Plínio Salgado: Biografia Política (1895-1975) | João Fábio Bertonha

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João Fábio Bertonha é um dos principais historiadores brasileiros especializado no estudo das experiências autoritárias no Brasil do século XX, especialmente no que se refere ao Integralismo Brasileiro. Seu último trabalho publicado, cuja presente resenha irá analisar, é a construção de um perfil biográfico do expoente máximo do Integralismo Brasileiro: Plínio Salgado. Apesar de associação imediata de Salgado com o Integralismo, Bertonha mostra ao leitor aspectos outros de sua trajetória. Além disso, traça paralelos importantes com o tempo no qual ele esteve inserido, o que ajuda a compreender melhor as transformações e escolhas feitas em diferentes momentos por Plínio Salgado ao longo de sua vida.

O livro foi divido em quatro partes, com 13 capítulos. Na primeira delas, composta por quatro capítulos, o autor se debruça no processo de formação de Plínio Salgado enquanto intelectual e sua inserção no mundo da política. A segunda parte, que vai dos capítulos 5 ao 8, focou na construção da AIB (Ação Integralista Brasileira) e a experiência de Salgado a frente do movimento até sua derrocada, após a tentativa frustrada de um golpe de Estado. Os capítulos 9, 10 e 11 compõe a terceira parte do livro e dizem respeito a fase de exílio de Plínio e sua família em Portugal; seu retorno ao Brasil após o fim do Estado Novo e seu retorno a vida política no período da redemocratização pós 1945. Por fim, a última parte do trabalho analisa o envolvimento de Salgado com o golpe de 1964 e com o governo ditatorial, seus últimos anos e a sobrevivência simbólica de Plínio Salgado. Leia Mais

Coleção Atualidades Pedagógicas: do projeto político ao projeto editorial (1931-1981) | Maria Rita de Almeida Toledo

Do muito ou pouco que lemos sobre determinado assunto, sempre somos influenciados por uma biblioteca real ou imaginária que nos precedeu, o que vale para os livros que nunca lemos e que também fazem parte de nossa estante intelectual. Jorge Luis Borges (1899-1986) talvez seja o escritor que mais se debruçou sobre o tema das influências, das tradições e das traduções de leituras transformadas em metáforas da “babel literária” (PINTO, 1998). Tal assunto não é novidade para quem estuda a história das edições, dos livros, da leitura e dos leitores ou para quem lê com frequência a literatura de ficção, mas é absolutamente novo em determinadas prescrições de sala de aula para a formação de professores e de suas práticas, que ecoam leituras efetivamente realizadas ou meramente “copiadas” pela memória e pela imaginação. Leia Mais

Assim na Terra como no Céu…: Paganismo, Cristianismo, Senhores e Camponeses na Alta Idade Média Ibérica (Séculos IV-VIII) – BASTOS (PL)

O livro aqui resenhado é na realidade uma revisitação de Mário Jorge à sua tese de doutorado, defendida em 2003. Mário Jorge é atualmente professor associado do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense, onde atua também no programa de Pós-Graduação, e também pesquisador do “’Translatio Studii’ – Núcleo Dimensões do Medievo”, e do “Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas sobre Marx e o Marxismo – Seção Pré-Capitalismo (NIEP-Marx-PréK)”, os dois grupos de pesquisa sendo registrados no CNPq. Formado bacharel em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, também é Mestre e Doutor em História Social, pela Universidade Federal Fluminense e Universidade de São Paulo, respectivamente. Leia Mais

Plutarco e Roma: O mundo Grego no Império | Maria Aparecida de Oliveira Silva

Maria Aparecida de Oliveira Silva – historiadora ligada à Universidade de São Paulo (USP), pesquisadora no campo da História Clássica, língua e literatura da Grécia antiga, autora de outra obra sobre o autor em questão denominada Plutarco Historiador: Análise das Biografias Espartanas, de 2006, pela Edusp – expõe o papel de ligação e distanciamento entre as culturas grega e romana, desempenhado por Plutarco e sua obra, isto a partir de um extenso trabalho de doutoramento em História Social, desenvolvido entre 2003 e 2007, na Universidade de São Paulo. Trabalho este, amparado por amplas pesquisas em fontes primárias e correntes historiográficas. Assim, o livro Plutarco e Roma: o Mundo Grego no Império, de 2014, publicado pela Edusp, nasce como resultado da já citada pesquisa, abordando a forma como Plutarco (45 d.C. – 120 d.C.), um grego de Queronéia, trata a função da cultura grega e seus desdobramentos, durante o Principado, no Império Romano.

Entre os eixos em pauta, divididos em três partes, inicia-se, no capítulo I, a tratativa da relação entre Plutarco, Roma e os romanos; a partir da historiografia moderna, ressalta-se a conjuntura do período, a qual os gregos tinham um status positivamente diferenciado em relação a outros povos sob domínio romano. Desse modo, Plutarco surge com um discurso integrador entre ambos os povos, criando, principalmente em territórios helenizados, ou seja, em regiões a oriente do império, uma visão estabilizadora que converge para uma sociedade greco-romana. A autora, entretanto, observa o caráter de superiorização do pensamento e conceito de civilização grego em relação a Roma, perceptível na obra plutarquiana, como, também, a influência grega nas políticas imperiais e na questão identitária do império eram fundamentais . Por outro lado, a afirmação pode ser exagerada, pois a Prof.ª Maria Aparecida enfatiza, de modo perspicaz que “[…] outros povos também exerceram influência nas decisões tomadas pelo imperador” (p.41).

Ainda assim, a relação entre Grécia e Roma é tema de diversos estudos por parte de especialistas que pesquisam Plutarco. Não obstante, é comum a tais estudos acabarem por reforçar uma ideia de cooptação da elite grega, por parte do império, com o intuito de sustentar o poder romano por meio da intelectualidade local, , ponto relativizado pela autora. Porquanto, segundo ela, é improvável um processo de domínio cultural ter ocorrido sem alguma resistência.

Para compreender o pensamento plutarquiano é necessário ressaltar a questão literária, pois a importância de Plutarco se propagou pelo império por influência de sua obra, cujo acesso a sua literatura era possível, em especial, para a elite. Com efeito, os romanos estavam habituados desde o século III a. C. “[…] com temas e estilos literários dos gregos”. “Ainda que no primeiro século antes de nossa era a tradição literária grega tenha passado por uma época de rupturas […]”,manteve-se viva através da intelectualidade romana (p. 53). Essa manutenção da tradição literária, mesmo em período de afastamento oficial, permitiu um ressurgimento literário durante o principado, o qual foi chamado de Segunda Sofística, já que a primeira havia surgido há séculos, durante a Grécia clássica. O período, ainda, é colocado como a Renascença grega, isso porque intelectuais gregos encontraram um modo de evocar seu passado mesmo estando sob domínio romano.

Ainda sobre a Segunda Sofística, termo cunhado por Filóstrato décadas após a morte de Plutarco, a autora considera plausível reputar ao movimento certo exagero historiográfico e literário, pois tal enquadramento nasceu da necessidade de construir um conceito de continuidade nos acontecimentos históricos.

