Perú y la Guerra Civil Española – CARRASCO (H-Unesp)

CARRASCO, Olga Muñoz. (Org.). Perú y la Guerra Civil Española. La voz de los intelectuales. Madrid: Calambur Editorial, 2013, 559 p. Resenha de: GONÇALVES, Marcos. História [Unesp] v.33 no.2 Franca July/Dec. 2014.

A coleção HGCE – Hispanoamérica y la Guerra Civil Española – consiste em uma série de estudos sob a direção geral do poeta e crítico literário britânico Niall Bins. Trata-se de uma recompilação de textos de época introduzidos por adensados comentários críticos sobre o impacto da Guerra Civil da Espanha entre os intelectuais da América hispânica. O Volume 3, ora apresentado, foi organizado por Olga Muñoz Carrasco, poetisa, professora e investigadora da Saint Louis University (Madrid Campus) e colaboradora honorária do Departamento de Literatura Hispanoamericana da Universidad Complutense de Madrid. Encontram-se publicados entre os anos de 2012 e 2013 quatro volumes da coleção: Equador (volume 1), Argentina (volume 2), Peru (volume 3) e Chile (volume 4), estando em fase de preparação o volume 5, alusivo a Cuba. Cada um deles reúne testemunhos que permitem conhecermos o panorama do campo intelectual do país em questão no período de 1936 e 1939, quando as disputas estavam concentradas na convivência entre as vicissitudes da política interna e as tensões geradas pelo drama da guerra espanhola. A coleção, ao aliar o diálogo entre as análises dos especialistas organizadores aos documentos selecionados, propõe uma compreensão sobre o termo “intelectual” no contexto altamente politizado e ideologicamente polarizado dos anos 1930, sem, contudo, prescindir de considerá-lo necessariamente elástico: “Para nuestra colección, “intelectual” es toda persona que participó con la palabra escrita en el debate de ideas sobre la guerra civil”. (p. 15).

A cuidadosa pesquisa de Muñoz Carrasco – desenvolvida em arquivos e bibliotecas das cidades de Lima e Madrid – constitui, assim, uma referência importante para os estudiosos da história intelectual iberoamericana, pelo menos, por duplo motivo. Primeiro, porque demarca os inevitáveis contrastes e níveis de engajamento dos intelectuais peruanos, cujas escolhas entre nacionalistas e republicanos na guerra da Espanha praticamente não admitiam recuos ou tergiversações. Segundo, porque os documentos que acompanham a obra proporcionam uma mirada sobre a representação que a elite pensante do país latino-americano construiu a partir de uma metáfora, fosse de natureza poética ou de conteúdos enunciados mais especificamente pela narrativa política: a metáfora do “espelho” traduziu o fenômeno da guerra em termos de identificação dos peruanos com a “madre patria”. Em outras palavras, o conflito não foi tratado como um acontecimento estranho ou exterior às sensibilidades políticas peruanas. Chegou a ser vivido como uma causa própria, ao aprofundar as divisões entre os intelectuais mais tradicionalistas – à direita do espectro político – e os de esquerda. Enquanto os primeiros viam na guerra a possibilidade real de acabar com o comunismo que ameaçava destruir a raiz católica do mundo hispânico, seus rivais defenderam uma ordem que designavam democrática pela qual também lutavam no Peru. Na parte inicial, uma indagação decisiva lançada às fontes atravessa o debate proposto por Muñoz Carrasco: como buscar uma Espanha que se projetava para além de suas fronteiras e de seu tempo; ou, como recuperar a origem comum entre a Iberoamérica e a mãe pátria dado que o presente de então somente as aproximava pela violência e terror compartilhados? É nessa perspectiva que a autora traçou similitudes entre as realidades históricas de Peru e Espanha, elaborando o quadro descritivo, a um só tempo amplo e preciso das atitudes e práticas que conduziam os intelectuais peruanos a caminhos incertos e antagônicos.

Segundo Carrasco, o contato entre os dois países havia sido mínimo durante quase todo o século XIX, desde que o Peru não manteve relações diplomáticas com a monarquia ibérica nos primeiros 50 anos de sua independência. Ainda que tenha se restabelecido a partir de 1879, escasseavam na relação demandas institucionais que permitissem o intercâmbio, e, em muitas ocasiões, iniciativas isoladas definiram a criação de espaços de diálogo como a Academia de la Lengua, a Academia Nacional de la Historia e a Sociedad Geográfica de Lima.

