História, espaço, geografia: diálogos interdisciplinares | José D’Assunção Barros

A produção de trabalhos de História Regional são reveladoras de diversas situações históricas, culturais, sociais, econômicas e políticas que muitas vezes só podem ser percebidas quando estabelecemos um recorte espacial. Por isso, podemos considera-la como uma alternativa dentro da produção historiográfica brasileira que permite observarmos a atuação de diversos sujeitos muitas vezes anônimos se considerarmos a história escrita, ou almejada, de âmbito nacional.

Durval Muniz Albuquerque Júnior, porém, nos alerta para o risco de estabelecermos uma produção historiográfica hierarquizada na qual a História Regional seria secundária em relação à História Nacional. Albuquerque Júnior questiona a falta de crítica do lugar da produção do saber historiográfico por parte de quem faz a História Regional ao ponto de que esses historiadores estariam participando de uma divisão entre História Nacional e História Regional e, consequentemente, hierarquizando os espaços no campo historiográfico (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011, p. 39-40). Tal crítica nos permite refletir o fazer a História Regional não como resultado de uma série de operações limitadas territorialmente e desconectadas espacialmente de outras áreas, mas como uma abordagem interdisciplinar dialogando com a Geografia, Sociologia, Antropologia, Ciência Política entre outras. Leia Mais

Teoria e Formação do Historiador – BARROS (RTA)

BARROS, José D’Assunção. Teoria e Formação do Historiador. Petrópolis: Editora Vozes, 2017, 95p. Resenha de: FERREIRA, Breno Ferraz Leal. A formação do historiador e a especificidade de seu ofício. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v.10, n.25, p.497-501, abr./jun., 2018.

Derivado de um artigo publicado na Revista Teias (v. 11, n. 23, 2010), Teoria e Formação do Historiador visa fornecer subsídios para futuros historiadores recém-egressos dos bancos escolares. Parte da constatação de que há um fosso entre o conhecimento senso comum sobre a história, partilhado por profissionais de outras áreas e curiosos em geral, e o que é ensinado nos cursos de graduação voltados a esse específico campo do saber. Nesse sentido, a obra pretende justamente auxiliar os novos estudantes a tomarem consciência dessa diferença, trabalhada normalmente no primeiro ano dos cursos de História em disciplinas iniciais muitas vezes denominadas por Introdução aos Estudos Históricos. É justamente nesse momento da formação, quando o jovem futuro historiador começa a compreender as discussões teóricas e metodológicas, que são próprias à produção do conhecimento histórico, que se inicia a transição de um mero interessado em história para um historiador profissional.

De autoria do historiador José D’Assunção Barros, professor do programa de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Teoria e formação do historiador é composto por sete capítulos curtos, nos quais sintetizam-se discussões anteriormente desenvolvidas nos três volumes iniciais, dos cinco que compõem, até o momento, a coleção do mesmo autor denominada Teoria da História, também publicada pela Vozes. Sempre ressaltando ser uma obra de caráter introdutório, o autor opta apenas por, numa linguagem didática e simplificada, apresentar as linhas-mestras do conteúdo da obra anterior, propondo-se a servir também como estímulo para a leitura daquela. A intenção é assinalar as principais diretrizes das que considera serem os três principais (não únicos) paradigmas da historiografia do século XIX: Positivismo, Historicismo e Materialismo Histórico. A escolha por essas correntes da historiografia se dá pelo fato de se constituírem, segundo o autor, como discursos historiográficos que almejam o estatuto de ciência, formando-se como as primeiras Teorias da História.

Estes paradigmas são desenvolvidos nos capítulos 5 e 6, enquanto que, no capítulo 7, são feitas as últimas considerações. Nos capítulos iniciais, todavia, o autor centra seus esforços para apresentar questões conceituais que serão depois necessárias para um adequado entendimento dos paradigmas historiográficos. Inicia-se (capítulo 1) com uma discussão em que assinala o momento histórico em que foram concebidas as primeiras Teorias da História (o que é bem diferente das Filosofias da História e, mais ainda, do pensamento histórico em geral), isto é, entre o final do século XVIII e o início do XIX. O autor examina em seguida o que é teoria (capítulo 2), as diferenças entre teoria e metodologia (capítulo 3) e o que é Teoria da História (capítulo 4).

O autor entende as teorias (em geral, não apenas as da História) como modos de se ver o mundo. O conhecimento é, assim, produzido a partir de pontos de vista. Em outras palavras, não há uma via única para a produção do saber. Porém, uma visão de mundo não configura necessariamente uma teoria (as religiões são um exemplo). O autor aponta que a constituição de uma teoria depende também do estabelecimento de conceitos e categorias que são empregados para a leitura de um determinado campo de fenômenos. Nesse sentido, qualquer Teoria da História necessariamente implica na existência de conceitos e noções próprios.

Contudo, antes de analisar propriamente o que é uma Teoria da História, Barros opta por desenvolver uma diferenciação entre teoria e método. Se a teoria se relaciona a um “modo de ver”, uma metodologia implica num “modo de fazer”. O trabalho do historiador compreende também a seleção e o estabelecimento dos materiais com os quais lidará (no caso, chamados de fontes). A escolha do método variará de acordo com a perspectiva teórica a ser adotada e, dependendo do objeto de estudos e dos dados que tiver em mãos, o pesquisador poderá propor entrevistas, construir gráficos, comparar discursos… E deverá também saber interpretar esse material.

Somente a partir do século XIX é que podemos, todavia, falar em Teorias da História, como destaca o autor. Almejando reconfigurar a História dotando-a de um estatuto científico, os historiadores passaram a abandonar o entendimento de que constituía um gênero literário. Essa mudança foi acompanhada da profissionalização do trabalho do historiador, assegurando-se um lugar específico para a História nas universidades. A partir de então, a expressão Teoria da História foi utilizada em diferentes sentidos, referindo-se ao “conjunto global de artefatos teóricos (conceitos, princípios, perspectivas) disponíveis aos historiadores”, aos “grandes paradigmas teóricos” e também a “objetos historiográficos específicos” (como à Revolução Francesa) (p. 44-45).