Silva expõe a ocorrência de um movimento de retorno à tradição literária grega, a Segunda Sofística, composta por um grupo de intelectuais, inclusive Plutarco, que convivia e participava da administração imperial acrescido o fato de possuírem, também, a cidadania romana. Assim, a literatura grega não seria apenas um modo de promover o conhecimento e a habilidade retórica helênica, mas principalmente para que Roma reconhecesse nos gregos a têmpera diferenciada, elemento imprescindível para a manutenção política e cultural romana. Desse modo, o povo desprovido “[…] (p.78), de pátria no sentido geográfico e político[…]”, poderia manter-se vivo por uma unidade consolidada em sua literatura.

A obra de Plutarco é analisada ou tida como […] uma manifestação cultural-identitária de um grego no império (p.79), revelando, assim, um sentimento de pertencimento ao período, outrora glorioso, da Grécia clássica.

Outra característica de Plutarco, apontada a partir do capítulo II, foi sua fundamentação da cultura grega em uma estrutura monolítica, na qual as variações se davam por diferenças de habilidades técnicas de cada cidade-estado. Por outro lado, as diferenças perceptíveis na variação geográfica grega – a Grécia ia além da Ática e do Peloponeso – eram relativizadas, sendo que identidade convergia para o plano linguístico-cultural.

Não obstante, a Grécia era parte do império e por mais que sua cultura estivesse presente no mundo romano, os gregos ainda estariam subordinados ao poder imperial. Nesse âmbito, Plutarco teria reestruturado a história de seu povo. Como colocado pela autora, a obra plutarquiana traça um paralelo entre a história grega e a romana, buscando pontos comuns em seus mitos fundadores, Teseu e Rômulo, ligando o último genealogicamente aos gregos. Também procura explicar a absorção do mundo grego por Roma e a maneira como os padrões helênicos ajudaram a construir a própria civilização nascida no Lácio. Assim, segundo Silva, Plutarco destaca que as duas civilizações estão em um nível à parte, no qual os gregos são a sabedoria do império e os romanos a força bruta e militar, relegando ao restante dos povos ligados a Roma um papel dispensável em termos contributivos. Haveria uma constituição cultural de povos irmãos, mas, discretamente, ressalta que os romanos não se aprofundavam em suas práticas como os gregos. Sintetizando, a autora traça, na página 130, o contexto acima citado como uma relação de proteção dos romanos das práticas culturais gregas, utilizando-as para fortalecer as suas tradições e organização, bem como para diferenciarem-se dos bárbaros presentes no império.

Ainda no capítulo II, como forma de demonstrar o verdadeiro motivo da derrocada grega, a autora cita a alusão de Plutarco sobre a Grécia clássica e as causas que levaram à sua fragilidade e dominação por parte de Roma. Dentre os fatores explicitados, ele aborda as guerras citadinas, tendo como expoente máximo o conflito do Peloponeso e a corrupção e suborno personificados na figura de Alcibíades. Porém, algo ainda mais grave no discurso plutarquiano é a não manutenção da tradição, principalmente no tocante à questão étnica, ligada ao discurso filosófico. Por ter um pensamento higienista e eugênico, ele considerava a participação de estrangeiros ou mestiços um risco à sociedade grega, e imputa a Alcibíades, um homem de linhagem desconhecida, a desgraça ateniense e espartana. Além de relacionar a origem desse líder grego ao seu desvio de caráter, segundo os preceitos plutarquianos regidos por normas amparadas na tradição, Silva destaca que “O julgamento moral que Plutarco induz o leitor a fazer é inevitável, pois ele usa a história para mostrar o quanto a recusa pela disciplina filosófica guia os homens para acontecimentos funestos” (p.170).

Para a autora, Plutarco é diacrônico, ou seja, busca entender os fatos históricos de acordo com a evolução dos mesmos. Com tal visão, desenvolve uma narrativa esclarecedora para todo o período clássico grego e seus conflitos até a conquista macedônica – partindo sempre da obra do pensador objeto central de seu livro e autores diversos que tratam sobre a temática –, chegando, por fim, ao “quadro de debilidade que surgem os romanos, fortes e vigorosos, a destruir e dominar a combalida Grécia” (p.199). Lembra, sempre, que o conceito de Grécia antiga não é baseado em um estado-nação e sim em cidades-estados agregadas em pequenas ligas que tinham em comum uma consistente matriz linguística, religiosa e cultural.

No capítulo III, ao tratar do mundo grego no império, Silva descreve o próprio conceito de Grécia antiga como uma criação moderna, ao passo que na Antiguidade a região consistia em várias cidades-estado agregadas em ligas. Embora haja essa fragmentação, o conceito de ser grego era existente, de modo que rechaça uma ideia bem difundida e defendida, inclusive, pela renomada Susan Alcock (1994), de que o triunfo romano teria criado a Grécia. “A noção de Grécia, portanto, não nasceu após a conquista romana; já havia entre os escritores gregos a necessidade de estabelecer traços característicos e distintivos dela.” (p.208).

Outro ponto que leva a distinguir as culturas em questão é o próprio início de uma realidade greco-romana, principiada no século III a. C., quando os gregos influenciam a organização institucional da Sicília e Magna Grécia com a adoção de um calendário comum, sistema de pesos e medidas e festas à moda grega, como descrito no terceiro capítulo. A autora sublinha tais elementos como alguns dos responsáveis pela familiaridade dos romanos com as práticas helênicas.

Em contrapartida, é destacado na pesquisa que os gregos que ocupam a antiga Grécia conservam suas práticas afastadas do modo de vida dos romanos, recusando-se a absorver algo do império. Um ponto interessante, pois a autora expõe que a maior ferramenta de helenização do império, por parte dos romanos, é o latim.

A dominação, porém, é relativa se analisada a partir de Plutarco, de modo que o mesmo aponta: “o quadro político romano não apenas expõe ao romano o que é ser grego, como ainda aponta o que há de grego nos romanos” (p.224).

Mesmo traçando paralelos diversos entre Grécia e Roma, como a analogia entre a Guerra do Peloponeso e as Guerras Púnicas, a obra plutarquiana também critica, mesmo que veladamente, o que a seu ver são distorções da sabedoria helênica, como o uso romano da geometria, destinado a construção de artefatos e máquinas bélicas. Ou então, ao evidenciar a dificuldade de Roma em aceitar o pensamento político grego ao mesmo tempo em que o exalta, como observado nas páginas 233 e 234.

Outra maneira, de se observar a resistência da cultura grega em pleno principado, apontada pela Prof.ª Maria Aparecida, é a manutenção do idioma em territórios helenizados, mesmo com a concessão de cidadania romana aos gregos.

Ao caminhar para o final do capítulo III, e consequentemente do livro, a autora destaca que Plutarco tenta demonstrar o quanto os romanos são devedores da filosofia e de Platão, pois ao buscar latinizar territórios conquistados, não se define um sistema pedagógico, além do mos maiorum, cabendo a paidea a responsabilidade de educação no império, em geral. Assim, a filosofia assumia no mediterrâneo, segundo a autora, um papel preponderante, coroado pela escola de Platão. Vale ressaltar que o próprio Plutarco convergia ideologicamente com Platão.

Em síntese, o desafio de Plutarco é relacionar-se com Roma sem comprometer sua identidade grega (p.289), ao passo que o ressurgir da tradição literária beneficiou os romanos que acabaram por encontrar em seus dominados a preservação de parte importante de sua memória. Assim, ao tratar da contribuição grega na formação de Roma, a autora ressalta o caráter híbrido na composição do próprio império romano.

