Plínio Salgado: Biografia Política (1895-1975) | João Fábio Bertonha

Joao Fabio Bertonha Imagem FacebookJornal Opcao

João Fábio Bertonha é um dos principais historiadores brasileiros especializado no estudo das experiências autoritárias no Brasil do século XX, especialmente no que se refere ao Integralismo Brasileiro. Seu último trabalho publicado, cuja presente resenha irá analisar, é a construção de um perfil biográfico do expoente máximo do Integralismo Brasileiro: Plínio Salgado. Apesar de associação imediata de Salgado com o Integralismo, Bertonha mostra ao leitor aspectos outros de sua trajetória. Além disso, traça paralelos importantes com o tempo no qual ele esteve inserido, o que ajuda a compreender melhor as transformações e escolhas feitas em diferentes momentos por Plínio Salgado ao longo de sua vida.

O livro foi divido em quatro partes, com 13 capítulos. Na primeira delas, composta por quatro capítulos, o autor se debruça no processo de formação de Plínio Salgado enquanto intelectual e sua inserção no mundo da política. A segunda parte, que vai dos capítulos 5 ao 8, focou na construção da AIB (Ação Integralista Brasileira) e a experiência de Salgado a frente do movimento até sua derrocada, após a tentativa frustrada de um golpe de Estado. Os capítulos 9, 10 e 11 compõe a terceira parte do livro e dizem respeito a fase de exílio de Plínio e sua família em Portugal; seu retorno ao Brasil após o fim do Estado Novo e seu retorno a vida política no período da redemocratização pós 1945. Por fim, a última parte do trabalho analisa o envolvimento de Salgado com o golpe de 1964 e com o governo ditatorial, seus últimos anos e a sobrevivência simbólica de Plínio Salgado.

O primeiro capítulo do livro traz informações sobre a infância e juventude de Plínio Salgado em São Bento do Sapucaí, interior de São Paulo. Em linha gerais, Bertonha não traz maiores discussões, mas aponta alguns elementos interessantes. Apesar da escassez de fontes sobre Salgado até o início de sua vida adulta em São Bento do Sapucaí, as datas e a maior parte das informações contidas nas memorialísticas integralistas e na biografia sobre o “Chefe Nacional” (produzida por sua filha) são, em linhas gerais, confiáveis. Contudo, esses materiais tendem a construir uma imagem de um predestinado. Tais narrativas sempre reafirmam seus valores nacionalistas e sua capacidade enquanto indivíduo preparado para assumir papeis de destaque e liderança.

O segundo capítulo do livro discorre sobre o envolvimento de Plínio Salgado com o Modernismo nos anos 1920. A mudança para a capital foi um marco importante na vida de Salgado, tanto do ponto de vista intelectual quanto do profissional. Em São Paulo, Plínio pôde desenvolver alguns temas sobre os quais já vinha se debruçando (como, por exemplo, pensar a questão nacional), ter contato com outras leituras, construir redes de sociabilidades importantes para sua consolidação no meio intelectual do período e, posteriormente, para a gênese da AIB. A experiência modernista de Plínio Salgado foi estudada por diferentes autores e suscitou debates interessantes. Para Bertonha, a despeito de algumas interpretações em contrário, Plínio Salgado foi um modernista. O historiador argumenta que tanto Plínio Salgado quanto outras figuras de destaque no movimento Verde-amarelo e no posterior grupo Anta (como, por exemplo, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo) estavam inseridos numa vertente do modernismo de matriz mais conservadora, cujas ideias giravam entorno da exaltação do campo e da natureza, locais onde estariam os verdadeiros valores nacionais. Apesar desse conservadorismo, o que justifica o caráter moderno de Salgado e dos outros seria a sua tentativa de construção de um novo mundo a partir do passado.

O terceiro capítulo, como explica o autor, é um complemento do anterior, mais centrado na atividade política e intelectual de Plínio Salgado nos anos vinte. As matérias para períodos a exemplo de seus textos na Correio Paulistano ou na revista Novíssima foram importantes para a circulação das ideias, não apenas suas, mas de seu grupo, os verde-amarelistas. A escrita foi instrumento importante para tornar Salgado mais conhecido, não só entre o meio intelectual, mas, principalmente, entre a elite política paulista. Apesar dos inúmeros artigos e textos em periódicos e revistas, foram os romances de Plínio Salgado que lhe conferiram reconhecimento possibilitando sua indicação pelo Partido Republicano Paulista, PRP, para um mandato de deputado na legislatura estadual em 1928. A atuação de Plínio enquanto deputado foi discreta. Muito disso, segundo Bertonha, se deveu ao próprio caráter de Salgado em buscar ascender dentro da ordem estabelecida e da estrutura vigente.