Os dois capítulos seguintes tratarão justamente dos grandes paradigmas teóricos constituídos no século XIX, todos pensando-se – por diferentes concepções – como ciência: Historicismo e Positivismo (capítulo 5) e Marxismo (capítulo 6). Os positivistas, como ele diz, procuravam se aproximar do modelo das ciências naturais, aspirando à neutralização da subjetividade do pesquisador. A proposta era enxergar as regularidades, leis gerais que operariam por trás das ações humanas, as quais poderiam ser derivadas inteiramente por meio da documentação. Caberia ao historiador “imparcial” deixar os documentos falarem, não havendo qualquer tipo de problematização na produção do conhecimento histórico. Essa pretensão de objetividade, embora não explicitamente rechaçada por Barros, é indiretamente afastada. Já na Introdução, o autor havia argumentado que o pensamento senso comum entende ser a função do historiador narrar “os fatos tal como aconteceram”, isto é, uma história neutra em que se baseiam, por exemplo, os proponentes do “escola sem partido”. Contrapondo-se a esse tipo de pensamento, Barros parte do pressuposto do inescapável relativismo do sujeito. Sobre a velha questão da utilidade da História, sentencia que “a missão essencial do historiador é (…) fornecer à sociedade diversas interpretações problematizadas sobre o que aconteceu” (p. 8). Os fatos são importantes também, mas desde que interpretados pelo historiador. Subjaz o entendimento de que essa é uma resposta possível, não única nem definitiva.

Já os demais paradigmas descartam, como deixa claro, a pretensão à neutralidade. Os historicistas recusam por completo o modelo das ciências naturais. Não veem a subjetividade do sujeito como um problema: pelo contrário, entendem residir nisso exatamente a especificidade da história. A pretensão de se explicar os fenômenos é substituída pela tarefa da compreensão. A grande contribuição do Historicismo para a historiografia é, segundo Barros, a atenção dada à questão da historicidade de todas as coisas. Esse paradigma, como afirma, deu origem a correntes da historiografia que chegaram até os dias atuais e, pode-se dizer, isso não se deu por acaso. O relativismo do sujeito é praticamente um consenso entre historiadores profissionais da atualidade, enquanto que as noções positivistas não frutificaram depois das críticas por parte da historiografia do século XX (especialmente dos Annales), ficando relegadas ao senso comum.

O Materialismo Histórico, por sua vez, também tem na ideia de consciência histórica um ancoradouro, aponta Barros. A partir de Marx e Engels, desenvolveu fundamentos (Dialética, Materialismo e Historicidade) e conceitos (práxis, luta de classes, modo de produção, determinismo, revolução, ideologia) que lhes são inerentes. Algumas das noções nas quais o marxismo é baseado foram, como o autor deixa claro, resultado de ressignificações e reelaborações de ideias e conceitos preexistentes, mas que formaram uma teoria inteiramente nova para a compreensão da realidade. Diferentemente do Positivismo, por exemplo, que atentou principalmente para a política, o marxismo voltou-se principalmente para as bases socioeconômicas das sociedades, e aí reside uma de suas principais contribuições, conforme aponta o autor. As correntes historiográficas marxistas figuram entre as mais importantes até a atualidade, destacando-se a Escola Inglesa, que, reavaliando a teoria marxista precedente, trouxe a cultura para primeiro plano.

Sempre deixando claro que esses paradigmas não são os únicos, a obra pouco avança sobre as mudanças da historiografia nos séculos XX e XXI (pensamos aqui particularmente nas principais críticas feitas à corrente historiográfica positivista pelos historiadores que vieram a fundar a revista dos Annales em 1929 – Marc Bloch e Lucien Febvre – e pelas gerações subsequentes, que, condenando a ideia da neutralidade do historiador, aproximaram a história das ciências sociais e propuseram novos objetos e perspectivas teóricas), nem retroage sobre o pensamento histórico anterior ao XIX. Todavia, cumpre bem o papel a que se propõe, isto é, o de fornecer uma discussão introdutória aos alunos de graduação sobre Teoria e Metodologia da História.

Breno Ferraz Leal Ferreira – Doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Estágio Pós-Doutoral na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Bolsista FAPESP. São Paulo – SP – Brasil. E-mail: [email protected].

Teoria da História (v.1) Princípios e conceitos | José D’Assunção Barros

Pode um historiador ser considerado culto e competente sem nenhuma preparação teórico-metodológica? Pode um professor, mesmo dos Ensinos Fundamental e Médio, ensinar sem nenhuma bagagem teórico-metodológico? A epistemologia deve ficar restrita à alguns pequenos círculos ou deve envolver todos os membros da comunidade de historiadores?1 São sobre tais questionamentos que o livro “Teoria da História: princípios e conceitos fundamentais”, de José D’Assunção Barros, se propõe a discutir. Na obra, o autor apresenta explicações fundamentais para a compreensão da História como campo de conhecimento, com suas próprias peculiaridades teóricas e metodológicas. Leia Mais

A Expansão da História – BARROS (TH)

BARROS, José D’Assunção. A Expansão da História. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2013. Resenha de: FAGUNDES, Bruno Flávio Lontra. Será possível fazer de outros modos? Configurações e práticas da disciplina história segundo algumas de suas teorias. Tempos Históricos, v.18, p.404 – 409, 1º Semestre de 2014.