Em relação ao livro de Maria Aparecida de Oliveira Silva, salienta-se, como considerações finais, o rico conteúdo que sua pesquisa sobre Plutarco traz à tona. A partir desta, vislumbra-se as relações que permeavam a multifacetada ligação entre romanos e gregos, isto a partir da percepção de um erudito grego, que além de ser cidadão romano, possui certo prestígio no império do qual sua terra natal depende política e economicamente. Para mais, é possível compreender como um povo sitiado foi capaz de manter sua cultura e influenciar os costumes de seu dominador de forma decisiva.

Ressalva-se que o período do Principado Romano é extenso e com muitas peculiaridades que vão além das relações entre Grécia e Roma, incluindo a participação de diversos povos com distintas condições culturais. Acrescenta-se a isso que a obra em questão é um estudo do discurso e do olhar de um grego sobre seu conquistador. O texto de Silva é cativante e insere o leitor no monumental legado helênico e na formação de uma matriz greco-romana na Antiguidade.

Hélio Gustavo da Silva Andrade – Formado em jornalismo pela Universidade do Oeste Paulista e aluno do curso de História e da especialização em História, Cultura e Poder na Universidade do Sagrado Coração, em Bauru/SP. Atua profissionalmente na área da educação em uma escola Waldorf.


SILVA, Maria Aparecida de Oliveira. Plutarco e Roma: O mundo Grego no Império. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2014. Resenha de: ANDRADE, Hélio Gustavo da Silva. Cadernos de Clio. Curitiba, v.7, n.1, p.139-147, 2016.  Acessar publicação original [DR]

Imagem e reflexo – religiosidade e monarquia no reino visigodo de Toledo (Séculos VI-VIII) | Ruy de Oliveira Andra de Filho

A Península Ibérica sempre ocupou dentro do mundo romano um espaço importante no tocante não apenas a sua localização, mas também como um dos mais ricos celeiros do Imperium. Com o fim político do Império Romano do Ocidente, a região, que, no passado, abrigou povos de etnias várias como lusitanos, iberos, celtas e celtiberos, vivenciaria até o século VIII a ocupação de seu território por dois povos de origem germânica, os quais para lá estenderam seus domínios após sua migração, a saber, suevos e visigodos. Estes últimos assentaram-se preferentemente na Hispânia romana, em um contexto sócio-histórico e religioso bastante peculiares. Exatamente sobre estas singularidades do mundo germânico em um território antes celta e romano debruça-se Ruy de Oliveira Andrade Filho.

Cada vez mais estudos historiográficos sobre a Alta Idade Média (ou Primeira Idade Média) [como queiram] realizados por pesquisadores brasileiros concentram-se sobre a movência, assentamento e contribuições de toda a ordem legados, apropriados, fundidos e refundidos pelo estrato populacional germânico no ocidente europeu. Vinícius Dreger, Mário Jorge Bastos, Leila Rodrigues da Silva, Renan Friguetto, apenas para citar alguns nomes, compõem esse espectro de investigadores. Caso nos ocupemos em especial com a Espanha medieval, o nome do professor da Universidade do Estado de São Paulo, citado no primeiro parágrafo, deve assomar como um dos principais e Imagem e reflexo – religiosidade e monarquia no reino visigodo de Toledo (Séculos VIVIII) preenche uma lacuna cronológica e historiográfica nesses estudos.

O medievista sintetiza em cinco capítulos e 253 páginas os acontecimentos sobre a relação Monarquia-Igreja presentes no desenvolvimento do reino visigodo de Toledo ao longo de três séculos e para alcançar este objetivo, divide seu trabalho em cinco capítulos teórico-práticos, nos quais expõe não apenas seu instrumental de trabalho e análise das fontes investigadas, como também seu vasto arcabouço teórico que subjaz as suas práticas de pesquisa.

No primeiro capítulo, “Uma Hispânia convertida?”, evidencia-se um levantamento crítico com opiniões de diversos renomados estudiosos acerca da extensão, penetração e aceitação do cristianismo na região, preferentemente entre os séculos IV e VIII. Ao lado da superstitio e das gentes que professavam o judaísmo e defendiam as heresias, assiste-se também a presença dos innumeri christiani (p. 40). O historiador aponta, com sólida erudição, as questões que perpassavam os citadinos de então, bem como a massa de camponeses, com suas visões e práticas muitas vezes diferenciadas da própria experiência cristã, em que escolhas (heresias) não ligadas à ortodoxia, como o caso do priscilianismo, também encontraram espaço de circulação dentro do território majoritariamente hispânico. Esse estado de coisas, assevera Ruy, serviu também como circunstâncias, nas quais as estruturas de Sippe visigodas foram lentamente sofrendo modificações em favor de uma monarquia consolidada. Para isso, a influência da Igreja e sua habilidade em amalgamar na imagem de unus Dei populus, unumque regnum, expressa no Terceiro Concílio de Toledo, foram fundamentais. O paulatino mas inexorável avanço do cristianismo sobre as práticas pagãs dos rustici fora aberto.

“Cultura e Religião no Reino de Toledo” é o título do segundo capítulo, no qual o binômio “cultura/religião” é abordado no reino de Toledo, porém até chegar no medievo, o autor elabora um percurso histórico dessa relação, iniciando sua viagem na Tardoantiguidade, mais precisamente, no século III, com a sacralização do poder imperial, reafirmado e remoldado a partir da implantação do cristianismo como religião oficial do império um século depois. Contudo, ainda sentia-se na Hispânia uma forte presença de traços pagãos dentre os senadores e os camponeses, o que, a posteriori, com o fortalecimento da monarquia dos visigodos e em especial após a conversão do rei Recaredo, ainda tenderia a se manifestar. Um fator que contribui sobremaneira para a difusão da religião “oficial” foi, sem dúvida, uma rede de “escolas episcopais, paroquiais e monásticas, cuja finalidade principal era … a formação de clérigos” (p. 80). Igreja e Monarquia apoiam-se mutuamente em Toledo, porém no tocante à saúde, física e d´alma, sente-se uma simbiose de práticas e costumes populares com a utilização de elementos cristãos, configurando uma união perene entre corpo/alma e lhe dando juízo de fé pública. Interessante notar que o historiador ressalta dois aspectos importantes nesse processo: o primeiro prende-se à conversão dos monarcas e de seu séquito mais próximo; já o segundo, a cristianização, ainda necessitava de uma implementação maior, pois o maravilhoso, o insólito, o estranho que fugiam à compreensão dos eclesiásticos ainda rodeavam e povoavam estratos significativos da população visigótica da Hispânia e de Toledo.

Nada mais justo, portanto, que o próximo capítulo “Religiosidade ou Religiosidades?” também apresentasse uma indagação como tema central. A questão do encontro entre modos de vivenciar o sagrado expresso pela dicotomia paganismo X cristianismo no território hispânico é debatida e o historiador aponta desde o início para o fato de que obras como os Capitula Martini ou o De correctione rusticorum, de Martinho de Braga, “não parecem estar dotadas de uma intenção apenas preventiva ou lutando contra lembranças residuais ou obscuras, ´meras impurezas´” (p. 103). Tais textos demonstrariam a coexistência de duas formas de religiosidade, uma oficial e outra ´popular`.

