Staying Afloat: Risk and Uncertainty in Spanish Atlantic World Trade, 1760-1820 | Jeremy Baskes

Risco e incerteza são os tópicos centrais da investigação de Jeremy Baskes, doutor pela University of Chicago e Professor na Ohio Wesleyan University. Em Staying Afloat (algo como mantendo-se flutuando numa tradução livre), Baskes se debruça sobre o comércio entre Espanha e algumas de suas colônias na América, analisando como os mercadores conseguiram manter suas atividades em ambientes, por vezes, hostis. De acordo com ele, o comportamento dos mercadores espanhóis “deve” ser entendido “como sua resposta ao onipresente risco comercial”. Ou, em outras palavras mais enfáticas, “gerir o risco foi a principal preocupação dos mercadores e muitos aspectos do comércio imperial espanhol só podem ser plenamente compreendidos quando examinados pelas lentes do risco e da incerteza.” De modo a contornar esses percalços, os mercadores “se engajaram em estratégias de redução de risco, desenvolveram instituições atenuantes de risco, e procuravam qualquer meio possível para reduzir a incerteza e a ambiguidade” (p. 2 e 4).

Durante o livro Baskes aprofunda esses motes de uma maneira muito sofisticada, com um rigor metodológico invejável e com fontes mais do que adequadas: correspondências, papéis privados, apólices de seguros e diversos registros comerciais deixados pelos mercadores. Quase todas as fontes são derivadas do Consulado de Cádiz (uma espécie de guilda mercantil), que tinha como uma de suas responsabilidades resolver disputas comerciais. A temporalidade em que incide a pesquisa, igualmente, foi muito bem escolhida, pois permitiu abordar alguns dos principais eventos e conjunturas que impactaram fortemente na atividade mercantil, entre eles o regime de navegação solta (comparando-o com sistema de frotas comboiadas), a instituição do comércio livre em 1778 e a conjuntura de guerra pós 1793.

O enquadramento teórico é o neo-institucionalismo. Por isso transpiram termos como o “problema do principal-agente,” “assimetria da informação,” “custos de transação,” “instituições” e “mudança institucional”. Baskes conseguiu manejar essas ferramentas teóricas aplicando-as em casos concretos. Para a historiografia brasileira que trata do comércio colonial – entre Brasil e Portugal, ou até mesmo do comércio interno – essa é uma boa oportunidade para se inteirar da operacionalidade do neo-institucionalismo em casos históricos e, mais especificamente, em casos de micro análise.

O livro está dividido em dez capítulos, contando com um primeiro capítulo introdutório e um último capítulo em forma de conclusão. “Estar informado” – título do segundo capítulo – era fundamental para o mercador espanhol, de vez que a falta ou a pequena quantidade de informação era uma de suas principais fontes de risco e incerteza. A informação, tanto do clima político (guerras, bloqueios e tratados de paz) como do cenário econômico (reputação dos agentes com quem tinha negócios e oferta e procura nas praças coloniais e europeias), era necessária para o mercador, porque o munia do conhecimento para fazer “ajustes no presente” de modo a se adequar “as condições futuras” (p. 4). A despeito disso, os mercadores espanhóis eram os mais desatualizados da Europa. Isso residia na irregularidade de jornais mercantis na Espanha (p. 34).

O terceiro capítulo trata do sistema de frotas e de como ele foi uma forma de regulação do mercado e de redução dos riscos. Segundo o argumento neo-institucionalista, nomeadamente de Douglass North e Oliver Williamson, imperfeições de mercado levam a mudanças institucionais. Baskes incorpora esse mantra quando toma o sistema de frotas como um aparelho regulatório bem sucedido na correção das imperfeições do mercado. Com as frotas – ocasião onde as embarcações zarpavam todas juntas e ao mesmo tempo – os mercadores tinham mais conhecimento da oferta de produtos que chegavam da América, assim como da demanda das praças coloniais. E como o tráfico (comércio) e tráfego (transporte) estavam concentrados em Cádiz, possíveis descompassos entre oferta e procura eram reduzidos, assim como a assimetria da informação.