De início, ao leitor poderá parecer que o livro A Expansão da História é mais um livro de textos panorâmicos sobre Teoria da História em aspectos gerais que renovaram a disciplina no século XX, mas seus seis textos fazem mais, verticalizando discussões. Com um pano de fundo diagnosticado como de interdisciplinaridade e risco de hiperespecialização da disciplina História, discutem-se conceitos históricos e fragmentação disciplinar num contexto de multidiversidade temática e de abordagens. O autor propõe analogias e metáforas pouco convencionais para se pensar a História e os historiadores. Conceitos como “dialogismo” e “polifonia” articulados à Teoria dos discursos e à Teoria musical são base para análises originais. Recorrentes nos textos, a polifonia e a música explicam-se: o autor é formado em História, mas também em Música, do que se aproveita bem, fazendo interdisciplinaridade. O livro compila seis conferências feitas entre 2009 e 2012 e, como na está na Apresentação da obra, o “tema comum a todas é a História – mais especificamente nos seus aspectos teórico, metodológico, historiográfico”. (p.7)  O capítulo 1, A Expansão da História, é panorâmico mesmo, da “rica diversidade e sobre a crescente complexidade da historiografia contemporânea” (p.15). Se o século XIX foi o “século da História” e constituiu acervos e arquivos que trouxeram a disciplina História para o primeiro plano, foi no século XX que houve “novas revoluções (…) agora direcionadas para uma reconfiguração do próprio campo de saber histórico, de seus métodos, aportes teóricos, temas de estudo” (p.14). O raciocínio sobre a expansão presume a “reconfiguração da História” presidida por “três grandes forças: (…) a tendência à especialização, a chamada ‘crise do paradigma único’ e as aberturas oferecidas pela interdisciplinaridade” (p.18). O autor problematiza a multidiversidade das “inúmeras subdivisões historiográficas” (p.26) surgidas do cruzamento dos fatores “hiperespecializacao”, “multiplicação de paradigmas” e “interdisciplinaridade” que atingiram a História no decorrer do século XX. E desenvolve argumento em torno da ausência de critérios claros e coerentes que justifiquem aquela multidiversidade.

As modalidades infinitas de escrita e de campos de investigação histórica se concretizaram em “grandes coletâneas de ensaios historiográficos que buscavam apresentar uma reflexão dos diversos historiadores sobre seu próprio ofício” (p.26) e sobre sua própria modalidade, sem, no entanto, demonstrar quais critérios agrupavam modalidades tão diversas e tão sem aparente ligação, como mulheres, economia, vida urbana, vida privada, mentalidades, trabalho, família, medo, infância etc. Barros considera que tais coletâneas pareciam agrupar modalidades historiográficas de modo muito mais aleatório e assistemático, aparentemente sem nexos científicos. Sobre os critérios de coerência para os agrupamentos aparentemente sem nexos de modalidades historiográficas tão distintas em coletâneas editoriais, o autor questiona: “dito de outra forma, que sistematização de critérios pode ser pensada para presidir a organização de livros (…) de modo que os capítulos do livro não pareçam (…) estarem unidos por uma ordem aleatória, não científica?” (p.28). Contra essa ausência de critérios para se pensar essa realidade de aleatória multidiversidade historiográfica, Barros pondera se não seria possível uma “Teoria dos campos históricos” ou algo que pudesse ser uma “tábua explicativa” para os sistemas que produzem uma “ordem lógica para a compreensão” (p.29) dos critérios de agrupamento de tão variadas modalidades historiográficas.

Deriva de sua proposição uma indagação ousada sobre “possibilidades novas de escrita da história” nas próximas décadas. O autor, porém, entende essas “possibilidades novas de escrita” sob duas perpectivas: uma, a da proposição de outros campos de pesquisa e novos objetos de estudo que venham a multidiversificar ainda mais a disciplina, o que o autor questiona; depois, ele entende a escrita como “apresentação” da história pelo historiador sob a forma de um texto, mas pondera se não haveria “a possibilidade de teses de História apresentadas em formatos de vídeo ou DVD, ao invés do tradicional formato livro?” (p.37). Não há considerações e juízos de Barros sobre as possibilidades de os textos serem apresentados em forma que não o do formato livro, o que frustra um pouco a expectativa do leitor em ouvir considerações propriamente teóricas. Tais ponderações enriqueceriam, do ponto de vista de sua apreciação teórica, o tratamento de um tema ainda em elaboração pela comunidade de praticantes da disciplina: faz-se necessário aprofundar a análise dos fatores que, na história, fizeram da apresentação do conhecimento histórico escrito para o livro um provável determinante da História conhecimento científico.

Essas possibilidades de escrita mencionadas pelo autor reaparecem no capítulo 2, A Escrita da História a partir de seis aforismos, em análise que aproxima a História das artes visual e literária: “a história da Historiografia (…) é feita das transformações que têm se dado tanto na instância científica da História como na sua instância artística” (p.43). O autor informa o cerne do texto: “Como se dá a tensão entre ciência e arte no interior da História, aqui compreendida como forma específica de conhecimento, e como o ensino voltado para a formação do historiador administra esta tensão. (…)” (p.43). São seis os aforismos – “tudo é História”, “toda história é contemporânea”, “toda história é local”, “a História é arte”, “a História é polifônica” e “a História é multimidiática”. Com eles, Barros discorre sobre o que teria norteado o encaminhamento da concepção da disciplina no século XX e há considerações sobre a formação oferecida por cursos de História e sobre o que entende ser o discurso do historiador: “(…) a um só tempo, cientificamente interdisciplinar, artisticamente literário e experimentalmente multivocal” (p.51). São feitas afirmações surpreendentes acerca de currículos que formam historiadores, advogando que o historiador não poderia deixar de ter “(…) disciplinas que o habilitem a lidar mais artisticamente com a Escrita da História”(p.56). Ou então: “(…) seriam necessários os já mencionados enriquecimentos no currículo das graduações de História, e desta forma o historiador poderia pensar em adquirir conhecimentos mais sólidos de fotografia, programação visual, cinema, ou mesmo música para o caso mais específico da incorporação da sonoridade” (p.75). Nesse capítulo 2, ao tratar da relação entre a História e a Arte, entre instância científica e artística da História, o autor se reporta à formulação de Michel de Certeau em 1977 sobre a representação histórica, publicada em Magazine Littéraire em mesa-redonda com Philippe Ariés, Jacques Le Goff, Le Roy Ladurie e Paul Veyne: que o historiador repensasse “a relação existente entre o trabalho profissional de investigação (também ele modificado) e a representação historiográfica”.