Para Ruy Andrade, o termo `religiosidade popular` situa-se na esfera de um embate que oporia o cristianismo, uma religião da cultura escrita, a um conjunto de crenças e práticas, que sobressaiu exatamente a partir da expansão dominadora do credo cristão, pois o estudioso defende para o período “a religiosidade como elemento catalisador dos descontentamentos, e não seu agente elaborador.” (p. 109) Portanto, vislumbrar-se-ia uma antinomia campo X cidade, em que o meio rural manteria tradições e expressões de religiosidade dissonantes daquelas das cidades, ligadas ao círculo real e de certa forma aliadas ao poder eclesiástico. Esta “cisão de fé”, se é que assim podemos denominar tal fenômeno no reino visigodo de Toledo, colocava em lados opostos a magia pagã e o milagre cristã, embora, afirma o historiador, questionando-se ao fim do capítulo, se é realmente possível falarmos de ´religiosidade popular´, na medida em que este termo parece englobar mais que simplesmente uma escolha ou prática não referendada pela Mater Ecclesia, revelando-se como um outro viés da religião do Cristo.

No próximo capítulo, “A Utopia Monárquica Visigoda”, discute-se a partir da conversão ao cristianismo dos visigodos do reino de Toledo ocorrida no ano 589 o projeto de referendo da organização monárquica do reino em consonância com a esfera religiosa, já que “A unidade política assentava-se, pois, na unidade religiosa.” (p. 132) A coesão política do reino atrelava-se agora ao apoio eclesiástico, que ensejava e ansiava por uma “utopia monárquica”, em que bispos e nobres visigóticos possuiriam papel de destaque nos assuntos régios em Toledo.

Para a realização em terra de um ideal cristocêntrico até o fim do reino visigótico de Toledo em 711, a Igreja lança mão da metáfora do corpus Christi para direcionar os papéis sociais de todos, reis e súditos, no céu e na terra com a intermediação dos clérigos, representantes do Criador entre os homens. Para o historiador, uma aliança é estabelecida, tanto em nível civil quanto em teológico, entre realeza e igreja, a ponto de, cita o pesquisador brasileiro, se chegar em certos momentos “à promulgação pelos reis da lex in confirmatione concilii” (p.142). A lei e a Lei fundem-se, e a consagração em Toledo do rei Wamba, em 672, é marco na história ocidental.

A sacralização da monarquia, as etapas, as funcionalidades e as características deste momento histórico descritas no capítulo IV somam-se agora no capítulo V, Religiosidade e Monarquia no Reino de Toledo os resultados visíveis e depreensíveis de tal processo. Partindo de Paulo e Isidoro de Sevilha ter-se-ia a divisão do homem em sua integralidade em três instâncias: “espírito/pneuma, que corresponderia à parte que estava reservada para a imortalidade; alma/psykhe, que animaria o corpo; e corpo/soma, [este último par apenas para Paulo] a parte degradável que desapareceria.” (p. 166) O historiador analisa com argúcia a inserção do homem – visigodo – dentro do plano cosmológico cristão, em que a teia cultural do cristianismo e suas expressões de religiosidade servem de base e de argamassa para ordenar o mundo, já que, como bem explica Ruy Andrade, “´Cosmo´, significando ordem, estrutura, mundo, universo, também é uma palavra entendida como ´caos´…” (p. 171), o que logicamente pressuporia a existência prévia de uma falta de coesão. As uerba Dei mostram, num mundo ordenado, as belezas da Criação e caberia ao homem ser o espelho deste ordenamento e deste encanto. A natureza deve se sujeitar ao melhor specimen forjado por Deus, a cidade é eleita o seu melhor abrigo, embora sobre a terra ainda pairasse o a possibilidade da sedição do Mal.

Tal perigo, que lembraria ao ser humano a presença do demônio, pode ser polarizado pelos binômios catolicismo/arianismo devido à associação ao Mal de reis visigodos que professavam a doutrina de Ário. Todavia, o rei cristão verdadeiro traria a salvação e a saúde ao seu povo, sendo ambos os termos derivados etimologicamente de salus. Enfim, o Homem e o Reino do plano divino ver-se-iam então personificados e revividos na figura do monarca e seu reino terrestre. Nesse momento entende-se o porquê do título Imagem e Reflexo, como bem sumariza o historiador: “É uma condição básica: a moldura do espelho não lhe distorce a imagem, confere-lhe uma forma.” (p. 192)

Em suma, lançando questões, propondo interpretações aos moldes de uma História Argumentativa, amparado em sólida bibliografia e em uma linguagem acessível a estudiosos e leigos, Ruy de Oliveira Andrade filho leva-nos ao reino visigodo de Toledo, em uma viagem que se encerra no “eterno retorno” do mundo germânico medieval à plasmação da Europa que em grande parte ora conhecemos e que cada vez mais é objeto de investigação de historiadores brasileiros.

Álvaro Alfredo Bragança Júnior – Departamento de línguas Anglo-Germânicas. E-mail: alvabrag@uol.com.br


FILHO, Ruy de Oliveira Andrade. Imagem e reflexo – religiosidade e monarquia no reino visigodo de Toledo (Séculos VI-VIII). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012. Resenha de: BRAGANÇA JÚNIOR, Álvaro Alfredo. Germanos na Espanha medieval – entre Reis e Deus (es). Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.13, n.1, p. 114-119, 2013. Acessar publicação original [DR]

Nação e Imaginação na Guerra do Pacífico | Laura Janina Hosiasson

As relações existentes entre o contexto de guerra e a produção de discursos nacionalistas inspiram as reflexões desenvolvidas no livro Nação e Imaginação na Guerra do Pacífico, de Laura Janina Hosiasson. A autora, que na atualidade está vinculada ao Departamento de Letras Modernas da Universidade de São Paulo (USP), tem se dedicado especialmente ao estudo da literatura hispano-americana. A sua publicação atual, resultante da pesquisa de doutoramento, reflete essa linha de investigação. O trabalho de Laura Hosiasson debruça-se sobre as narrativas nacionalistas produzidas a partir da experiência da Guerra do Pacífico. Este foi um conflito travado no hemisfério sul-americano entre os anos de 1879 e 1883, em que o Chile enfrentou uma aliança militar composta pela Bolívia e pelo Peru. Como ressalta a autora já na “Nota Introdutória”, as origens do conflito estavam diretamente associadas à disputa de territórios ricos em recursos naturais, notadamente o guano (dejetos de aves marinhas) e posteriormente o salitre. Estas substâncias se configuraram em mercadorias que representavam uma importante possibilidade de inserção de Estados recémformados –como eram os países latino-americanos– no mercado mundial. Da associação de causas nacionais a interesses econômicos internacionais (inclusive europeus) resultaram os mortíferos confrontos armados. Foi após esses enfrentamentos que se deu uma nova conformação de fronteiras, conformação esta que passou a privar os bolivianos de acesso ao mar, gerando profundos ressentimentos e divergências diplomáticas que se estendem até a atualidade. Pois partindo deste contexto histórico intenso e dramático, Laura Janina Hosiasson passa a desenvolver suas reflexões, trabalhando com a hipótese central de que “a literatura gerada pela Guerra do Pacífico está imbuída do objetivo de consolidar o conceito de nação nos três países envolvidos no conflito, sejam eles vitoriosos ou derrotados” (p. 32). Assim, elaborando suas análises a partir de obras consideradas literariamente secundárias ou mesmo menores, a autora estrutura o seu trabalho em quatro capítulos. Leia Mais

Imagem e Reflexo: Religiosidade e Monarquia no Reino Visigodo de Toledo (Séculos VI-VIII) | Ruy de Oliveira Andrade Filho

Com Imagem e Reflexo: Religiosidade e Monarquia no Reino Visigodo de Toledo (Séculos VI-VIII), São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012, de autoria de Ruy de Oliveira Andrade Filho, a Edusp presta-nos a nós medievalistas – e aos historiadores em geral – um grandioso serviço, fazendo renascer para a vida um dentre os milhares de exemplares de teses que, elaboradas com afinco e dedicação por estudiosos de programas de pós-graduação de todo o país, jazem condenadas a dormitar nas estantes empoeiradas dos recônditos das bibliotecas universitárias, fadadas ao silêncio e ao esquecimento.

