Relações Internacionais: Ensino e Agendas | Monções – Revista de Relações Internacionais | 2012

A área de Relações Internacionais (RI) passou por um importante processo de expansão no Brasil na última década e vem demonstrando fôlego necessário para sua consolidação como importante campo do conhecimento nas ciências humanas e sociais brasileiras. As características herdadas da multidisciplinaridade da área fizeram com que os primeiros cursos de graduação e pós-graduação fossem bastante moldados pelas características regionais e de suas instituições promotoras. Nos últimos anos, sobretudo a partir da criação da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI), em 2006, e da realização de seus encontros nacionais, tem sido estimulada a criação de uma identidade comum à área em todo o país. Esse esforço, que já apresenta resultados significativos, ocorre tanto por meio do intercâmbio entre pesquisadores e profissionais nos eventos acadêmicos, como da discussão de uma proposta de estabelecimento de Diretrizes Curriculares Nacionais mínimas.

De acordo com dados do Ministério da Educação (INEP-MEC), estão autorizados a funcionar no Brasil, atualmente, mais de 100 cursos de graduação em Relações Internacionais. Ainda que haja uma concentração bastante expressiva nas regiões Sudeste e Sul, é possível notar o processo de diversificação e interiorização do ensino de RI no país1. Com relação ao ensino na pós-graduação, também se pode perceber ampliação dos Programas específicos em Relações Internacionais e a consolidação de uma agenda de pesquisas da área. Segundo a CAPES, hoje estão credenciados 10 programas de pós-graduação stricto sensu em Relações Internacionais, além de uma série de programas de áreas afins, como os de Estudos Estratégicos, Direito, Ciências Sociais, Ciência Política e Economia Política, com áreas de concentração e linhas de pesquisa específicas em Relações Internacionais.

Ao passo que o Brasil busca alcançar um novo status no cenário internacional, seja no âmbito político, econômico ou comercial, é ampliada a demanda por profissionais capacitados a atuar nessa esfera. Diante dessa nova realidade, a multidisciplinaridade que constitui o curso de Relações Internacionais favorece inserção de seus egressos no mercado de trabalho. Com efeito, a produção de conhecimento em Relações Internacionais no Brasil impulsiona as relações internacionais do país a um patamar mais qualificado, fomentando esse círculo virtuoso entre teoria e prática, que fornece o sentido ao desenvolvimento de estudos e pesquisas no âmbito acadêmico, responsáveis por subsidiar o planejamento de políticas públicas, a atração de investimentos, a abertura de mercados e o fluxo de capitais, entre outras atividades estratégicas para a nação. Frente a isso, o curso de Relações Internacionais da UFGD procura cumprir sua missão de formar profissionais qualificados, capazes de se adaptar às demandas do mercado sem perder de vista o papel de agente crítico e transformador da realidade social que carrega consigo o cientista humano. Buscando consolidar essa formação e ampliar o diálogo com pesquisadores da área nas mais diversas instituições de ensino e pesquisa, apresenta à comunidade acadêmica e científica uma pequena contribuição para o debate sobre a constituição da área de Relações Internacionais no Brasil. Desse modo, o dossiê da primeira edição da Revista Monções, intitulado Relações Internacionais: Ensino e Agendas, oferece análises sobre a conformação do campo de ensino, pesquisa e atuação da área de Relações Internacionais no Brasil.

A abertura do dossiê é feita com a entrevista da Profª Drª Cristina Soreanu Pecequilo, professora Adjunta da Universidade Federal de São Paulo e coordenadora do curso de Relações Internacionais do câmpus de Osasco. A entrevista nos foi concedida durante sua participação na II Semana Acadêmica de Relações Internacionais da UFGD, onde ministrou a Conferência de Abertura do evento: O ensino das Relações Internacionais no Brasil. Pecequilo aborda temas como a atuação do profissional de RI e suas oportunidades no mercado de trabalho. A discussão sobre o ensino de RI no Brasil tem sequência nos dois primeiros artigos do dossiê.

Fruto de exaustivo trabalho de pesquisa para a elaboração de sua dissertação de mestrado apresentada no Instituto de Relações Internacional (IREL) da Universidade de Brasília (UnB), A Graduação em Relações Internacionais no Brasil, de Taís Sandrim Julião, analisa o processo de organização institucional da área de Relações Internacionais no Brasil a partir da experiência pioneira da Universidade de Brasília em criar a graduação em Relações Internacionais na década de 1970. Julião investiga as circunstâncias domésticas e internacionais que proporcionaram o desenvolvimento institucional da área no Brasil à luz das dinâmicas da inserção internacional do país.