No capítulo 3, Fontes históricas: olhares sobre um caminho percorrido, o autor se estende sobre a constituição de fontes históricas no século XX com o corolário de olhares novos que aquelas ensejam sobre realidades passadas. O autor revê o arco de mutações pelas quais a disciplina passou na questão das fontes desde os metódicos até os contemporâneos. Entende a “expansão documental” com ênfase no conceito de “fontes intensivas”, quais sejam: as fontes dialógicas e polifônicas pressupostas na análise micro-histórica. “Uma vez que deseje (…) uma análise intensiva de suas fontes, o historiador deve estar atento a tudo, sobretudo aos pequenos detalhes (…) ele estará trabalhando ao nível da realidade cotidiana, das trajetórias individuais, das estratégias que circulam sob uma extensa rede de micropoderes (…)” (p.95). Barros é bastante simpático com a análise micro-histórica, propõe metodologia para tratar de fontes dialógicas e Carlo Ginzburg é seu interlocutor primaz no capítulo. Revelando o cotidiano, as fontes dialógicas recolhem as várias vozes de sujeitos que falam ao mesmo tempo numa troca contraditória de enunciados a serem identificados e compreendidos: indivíduos “(…) cada qual mergulhado na sua intersubjetividade e no seu circuito de ambiguidades pessoais (…) uma rede dialógica, polifônica, na qual estarão expressas diversas vozes a serem decifradas” (p.97). Com Bakhtin, os textos estão numa “rede intertextual, em um diálogo com outros textos” (p.104). Uma vez mais, a metáfora da polifonia ressurge: o historiador “ (…) lida com planos polifônicos envolvendo várias épocas. Entre as várias vozes com as quais irá lidar está a sua mesma” (p.125). Várias vozes são uma “música” que o historiador deve reconhecer sem impor sua voz às demais vozes, com as quais – diríamos – canta também, melódica e harmonicamente.

Os capítulos 4, Espaço e História, e 5, O lugar da história local, encadeiam-se. O homem e o tempo são categorias históricas irredutíveis, mas também o espaço físico, e mais ainda: os espaços geográfico, político, social, cultural, imaginário e virtual. A contribuição de Braudel é relevada. O O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico no tempo de Felipe II é visto como ensaio sobre a “temporalidade especializada na qual o tempo infiltra-se no solo a ponto de quase desaparecer” (p.147). A polifonia reaparece. Braudel baseia-se no ritmo da duração dos tempos e captou a “longa duração”, da qual se vale para “orquestrar polifonicamente as três durações distintas” (p.149) e simultâneas do tempo. Braudel “havia considerado que o Mediterrâneo possuía, sob certos aspectos, uma unidade que transcendia as unidades nacionais” (p.150), regiões autônomas que convergiam para um “ritmo supralocal” (p.150), vozes que se harmonizavam. O autor distingue história local e regional da micro-história, “que (…) frequentemente vê-se confundida com a história local por trabalhar com realidades ‘micro’ (…)”. Numa guinada interpretativa, Barros figura a academia como um espaço também de poder, onde há um “jogo institucional de poderes e saberes”.

Nesse espaço universitário, haveria uma repartição das tarefas intelectuais entre universidades que seria falaciosa, que hierarquiza o saber e impõe um “modelo de divisão do trabalho intelectual” (p.186). Para o autor, na universidade brasileira o “universo da pós-graduação stricto sensu, a instância maior para a produção da pesquisa no Brasil” (p.186) é o “sistema que se superpõe à rede de poderes e saberes” das universidades, distinguindo-as de maneira perniciosa entre “universidade centrais” – que fariam a pesquisa de “saberes maiores”, de realidades mais amplas e de caráter mais geral – e “universidades periféricas” – que se dedicariam a qualquer modalidade temática de História e/ou a saberes locais, principalmente “a história das localidades nas quais se assentam” (p.186). As instituições se distinguiriam, assim, segundo um sistema de poder cujos praticantes acabam tendo de conceber a universidade como grande território de espaços estratégicos a serem ocupados conforme uma geopolítica que gera desigualdades, provocando mais conflito e hierarquia do que solidariedades, o que pouco colabora no país com o desenvolvimento da pesquisa como um todo em História. O autor ataca o que chama de “esquadrinhamento geográfico” dos saberes acadêmicos e não admite que em um “mundo informatizado e ágil nas comunicações e meios de transporte” (p.186), com muitos arquivos digitalizados e em rede, ainda se pense em dividir a tarefa intelectual da pesquisa entre sujeitos conforme sua localização física e pretensa superioridade, uma vez que “um historiador residente em qualquer lugar do país pode empreender boa parte de uma pesquisa relacionada a qualquer tema” (p.187) mais amplo, esteja onde estiver.

No capítulo 6, Acordes Teóricos, há um convite ao que chama de “pensar acórdico”, onde a Teoria musical fundamenta “um novo modelo para a imaginação teórica” (p.221). Instado a se especializar, o intelectual faz interdisciplinaridade ainda e promove “movimentos e propostas que acenam para uma religação de saberes” (p.189). Contra classificações perfeitas que não captam variações ao longo de trajetórias intelectuais de autores, Barros usa a imagem de um “conjunto de notas musicais que soam juntas”, o acorde, que produz uma “sonoridade compósita” (p.196). O autor sustenta que obras intelectuais são reiteradas, modificadas e revistas ao longo de seus trajetos, e isso não é o caso de desqualificá-las em nome de suspostas incoerências, contradições ou falta de uniformidade. Em todo autor, segundo Barros, há variações, ambiguidades e supostas contradições sim, mas como uma polifonia: são pensamentos “em movimento”, com fases que são como “sucessão de acordes” que se harmonizam polifonicamente. A Teoria musical ensina que a obra intelectual, como uma só voz, pode harmonicamente agrupar várias vozes: a obra como um todo é diversidade de fases de produção vistas como harmonia e não incoerência e a produção intelectual não tem uma unidade originária paradigmática que se conserva sempre. Nesse texto 6, o autor oferece um esquema acórdico de pensamento que favorece o olhar para obras intelectuais sempre em movimento de expansão, retração, empréstimos, momentos, contextos – mas em que tudo se transforma numa melodia. A proposição do autor é original porque põe em metáfora uma compreensão mais orgânica da obra intelectual.