Baseada em sua tese de doutorado,1 Imagem e Reflexo… dedica-se à análise das relações entre a(s) religiosidade(s) e a monarquia no reino visigodo da Hispânia, desde a conversão de Recaredo ao credo niceno, celebrada no III Concílio de Toledo, em 589, até a conquista muçulmana da Península Ibérica, em 711. Segundo o autor,2 o desfecho deste processo ocorreria no citado concílio, quando tem início a elaboração de uma teoria da realeza que, por seu turno, ficaria mais bem configurada na reunião seguinte, realizada no ano de 633. Leia Mais

O Desafio Biográfico – Escrever uma vida | François Dosse

– O historiador é capaz de fazer uma biografia?

Questão aparentemente simples, a julgar pela quantidade de produções biográficas das últimas décadas, muitas delas produzidas ou supervisionadas por historiadores. Todavia, esta mesma questão foi-me dirigida quando da defesa do meu projeto de pesquisa – uma das etapas do processo de seleção para o doutorado. Respondi de pronto e afirmativamente naquela ocasião, embora houvesse momentos de titubeação ao longo do projeto a ser “defendido” (o que, possivelmente, explica o motivo da indagação).

François Dosse, ao contrário, não titubearia frente à tal pergunta; não depois de ter escrito O Desafio Biográfico – Escrever uma vida, uma obra que contribui sobremaneira para o atual status que a empresa biográfica tem alcançado na academia. Conhecido no Brasil sobretudo pelas obras História do Estruturalismo e A História em Migalhas, este professor do Instituto Universitário de Formação de Professores de Créteil e do Instituo de Estudos Políticos de Paris que é Dosse não abre mão de seus posicionamentos acadêmicos ao construir um livro que poderia, à primeira vista, ser taxado “antologista” (suas fontes são, em sua maioria, biografias), mas que numa leitura mais atenta demonstra que seu autor acompanha (além de ser partícipe) das novas e sofisticadas discussões acerca da escrita biográfica.[1]

Localizar, aliás, esse atual status da biografia e contrapô-lo a outras formas sob as quais ela foi tomada pela academia é um dos grandes trunfos d’O Desafio Biográfico, muito embora a riqueza de tal estudo esteja justamente no alargamento que Dosse estabelece para o “ato de escrever uma vida” – que é múltiplo, trans- histórico e pode ser tomado como a construção de um perfil; de uma trajetória; de relatos de vida; de uma autobiografia ou de uma biografia psicológica; de biografemas ou de hagiografias; como a construção de uma biografia jornalística ou como um ensaio biográfico…

A palavra biografia, aliás, no moderno termo que hoje a tomamos, apareceu nos dicionários europeus somente no século XVII (!), o que só ratifica o seu “gênero híbrido”. Isto porque sabemos este “ato” remonta aos primórdios da humanidade e, mesmo se desconsiderarmos a tradição oral, encontraremos provas dele na Antiguidade (via Plutarco e suas “Vidas Paralelas”, por exemplo); na Idade Média (via hagiografias incensadas durante todo este período); na Modernidade (via perfis de heróis e dos “grandes homens” dos cursos de Moral e Cívica) e na Idade Contemporânea (via biografia de personalidades do mundo artístico) – só para continuarmos na eurocêntrica divisão quadripartite da História. Segundo François Dosse:

É hábito nosso distinguir dois gêneros: a biografia e o relato de uma vida. […] Da Antiguidade ao século XVII, seria a época do registro das Vidas, impondo-se depois, quando da ruptura moderna, a biografia. O que mudou, no fundo, foi o método de escolha dos grandes homens, dos sujeitos das biografias. [2]

Entretanto, mais do que definir suas diferentes nomeações, Dosse articula este “ato de escrever uma vida” às também diferentes “funções” que a biografia exerceu durante os séculos (e.g.: Historia Magistra Vitæ) e às diferentes interlocuções que ela manteve com as ciências humanas, de uma forma geral, e com a historiografia, em particular. Este panorama está representado pela divisão dos capítulos d’ O Desafio Biográfico: capítulo 2 (“A Idade Heroica”); [3] (“Biografia Modal”); [4] (“Idade Hermenêutica I – A unidade dominada pelo singular); [5] (“Idade Hermenêutica II – A pluralidade das identidades”) e capítulo [6] (“A biografia intelectual”).

Jogando a Rayuela de Cortázar, os leitores de língua portuguesa desta edição publicada pela Edusp em 2009 (no bojo do “Ano da França no Brasil”) podem perfeitamente pular o prólogo em que François Dosse apresenta um exaustivo panorama editorial, francês, daquilo que chamou de “febre biográfica” pois, a despeito da bem construída análise que envolve projetos editoriais, legitimação acadêmica e publicações biográficas, tal passagem pode desanimar um leitor que não esteja tão familiarizado com as especificidades daquele mercado a ponto de não considerar as disputas entre Fayard, Gallimard ou Flammarion mais do que simples informações de notas de rodapé (e não de 30 páginas, como o livro apresenta!).

Já a introdução e o primeiro capítulo (“A biografia – gênero impuro” ) fornecem excelente ponto de partida para distinguirmos as diferentes escritas biográficas e para associá-la à discussão assaz cara às ciências humanas e à historiografia: justamente a tensão entre verdade e ficção. Tais discussões serão aprofundadas nos demais capítulos, mas residem na introdução e no primeiro capítulo o “lugar de fala” de François Dosse – autor de uma obra de honestidade intelectual para com o estruturalismo (História do Estruturalismo), de algumas biografias intelectuais (sobre Michel de Certeau, o jesuíta-historiador autor de A invenção do cotidiano; e sobre o filósofo, também francês, Paul Ricœur) e de demais obras que dialogam íntima e muitas vezes criticamente com a sofisticação do conceito de verdade, da problematização do sujeito, das fontes e das múltiplas narrativas advindos com a Linguist Turn e com a 3ª Geração dos Annales, por exemplo. Todavia, especificamente com O Desafio Biográfico, Dosse avança justamente num ponto em que estruturalismo e pós-estruturalismo são muito próximos (extremos da ferradura?): a negação da biografia. Em suas palavras:

Hoje já se compreende bem que a História é um fazer levado a cabo pelo próprio historiador e, portanto, até certo ponto depende da ficção. Diga-se o mesmo do biógrafo, o qual ficcionaliza seu objeto e torna-o, por isso mesmo, inalcançável, apesar do efeito do vivido que com isto obtém. […] Em todos os domínios que dependem da transversalidade, a escrita biográfica dá um passo à frente, pois se estriba num entreleçamento de disciplinas que abre caminho para hipóteses não reducionistas.[3]

Não por acaso, residem nesta discussão entre ciências humanas (sobretudo a do século XX) e biografia o grosso das obras e dos autores analisados por François Dosse. Condensando no segundo capítulo (“A idade heroica”) toda a tradição da Historia Magistra Vitæ – que remonta da Antiguidade ao século XIX, mas que Dosse também encontra ecos na contemporaneidade, com as biografias do gênero “grandeza artística” –, O Desafio Biográfico reserva outros quatro capítulos para traçar uma espécie de história do ocaso, da “criptoexistência” e do ressurgimento do gênero biográfico frente à academia, ocorridos no último século. Isto porque, fora dos muros universitários – seja na França, seja no Brasil –, é ponto pacífico que a biografia nunca passou por grandes problemas de legitimação – e, consequentemente, de vendas.

