Teoria da História | José D’Assunção Barros

Quem se interessa por teoria da história pode contar com uma obra genuinamente brasileira. Trata-se dos quatro volumes de Teoria da História (Petrópolis: Editora Vozes, 2011. 4v), de autoria de José D’Assunção Barros. O autor é historiador e professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Além da História, Barros transita também pelo campo da música, possui, inclusive, graduação nessa área. Acerca das suas subáreas de interesse, no campo da História, destacam-se Teoria da História, Metodologia da História e Historiografia. O autor não é estreante no campo técnico/teórico da História. Dois textos de sua autoria merecem referências: O Campo da História (Petrópolis: Editora Vozes, 2004) e O Projeto de Pesquisa em História (Petrópolis: Editora Vozes, 2005).

Teoria da História, como mencionado acima, dividi-se em quatro volumes.

O volume I, Teoria da História: princípios e conceitos fundamentais, com 319 páginas, é composto de quatro capítulos. Neles, o autor aborda os “princípios e conceitos fundamentais da teoria da história”: teoria, formação do historiador, metodologia, teoria da história, filosofia da história e alguns conceitos fundamentais, campo histórico, escola histórica, paradigma historiográfico, matriz disciplinar, etc. Na parte final do desse volume Barros apresenta a discussão sobre a “liberdade teórica” e “algumas perguntas propostas pela teoria da História”. Nesta última parte encontra-se, ainda, o que o autor sugestiona como sendo questões inquietantes no universo da teoria da história.

O volume II, Teoria da História – os primeiros paradigmas: positivismo e historicismo, com 246 páginas, está disposto em quatro capítulos. O volume II discute a emergência da historiografia científica e examina os dois primeiros paradigmas historiográficos clássicos: o Positivismo e o Historicismo, bem como a contraposição existente entre eles. Esse volume é finalizado com uma discussão acerca dos “relativismos” na historiografia do século XX. Para o autor, o debate entre objetividade e subjetividade, no século XX, reedita a oposição entre Positivismo e Historicismo do século anterior.

O volume III, Teoria da História – os paradigmas revolucionários, com 328 páginas, divide-se em dois capítulos. Os paradigmas revolucionários são o Materialismo Histórico e as Descontinuidades. Nesse texto são examinados os dois paradigmas que promoveram mudanças consideráveis no campo da História durante o século XX. No primeiro capítulo, o livro apresenta o Materialismo Histórico, a partir de alguns dos seus conceitos centrais (ideologia, dialética, modos de produção, luta de classes, práxis, etc.). O segundo e último capítulo examina o que se denomina de paradigma da Descontinuidade. O autor inicia sua avaliação pela crítica de Friedrich Nietzsche à historiografia do século XIX. A conclusão do capítulo finaliza-se com uma discussão dos desdobramentos da Descontinuidade no século XX, sobretudo, a partir das proposições de Michel Foucault.

O volume IV, intitulado Teoria da História – acordes historiográficos: uma nova proposta para a teoria da história, com 445 páginas, distribuídos em sete capítulos, aparece mais claramente uma sugestão de novidade para o campo da teoria da história.

A partir de “uma metáfora musical para a historiografia”, capítulo um, Barros, nos seis capítulos seguintes, na ordem que se segue, examina detidamente seis pensadores ou filósofos relacionados ao campo da história, entre o quais estão Ranke, Droysen, Max Weber, Paul Ricoeur, Koselleck e Karl Marx. São nesses capítulos restantes que, de certa forma, o autor testa a validade da teoria dos “acordes historiográficos”. O volume é concluído com a explicação de o porquê de uma “análise acórdica” da historiografia.

A motivação da proposta de uma metáfora musical – acordes – para exames de obras/pensadores ligados à História é justificada como consequência de dois aspectos inter-relacionados. Primeiro, em decorrência do advento da perspectiva de compreensão da época atual, denominada de pós-modernidade. A pós-modernidade (século XX) questiona vários dos pressupostos de compreensão do mundo moderno, cujos fundamentos, normalmente, se ancoram nos ensinamentos da ilustração do século XVII. Segundo, alguns pensadores, filósofos ou teóricos da História, nem sempre são classificáveis em modelos, paradigmas únicos; isso tanto em perspectiva sincrônica quanto diacrônica. Barros cita Michel Foucault como exemplo de pensador que não se enquadra, facilmente, em único modelo ou paradigma explicativo.