A situação passou por mudanças entre os anos 20 e 30 do século passado. Pouco a pouco foram se desfazendo as imagens negativas herdadas da época da independência, e nas celebrações do centenário da batalha de Ayacucho (1924) começaram a ser construídos novos laços culturais, evidenciados por expressivo número de livros e artigos dedicados à Espanha. A violência política e a turbulência social também foram marcas comuns no Peru e na Espanha, assim como outros pontos de contato, quanto à urgência de transformações estruturais, acentuavam o parentesco entre as duas sociedades:

[…] ambos países poseían élites políticas que buscaban un camino pacífico hacia la modernidad, habían heredado un sistema de distribución de tierra arcaico y mostraban diferencias dramaticas en el reparto de la riqueza. Por otro lado, tanto España como el Perú contaban con sectores económicos emergentes en la industria y el comercio, así como con una burguesía y un proletariado que, cada vez más, consideraban los modelos tradicionales obstáculos a sus aspiraciones. (CARRASCO, p. 33).

Se no Peru a proibição e o expurgo de movimentos políticos como a APRA de Victor Haya de la Torre se intensificaram com a ditadura de Óscar Benevides e com a ascensão do fascismo, na Espanha republicana muitos projetos que apontavam para a modernização da sociedade (laicização, reforma agrária, reforma trabalhista, etc.) tenderam ao fracasso diante da intransigência obstinada de fontes de poder social, como a Igreja, o Exército, os terratenentes e a influente FE – Falange Espanhola. Depois de 1935, a brecha aberta entre as duas Espanhas (republicana e nacionalista) também apareceu no Peru, ainda que sua relevância tenha sido menor do que em outros países latino-americanos, como Argentina, Chile ou México. A maioria de intelectuais peruanos contemporâneos da guerra civil firmou-se na identidade e na trajetória política e social do Peru para mostrar o que considerava a única possibilidade viável do momento: o apoio aos nacionalistas de Franco. A oposição a eles aconteceu não só por meio dos textos de viajantes eventuais, mas também de uma poética insurgente e de um periodismo de resistência que encontraram, ora na clandestinidade, ora no exílio de intelectuais pró-republicanos, os principais lugares de ressonância.

A travessia do estudo de Muñoz Carrasco para a documentação histórica confere ao volume sua circunstância determinante, porque é ali que são escutados os dilemas saídos das vozes dos intelectuais. Podemos indagar e, sobretudo, compreender a partir de um mínimo olhar sobre os manifestos: como se organizava o campo das disputas e, principalmente, de que modos o conflito espanhol afetava vidas, obras e compromissos políticos?

A linguagem tensionada nos revela, junto ao processo de degeneração da guerra, as mudanças que aconteceram na percepção dos indivíduos e o empenho em circunscrever o conflito num horizonte de compreensão. Dos manifestos hispanofóbicos de Alberto Hidalgo e seu grito ¡España no existe! – passando pela poesia de vanguarda de Magda Portal a verter sentimentos de amor e ódio (“Te odiaba España por tus frailes hipócritas y sombrios…”), chegando-se à defesa do fascismo em Víctor Andrés Belaúnde -, o volume é rico pelo contraditório que continuamente desperta. De um lado, tal exemplo pode ser rastreado na ação do escritor pró-republicano César Vallejo (1895-1938). Do seu desterro madrilenho em 1931, via com ceticismo os primeiros passos de uma República que, a seu juízo, “no hacía más que perpetuar las jerarquías de antes”; no entanto: “Cinco años después, en cambio, la radicalización de la República bajo el Frente Popular y la resistencia popular al levantamiento militar lo encandilarían”. (CARRASCO, p. 493).

Depois de várias manifestações do poeta em favor da República por meio de correspondências, artigos em jornais e periódicos, uma de suas últimas intervenções antes da morte no exílio parisiense de 1938 veio da participação no II Congreso Internacional de Escritores para Defensa de la Cultura, realizado em Madrid no mês de julho de 1937, quando a guerra civil espanhola completava o primeiro ano. No texto-discurso “La responsabilidad del escritor”, a comovedora argumentação de Vallejo parece reafirmar uma “vocação zolaiana”, se nos é permitida a expressão, para definir o papel do intelectual na defesa intransigente daqueles que percebe como oprimidos e negligenciados pelas mais variadas espécies de injustiças e tiranias:

Me refiero ahora al aspecto de la responsabilidad del escritor ante la Historia y, señaladamente, ante los momentos más graves de la Historia. Hablemos un poco de esa responsabilidad, porque creo que en este momento, más que nunca, los escritores libres están obligados a consustanciarse con el pueblo; a hacer llegar su inteligencia a la inteligencia del pueblo y romper esa barrera secular que existe… […] Camaradas: los pueblos iberoamericanos ven claramente en el pueblo español en armas una causa que les es tanto más común cuanto que se trata de una misma raza y, sobre todo, de una misma historia. […] la causa de la República Española es la causa del Perú, es la causa del mundo entero [y] los pueblos que han sufrido una represión, una dictadura, el dominio de las clases dominantes, poderosas, durante siglos y siglos, llegan por una aspiración extraordinaria a tener esta rapidez; porque un largo dolor, una larga opresión social, castigan y acrisolan el instinto de libertad del hombre en favor de la libertad del mundo hasta cristalizarse en actos, en acciones de libertad. (VALLEJO apud CARRASCO, p. 513-514).

