Pois temos touros: touradas no Brasil do século XIX | Victor Andrade de Melo

O livro “Pois temos touros: touradas no Brasil do século XIX”, publicado em 2017 pela editora 7 Letras, foi organizado pelo professor Doutor Victor Andrade de Melo – docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro, atuando nos Programas de Pós-Graduação em Educação e História Comparada; coordenador do Sport: Laboratório de História do Esporte e do Lazer; e Bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Reconhecido por suas pesquisas sobre as práticas físicas de cunho historiográfico, Victor Andrade de Melo junto de mais cinco pesquisadores publicaram a referida obra, dedicando-se exclusivamente às dinâmicas tauromáquicas. Constituído por oito capítulos, o livro analisado tem a intenção de auxiliar os leitores a entender as atividades realizadas com touros em algumas cidades brasileiras, na Península Ibérica e em Moçambique, focando em revelar apontamentos sobre as origens históricas e antropológicas das dinâmicas tauromáquicas em cada contexto investigado.

Nesse sentido, o primeiro capítulo, intitulado “Festas de touros na Península Ibérica: uma leitura sociológica”, foi escrito pelo Professor Luís Capucha, vinculado à Universidade de Lisboa, onde é pesquisador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia. Compreende-se que, nesse capítulo, o autor busca caracterizar como ocorriam os eventos tauromáquicos na Península Ibérica, explicando a maneira como os homens foram edificando uma relação com a tauromaquia, culminando no apreço pelas corridas de touros no século XVIII. Para isso, Capucha traça sua narrativa por meio de uma linha cronológica, dissertando desde as pinturas rupestres, sobre a mitologia grega, o império romano, até a disputa pelo território da Península Ibérica por mouros e cristãos. Esse último momento é descrito pelo autor como o palco da irradiação de atividades tauromáquicas, pelo fato de a região já se estruturar sob características citadinas, aspecto que facilitava a sua divulgação e organização. Nota-se que a autoria, ao tratar do campo da tauromaquia, compreende que a espetacularização dessas atividades foi consequência da modernidade na qual a região Ibérica se estabelecia. Para afirmar isso, Capucha sustentou-se nos estudos de Norbert Elias e Eric Dumming (1992) ao considerar que os divertimentos foram assumindo cada vez mais a forma de espetáculos civilizados. Capucha, ao descrever o processo de modernização/institucionalização das touradas, usa o conceito de “campo de relações sociais” de Bourdieu (1973) para a análise das práticas taurinas modernas, em que explica que tal processo envolveu lutas políticas, sociais, econômicas e simbólicas, gerando aos corpos dos toureiros certo capital social, em que estes se materializavam na sociedade como especialistas da tauromaquia. É pertinente mencionar que, para a construção de suas análises, Capucha não utilizou qualquer material empírico, sustentando suas ideias apenas com base em outros textos produzidos sobre o assunto, fato que parece deixar o texto frágil quando comparado aos capítulos seguintes, que apresentam fontes. Destaca-se, ainda, que foi evidente o interesse da autoria em se ater ao território português, o que acaba limitando uma visão mais detalhada em relação aos acontecimentos de toda a Península Ibérica.