Isso mudou com o fim dos comboios e a implementação do comércio livre em 1778, temas do capítulo quatro e cinco. Para Baskes, o sistema de frotas funcionava mais ou menos como uma companhia monopolista: regulava a oferta e a procura e dava confiança aos mercadores. A consequência do fim das frotas foi o aumento do número de embarcação e dos fluxos mercantis com a América. Por outro lado, o fim dos comboios armados desprotegeu os vasos, fez aumentar os riscos do comércio e aumentou os custos com seguros dos particulares. Semelhantemente, a implementação do comércio livre de 1778 – que tirou o monopólio de Cádiz no trato com a América – foi outra mudança institucional que trouxe instabilidade ao mundo mercantil. Nesse novo cenário houve oferta em excesso de mercadorias nas praças, tanto coloniais como metropolitanas. Os estoques de mercadorias se avolumaram e o risco de não vendê-las, ou vendê-las por preços baixos, aumentou. Alguns mercadores não se adaptaram à nova realidade e muitos chegaram a falir (p. 61 a 79).

O lado positivo do comércio livre foi o crescimento das importações e exportações, favorecendo a arrecadação de impostos. Outra consequência foi a entrada de muitos mercadores de diversas condições, o que deixou o comércio mais “igualitário”. Ao mesmo tempo, a competição se acirrou nas rotas do Atlântico, deixando apenas os mais eficientes nos negócios. E como a oferta de produtos aumentou, os preços tendiam a baixar (p. 107 e 108). O quinto capítulo reflete sobre como o comércio livre abriu espaço para a entrada de mercadores mais humildes e com poucos recursos, necessariamente os obrigando a depender de créditos. A venda de mercadorias a crédito nas colônias, ou até em Espanha, era um risco que implicava em custos de transação, pois os credores precisavam monitorar os devedores e gastar tempo e dedicação em coletar as dívidas. Mas os credores eram recompensados de vez que as vendas a crédito normalmente eram mais rentáveis do que vendas à vista (p. 130-133).

No sexto capítulo, Baskes conta como o comércio livre espanhol foi interrompido em 1793 com a declaração de guerra da França e como, pelas duas décadas seguintes, a Espanha se viu envolta com as hostilidades francesas e também inglesas. O reflexo da guerra era o risco de se aventurar comercialmente em um ambiente perigoso. Doravante, alguns mercadores viram os custos de proteção aumentarem e outros recuaram em participar do comércio ultramarino. Ademais, com a diminuição do fluxo de mercadorias – seja pela diminuição de mercadores, pelos bloqueios portuários, pelo aumento dos fretes e dos seguros – os preços das mercadorias aumentaram (p. 146).

Os últimos três capítulos continuam tratando da conjuntura de guerra, mas com uma atenção muito especial para a indústria seguradora em Cádiz. Nos capítulos anteriores Baskes havia se utilizado, principalmente, das correspondências mercantis para contar a história do risco comercial durante o tempo dos vasos soltos e do período do comércio livre. Mas é a partir do capítulo sete que ele maneja maciçamente fontes que a historiografia brasileira e portuguesa ainda não estão acostumadas a lidar: as cartas de fundação das empresas seguradoras e suas apólices. No sétimo capítulo ele se debruça sobre os documentos de fundação das sociedades seguradoras, descrevendo a sua estruturação e organização e de como, teoricamente, elas deveriam operar. No oitavo capítulo ele extraiu das apólices algumas considerações acerca da percepção do risco por parte dos seguradores e segurados. Por fim, o nono capítulo teceu considerações acerca da lucratividade e prejuízo dessas empresas.

Numa sociedade de seguros nenhum acionista entrava com capital. Eles apenas se comprometiam a pagar os segurados quando ocorressem perdas. A lucratividade das firmas residia na diferença entre os prêmios coletados e as indenizações pagas. Não existia nenhuma contabilidade sofisticada para calcular as taxas de prêmios. Seus valores estavam ancorados na experiência de acontecimentos passados. Dado o grande número de viagens que ocorreram sem problemas e as poucas que necessitaram de indenizações, Baskes concluiu que as seguradoras obtiveram mais lucros do que perdas durante a época de paz, anterior a 1793. Já para o período de guerras, as sociedades de seguros apresentaram mais perdas do que ganhos. Uma vez que as seguradoras não exigiam capital inicial, muitos mercadores viram ai uma possibilidade de rentabilidade, tendo parte em várias sociedades de seguros concomitantemente. A guerra fazia os prêmios de seguro aumentarem convidando novos agentes, às vezes especuladores, a entrarem no negócio. Entretanto, quando as indenizações deveriam ser pagas aos segurados, principalmente no tempo de guerra, muitos não conseguiam honrar os pagamentos e pediam moratória (p. 209, 219, 262 e 267).