O livro A Expansão da História oferece reflexões originais com proposições importantes sobre História e, mais ainda, sobre seus cursos de graduação e de pós-graduação: conceitos, definição, critérios, modos de ser da disciplina se materializam em cursos segundo interesses num campo de disputas. É assim que o livro de D’Assunção de Barros vale muito pelo que ousa dizer num momento da história da História em que seus cursos começam a ser investigados. O livro de José D’Assunção Barros é obra de Teoria da História e soa com um tom de livro já lido, mas não é absolutamente só isso. É, ainda, uma obra com certa ousadia que oferece textos que relevam pontos para um debate teórico sobre o estatuto da disciplina no século XXI e, como desdobramento, sobre como revisões e revisitações à história da História podem orientar novas formas de o historiador comportar-se com relação à apresentação da História, discussão que só agora começa a ganhar espessura com a reflexão sobre as possibilidades do discurso histórico para além do texto escrito e do público especializado.

Bruno Flávio Lontra Fagundes – E-mail: [email protected] .

O projeto de pesquisa em História: da escolha do tema ao quadro teórico | José D’Assunção Barros

José D’Assunção Barros é professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, do Curso de Mestrado e Graduação em História, e professor do Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). É autor dos livros: O campo da História, O projeto de pesquisa em História, Cidade e História, e a Construção social da cor. Referente à música, escreveu, em 2005, o livro Raízes da Música Brasileira, Nacionalismo e Modernismo: a música erudita brasileira nas seis primeiras décadas do século XX em 2005, obra que recebeu o Prêmio: Inéditos da União Brasileira de Escritores no Rio de Janeiro.

O livro “Projeto de pesquisa em História” está dividido em seis capítulos intitulados respectivamente: O projeto de pesquisa e estrutura fundamental; Introdução e delimitação do tema; Revisão bibliográfica; Justificativa e Objetivos; Quadro teórico e Hipótese, além de um rico glossário no final, bastante útil para os pesquisadores iniciantes com pouca intimidade com o vocabulário específico da pesquisa no campo da História.

No primeiro capítulo do livro são explicitadas as etapas da produção de um projeto em História, da fase elementar ao término. Esse capítulo, além de apresentar um resumo geral da temática, indaga ao leitor sobre as perguntas que problematizam a elaboração de um projeto de pesquisa que, segundo Barros, são “instigantes e muito desafiadoras” no início do processe de elaboração do projeto de pesquisa. Esse capítulo ainda retrata a diferença entre pesquisadores, classificando-os em “pesquisador iniciante, pesquisador estudioso, pesquisador profissional”. Nele também são apresentadas as diferenças entre projetos de pesquisa, projetos para levantamentos de fundos e projetos para a produção acadêmica. Ao longo de capítulo, Barros apresenta de forma clara e sucinta as partes que devem conter em um projeto, além de elencar as perguntas que uma pesquisa deve buscar responder: “O que se pretende fazer? Por que fazer? Para que fazer? A partir de que fundamentos? Com o que fazer? Como fazer? Com que materiais? A partir de que diálogos? Quando fazer?”; são perguntas como essas feitas no primeiro capítulo que possibilitam ao leitor elaborar seu projeto de pesquisa de forma bem articulada.

Barros, no segundo capítulo, discute a “Introdução e delimitação do tema”, pois a introdução do projeto deve ser bem resumida. No que diz respeito ao recorte temático, o autor revela que o dever de realizá-lo é do pesquisador que deve apreciar bastante o tema a ser pesquisado, pois são “escolhas […] que dependem mais diretamente do pesquisador” (p. 15). Enfatiza que após essa definição o tema sofrerá vários recortes relacionados ao tempo e ao espaço, além dos contemporâneos recortes do tipo “serial” e “da fonte” que, segundo Barros, são tarefa do historiador. Neste capítulo, o autor discute a escolha do tema, ressaltando a relevância para os pares e o interesse pessoal de cada pesquisador. Merece destaque nesse capítulo, portanto, a importância e o impacto da introdução em um projeto de pesquisa.

No terceiro capítulo, Barros discute a revisão bibliográfica, fundamental para o projeto, pois nenhum pesquisador sai do nada para fazer a sua pesquisa. Ele enfatiza que a revisão bibliográfica “não é listar todos os livros importantes para o seu tema” (p. 23). O autor revela uma preocupação em organizar as revisões bibliográficas, além de apresentar a distinção entre Bibliografia e Fontes, pois a primeira é “fonte histórica é aquilo que coloca o historiador diretamente em contato com o seu problema” (p. 24) enquanto a segunda “constitui o conjunto daquelas obras com as quais dialogamos, seja para nelas nos apoiarmos ou para nelas buscarmos contraste” (p. 25). Essa distinção configura-se como fundamental, pois muitas vezes o pesquisador pode confundir-se ao elaborar sua revisão bibliográfica.

No quarto capítulo, são discutidas a justificativa e os objetivos do projeto de pesquisa, diretamente relacionadas às perguntas norteadoras do estudo. Especificamente no que tange aos objetivos, Barros alerta que esses devem ser “[…] tratados de forma simples dentro do projeto de pesquisa, eles geralmente são expostos em sentenças de acordo com os verbos na forma infinitiva que podem estar listados ou tabelados” (p. 48). Os objetivos são classificados em geral e específicos, sendo que os objetivos específicos devem ser elaborados a partir do geral.