Já o segundo, terceiro e quarto capítulos são de autoria de Victor Andrade de Melo. As pesquisas apresentadas pelo autor tratam especificamente das touradas no Rio de Janeiro, no Brasil, desde o período colonial até a segunda metade do século XIX. Desse modo, o segundo capítulo, intitulado “As touradas nas festividades reais do Rio de Janeiro colonial4”, é construído a partir de escritos jornalísticos e correspondências particulares do período em tela. Melo, no referido texto, buscou discutir sobre as touradas em meio às festividades reais promovidas no Brasil colonial. Observa-se, ainda, no segundo capítulo o objetivo por parte da autoria de debater sobre as touradas como uma prática marcante na programação dos eventos reais do Rio de Janeiro colonial, analisando os espaços, os símbolos que a rodeavam e a sua organização. Para tal, o autor debruçou-se sobre as corridas de touros promovidas na capital carioca a partir da investigação de três períodos: as touradas antes da chegada da família real, que eram esparsas e comumente relacionadas a festividades, como casamentos e aniversários de indivíduos lusitanos; as touradas após a chegada da família real, em que as dinâmicas tauromáquicas se tornavam mais frequentes, no entanto sempre relacionadas a festividades específicas e com intuito marcadamente relativo a uma manutenção de preceitos gestuais e tradições dos portugueses, em certa tentativa de evidenciar que no Brasil os portugueses detinham de costumes idênticos aos realizados em Portugal; por fim, o terceiro período das touradas cariocas abordado trata das festividades nas vésperas da independência do Brasil junto ao retorno português a seu país de origem, em que as festividades ligadas aos traços exclusivamente do colonizador começaram a enfraquecer, afinal o país começava uma caminhada rumo à estruturação política, social e cultural singular, cujos costumes do antigo povoado já não eram sinônimos de qualidade. Além disso, nota-se que o autor busca findar o segundo capítulo ressaltando a necessidade de perceber o sentido central das práticas festivas com touros naquele momento no Rio de Janeiro, fato que parece estar atrelado diretamente aos símbolos gestuais vinculados a uma lealdade e dominação advinda de Portugal.

“Pois temos touros? As touradas no Rio de Janeiro do século XIX (1840-1852)5” é o título do terceiro capítulo. Aqui a atenção de Melo foi dirigida para as touradas no Rio de Janeiro, que se fortaleciam como centro irradiador de gestualidades civilizadas, em que todos e quaisquer gestos precisavam aderir tais aspectos comportamentais. Constata-se o propósito do autor em discutir a prática das corridas de touros por meio da ótica de diferentes questões do Rio de Janeiro entre 1840 e 1852, como as tensões relativas à ocupação ao espaço público e os debates relacionados à adesão ao ideário de modernidade. Para tanto, a autoria apoiou-se em fontes jornalísticas publicadas na cidade no período. Para a composição da escrita do capítulo, Victor Melo se restringe a uma narrativa apoiada na temporalidade da pesquisa, detalhando as fontes e dialogando com os escritos de Holt (1989) e Schwarcz (1998) para contextualizar as metamorfoses e os desejos urbanísticos que irradiavam na Europa e, posteriormente, no Brasil. Argumenta a autoria que as touradas, nesse momento, passavam por altos e baixos, afinal ora esses divertimentos populares eram vistos como marginais e violentos, pois ainda eram vinculados a espaços rústicos/rurais da cidade, e outrora buscavam mecanismos para se institucionalizar, como no ramo teatral, que trazia às dinâmicas um ar regrado, controlado e, principalmente, com espaços públicos apropriados para a atividade. Essa estratégia ia ao encontro da efervescência de um discurso moderno desejado pela urbe carioca naquele momento. Victor demarca que, no caso brasileiro/carioca, a adoção das touradas à moda portuguesa foi mais uma estratégia para defender que as corridas de touros organizadas no Rio de Janeiro não se tratavam de práticas violentas, pois conformavam os moldes de civilidade avivados na cidade, visto que as touradas à moda portuguesa não permitiam o sacrifício público do touro, garantindo um espetáculo dentro dos parâmetros desejados pela vida pública carioca do recorte temporal investigado, discussão que será levantada a seguir.

