Nas Américas, sobre as Américas: redes de conhecimento e circulação de ideias | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2010

Este número publica o dossiê “Nas Américas, sobre as Américas: redes de conhecimento e circulação de ideias”, composto por estudos de casos que analisam a conformação de processos de circulação do conhecimento entre diferentes espaços geográficos e sociais.

Ao abordar o tema da circulação em História, é fundamental abrir mão das discussões acirradas sobre a noção de “centro” e “periferia” – que, muitas vezes, de forma artificial, dividem o mundo – para dar maior ênfase aos mecanismos de comunicação mútua entre contextos nacionais diferentes, numa intricada rede internacional, desde os primeiros contatos entre os chamados Velho e Novo Mundo.

Nos últimos anos houve um aumento significativo da produção acadêmica acerca de temas que exploram as diversas formas de contato entre os continentes americanos e destes com outras partes do mundo, em diferentes momentos da História. São registros produzidos em vários formatos e para os mais distintos fins – imagens, textos, impressos ou não, relatos de viagens e produtos variados das expedições, notícias em jornais e revistas, impressões e opiniões intelectuais, correspondências pessoais e oficiais, experiências de vida, entre outros – que geraram complexo movimento e circulação de bens, pessoas, ideias e práticas.

Os textos que compõem o dossiê seguem essa perspectiva, com abordagens e temas bem variados, algo esperado em se tratando de proposta tão ampla. Mesmo assim, foi possível agrupá-los em três blocos. O primeiro deles versa sobre a conformação de redes na construção do conhecimento científico e sobre a circulação de conceitos científicos durante o século XIX. Santiago Galvis elabora interessante interpretação sobre a viagem de Alexander von Humboldt (1769-1859) pela Nova Espanha, destacando as redes sociais subjacentes ao fazer científico pretensamente universal e objetivo e que marcou a classificação de paisagens e sociedades distintas por onde Humboldt passou. Carla Viviane Paulino aborda a narrativa de viagem de Thomas Ewbank (1792-1870) para o Brasil, ocorrida na primeira metade do século XIX e que desvenda a circulação de concepções sobre a origem do homem e a relação das raças com o espaço geográfico daquele período. Alda Heizer apresenta um panorama sobre a participação dos países latino-americanos nas Exposições Universais do século XIX, enfatizando diferentes visões e percepções de como tais países eram recebidos nesses eventos e, ao mesmo tempo, procura contribuir para um novo olhar sobre a participação científica latino-americana, pouco referenciada nos estudos mais conhecidos sobre o tema das exposições.

O segundo conjunto de textos se volta mais para o papel que as revistas tiveram na reelaboração de conceitos e imagens sobre diversas realidades latino-americanas e que, ao mesmo tempo, funcionaram como espaço de crítica e renovação de ideais políticos em variados contextos históricos. Fernando Vale Castro analisa os conceitos de hegemonia e soberania na América Latina na Revista Americana, periódico do início do século XX, publicado pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Paulo Renato da Silva analisa o pensamento, a relação com os países europeus e a atuação de Victoria Ocampo (1890-1979) na revista Sur, na Argentina, como indício de um comprometimento com a realidade latino-americana. Cristiano Pinheiro de Paula Couto e Ana Lice Brancher analisam a apropriação do pensamento de José Enrique Rodó (1871-1917) e de Carlos Vaz Ferreira (1872-1959) na revista Cuadernos de Marcha fundada em 1967 em Montevidéu por Carlos Quijano (1900-1984). A influência da crítica cinematográfica francesa na conformação do Nuevo Cine Latinoamericano é objeto de reflexão no texto de Mariana Martins Villaça, a qual se baseia na análise das revistas Positif e Cahiers du Cinéma. O México está focalizado nos textos de Fábio da Silva Sousa e de Priscila Miraz de Freitas Grecco. O primeiro reporta-se ao interesse que a Revolução Mexicana suscitou entre intelectuais e políticos, tendo como base o periódico Regeneración e sua circulação entre os grupos anarquistas internacionais. Grecco analisa a contribuição de alguns intelectuais e leituras feitas por Octavio Paz (1914-1998) na elaboração da obra El labirinto de la soledad, em especial, sobre as noções de alteridade, solidão e o sentimento de inferioridade presentes na obra.

O tema da historiografia como representante de uma intricada rede de trocas intelectuais caracteriza o último bloco e poderá ser apreciado no texto de Marcos Sorrilha Pinheiro acerca da chamada “Nova Historiografia Peruana” que, à luz da obra de Alberto Flores Galindo, idealizava uma forma revolucionária de se fazer e conceber a História. Para finalizar o dossiê, há ainda a resenha crítica de Flávia Preto de Godoy Oliveira sobre a obra de Jorge Cañizares Esguerra “Como escribir la historia del Nuevo Mundo: historiografias, epistemologías e identidades en el mundo del Atlántico del siglo XVIII”.

Todos os textos são contribuições que nos colocam na roda-viva da circularidade, porque, como qualquer outra área do conhecimento, a História nutre uma constante troca de ideias, pensamentos, realidades e é nutrida por essa troca; e, apesar da variedade de tempos abordados, está profundamente enraizada nas inquietações de seu tempo presente. Como parte dessa roda-viva, destacamos o papel fundamental dos leitores críticos na seleção e observações enviadas aos autores. Agradecemos, em especial, aos membros do Conselho Editoral, Consultivo e aos pareceristas que colaboraram para a realização deste número da revista.

O dossiê reúne uma amostra dos novos caminhos trilhados atualmente pelos historiadores especializados em estudos sobre as Américas. Seguramente, a formação de redes e a circulação de saberes apontam para uma boa rota de análise a ser seguida.

Boa leitura a todos!


Organizadora

Marta de Almeida –  Editora.


Referências desta apresentação

ALMEIDA, Marta de. Apresentação. Revista Eletrônica da ANPHLAC, n. 9, 2010. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

Deixe um Comentário

Você precisa fazer login para publicar um comentário.