Buscando traçar as especificidades dos cursos de pós-graduação da área, Julia Taina Marinho de Salles Menezes explora três dos mais importantes programas de Relações Internacionais do país. Em Um estudo analítico dos três cursos de pós-graduação stricto sensu em relações internacionais melhor avaliados pela CAPES no triênio 2007-2009, Menezes apresenta uma radiografia dos programas de Mestrado e Doutorado da Universidade de Brasília (UnB), da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e da Universidade de São Paulo (USP) A autora levanta e analisa dados sobre áreas de concentração e linhas de pesquisa; perfil e produção intelectual de corpo docente e corpo discente; políticas de internacionalização e solidariedade acadêmica, bem como inserção social dos programas; e ainda os processos de implementação e estruturação desses programas em suas universidades. Por fim, enfatiza a importância de tais programas para a consolidação da área no Brasil, e anseia pelo seu crescimento contínuo e equilibrado entre as regiões do país.

Além do intuito de contribuir com o processo de conhecimento de nossas comunidades epistêmicas, o dossiê teve por objetivo fazer um convite à reflexão sobre a produção de conhecimento na área, explorando o processo de construção de modelos epistemológicos, arcabouços teóricos e ferramentas metodológicas na área de Relações Internacionais, e apresentar possíveis alternativas críticas e afeitas à nossa realidade.

Roberto Moll Neto, professor do Instituto Federal Fluminense (IFF), coloca em debate dois aspectos considerados centrais para a consolidação do campo teórico das Relações Internacionais, a centralidade do Estado e a naturalização da ideia de Anarquia no sistema internacional. Em Gramsci e as Relações Internacionais: para superar a reificação do Estado e a anarcofilia, Argumenta esse movimento de contestação aos cânones da área vem ocorrendo desde as décadas de 1970 e 1980, ganhando impulso com o “Terceiro Debate”, em que os chamados “reflexivistas” (pós-modernos, pós-estruturalistas, pós-colonialistas e construtivistas, entre outros) questionam as premissas dos “racionalistas”. Não obstante, a proposta de Moll Neto é a de incluir nesses debates uma visão ainda pouco explorada nos estudos de Relações Internacionais no Brasil, a perspectiva de campo, de Pierre Bourdieu. Com esse recurso, o autor acredita ser possível trazer uma nova contribuição à interpretação de narrativas “ditas” hegemônicas e estabelecer novos métodos de investigação da correlação de forças existente nas propostas de análise do sistema internacional contemporâneo e de estudos sobre as ideias de Anarquia, Estado, Nação e Nacionalismo.

No artigo As Fronteiras nas Relações Internacionais o professor do IESB-DF, Márcio Augusto Scherma, aborda um tema de grande inflexão nos estudos das relações internacionais, mas ainda pouco apurado na literatura específica da área. Scherma destaca os estudos baseados nos conceitos de Estado, território e soberania, articulando as perspectivas de clássicos da teoria política e da filosofia aos autores das teorias de RI, enfatizando a interpretação “estática” de realistas e liberais, e apoiando a perspectiva lançada pelos construtivistas sobre o tema. Identifica, por fim, a ausência de uma agenda de pesquisa específica sobre fronteiras, fundamental para análises da conjuntura internacional contemporânea, sobretudo em tempos em que os conceitos de soberania e anarquia são contestados e relativizados por fluxos financeiros, organismos internacionais, movimentos transnacionais entre outras atividades transfronteiriças.

Tchella Fernandes Maso, da Universidade da Integração Latino-Americana (UNILA), e Lara Martim Rodrigues Sélis, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), apresentam uma proposta que visa oferecer um novo olhar sobre as Relações Internacionais a partir da nossa realidade, a América Latina. Em Na véspera do tempo: repensando as Relações Internacionais, as autoras tomam como princípio a negação da ideia que a ciência, sobretudo as ciências sociais, é formulada a partir de pressupostos abstratos e universalizáveis. Assumem, portanto, a visão de que o contexto social e as concepções ontológicas e metodológicas dos autores influenciam toda a produção do conhecimento científico. Nesse sentido, apontam como desafio estudar e compreender as Relações Internacionais a partir de nosso lócus, a América Latina, promovendo uma ruptura com o monopólio epistemológico das perspectivas do norte e produzindo um conhecimento autônomo capaz de dar voz e visibilidade aos subalternos e aos marginalizados. A partir dessa leitura, pós-colonial complementada por uma complexa etnografia dos povos do sul, poderão ser encontradas respostas às problemáticas atinentes à realidade latino-americana.