Já no quarto capítulo, intitulado “Uma diversão adequada? As touradas no Rio de Janeiro do século XIX (1870-1884)6”, analisa-se a adequação das práticas da tauromaquia no final do Brasil Império, com a motivação de consolidar a modalidade como um divertimento útil/civilizado. No referido capítulo, Victor Melo pergunta-se: como aceitar um espetáculo que em muitos momentos é bárbaro se a proposta era civilizar os costumes? A partir desse problema, a autoria objetiva discutir os ajustes feitos nas corridas de touros na tentativa de enquadrar a tauromaquia na capital carioca entre 1870 e 1884, por meio da adequação de gestualidades se distanciando das dinâmicas rústicas. Para alcançar o objetivo, a autoria usou fontes de jornais. Diante das ocorrências apresentadas, Melo analisa as tensões que circundavam a tauromaquia expostas pelas fontes que iam desde as narrativas de colunistas e cronistas anônimos até fragmentos de Machado de Assis. Nota-se que muitas foram as notícias sobre as touradas e os intentos de enquadramento gestual da prática, entres elas ressaltou-se a criação do clube tauromáquico, agremiação que levava à proposta de congregar os que desejavam participar ativamente das touradas, dentro de um espaço institucionalizado, burocratizado e moderno. Victor Melo compreende que a formação desse clube era uma clara aproximação da tauromaquia com aspectos esportivos. Contudo, para o pesquisador, ao mesmo tempo em que tal aproximação deu aos defensores bons argumentos, acentuaram-se as críticas, devido ao fato de a tradição tauromáquica ter um vínculo direto com as tradições da coroa portuguesa. Os governantes cariocas buscavam se distanciar dessas tradições, pois procuravam um ideal de modernidade e o afastamento das referências coloniais, trilhando discursos progressistas que culminaram na Proclamação da República, em 1889, que, conforme sinaliza Sevcenko (1983), ficou marcada como um período de buscas por referenciais próprios do jovem país, onde todos os resquícios da colonização deveriam ser extirpados, dentre eles as touradas. O autor encerra descrevendo que, com o advento da República, as touradas chegaram a continuar na capital, mas de modos esparsos, sob organizações independentes, uma demanda gerida por sujeitos com capital econômico e espaços próprios, mas que o discurso/mentalidade progressista republicano se encontrava fortemente instaurado, fator que junto a outros divertimentos, como teatros, cafés e dinâmicas físicas, acabaram deixando as touradas cada vez mais fora de cena. Evidencia-se que, diante dos achados, as dinâmicas tauromáquicas cariocas não conseguiram se adaptar aos ditames da modernidade, o que culminou em uma descentralização de sua utilidade para a urbe. No entanto, um cuidado mais prolongado sobre a chegada de outros divertimentos e sobre quais modelos gestuais eram desenvolvidos parece assunto pertinente a ser explorado em novos estudos.

O quinto capítulo, “Tradição e modernidade: as touradas na Porto Alegre do Século XIX7”, escrito por Cleber Eduardo Karls, Doutor em História Comparada, e por Victor Andrade de Melo, trata da trajetória das touradas organizadas em Porto Alegre do século XIX. Para tal, os autores fizeram uso de periódicos publicados na capital gaúcha entre 1875 e 1900. Ao ter em conta a circulação de ideais de modernidade e progresso em ascensão no Brasil nesse período, Karls e Melo ocupam-se da tauromaquia na capital do Rio Grande do Sul, descrevendo sua trajetória a partir da tradição para a modernidade. Para entender essa trajetória, os autores dialogam com Pasavento (1999) sobre a Porto Alegre que se deixava contagiar pela ideia de progresso, e com Mascarenhas (2006), referente à intensa vida cultural decorrente da vanguarda econômica da província.