O quarto capítulo tratou da separação de Plínio em relação as Oligarquias paulistas. Sua visita a Itália, o breve encontro com Mussolini (articulado por seus contatos na comunidade Fascista em São Paulo) e a percepção, após a Revolução de 1930, de que a situação política não voltaria aos patamares anteriores abrindo assim novas possibilidades de inserção dentro do Estado o motivaram a buscar uma nova alternativa de ascensão ao poder. Os capítulos cinco, seis, sete e oito se debruçaram sobre o período mais retratado na historiografia a respeito de Plínio Salgado: a criação da Ação Integralista Brasileira; sua atuação durante os anos da década de 1930 e sua derrocada final com o fracasso de promover um golpe de Estado. Boa parte dessa discussão já foi bastante abordada pela historiografia, conforme salientou o autor, o que não resultou em maiores discussões para além daquelas já estabelecidas a tal respeito.

Na terceira parte do livro o autor faz uma discussão interessante de um período da vida de Plínio Salgado que não é tão conhecido por parte do grande público, sendo objeto de discussão por parte da historiografia mais especializada no estudo e na trajetória dos movimentos autoritários brasileiros. No capítulo nove, Bertonha analisa o período no qual Plínio Salgado esteve, junto de sua família, exilado em Portugal. Nessa fase observamos a retomada de sua atividade literária, data desse período a conclusão de “A vida de Jesus”, que alcançou relativo sucesso editorial, tanto em Portugal quanto no Brasil. Nesse meio tempo, Plínio Salgado se esforçou para reconfigurar sua imagem. Ele buscou desassociar sua figura dos grupos políticos da extrema, evitando maiores contatos em Portugal com aqueles que tinham afinidades intelectuais com o Integralismo brasileiro. Plínio passou a buscar tecer maiores relações com os círculos católicos portugueses e com a direita dita “tradicional”. Seu intuito foi se apresentar enquanto intelectual, partidário dos valores católicos e conservadores e não mais como expoente máximo de um movimento que compunha a família política do Fascismo. Importante destacar que Plínio Salgado não foi o único ex-simpatizante/integrante de movimentos de caráter fascista que “trilhou” tal caminho. Muitos antigos defensores dos fascismos acabaram, finda a Segunda Guerra Mundial, tendo a mesma atitude e número bastante expressivo deles veio a compor os partidos cristãos de direita formados no pós-guerra.

No décimo capítulo o autor vai se debruçar sobre as dificuldades enfrentadas por Plínio Salgado em relação ao seu passado recente, sobretudo na sua tentativa de reinserção vida política brasileira pós 1945. Aqui vemos que a estratégia construída por Plínio, durante o exílio, não convenceu de todo seus antigos opositores. As críticas a Salgado partiam tanto do espectro político mais à esquerda do período, que sempre traziam à tona sua relação de apoio e defesa do Fascismo (antes dele se tornar o expoente máximo do Integralismo no Brasil) e, portanto, era contraditória e falsa sua repentina defesa da democracia e de seus princípios. Por parte da direita, também houve menções neste sentido, mas as principais críticas a Salgado estiveram ligadas ao seu passado enquanto integrante do Partido Republicano Paulista (PRP) e sua relação com as oligarquias de São Paulo. Para tentar rebater as críticas de ambos os adversários, Plínio utilizou como estratégia uma releitura de sua própria trajetória. Ele buscou afirmar sua posição enquanto anticomunista, postura essa que novamente voltava ao debate público devido ao contexto da Guerra Fria, e de nacionalista e conservador. Além disso, tentou se aproximar dos círculos católicos brasileiros, na esperança de agora conseguir se afirmar como líder e porta-voz desse segmento social através da afirmação de que sempre fora um defensor convicto dos valores do catolicismo como forma de “guiar” a sociedade brasileira. Essa estratégia adotada servia tanto para atacar a esquerda quanto para angariar maiores simpatias pelos grupos políticos da direita naquele momento. De todo modo, ao longo desse período Plínio Salgado não conseguiu de todo livrar-se de seu passado integralista e, muito menos, ter a mesma projeção e destaque na vida política brasileira de então como ele teve durante a década de 1930.

No décimo primeiro capítulo, Fábio Bertonha centrou sua análise no processo de construção do Partido de Representação Popular, arquitetado por antigos apoiadores de Salgado durante sua fase integralista. O novo partido criado, segundo o autor, guardava semelhanças com a estrutura da AIB. O PRP possuía uma estrutura centralizada na qual todas as decisões relativas ao partido deveriam passar por Plínio Salgado, algo bastante similar a organização da Ação Integralista Brasileira. Além disso, a própria sigla do novo partido foi motivo de troça por parte de adversários, pois era a mesma do antigo partido de Salgado: o Partido Republicano Paulista, também PRP. Apesar de ter sido ferrenho opositor das práticas políticas oligárquicas e dos acertos entre políticos para a manutenção do status quo, foi justamente nisso que o Partido de Representação popular veio a se tornar. Os resultados eleitorais do partido não foram tão expressivos quanto Salgado ou seus correligionários queiram fazer a opinião pública acreditar em suas declarações, como ficou claro em sua disputa pela presidência no pleito de 1955. Salgado passou a negociar sua parca bancada para a composição de forças nos governos que se seguiam no período entre 1945 e 1964, segundo uma figura menor no campo político. Nos anos iniciais da década de 1960 observamos novamente Plínio Salgado no papel de conspirador: oficialmente Plínio e seu partido faziam parte da base governista do governo João Goulart, mas nos “bastidores” ele acabou se articulando com os grupos que derrubaram o então presidente e tomaram o poder em 1º de abril de 1964.