A metáfora musical usada por Barros exige, pelo menos, iniciação mínima no campo da teoria musical. No obstante, tentar-se-á aqui descrever a transposição entre História e Música sem os pormenores dessa última área do saber. Um acorde musical é “um conjunto de notas musicais que soam juntas e assim produzem uma sonoridade compósita” (vol. 4, pág. 15), isto é, um conjunto de peças menores que geram uma peça maior. Um “acorde historiográfico”, por sua vez, é uma metáfora sobre “um grupo de aspectos e/ou linhas de influência que permita definir a visão de mundo e a prática de determinado historiador ou filósofo que se relaciona com a História” (vol. 4, pág. 16).

As principais vantagens da metáfora “acorde historiográfico”, de acordo com o autor, são três. Primeiro, ela permite uma classificação simples do objeto examinado. Por exemplo, é possível examinar isoladamente um historiador representante de um determinado paradigma. Segundo, pode-se ainda conceber um pensamento historiográfico em movimento, isto é, por meio de sucessões de acordes historiográficos pode-se captar o movimento de um dado objeto em exame. E, por último, os acordes possibilitam a captura de contradições, incoerências e discrepâncias de um pensador; sincrônica e diacronicamente. Sucintamente, eram esses os pontos que se pretendia destacar na obra ora em avaliação.

Para finalizar esse exame, restaria aqui fazer algumas observações. O texto Teoria da História, sobretudo, nos três primeiros volumes, tem, entre seus méritos, o de permitir ao leitor atualizar-se no estado da arte desse campo da história. Os manuais de teoria da história disponíveis no Brasil ou calam ou radicalizam nas críticas acerca de determinados assuntos. A obra de Barros ao trazer o estado da arte do campo da teoria da história, sem ressentimentos, incluindo-se, aí as visões pós-modernas, propõe-se como um texto de contribuição diferenciada.

Os leitores mais críticos poderão denominar a obra em avaliação de conciliatória. Particularmente, esta qualidade em um texto não é, necessariamente, ruim. A proposta de Teoria da História, especialmente, se tomarmos como referência o último volume (v. 4), claro está que, a metáfora dos acordes, ao dar mais flexibilidade ao modelo explicativo soa como contraditório ao ensinamento clássico dos paradigmas estanques. Desta forma, os quatro volumes de Teoria da História trazem átona a inquietação das metaexplicações ou metanarrativas.

Essas particularidades da Teoria da História sugerem leituras e leitores distintos. Os três primeiros volumes, destinados a descrever o estado da arte, sem ressentimentos, ao longo dos séculos XIX e XX, apontam para o uso normal nas graduações de História. O quarto volume, por sua vez, como bem destacou o autor, por tratar-se de um ensaio, possivelmente, tencionará leituras e leitores mais críticos.

Teoria da História se soma à lista de textos similares, sabidamente pequena, produzidos no Brasil. Isto já valeria o esforço do autor em disponibilizar o texto ao público interessado na área. Sem dúvida, o texto de Barros não se limita somente a essa presteza estatística, de ser mais um texto de teoria da história; condição que por si só não é um demérito. Além do mais, como apontado acima, quando Teoria da História descreve, sem ressentimentos, o estado da arte dos últimos duzentos anos, nos três primeiros volumes, permite ao leitor acompanhar os encontros e os desencontros do campo, incluindo-se aí as últimas novidades, não tão novas assim, tais como as ideias de paradigma, de descontinuidade e de matriz disciplinar; para citar três exemplos. O quarto volume de Teoria de História, por tratar-se de uma “aposta” exigirá mais tempo para se avaliar sua recepção no meio historiográfico. O próprio autor ao denominar a proposta de ensaio sugeriu estar submetendo sua ideia ao meio para avaliação. Logo, ainda é muito cedo para avaliar a receptividade dos “acordes historiográficos”, bem como o seu poder explicativo.


Resenhista

Raimundo Agnelo Soares Pessoa – Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Professor na Universidade Federal de Goiás. E-mail- tupinick@yahoo.com.br


Referências desta Resenha

BARROS, José D’Assunção. Teoria da História. Petrópolis: Editora Vozes, 2010. Resenha de: PESSOA, Raimundo Agnelo Soares. Acordes histográficos: por uma nova teoria da história. Revista Mosaico. Goiânia, v.4, n.1, p.150-152, jan./jun. 2011. Acessar publicação original [DR]

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