Falar, portanto, de uma “volta” do gênero biográfico como atualmente se admite requer alguns poréns. Mesmo se conjugarmos esse “retorno” à academia (o que parece mais factível) é preciso considerar que mesmo em tempos de “déficit do sujeito” recorreu-se ao indivíduo para exprimir o quinhão demasiadamente humano de qualquer acontecimento histórico. Na “biografia modal”[4], por exemplo, em que “o singular se torna uma entrada no geral, revelando […] o comportamento médio das categorias sociais” e onde há uma verdadeira hipervalorização da estrutura frente ao indivíduo, François Dosse nos faz enxergar a presença de um gênero muito próximo à biografia, que é a prosopografia – grosso modo, e segundo o autor, “um gênero que tem por objeto reposicionar as características de um grupo esmiuçando as informações sobre todos os seus membros”[5].

Outro porém relacionado a esta “volta” da biografia (“boom”, “retorno”, “febre” são outras palavras utilizadas para descrever o fenômeno) reside em consideramos justamente seu caráter histórico, relacionando a atual legitimação conquistada junto a academia às transformações pelo qual este gênero passou nas últimas décadas. Nas palavras de Dosse, “o quadro monista, unitário da biografia foi desfeito, o espelho se quebrou para deixar aflorar mais facilmente a apreensão da unidade pela singularidade e, ao mesmo tempo, a pluralidade das identidades, o plural dos sentidos da vida”. [6]

Em outras palavras, tal legitimação está intimamente ligada ao trabalho de historiadores que avançaram no debate, em muito paralisante, da chamada “crise da história”, mas que também não abriram mão da sofisticação metodológica também fruto daquele debate, como é o caso de François Dosse.

Notas

1. A lista só tem crescido nos últimos anos, mas poderíamos citar o já clássico: BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: AMADO, J.; FERREIRA, M.M. (Orgs.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV Editora, 1996. O também traduzido: LORIGA, Sabrina. A biografia como problema. In: REVEL, Jacques (Org.). Jogos de escala: a experiência da microanálise. Trad. Dora Rocha. Rio de Janeiro: FGV Editora, 1998, p. 225-249. Além da coletânea: SCHMIDT, Benito B.; GOMES, Angela C. ( Org.) . Memórias e narrativas (auto)biográficas. Porto Alegre/ Rio de Janeiro: Editora da UFRGS/ Editora da FGV, 2009.

2. DOSSE, F. O Desafio Biográfico – Escrever uma vida. Trad.: Gilson César C. Souza. São Paulo: EdUSP, 2009, p. 12.

3. Id. Ibid., pp. 71 e 122.

4. Id. Ibid., p. 195.

5. Id. Ibid., p. 223.

6. Id. Ibid., p. 359.

Eduardo Gomes Silva –  Mestre em História pelo PPGH/UFF. Atualmente é doutorando em História pelo PPGH da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: edugomes_sc@yahoo.com.br


DOSSE, François. O Desafio Biográfico – Escrever uma vida. Trad. Gilson César C. Souza. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009. Resenha de: SILVA, Eduardo Gomes. A “volta” de um gênero híbrido e assaz historiográfico – Biografia. Cantareira. Niterói, n.15, jul./dez., 2011. Acessar publicação original [DR]

O desafio biográfico: escrever uma vida | François Dosse

François Dosse (1950- ) a partir de 1989 questiona radicalmente suas próprias concepções de história. Após a queda do muro de Berlim (e, com ele, o “socialismo real” e parte dos horizontes de expectativa do Ocidente), mais a descoberta da obra de Ricoeur, passa a perceber, nas ciências humanas, o social e o político segundo uma perspectiva hermenêutica e pragmática. Elemento mais ou menos ativo da geração de 1968, afirma que esta parece ter encontrado as ferramentas para exprimir aquilo que considera o ponto comum entre os que trabalham pela renovação nas ciências humanas: a vontade de fazer “sentido” (sem teleologia), o resgate da historicidade (sem historicismo) e o gosto pelo agir (sem ativismo). O novo paradigma próprio das ciências humanas permite, assim, repensar um novo horizonte de expectativas (DOSSE, 2004: 11-61).

Atualmente, portanto, a disciplina histórica parece se ressentir da necessidade da recomposição do sentido. François Dosse, após o estudo do vazio deixado pela crise dos grandes paradigmas (marxismo e estruturalismo) e a crítica dos Annales em A História em Migalhas (1987), fala em uma “virada historiográfica”: refere-se a um voltar-se dos historiadores a pensar, em diálogo com a filosofia, os conceitos de que se utiliza em sua operação profissional. A guinada hermenêutica e pragmática defende “a emergência de um espaço teórico próprio aos historiadores, reconciliados com seu nome próprio e a definição da operação histórica pela centralidade do humano, do ator, da ação” (DOSSE, 2004: 48).

Entre 1994 e 1997, Dosse trabalhou na elaboração da biografia intelectual de Paul Ricoeur. Paul Ricoeur: les sens d’une vie (ainda não traduzida para o português) é uma biografia intelectual situada na contramão das biografias tradicionais. Não busca uma história total, nem pretende solucionar mistérios psicológicos que ajudariam a compreender melhor a obra do filósofo. Dosse procede, ao contrário, a uma pesquisa plural dos diversos modos de apropriação do sujeito biografado. Deixa de lado a tradicional oposição entre verdadeiro e falso por uma busca constante de contextualização e recuperação das redes de sociabilidade intelectual. Abstém-se de qualquer pretensão de esgotar o significado de seu relato de vida para narrá-lo no plural, atento à recepção do biografado e de sua obra, sempre diversa, de acordo com o momento considerado. A biografia de Ricoeur está afeita, portanto, à maneira pela qual o próprio filósofo entende a construção de uma identidade pessoal, que se deixa observar através da pluralidade (DOSSE, 2009).

Em 2009, surge no cenário acadêmico brasileiro a tradução de Le Pari biographique: Écrire une vie, lançado na França em 2005. Publicado no Brasil pela Editora da Universidade de São Paulo (EDUSP), com apoio do Ministério Francês das Relações Exteriores, por ocasião do ano da França no Brasil, O desafio biográfico é uma história do gênero biográfico, desde Plutarco até a inflexão do gênero a partir dos anos 1980, de acordo com a guinada hermenêutica e pragmática referida anteriormente.

Neste estudo da evolução das biografia, Dosse diferencia três modalidades de abordagem biográfica: a idade heroica, a idade modal e, por fim, a idade hermenêutica: “se conseguirmos detectar uma evolução cronológica entre essas três idades, veremos claramente que os três tipos de tratamento da biografia podem combinar-se e aparecer no curso de um mesmo período” (DOSSE, 2009: 13).