Diferente do que até então o livro retratava, principalmente ao se referir à capital carioca, nas ocorrências dos pesquisadores em Porto Alegre, evidenciou-se que o espetáculo tauromáquico na capital gaúcha era vivenciado como uma experiência moderna, atraindo um público que não demonstrava apreensão com a “barbaridade” das corridas de touros, dada às suas raízes voltadas para o campo e a pecuária ainda serem fortemente valorizadas na região rio-grandense. Características contrastantes ao Rio de Janeiro foram apresentadas, como a presença das mulheres. Foi constatado por Karls e Melo que as mulheres eram parte prática das atrações de tauromaquia, fato que se deu porque as touradas gaúchas não tinham relação com organizações vinculadas ao governo, somente sendo fomentadas por organizadores particulares e que tinham intenção de atrair mais público. Além disso, a presença feminina trazia graça e beleza aos espetáculos, bem como uma imprevisibilidade acerca do sexo, que era marcado como frágil, tinha as destrezas para tais feitos rústicos. No caso de Porto Alegre, findam os autores que os acontecimentos entre o rural e o urbano, o tradicional e o moderno ajudaram a compreender a legitimidade e valorização de uma prática em ameaça em outras localidades do território brasileiro, conjuntura que parece exigir um olhar atencioso dos interessados no assunto para entender as peculiaridades, as proximidades e os distanciamentos entre cada local investigado, e não tomá-los como idênticos ou cópias de outros contextos já estudados.

“Entre o rural e o urbano: as touradas na São Paulo do século XIX (1877-1889)8” é o título do sexto capítulo, da professora Doutora Flávia da Cruz Santos da Universidade Federal de Juiz de Fora, junto ao seu orientador Victor Andrade de Melo. Os autores tiveram como objetivo discutir sobre as corridas de touros organizadas na cidade de São Paulo, no período de 1877 a 1889, a partir da investigação do processo de uma dinâmica rural para uma mais urbana pelo qual passou São Paulo no decorrer do século XIX. Santos e Melo utilizam-se da análise de fontes jornalísticas, buscando identificar elementos que contribuem para discutir sobre a transição entre a tradição e a modernidade envolvendo as dinâmicas tauromáquicas paulista. Os autores destacam que São Paulo estava imersa em um ideário de civilização. Nessa perspectiva, entre os elementos identificados por Santos e Melo, destacam-se principalmente as touradas que se estabeleciam como um divertimento fora dos moldes de civilidade desejados pelos paulistas. O “bárbaro divertimento” apontado pelos autores, em São Paulo, adotou o modelo lusitano, caracterizado pelo sacrifício do touro, algo condenado devido aos maus tratos dos homens para com os animais, que iam em contramão ao corrente discurso de modernidade. Além disso, a aproximação com características portuguesas marcava uma dominação ainda presente dos colonizadores, ou seja, mais um elemento a ser combatido. Nesse sentido, os achados de Santos e Melo marcam que a modernidade paulista findou as dinâmicas tauromáquicas e quaisquer atividades que fugissem aos moldes citadinos. Observa-se que em São Paulo o tradicional foi “facilmente” superado pelos desejos modernos, diferentemente do caso rio-grandense, que até hoje aspectos tradicionais ligados aos touros e às dinâmicas rurais se fazem presentes (PEREIRA; MAZO; BATAGLION, 2019).

O penúltimo capítulo, intitulado “As touradas na cidade da Bahia: transições na dinâmica pública soteropolitana9”, é escrito por Coriolano Pereira da Rocha Junior, professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia, e por Victor Andrade de Melo. Na intenção de achar respostas para a relação das touradas com o ideário de modernidade que se iniciava na capital soteropolitana, os autores buscaram, a partir da presente pesquisa, abordar as experiências das corridas de touros promovidas em Salvador. Com esse intuito, foram usados como fontes obras de memorialistas e periódicos publicados na cidade da Bahia no século XIX. Dentre os memorialistas se destacam Paixão e Castro (1936) e Silva (1957). O capítulo foi organizado pelos autores a partir de três períodos distintos da história de Salvador.

O primeiro periódico reserva-se ao modelo estatal da tauromaquia, que se voltava ao período colonial do qual as touradas eram promovidas como parte comemorativa das festividades do calendário real, cujos traços ruralizados se faziam presentes e eram pouco questionados pelos baianos, aspectos completamente distintos das considerações seguintes, em que Salvador começava a trilhar seus caminhos rumo a um ideário progressista.