Ao extremo de Vallejo encontra-se José de la Riva-Agüero (1885-1944). De raízes aristocráticas, Marquês de Montealegre de Aulestia, ele encarnava, segundo a análise de Jeffrey Klaiber (2008, p. 460-462), o pensamento integrista e nacionalista, também designado nacional-catolicismo. Riva-Agüero ingressou tarde no rebanho católico, porque em sua juventude e ainda como professor em San Marcos professava ideias liberais e positivistas. Em célebre discurso de 1932 diante de seus companheiros de promoção no colégio La Recoleta, formalmente renunciou a seu passado liberal e declarou-se católico, ao alegar seu distanciamento da religião como fruto de leituras imprudentes e atropeladas. (KLAIBER, p. 460). Para traduzir seus impulsos nacional-católicos do campo da retórica ao da ação efetiva, Riva-Agüero liderou, durante a guerra civil espanhola, campanhas de arrecadação de fundos e apoios para Franco: “yo soy el mayor contribuyente mensual para la Cruz Roja Nacionalista. Deseo que allá se enteren de que cumplo con mis deberes”. (RIVA-AGÜERO apud CARRASCO, p. 433). Foi precisamente sua lealdade ao franquismo que o levou a tecer elogios ao governo peruano quando este rompeu as relações com a República, reconhecendo, ao menos implicitamente, a vitória antecipada dos nacionalistas de Franco. A radical distinção entre os intelectuais aderentes a um lado e outro da contenda fica mais patente quando Muñoz Carrasco nos oferece um excerto de discurso pronunciado por Riva-Agüero na noite de 17 de junho de 1938, no banquete do Club Nacional de Lima em homenagem ao escritor e conselheiro da Falange Espanhola Eugenio Montes:

Con inmenso alivio de ánimo, hemos visto que el Gobierno de Perú ha roto al cabo y en definitiva las relaciones diplomáticas que, siquiera en protocolo y apariencia, lo ligaban a esa hechiza y nefasta España de los rojos, la cual durante un año no cesó de agraviarnos, hasta agotar nuestra paciencia tan sufrida; España roja que no es sino la rabiosa antítesis, la negación blasfema, execrable, de la genuina y bendita España tradicional; de la sustantiva, católica y duradera: la de nuestros antepasados, civilizadores y progenitores del Perú moderno. (RIVA-AGÜERO apud CARRASCO, p. 438).

Resultado de anos de investigação, o estudo de Muñoz Carrasco recupera textos pouco conhecidos de dezenas de intelectuais peruanos da época. Coloca-nos em contato com figuras centrais no panorama das letras e da política, cuja produção completa sobre a guerra civil é imprescindível registrar. Outra virtude do trabalho é que a variedade de materiais se apresenta, metodologicamente, dentro de um critério unificado quanto às tipologias de textos selecionados: a dimensão política do conflito se revela por meio de correspondências, poemas, discursos e artigos em jornais e periódicos que formam o cerne da produção intelectual peruana sobre a guerra civil. Junto à matriz propriamente política e ideológica das militâncias, quedamos surpreendidos pelo impacto pessoal e moral que emerge da ação de cada um dos envolvidos, cujas consequências, não raras vezes, podem estar além da ação das organizações. Resta ponderar sobre a atualidade do tema. Quando muito se discute a rarefação do indivíduo no campo da literatura e a evasão do sujeito da atividade política, ou quando as marcas tradicionais do engajamento são confrontadas pelo anonimato e a diluição, que parecem frustrar o próprio núcleo narrativo das experiências, o estudo de Carrasco restitui um debate que propõe repensarmos as grandes causas emancipacionistas, as vivências e representações sobre princípios e dilemas éticos.

Referências

CARRASCO, O. M. (Org.). Perú y la guerra civil española. La voz de los intelectuales. Madrid: Calambur Editorial, 2013. [ Links ]

KLAIBER, J. , S. J. Los intelectuales y la religión en el Perú. In: AGUIRRE, C.; McEVOY, C. (Eds.). Intelectuales y poder. Ensayos en torno a la república de las letras en el Perú e Hispanoamérica (ss. XVI-XX). Lima: Instituto Francés de Estudios Andinos, 2008, p. 457-477. [ Links ]

Marcos Gonçalves – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil. Contato: [email protected].

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