De início, destaca o caráter híbrido do gênero biográfico, tensionado entre o viés científico e a aspiração à verdade e o elemento ficcional e uso da imaginação histórica no suprimento de carências documentais:

A dificuldade de classificá-lo numa disciplina organizada, a pulverização entre tentações contraditórias – como a vocação romanesca, a ânsia de erudição, a insistência num discurso moral exemplar – fizeram dele um subgênero há muito sujeito ao opróbrio e a um déficit de reflexão (DOSSE, 2009: 13).

Outro problema recorrente envolvendo a biografia é que “a ânsia de dar sentido, de refletir a heterogeneidade e a contingência de uma vida para criar uma unidade significativa e coerente traz em si boa dose de engodo e ilusão” (DOSSE, 2009: 14). Trata-se da “ilusão biográfica”, sobre a qual alertava o sociólogo Pierre Bourdieu, para quem a narrativa biográfica pressupõe que a vida constitui um conjunto coerente e orientado que pode e deve ser apreendido como expressão unitária (BOURDIEU, 1996). A crítica radical de Bourdieu à ilusão biográfica, através da qual inclusive afiança o sujeito como entidade não-pertinente, certamente despertou inúmeras interrogações. Dosse, em resposta, vai além ao asseverar, com Roger Dadoun, a necessidade dessa ilusão e a questão da opacidade entre biógrafo e biografado (DOSSE, 2009). Em consequência da empatia com o tema, o biógrafo acaba possuído e modificado pela relação que estabelece com seu biografado. Ancorado em Ricoeur, Dosse afirma que “a escrita biográfica está bem próxima do movimento em direção ao outro e da alteração do eu rumo à construção de um Si transformado em outro” (DOSSE, 2009: 14). Para se evitar os riscos do descrédito, o biografado deve expor com frequência os elementos componentes do “contrato de leitura” com seus leitores. O pacto biográfico distingue o trabalho de pesquisa da ficção pela verificação dos métodos e critérios de cientificidade. De todo modo, enfatiza a tensão do gênero como desafio ao defini-lo como “gênero impuro”: “O domínio da escrita biográfica tornou-se hoje um terreno propício à experimentação para o historiador apto a avaliar o caráter ambivalente da epistemologia de sua disciplina, apanhada na tensão entre seu polo científico e seu polo ficcional” (DOSSE, 2009: 18).

Na Idade heroica da biografia (da Antiguidade à época moderna, de acordo com as divisões perpetradas por Dosse), ela prestou-se ao discurso das virtudes e, como tal, erigiu modelos moralizantes: “inscreve-se, nesse longo período, no respeito absoluto a uma tradição” (DOSSE, 2009: 123). Na Antiguidade, a tradição dos valores heroicos; após a cristianização, os valores religiosos. Ambos têm por modelo as vidas exemplares.

Plutarco foi um dos maiores nomes do gênero biográfico da antiguidade clássica. Pelo modelo de seu trabalho foi que o gênero biográfico iniciou a sedimentação de sua especificidade. “O objetivo capital do projeto de Plutarco é revelar os traços de destaque de um caráter psicológico em sua ambivalência e complexidade, inaugurando assim o gênero da vida exemplar com tons moralizantes” (DOSSE, 2009: 127). No medievo, a hagiografia – gênero literário que privilegia as encarnações humanas do sagrado e ambiciona torná-las exemplares para o resto da humanidade – toma o lugar na direção das “vidas exemplares”. “A reforma gregoriana acompanhou uma mudança radical na natureza dessas hagiografias, que se transformaram para os clérigos em exemplos de vida, em modelos a imitar” (DOSSE, 2009: 144).

No século XIX, a biografia é vista como subgênero, um modo de escrita da história relegado ao plano auxiliar: “Se o século XIX aparece às vezes como a idade de ouro da biografia, isso acontece porque nos esquecemos de que ele é, acima de tudo, o século da história” (DOSSE, 2009: 171-2). Entre os séculos XIX e XX, a biografia sofre então um “demorado eclipse, porque o mergulho da história nas águas das ciências sociais, graças à escola dos Annales, […] contribuiu para a radicalização de seu desaparecimento em proveito das lógicas massificantes e quantificáveis” (DOSSE, 2009: 181).

Esse longo eclipse Dosse define como o tempo da Biografia modal. Neste segundo tempo da escrita biográfica (a que corresponde um momento histórico e uma forma de abordagem), pretende-se deslocar o foco de interesse da singularidade do indivíduo biografado para enxergá-lo como ilustração da coletividade. O contexto prevalece e o indivíduo é seu mero reflexo. Ou seja, “a biografia modal visa, por meio de uma figura específica, ao tipo idealizado que ela encarna” (DOSSE, 2009: 195). Um bom exemplo são as obras de Lucien Febvre sobre Rabelais e Lutero. “Quando Lucien Febvre escreve sobre Rabelais, não é tanto a singularidade deste último que o interessa, mas, sim, o aparelhamento mental de sua época” (DOSSE, 2009: 215).

Na Idade hermenêutica, dos tempos mais recentes e terceiro tempo da história do gênero biográfico, François Dosse ainda opera uma divisão: a unidade dominada pelo singular e a pluralidade das identidades. Na idade hermenêutica, de reflexividade, há uma verdadeira retomada do gênero biográfico e até mesmo uma febre editorial no mercado de biografias. Diversos estudiosos, de historiadores a antropólogos, após a queda dos paradigmas estruturantes, rompem com os interditos que cercavam a biografia, ao se lançarem às questões do sujeito e da subjetividade. Nas palavras de Dosse, “A intrusão do biográfico nas ciências sociais sacode alguns postulados “científicos” […], pois os relatos se situam num espaço entre a escrita e a leitura literárias ou entre escrita e leituras científicas” (DOSSE, 2009: 242). Insatisfeitos diante das realizações biográficas próximas dos tipos ideais ou animadas pela vontade de demonstrar alguma coisa a priori, os historiadores e demais cientistas sociais sentiramse atraídos, nos anos 1970/80, pelas teses da microstoria, que preconizou uma abordagem bem diversa. É o que Dosse chama de ideia do “excepcional normal”: “Em vez de partir do indivíduo médio ou típico de uma categoria socioprofissional, a microstoria […] ocupa-se de estudos de caso, de microcosmos, valorizando as situações-limite de crise” (DOSSE, 2009: 254).

Atualmente, na era da reflexividade hermenêutica, o campo de estudos biográficos tornou-se privilegiado como campo de experimentação para o historiador: “Os estudos atuais se caracterizam pela variação do enfoque analítico […]. O quadro unitário da biografia foi desfeito, o espelho se quebrou para deixar aflorar mais facilmente […] a pluralidade das identidades, o plural dos sentidos da vida” (DOSSE, 2009: 344). A heterocronia complexa sugerida pelas relações entre história e psicanálise questiona a todo momento as noções lineares tradicionais de sucessividade e sequencialidade e, assim, ajuda a evitar as ilusões biográficas. A linearidade da biografia tradicional é questionada, portanto, e até mesmo suas balisas temporais clássicas, a vida biológica e o ciclo de nascimento e morte. Há condicionamentos que se impõem ao indivíduo antes de nascer, bem como há metamorfoses do sentido de sua vida após seu desaparecimento.