No quinto capítulo, o autor aborda a “interação e a diferença entre quadro teórico e metodologia”, na tentativa de minimizar as dificuldades que o pesquisador pode enfrentar acerca da diferença entre teoria e metodologia, pois os elementos do quadro teórico configuram-se como basilares para a revisão bibliográfica enquanto a metodologia, no campo das Ciências Humanas, remete a uma determinada maneira de realizar uma tarefa, ou seja, eleger ou constituir materiais, movimentar-se sistematicamente acerca do tema previamente definido pelo pesquisador. No campo da História, Barros elenca o Positivismo, o Historicismo, o Materialismo histórico, a Escola dos Analles, a História Cultural e a História Oral, ressaltando que para cada uma delas deve ser fundamentada em teóricos que dedicam-se a esse campo de estudo, pois são fundamentais para dar cientificidade à pesquisa.

No sexto capítulo são discutidas as hipóteses, pois para que toda pesquisa seja realizada, é necessário também existir um problema, uma inquietação e para ela uma possível resposta. Sobre isso, Barros diz que “todo processo de investigação sofre transformações no decorrer da pesquisa, pois a hipótese é formulada antes mesmo de se ter um problema” (p. 92). As hipóteses são, portanto, extremamente importantes para direcionar uma pesquisa. Na tentativa de verificar as hipóteses propostas, o autor sugere um direcionamento para a pesquisa, classificando e enumerando um quadro de funções: função norteadora, função delimitadora, função interpretativa, função argumentativa e hipótese.

O livro “O Projeto de Pesquisa em História: da escolha do tema ao quadro teórico”, descreve minuciosamente e de forma muito exemplificada as partes do projeto de pesquisa, tornando sua leitura indicada tanto para pesquisadores que tenham larga experiência na elaboração de projetos quanto para pesquisadores iniciantes, ou seja, aqueles que estão cursando a disciplina de projeto de pesquisa em História, porque o passo a passo descrito na obra é bastante fácil de ser compreendido, especialmente pela estrutura bem articulada e elaborada.

Djairton Alves de Sousa – Acadêmico do sétimo período do curso de Licenciatura em História da Faculdade Internacional do Delta (FID). [email protected].


BARROS, José D’Assunção. O projeto de pesquisa em História: da escolha do tema ao quadro teórico. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. Resenha de: SOUSA, Djairton Alves de. Sobre Ontens. Apucarana, 2014.

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História Comparada – BARROS (RTF)

BARROS, José D’Assunção. História Comparada. Petrópolis: Vozes, 2014. Resenha de: TEIXEIRA, Igor Salomão. Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v. 7, n. 1, jan.-jun., 2014.

José D’Assunção Barros, professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e no Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC), é dono de vasta produção bibliográfica. Graduado em música e Doutor em história, o autor tem atuado intensamente na área de teoria e metodologia da história, como atestam algumas de suas publicações, como O campo da história (2004); O projeto de pesquisa em história (2005) e Teoria da História (2011).

Em 2014 veio a público um ensaio dedicado integralmente à História Com-parada. Primeira publicação do gênero no mercado editorial brasileiro. É, por esse motivo, uma contribuição significativa para a historiografia brasileira. Quando falamos “primeira publicação” estamos considerando-a como o primeiro livro dedicado a apresentar ao público – iniciantes, principalmente – o que significa abordar dois ou mais objetos simultâneos de análise. Essa não é, no entanto, a primeira publicação sobre o assunto no Brasil, pois, além de importantes livros já traduzidos para o português, como Comparar o Incomparável, de Marcel Detienne, temos uma revista dedicada ao à questão, a saber, a Revista de História Comparada, do PPGHC da UFRJ.1 O ensaio, como caracterizado pelo autor, é dividido em 15 itens. Não possui necessariamente uma introdução na qual costumam ser apresentados os objetivos da obra e suas características, pretensões e limitações. Ao final, o autor defende seu posicionamento a partir da conclusão propositiva “Por uma história relacional”. Pela amplitude dos tópicos enunciados, que vão desde a constituição da História Comparada como campo de estudo, sua “pré-história” e suas características atuais, chegando ao breve item sobre a História Comparada no Brasil, o livro de Barros oferece, de fato, uma gama introdutória de questões para o pensar a comparação. Porém, pela complexidade e diversidade de abordagens apontadas no livro, fazê-la em um texto curto é, desde o início, concebê-lo de forma superficial. Neste sentido, o livro peca por não oferecer análises. Apenas apresenta características dos debates.

Na caracterização oferecida pelo autor, a relação entre a comparação e pro-postas de análise no século XIX pode ser definida como a tentativa do estabeleci-mento de diferenças. Nos processos constitutivos de diferenciação, havia uma espécie de modelo e o objeto comparado era definido na medida em que se distanciava ou se aproximava desse modelo. No geral, essas propostas embasaram perspectivas evolucionistas e etnocêntricas. No século XX, no entanto, Barros apresenta a im-portância que as consequências dos nacionalismos exacerbados na Europa, principalmente, tiveram em relação às defesas pela comparação nas ciências humanas. Segundo o autor, a possibilidade de comparar sociedades distintas e/ou separadas no tempo e no espaço remetia a “estabelecer uma comunicação possível entre vá-rias histórias que até então pareciam fundar-se no isolamento…”.2 Sobre a história comparada no início do século XX o autor também apresenta que as abordagens eram realizadas considerando escalas de análise amplas, como as “civilizações”. O autor cita obras de Oswald Spengler (1879-935) e Arnold Toynbee (1889-1975). O primeiro buscava nas diferenças entre as civilizações as especificidades de cada uma. O segundo buscava nas possibilidades de estabelecer analogias a explicação sobre processos históricos mais amplos.3 Trabalhos da sociologia e da antropologia também foram fundamentais para essas reflexões. Barros cita contribuições de Karl Marx, Max Weber e Émile Durkheim.

