto utiliza-se de diversos informantes na constituição de sua obra, os quais representam variadas versões que são apresentadas nas Histórias e que se somam às versões apresentadas pelo próprio autor. Tal ambiente de interação teria o efeito de “convidar” o público a manifestar-se. Por esse motivo, Darbo-Peschanski acaba por concluir que a obra de Heródoto é centrada na opinião (doxa, em grego) e, nesse sentido, parece haver uma convergência nas análises das duas autoras.

Sabemos muito pouco sobre o público dos historiadores gregos e, em especial, sobre o de Heródoto. Como apontou Arnaldo Momigliano, eles não tinham uma profissão definida; assim, torna-se tarefa difícil estabelecer com exatidão o grupo ou os grupos que constituíam sua audiência. Mas isso não significa que não seja possível estabelecer os contornos da relação entre o autor das Histórias e o público a que se destina. Com uma bibliografia rica e atualizada, Baragwanath procura preencher as lacunas existentes a respeito do triângulo autor-obra-leitor. Ao fazê-lo, demonstra preocupação particular sobre a figura do autor e a presença de sua autoridade, ao apresentar-se como o responsável por proporcionar material muitas vezes inédito e alimentando, pelo uso de suas habilidades narrativas, os questionamentos de seus contemporâneos.

Assim, Motivation and narrative possui o mérito de elucidar a questão referente à relação entre o sujeito produtor de uma obra e seu destinatário. Ao apresentar indícios do relacionamento entre Heródoto e o público de seu tempo, ao mostrar-nos as estratégias que o autor utiliza para motivá-los a tomarem posição no decorrer das Histórias, a autora nos propicia certa proximidade em relação ao momento da execução de sua obra. Ela valoriza a importante – mas tão relegada – questão das intenções do autor. Fazendo isso, contribui em nossa busca de compreensão de um mundo tão distante como a Grécia do século V a.C. Permite-nos certo progresso na tarefa de compreendermos o significado de obra de Heródoto para um público que naquele momento utilizava noções como democracia e isonomia, as quais remetem, evidentemente, à liberdade de se expressar e de tomar suas próprias posições. E não é por acaso que emerge do trabalho de Baragwanath um Heródoto que estimula seus leitores e ouvintes a tomarem suas posições. Seus apontamentos se apresentam como coerentes se pensarmos que o homem grego que tomava partido nos assuntos apresentados pelo historiador era o mesmo que tomava partido e defendia suas ideias na Assembleia, discutindo os assuntos de interesse da pólis.

Referências

DARBO-PESCHANSKI, Catherine. O discurso do particular: ensaio sobre a investigação de Heródoto. Brasília: Editora UnB, 1998.

MOMIGLIANO, Arnaldo. Gli storici del mondo classico e il loro pubblico: alcune indicazioni. In: La storiografia greca. Torino: Piccola Biblioteca Einaudi, 1982.


Resenhista

Tiago da Costa Guterres – Graduado em História pela Universidade Federal do Rio Grande. Mestrando em História na UFRGS. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

BARAGWANATH, Emily. Motivation and narrative in Herodotus. Oxford Classical Monographs. Oxford/New York: Oxford University Press, 2008. Resenha de: GUTERRES, Tiago da Costa. História Debates e Tendências. Passo Fundo, v. 9, n. 2, p. 445-446, jul./dez. 2009. Acessar publicação original [DR]

Deixe um Comentário

Você precisa fazer login para publicar um comentário.