A “biografia intelectual” visa ao estudo dos escritores, filósofos e homens de letras em geral: “por definição, o homem de ideias se deixa ler por suas publicações, não por seu cotidiano” (DOSSE, 2009: 361). Dosse salienta a importância da vida e obra serem retomadas em conjunto, porém, em seus respectivos recortes. Uma via original de abordagem do sujeito biografado não se reduz à via clássica da contextualização, mas é a busca da coerência de seu gesto singular. Defende o que o vínculo entre o existir e o pensar deve ser retomado a esta nova luz. A biografia intelectual se caracteriza pelo aspecto de abertura a interpretações distintas e inesgotáveis: considerando que o significado de uma vida nunca é unívoco, ela aponta a importância da recepção do sujeito biografado no tempo e pelos seus pares e leitores. François Dosse assevera ser impossível saturar o sentido de uma vida, que pode – e mesmo deve – ser constantemente reescrita.

A história, como a biografia, é constantemente reescrita, reinterpretada; não admite um conhecimento imediato, total, definitivo sobre o passado. Isso pela especificidade própria de seu objeto de conhecimento: as sociedades humanas e os homens em um processo temporal. O próprio conhecimento histórico constantemente se transforma, acompanhando as mudanças da história e da disciplina histórica. Não há, portanto, um passado fixo a ser extenuado pela história. As experiências e expectativas futuras alteram a compreensão do passado. Para Reinhardt Koselleck, conhecer um determinado contexto histórico é saber como, nele, se relacionaram as dimensões temporais do passado e do futuro (KOSELLECK, 2006). Na expressão de Dosse, “um diálogo sobre o passado aberto para o futuro, a ponto de se falar cada vez mais de futuro do passado” (DOSSE, 2009: 410).

Aberto ao devir, o regime de historicidade não se pretende mais fechado sobre si mesmo. O caso das pesquisas biográficas e as questões levantadas por Dosse no seu Desafio biográfico colocam em xeque as pretensões totalizantes de escrita da história, mesmo sobre a escrita da vida de um único indivíduo. A abordagem hermenêutica, reflexiva/interpretativa, opõe obstáculos aos determinismos e causalidades rigorosas. Humanizando-se, as ciências humanas despem-se de resquícios do modelo das ciências naturais. Destarte, o trabalho de François Dosse sobre o gênero biográfico é, também, uma verdadeira exposição e problematização dos aspectos mais recentes e complexos em que se confrontam as ciências humanas e a teoria da história. Em diálogo aberto com a filosofia, a história volta-se para o humano, ao sujeito e à ação. No seu centro, a noção de sentido (existencial).

Referências

AVELAR, A. S. A biografia como escrita da história: possibilidades, limites e tensões. Dimensões, Vitória, v.24, p. 157-72, 2010.

BOURDIEU, P. A ilusão biográfica. In: AMADO, J.; FERREIRA, M. M. (Orgs.) Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996, p. 183-191.

DOSSE, F. Ensaio de Ego-História: percurso de uma pesquisa. In: DOSSE, F. História e Ciências Sociais. Bauru, SP: EDUSC, 2004, p. 11-61.

KOSELLECK, R. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: PUC/Contraponto, 2006.

Raphael Guilherme de Carvalho – Mestrando em História Universidade Federal do Paraná. E-mail: raphaelguilherme09@hotmail.com


DOSSE, François. O desafio biográfico: escrever uma vida. Trad. Gilson César Cardoso de Souza. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009. Resenha de: CARVALHO, Raphael Guilherme de. Contraponto. Teresina, v.1, n.1, p.129-134, jan./dez. 2011. Acessar publicação original [DR]

O Desafio Biográfico: escrever uma vida | François Dosse

O historiador francês, François Dosse tornou-se reconhecido em seu meio como um analista da situação intelectual francesa no século XX e especialmente como crítico da chamada Nouvelle Histoire, ou também conhecida como terceira geração da Escola dos Annales. As concepções de Dosse a respeito dessas temáticas podem ser lidas em muitas de suas obras publicadas no Brasil, tais como: “A História em Migalhas: dos Annales à nova história” (1994), “História do Estruturalismo” (1994), “A História a prova do tempo: da história em migalhas ao resgate do sentido” (2001), “Império do Sentido: a humanização das ciências humanas” (2003), entre outras. Em seu “Desafio Biográfico: escrever uma vida” esses temas não deixaram de ter lugar, mas agora diluídos em outros objetivos, quais sejam: analisar historicamente as produções biográficas, inserindo as mais diferentes publicações em seus contextos de produção, verificar os momentos de maior ou menor intensidade na escrita de biografias e como o historiador profissional relacionou-se com o biográfico pelo menos durante o decorrer dos últimos dois séculos.

Dosse intenta construir uma espécie de panorama histórico das produções biográficas, demonstrando assim, as diferentes concepções a respeito dessa forma de escrita durante o tempo. Para tanto, recorre a uma divisão metodológica das biografias, traçada por ele próprio. Assim sendo, as primeiras obras datadas da antiguidade clássica até a modernidade passam a integrar a idade heróica. Posteriormente, as biografias produzidas durante o século XX, por suas características singulares são denominadas modais. E por fim, as biografias que expressam a heterogeneidade e a multiplicidade de identidades da contemporaneidade pertencem à era hermenêutica. Leia Mais

O Contencioso Brasil x Estados Unidos da Informática: uma análise sobre formulação da política exterior | Tullo Vigevani || Propriedade intelectual de setores emergentes: biotecnologia/ fármacos e informática | Marcelo Dias Varella

O objetivo do livro de Tullo Vigevani está colocado claramente pelo autor em sua introdução: estudar uma questão de grande relevância intrínseca para a inserção econômica internacional do Brasil – a disputa “informática”, na verdade uma disputa de poder, entre o Brasil e os Estados Unidos – e refletir sobre pontos fundamentais para as relações internacionais contemporâneas. Buscou o autor, com muita proficiência, “ampliar a compreensão de como são tomadas as decisões no Brasil no que se refere à política exterior”. Devo confessar, como acadêmico em tempo parcial e diplomata em tempo integral, que sempre me interroguei sobre a validade propriamente científica, a coerência argumentativa e a legitimidade heurística dos estudos tipicamente acadêmicos sobre mecanismos de tomada de decisão em política internacional e na política externa brasileira em particular. Os pesquisadores universitários geralmente partem de um modelo teórico e de um esquema conceitual muito bem construídos, passam a entrevistar diplomatas e outros atores relevantes numa análise de caso bem delimitado e terminam por tirar conclusões sobre a “eficácia weberiana” de seu tipo-ideal de processo decisório, no caso aplicado a um exemplo concreto das relações políticas entre as nações.

Os resultados costumam ser insatisfatórios ou frustrantes, seja porque o pesquisador parte de um modelo de racionalidade ideal de conduta diplomática que não costuma encontrar-se na realidade, seja porque os próprios atores racionalizam a posteriori sua atuação no caso, de molde a justificar os resultados alcançados, “que só poderiam ser” aqueles efetivamente obtidos. Como diriam os franceses, CQFD, ou seja, eis o que era preciso demonstrar. Não é o caso, devo logo adiantar, deste precioso estudo sobre mecanismos de decisão aplicados ao caso do contencioso informático entre o Brasil e seu principal parceiro ocidental, o império norte-americano da informática. Leia Mais

O Marquês de Paraná: inícios de uma carreira política num momento crítico da história da nacionalidade | Aldo Janotti

JANOTTI, Aldo. O Marquês de Paraná: inícios de uma carreira política num momento crítico da história da nacionalidade. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1990. Coleção reconquista do Brasil. 2.série, v.159. Resenha de: BARBOSA, Bartira Ferraz. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.15, n.1, p.225-227, jan./dez. 1994.

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