Dar seguro implicava em risco moral. Isso quer dizer que quando o segurado recebia o seguro ele poderia, já que estava segurado, incorrer em maiores riscos. Em termos práticos, um dono de navio poderia não equipar seu navio com armamentos; de vez que estava segurado, ele iria ganhar um prêmio mesmo se fosse apanhado por algum corsário no mar sem os devidos meios para se defender. Essa situação fazia os seguradores escreverem algumas cláusulas adicionais nas apólices, os cosseguros, tentando garantir que os segurados fizessem viagens mais responsáveis. Outra forma para assegurar boas práticas dos segurados era incentivando-os a utilizarem os comboios, tanto aqueles escoltados pela armada real como simplesmente sair dos portos em conjunto com outras embarcações (p. 234, 236 e 238-239).

Existem outras conclusões fortes no livro. Baskes contesta em vários momentos a existência de um monopólio de mercadores em Cádiz que conseguiam manipular preços. Para ele não faz sentido falar em monopólio, principalmente na época do comércio livre, uma vez que existiam muitos comerciantes e a concorrência impedia a formação de monopólios. Os “monopolistas, ou oligopolistas, ganham excessivos lucros (monopólio dos lucros) se utilizando de seu poder de mercado para cobrar elevados preços,” mas para isso acontecer um número pequeno de negociantes deveria controlar a maior parte do comércio. E isso não acontecia no comércio espanhol. Baskes adverte, contudo, que a ausência de monopólio não quer dizer que os comerciantes operavam num mercado de competição perfeita (p. 47 e 53).

Considerações práticas para lidar com a documentação ocorrem em diversos trechos do trabalho. Uma que deve merecer atenção dos historiadores do comércio é a interpretação valiosa que Baskes fornece sobre a letra de risco. Letras de risco eram mais caras que os empréstimos normais, por isso seus juros eram maiores. Baskes explica que esse tipo de mecanismo 195 Revista de Economia Política e História Econômica, número 40, julho de 2018. financeiro era usado porque o emprestador (o tomador de risco) só correria o risco na viagem ultramarina, e não correria o risco, por exemplo, de a mercadoria não ser vendida nos mercados coloniais por conta de maus pagadores ou por excesso de oferta. O emprestador bem que poderia não optar pela letra de risco e financiar as mercadorias diretamente, consignando-as aos agentes coloniais. Entretanto, nessa modalidade ele sofreria o risco tanto no mar como na terra. O segredo da letra de risco, que poucos até agora descobriram e que Baskes nos revela, era a sua especificidade de cobrir os riscos marítimos, mas não os riscos comerciais. Assim, o emprestador cobria os riscos marítimos e o devedor (o agente que ia para as colônias) assumia os riscos comerciais. Era diferente dos contratos de seguros que só cobriam as viagens. Os seguros pouco foram afetados pelo aumento do risco derivado da implantação do comércio livre em 1778, cujos risco diziam respeito só as vendas nos mercados, e não aos riscos de mar (p. 180 e 184).

É de alta relevância a contribuição de Baskes, tanto pela sua criatividade de formular novos problemas quanto pelo rigor em analisar as fontes. Seus métodos e o modo como coloca questões por meio do prisma do risco podem ensejar novos estudos e iluminar pesquisas parecidas, inclusive investigações sobre o mundo Atlântico português. Uma inestimável sugestão é que não basta falar que o mercado espanhol daquela época era dominado por um grupo privilegiado. Seria necessário também uma melhor apreciação do ambiente comercial em que eles estavam envolvidos.