Um dos pontos altos da obra é o lugar de destaque dado por Barros à obra Os Reis Taumaturgos, de 1924, escrita por Marc Bloch (1886-1944). Segundo o texto, Bloch identificou dois caminhos para a comparação em história: a) a análise com-parada de sociedades sem contiguidade temporal e espacial e b) a análise compara-da de sociedades com contiguidade temporal e espacial. Na primeira situação, Bar-ros cita a possibilidade de se comparar o “feudalismo europeu” com o “feudalismo no Japão”. A principal característica seria a busca por analogias. Neste caso, o au-tor alerta que o principal risco que corre um historiador ao se dispor a tal empreita-da é o anacronismo e a leitura forçada levando a “uma ficção estabelecida pelo próprio historiador”.4 Na segunda situação, abordagem mais eficaz para Bloch, a proximidade temporal/espacial entre as sociedades proporciona ao historiador a possibilidade de analisar as influências múltiplas que essas sociedades podem exercer umas sobre as outras. E, nesse caso, não apenas as semelhanças são identificáveis. As diferenças na vivência de um fenômeno ajudariam a colocar o foco sobre uma sociedade a partir das especificidades de outra sociedade, como fez Bloch em Os Reis Taumaturgos. Segundo o autor: O material histórico adequa-se, portanto, ao caminho proposto pe-lo modelo preconizado por Bloch: duas sociedades sincrônicas que guardam entre si relações interativas, e que juntas oferecem uma visão clara de um problema comum que as atravessa. Sem uma ou outra, no mero âmbito de uma história nacional, não poderia ser compreendida a questão da apropriação política do imaginário taumatúrgico que se desenvolve nas monarquias europeias, das origens em comum deste mesmo imaginário, das intertextualidades que se estabelecem, do confronto do modelo taumatúrgico com outros modelos de realeza.5 Nessa longa citação podemos também perceber, além da importância da sin-cronia e contiguidade entre as sociedades analisadas por Bloch, a necessidade de um problema que possibilite o trânsito do historiador entre uma sociedade e outra. A partir desta leitura Barros apresenta a importância dos Annales na constituição de uma história comparada problematizada a partir do presente para propor explicações sobre o passado.

O autor também evidencia a “ausência de cercas” na história comparada re-velando que, em geral, para se realizar uma empreitada de comparação é preciso conectar a análise com outros campos do conhecimento histórico. No item 7 do livro, totalmente dedicado a essa questão6, Barros identifica a demografia e a eco-nomia como terrenos propícios à comparação. A possibilidade de analisar grupos sociais distintos em uma mesma sociedade também pode proporcionar análises comparadas. Outros objetos, como as cidades, também foram trabalhados em perspectivas comparadas.7 Para além das diversidades de objetos, e daquela visão geral que o autor apresenta das perspectivas evolucionistas e etnocêntricas do século XIX, às propos-tas de rompimento das barreiras nacionais do mundo ocidental pós-guerra no século XX, de um modo geral, Barros define, no início do livro, a História Comparada – em maiúsculo, com pretensões de um campo constituído – como um método: Trata-se de iluminar um objeto ou situação a partir de outro, mais conhecido, de modo que o espírito que aprofunda essa prática comparativa dispõe-se a fazer analogias, a identificar semelhanças e diferenças entre duas realidades, a perceber variações de um mesmo modelo. Por vezes, será possível ainda a prática da iluminação recíproca, um pouco mais sofisticada, que se dispõe a confrontar dois objetos ou realidades ainda não conhecidos de modo a que os traços fundamentais de um ponham em relevo os aspectos do outro…8 As diferenças na iluminação recíproca pretendida é que possibilitam o entendimento mais contemporâneo da História Comparada. De um modo geral, Bar-ros situa a produção historiográfica até a primeira metade do século XX como abordagens que não entrelaçavam e/ou cruzavam as sociedades estudadas. A com-paração resultava na caracterização separada de cada sociedade a partir de um de-terminado fenômeno “problematizado”. Para os últimos anos daquele século e início do século XXI, no entanto, o autor identificou diferentes propostas: as de história global; a história interconectada; a transnacional e a história cruzada. No primeiro caso, a principal questão é não trabalhar com uma relação centro-periferia na qual o centro já está pré-definido. No segundo, a proposta é fazer com que o historiador deixe-se conduzir “criativamente por seu tema, o qual … pode deslocar-se através de diferentes grupos sociais, identidades étnicas, definições de gênero, minorias, classes ou categorias profissionais.9 Na perspectiva da história transnacio-nal, diferentemente da história global (que se definiria mais pelo recorte), a aborda-gem se caracteriza pelo desafio de enfrentar “a noção arraigada de que o nacional” é uma categoria emoldurante. Nessa perspectiva a nação é algo a ser estudado, e não o espaço que enquadra o estudo.10 A última das propostas elencadas por Barros, a história cruzada, é caracterizada como uma abordagem que não ilumina uma sociedade a partir de outra, e sim, como uma abordagem que analisa uma sociedade através de outra. Nessa proposta, Barros utiliza amplamente as “defesas” apresentadas por Bénédicte Zimmermann e Micahel Werner, Eliga H. Gould e Jürgen Kocka. Os principais elementos dessa proposta são as aberturas geradas tanto para as possibilidades de análises compara-das de escalas (um historiador pode observar um fenômeno numa perspectiva ma-cro e micro), as possibilidades narrativas propriamente ditas (que o autor chama de “historiografias cruzadas”) e o diálogo “com as possibilidades polifônicas” em dife-rentes abordagens.11 Barros também dedica o item 9 às abordagens baseadas na comparação de sociedades sem contiguidade temporal e espacial. O principal elemento observado pelo autor é a possibilidade para o delineamento de diferenças.12 Porém, assim co-mo item 13 sobre trabalhos realizados no Brasil sobre História Comparada, Barros não oferece muitas informações e análises ao leitor. Neste item e pela vinculação do autor ao PPGHC o livro poderia ser mais propositivo.13 Os três últimos itens do livro, a saber, “Delineamentos para estabelecer a História Comparada em sua especificidade”, “A História Comparada e sua instância coletiva” e “Considerações Finais – Por uma História Relacional” tendem a sintetizar o que autor apresenta anteriormente. Vale destacar o alerta que o autor reforça sobre as propostas de grandes sínteses econômicas e sociais. Segundo o texto, esses projetos não são de história comparada, pois oferecem panoramas descritivos. A característica marcante é “examinar sistematicamente como um mesmo problema atravessa duas ou mais realidades histórico-sociais distintas…Faz-se por mútua iluminação de dois focos distintos de luz, e não por mera superposição de peças”.14 A partir dessa característica a história comparada pode ser aplicada tanto na narrativa quanto na escala de observação. Esses elementos levam à reflexão sobre como realizar o trabalho. Para Barros, a realização de projetos coletivos “atravessados por um ‘problema’” é defendida por pesquisadores, como Marcel Detienne, que tem consciência da dificuldade de analisar duas sociedades (contíguas ou não) simultaneamente. Outra perspectiva presente no livro é a de Jürgen Kocka, que destaca que o historiador deve dispor de uma erudição e disposição disciplinar e interdisciplinar. A diferença entre Detienne e Kocka, sobre este aspecto, está na defesa que este último faz da possibilidade de realização de trabalhos individuais. Porém, nessa concepção, o historiador dependerá cada vez mais dos trabalhos rea-lizados pelos seus pares.15 Ao final do livro o autor retorna aos tópicos anteriores sobre as reflexões recentes que dão nomes como “história transnacional”, “global”, “cruzada”, “inter-conectada”. Para Barros, o que está em questão não é uma disputa para saber qual termo sairá “vencedor”. O desafio aos historiadores contemporâneos é se está nascendo uma “família historiográfica” de “História Relacional”.16 A obra História Comparada, tema desta resenha, é um instrumento válido para os que estão iniciando nas leituras sobre diferentes perspectivas teórico-metodológicas. Como ponto de partida, oferece uma espécie de guia historiográfico de diferentes abordagens sobre a comparação. Mesmo sem muitas análises permite ao leitor seguir adiante e, com isso, cumpre um importante serviço à iniciação científica.