O segundo período destina-se ao modelo empresarial das touradas, relacionado às ideias de modernidade e caracterizado pelas programações tauromáquicas independentes das celebrações governamentais, sem subsídios do Estado e com a cobrança de bilhetes para assistir ao espetáculo, investida, descrita pelos autores, com a intenção de institucionalizar/regrar as festividades, mas que ainda assim não foi suficiente para a desvinculação do rural e incivilizado das touradas.

No terceiro período, as touradas tentam se aproximar das práticas esportivas. Rocha Junior e Melo identificam ocorrências da realização de eventos de tauromaquia e esporte em conjunto, anunciados em colunas jornalísticas esportivas. Isso tudo em uma tentativa final de as dinâmicas continuarem existindo junto a mecanismos institucionalizados. No entanto, a aproximação resultou no fim das mesmas, pois perderam espaço para as festas esportivas, em que o corpo dos sujeitos era o principal espetáculo, trazendo imprevisibilidades distintas das apresentadas nas touradas.

Nessa perspectiva, observa-se, por meio do exposto, que os autores analisaram de certa maneira a formação de uma cultura eminentemente urbana em Salvador, propiciando a materialização de novas sensibilidades contrárias a todas as atividades tidas como ruralizadas, marginalizadas e bárbaras, aspectos que as touradas ainda se vinculavam na capital baiana, fazendo com estas chegassem ao “fim”. Cabe destacar que apesar de retratar no título a ideia de se referir a todo território do estado da Bahia, as análises parecem centrar exclusivamente na capital. No entanto, considera-se que a investigação das touradas em Salvador ainda assim pode ajuda a reforçar a percepção sobre o quanto a tauromaquia auxilia a refletir sobre a ambiguidade da adesão da ideia de modernidade no estado da Bahia.

O último capítulo, denominado “Hooligans numa praça de touros nos confins da África oriental portuguesa10”, é de autoria de Sílvio Marcus de Souza Correa, professor no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina. Com esse estudo, Correa busca problematizar questões sobre a africanização das touradas, as touradas como um modelo civilizacional, a percepção e significação da tauromaquia pelos africanos e como uma tradição ibérica pôde se transformar em um espetáculo moderno durante o colonialismo na África. Com essa finalidade, a autoria se apoia em fontes hemerográficas jornalísticas africanas, dentre elas “O Africano”, “O brado Africano” e “Rand Daily Mail”11, contemplando o maior número de ocorrências. O autor, na intenção de cumprir o objetivo proposto, realiza uma descrição e contextualização do campo da tauromaquia na cidade de Lourenço Marques, hoje em dia Maputo, capital de Moçambique, descrevendo que as touradas nessa região tinham profundas aproximações com os costumes portugueses. Em seguida, Correa destinou suas atenções para a análise do episódio que acusa, segundo o autor, um processo de ressignificação e apropriação da tauromaquia por parte dos africanos para além dos modelos ibéricos.

Tal episódio foi intitulado pelo correspondente do jornal “The Rhodesian Herald” como “Arruaceiros rodesianos estragam touradas em Vila de Manica”, que reportou o fato como um grave incidente em uma praça de touros nos confins da África Oriental Portuguesa, aproximando o episódio ao termo “hooligans” por sua similaridade aos confrontos esportivos entre torcedores de futebol ingleses. A autoria salienta que a apropriação e ressignificação das corridas de touros pelos jovens rodesianos não condiziam com os laços culturais portugueses, aspectos que, segundo o autor, faziam com que as touradas em Lourenço Marques fossem uma forma de celebrar uma vitória em relação a uma dominação colonizadora portuguesa, permitindo estabelecer uma homologia entre Portugal e a colônia Africana. Sugere-se que os pontos retratados a respeito da ressignificação de determinadas práticas tidas como exclusivas dos países colonizadores, como o caso das touradas em Lourenço Marques, possibilitam discussões acerca de que toda dinâmica, ao ser incorporada em outras localidades, comumente adquirem características próprias, de acordo com os costumes, interesses e desejos de quem a desenvolve.