Os mercadores de longa distância respondiam a problemas como a falta de informação, incerteza e risco endêmico, consequentemente adotando estratégias defensivas e abraçando instituições de redução de risco. Os mercadores espanhóis tinham a sua disposição muitas formas para contornar isso. Uma delas eram os seguros e as letras de risco, mas existiam outras também como dividirem as cargas em diferentes navios ou mesmo em navios de guerra, utilizarem pequenos comboios, preferirem pagamentos em dinheiro do que em crédito, além de se esforçarem em estabelecer fluxos regulares de informações (p. 276). Ter agentes confiáveis nos mercados ultramarinos era outra estratégia. Contudo, um agente deveria ter certa autonomia, pois só ele sabia das condições do mercado onde estava atuando. Por isso o mercador (o principal) deveria relaxar um pouco no monitoramento de seu agente para não incentivá-lo a cometer decisões precipitadas e, talvez, erradas. Por outro lado, dar muita liberdade ao agente abria brechas para fraudes. Essa era uma das razões para os principais empregarem familiares e amigos próximos como agentes, mas nem mesmo isso descartava a possiblidade de trapaça. E não existiam familiares o suficiente para cobrir toda a área geográfica de atuação de um principal. Necessariamente, o principal muitas vezes deveria confiar em agentes não tão próximos dele. Ademais, o risco fazia com que os mercadores diversificassem suas atividades (p. 27 e 37). Em suma, evitar riscos como esses mercadores faziam não quer dizer que eles eram meros rentistas pré-capitalistas. A cautela era necessária. Os ganhos eram de pouco a pouco. A falência, por outro lado, poderia acontecer do dia pra noite (p. 274-275).

Apesar da inteligente contribuição de Baskes, existem alguns poucos raciocínios no seu trabalho que abrem oportunidade a dúvidas: os pressupostos teóricos, do jeito que estão colocados, talvez possam gerar alguma confusão. De acordo com a abordagem neo-institucional, em face de ambientes desestimulantes (alto custo de transação e alta assimetria da informação, por exemplo) os agentes perseguirão melhoramentos institucionais para aperfeiçoarem as instituições ou se esforçarão para criarem outras. Mas segundo Baskes, a instituição das frotas e do comércio centralizado em Cádiz até 1778 – regulações comerciais que reduziram os riscos – foram substituídas por instituições que, pelo contrário, os fizeram aumentar (p. 97-98). Apesar das dificuldades desse novo ambiente institucional, o autor o vê com olhos otimistas, percebendo ai ganhos de eficiência. Seguindo seu argumento, Baskes chega a trabalhar até com um pequeno contrafactual: se o cenário institucional gerado pela liberalização do comércio em 1778 não tivesse sido interrompido pelas guerras em 1793 a “eficiência comercial” teria sido ainda maior (p. 108). Ora, mas se o ambiente de risco aumentou, como os mercadores ganhariam eficiência em um cenário institucional mais arriscado que anteriormente?

Se não fosse pelas guerras “teria sido possível ao império espanhol emergir mais dinâmico.” E Baskes lamenta que “a era do comércio livre foi muito breve” e que “as condições não melhoraram muito depois” de 1793. “Em último caso, talvez o comércio livre poderia ter fortalecido a economia espanhola” (p. 277-278). Aqui fica clara a tendência argumentativa de Baskes, ou uma filosofia da história implícita: se não fosse a guerra, os agentes tenderiam para uma forma de organização comercial eficiente e isso levaria ao desenvolvimento econômico. O percurso quase “natural” foi barrado por um fator extraeconômico, a guerra, e tudo foi perdido. Nesse caso, não deixa de ser um exercício provocativo a comparação com o reino vizinho português. O argumento da guerra como o problema central para o desenvolvimento comercial da Espanha não guarda muita validade para Portugal. Na verdade, os conflitos da década de 1790 fizeram aumentar o comércio português (com suas colônias e com a Europa) de uma forma nunca vista até aquele momento.


Resenhista

Felipe Souza Melo – Mestre em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP).


Referências desta Resenha

BASKES, Jeremy. Staying Afloat: Risk and Uncertainty in Spanish Atlantic World Trade, 1760-1820. Stanford: Stanford University Press, 2013. Resenha de: MELO, Felipe Souza. Revista de Economia política e História Econômica. São Paulo, ano 14, n. 40, p. 192-196, junho, 2018. Acessar publicação original [DR]

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