A quarta e última parte do livro trata do envolvimento de Plínio Salgado no contexto que levou ao golpe militar de 1964 e sua atuação no regime. O décimo segundo capítulo traz uma discussão interessante. Se durante a vigência do regime democrático, Plínio Salgado buscou de todas as formas renegar seu passado integralista, com o advento do golpe militar ele subitamente voltou a resgatar seu legado enquanto representante máximo da AIB. Tal mudança de atitude ocorreu, segundo Bertonha, pela presença de antigos integrantes da organização em postos do alto oficialato das Forças Armadas que participaram diretamente da deposição de Goulart e figuravam entre membros influentes do novo regime. Para o historiador, Salgado viu aí, muito provavelmente, sua última oportunidade em alcançar uma posição de destaque dentro da estrutura do Estado. Observamos Plínio fazer alusão a antigos integralistas que depuseram Goulart e sua campanha para dotar o novo regime de uma base ideológica, cujo único indivíduo capaz disso era ele mesmo. Entretanto, tal plano acabou sendo frustrado, pois apesar dos esforços despendidos, os antigos membros da AIB tinham um projeto de Estado próprio, não manifestaram interesse em destacar sua passagem pela Ação Integralista Brasileira e muito menos elegeram Plínio Salgado como o “guru” ideológico do novo governo.

Plínio Salgado teve de se conformar, mais uma vez, em assumir papel de pouco destaque na política, elegendo-se deputado por São Paulo através da ARENA e figurando entre os políticos da base governista do governo militar, conforme apontado por Bertonha no capítulo 13. Nessa fase final de sua vida, Plínio volta novamente parte de suas atenções as atividades intelectuais, escrevendo para jornais, publicando manuais escolares, alguns livros, fazendo exposições de gravuras e litografias, refletiu sobre momentos em que tomou parte como a Semana de Arte Moderna em 1922 ou a publicação do manifesto Integralista. Tais atividades fizeram parte de uma vida cada vez mais reservada, principalmente após sua saída da política em 1974. Em boa parte desses escritos, ele manteve elementos que lhe eram caros durante sua trajetória: o anticomunismo, a crítica a modernidade, defesa dos valores tradicionais, aspectos mais místicos de apreensão do mundo. Após a sua morte, em 1975, observou-se uma disputa em relação ao legado de sua memória pelos grupos remanescentes de integralistas e pelos denominados neointegralistas, ambos buscando se aproximar dos familiares de Salgado, com foi o caso de sua esposa, bastante requisitada por ambas as partes nas décadas de 1970 e 1980 e, posteriormente, sua filha nas décadas seguintes. Para além dos círculos mais estritamente integralistas, no campo da política nenhum partido de direita buscou algum tipo de aproximação com os “herdeiros” do Integralismo ou fazendo referências a figura de Plínio Salgado. O PRONA foi o único partido que esboçou maiores aproximações com as ideias Integralistas, mas conforme ressaltou Fábio Bertonha, isso se deu muito mais por pontuais convergências de agenda política em particular do que uma tentativa de trazer para si o legado Integralista.

De modo geral, o trabalho de Fábio Bertonha é um exercício prático e interessante de reflexão para historiadores e pesquisadores em relação a utilização das fontes para se tecer perfis biográficos de figuras históricas que ao longo de sua trajetória modificaram sua própria história de vida conforme as necessidades do momento e, após a sua morte, as produções memorialísticas a seu respeito seguiram caminhos semelhantes nesse sentido. Através da desconstrução da figura de Salgado vemos emergir o sujeito histórico agindo dentro das possibilidades disponíveis em diferentes períodos e conforme seus anseios e personalidade, tornando possível apreender outros momentos e aspectos de sua vida não tão conhecidos pelo grande público.


Resenhista

José Airton Ferreira Costa Junior – Universidade Estadual do Ceará


Referências desta resenha

BERTONHA, João Fábio. Plínio Salgado: Biografia Política (1895-1975). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2018. p. 408. Resenha de: COSTA JUNIOR, José Airton Ferreira. “Plínio Salgado em Diferentes atos”. Sertão História. Crato, v.1, n.1, 2022. Acessar publicação original.

Deixe um Comentário

Você precisa fazer login para publicar um comentário.