A seguir, a estudiosa de regimes políticos africanos, Xaman Korai Minillo, do Grupo de Análise de Prevenção de Conflitos Internacionais (GAPCon), oferece sua parcela de contribuição ao debate tentando demonstrar como a interpretação de poder oferecida pelas teorias realistas clássicas e estruturais é insuficiente para compreender a realidade política da África. No artigo A importância do estudo das relações internacionais africanas para o campo das Relações Internacionais, a autora confere destaque ao reconhecimento que deve ser dado a outros atributos de poder que vão além da distribuição de capacidades e se relacionam muito mais a atributos sociais, como autoridade, prestígio e legitimidade. Dessa forma, a compreensão das relações internacionais africanas se torna efetiva por meio de uma perspectiva pluralista que reconheça a importância de valores, normas e ideologias. Advém daí a necessidade, segundo Minillo, do recurso à abordagem foucaultiana como meio de interpretação das relações de poder no continente africano e nas relações internacionais africanas, sendo imprescindível sua incorporação como método de pesquisa no campo das Relações Internacionais.

Lucas Amaral Batista Leite, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas, apresenta o estado da arte dos estudos sobre análise de discurso em O discurso como objeto de estudo e instrumento metodológico nas Relações Internacionais. Leite argumenta que a identificação do papel que representa o discurso como construtor de ideias é preocupação recorrente no paradigma Construtivista, desde suas vertentes mais positivistas e mais afeitas às preocupações de racionalistas, até aquelas mais radicais e voltadas ao diálogo com o pós-estruturalismo. Apresenta, ainda, a principal contribuição da chamada Escola de Copenhagen, a noção de securitização, para ilustrar o papel que os discursos podem exercer no campo da política internacional. Assim, a prática discursiva e a construção de identidades se conformam como preocupações reais da política internacional e a análise de discurso se confirma, para o autor, como método fundamental para apurar suas análises.

O dossiê também busca fazer uma breve inflexão na tão buscada inserção no mercado de trabalho pelos profissionais de RI. Com o artigo Nuevos horizontes para los profesionales de las Relaciones Internacionales en Brasil: la Cooperación Internacional para el Desarrollo, Bruno Ayllón Pino, professor da Universidad Complutense Madrid e Pesquisador do IPEA, destaca as oportunidades oferecidas aos profissionais de Relações Internacionais nas áreas de gestão e planejamento no campo da Cooperação Internacional. De acordo com ele, as interações entre agentes internacionais públicos e privados têm se expandido por meio da consolidação de mecanismos de cooperação internacional, principalmente a partir da constituição de novas políticas em virtude do novo papel exercido pelas potências emergentes no âmbito da cooperação sul-sul e da cooperação para o desenvolvimento. Logo, a demanda por gestores e técnicos capacitados a oferecer seus serviços a agências e repartições públicas, organismos multilaterais, organizações não-governamentais e empresas privadas se expande à medida que são buscadas políticas duradouras de cooperação e superação de assimetrias. Desse modo, argumenta Ayllón, é necessário agregar um maior número de agentes nesse processo nos mais variados eixos temáticos de atuação, como por exemplo, meio ambiente, saúde, educação e desenvolvimento econômico. Abre-se uma importante oportunidade aos profissionais de Relações Internacionais, que dispõem de instrumentos para a formulação e execução de políticas de cooperação técnica e política.

Por fim, aos que se interessam pelo estudo das Teorias de Relações Internacionais, Tainá Dias Vicente, mestranda do PPGRI San Tiago Dantas e membro do Grupo de Análise de Conjuntura sobre o BRICS da UNESP, apresenta uma resenha de fôlego do livro Non-Western International Relations Theory: Perspectives on and beyond Asia, de Barry Buzan e Amitav Acharya. Publicado no ano de 2010, o livro compila artigos de pesquisadores de diferentes regiões da Ásia com o objetivo de preencher uma lacuna importante e demandada por especialistas em política internacional e estudiosos das Teorias de Relações Internacionais. Por esse motivo, se enquadra dentro de tudo aquilo que este dossiê propôs: repensar o campo de estudos e a produção de conhecimento na área de Relações Internacionais desde qualquer lugar para além do “centro”.

Esperamos contribuir com o debate no Brasil, fomentando novas agendas de pesquisa e estimulando aqueles que já se aventuram por essa seara a dar continuidade a esse importante trabalho de desbravar esse instigante campo de estudos no país.

Nota

1 Acre, Alagoas, Maranhão, Mato Grosso, Piauí, Rondônia e Tocantins são os estados do país que até o presente momento não possuem cursos de graduação em Relações Internacionais em suas IES.


Organizador

Hermes Moreira Júnior – Professor da Faculdade de Direito e Relações Internacionais Universidade Federal da Grande Dourados.


Referências desta apresentação

MOREIRA JÚNIOR Hermes. Apresentação. Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD. Dourados, v.1, n.1, p.1-8, jan./jun. 2012. Acessar publicação original [DR]

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