A modo de considerações, nota-se que a obra traz relevantes pesquisas sobre a historiografia tauromáquica em diversas regiões. Consequentemente, evidencia-se que a temática em questão é pouco explorada e estudada por outros polos de pesquisa e que diversas localidades ainda não foram investigadas, cenário, portanto, ainda árido, mas rico em possibilidades. Destaca-se, ainda, que apesar de marcar em seu título que retratará as touradas no Brasil do século XIX, a obra acaba indo além, trazendo nuances de outras regiões como na Península Ibérica e na África Oriental Portuguesa, proporcionando visões diversificadas ao leitor.

Nesse sentido, torna-se válido considerar a inovação do livro publicado e a coragem dos pesquisadores em assumirem a frente de inusitadas investigações para a historiografia e antropologia brasileira e internacional. Por fim, adverte-se que outros materiais para além dos jornalísticos, predominantemente utilizados, poderiam ter sido importantes instrumentos analíticos para o desenvolvimento da obra, bem como cuidados quanto à discussão conceitual sobre manifestações certificadas como esportivas, caberiam maiores embasamentos teóricos, oferecendo ao leitor traços mais claros dos elementos entendidos como esportivos.

Notas

4 Artigo originalmente publicado em Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 19, n. 40, p. 365-392, jul/dez. 2013.

5 Artigo originalmente publicado em Análise Social, Lisboa, n. 215, p. 383-404, jun. 2015.

6 Artigo, de autoria do professor Doutor Victor Andrade de Melo, originalmente publicado em História, França, v. 32, n. 2, p. 163-188, dez. 2013.

7 Artigo originalmente publicado em História Unisinos, São Leopoldo, v.18, n. 2, p. 352-363, maio-ago. 2014.

8 Artigo originalmente publicado em Revista IHGB, Rio de Janeiro, ano 175, n. 463, p. 39-69, abr./jun. 2014.

9 Artigo originalmente publicado em História & Perspectivas, Uberlândia, v. 29, n. 54, p. 189- 211, 2016.

10 Trabalho apresentado no III Encontro Internacional de Desporto e Lazer em África (ISCTE, Lisboa, 2014).

11 Optou-se em citar os nomes dos periódicos africanos utilizados na intenção de ilustrar possíveis materiais analíticos aos pesquisadores interessados no assunto e na região.

Referências

MELO, Victor Andrade de. (Org.). Pois temos touros: touradas no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2017.

PEREIRA, Ester Liberato; MAZO, Janice Zarpellon; BATAGLION, Giandra Anceski. Práticas equestres de corrida no Rio Grande do Sul: configurações e redes de interdependência. Pensar a Prática, v. 22, 2019.


Resenhistas

Leonardo do Couto Gomes – Licenciado em Educação Física – Universidade Federal do Paraná (UFPR) e mestrando em Educação Física pelo Programa de Pós-graduação em Educação Física da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curitiba – Paraná. E-mail: [email protected]

Duilio Queiroz de Almeida – Graduando do curso de Educação Física – Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curitiba – Paraná. E-mail: [email protected]

Marcelo Moraes e Silva – Doutor em Educação – UNICAMP. Professor do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curitiba – Paraná. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

MELO, Victor Andrade de (Org.). Pois temos touros: touradas no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2017. Resenha de: GOMES, Leonardo do Couto; ALMEIDA, Duilio Queiroz de; SILVA, Marcelo Moraes e. Narrativas historiográficas e antropológicas sobre as dinâmicas tauromáquicas na Península ibérica, no Brasil e em Moçambique: reflexões sobre o livro “Pois temos touros: touradas no Brasil do século XIX”. Recorde: Revista de História do Esporte, v.12, n.2, jul./dez. 2019. Acessar publicação original [DR]

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