1 http://www.hcomparada.historia.ufrj.br/revistahc/revistahc.htm. Acesso em maio de 2014.

2 BARROS, José D’Assunção. História Comparada.Petrópolis: Vozes, 2014. p. 47.

3 Ibidem, p. 33-38.

4 Ibidem, p. 49.  8 Ibidem, p. 17.

9 Ibidem, p. 90.

10 Ibidem, p. 92 11 Ibidem, p. 135.

12 Ibidem, p. 82-84.

13 Ibidem. p. 136-141.

14 Ibidem. p. 143.

15 Ibidem. p. 157-162.

16 Ibidem. p. 163-166.

Igor Salomão Teixeira – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Correspondência: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Departamento de História – Av. Bento Gonçalves, 9500. Prédio 43311, Sala 116. E-mail: [email protected].

Teoria da História (v.1) Princípios e conceitos | José D’Assunção Barros

Iniciamos esta resenha nos remetendo a algumas questões feitas por José Carlos Reis, em um instigante e provocante artigo. Diz o autor: “Pode um historiador ser considerado culto e competente sem nenhuma preparação teórico-metodológica?”, ou então, “Pode um professor, mesmo do ensino fundamental e médio, ensinar história sem nenhuma bagagem teórico-metodológica?”.2

Reis está entre os historiadores mais dedicados especialistas a abordar as questões teórico-metodológicas da disciplina da História no Brasil e, a seu lado, outro proeminente historiador, José D’Assunção Barros igualmente tem feito sua parte. Este último, escritor de tantos artigos e livros, vem igualmente despertando a atenção do público leitor especializado em História, com uma trajetória consagrada ao estudo de Teoria, Metodologia e Historiografia, propondo que debatamos e discutamos tais esferas do nosso ofício desde o início da graduação nas diversas licenciaturas em História espalhadas pelo país.

Barros, tal como José C. Reis, avalia que é essencial para qualquer profissional da História, ter denso conhecimento teórico sobre sua área de atuação. Conforme ressalta o autor,

A Teoria da História constitui um campo de estudos fundamental para a formação do historiador. Não é possível desenvolver uma adequada consciência historiográfica, nos atuais quadros de expectativas relacionadas ao nosso ofício, sem saber se utilizar de conceitos e hipóteses, sem compreender as relações da História com o Tempo, com a Memória ou com o Espaço, ou sem conhecer as grandes correntes e paradigmas teóricos disponibilizados aos historiadores da própria história da historiografia.3 Não por acaso o livro aqui resenhado, “Teoria da História, Vol. I. Princípios e conceitos”, foi lançado originalmente em 2011 e, já no ano de 2013, encontra-se em mais uma edição, a terceira. Tal obra faz parte de um ambicioso projeto, que contará com seis volumes, cinco dos quais já foram publicados.

Ainda que negue ser do tipo “especialista” que se dedica a um único tema, conforme relatou em recente entrevista,4 José D’Assunção Barros tem ocupado lugar de destaque na área de Teoria, produzindo uma respeitada bibliografia acerca do tema, tanto em formato de artigos, ou em seus livros, tais como, “O campo da História”5 e “O projeto de pesquisa em História”6. Isso não significa que o referido autor esteja limitado à “Teoria e Metodologia”, pois como se sabe, pesquisou temas medievais em seu mestrado e doutorado, além de ter estudado a música, lançando há pouco tempo o livro “Raízes da música brasileira”,7 dentre outros, confirmando sua transitoriedade em diversos assuntos.

Trata-se, neste sentido, de um projeto que vem de longa data, amadurecida no decorrer dos anos em que o autor tem publicado dezenas de textos sobre Teoria e Metodologia. Segundo Barros, sua principal intenção foi pensar a coleção “Teoria da História”, “como um livro que buscasse suprir as demandas, nos cursos de graduação, para a disciplina que recebe este mesmo nome”.8

Desse modo, no primeiro volume de sua coleção, o autor pretenderá situar seus leitores sobre questões pertinentes ao “Campo Disciplinar”, “Teoria”, “Metodologia”, “Escola histórica”, “Paradigmas Historiográficos”, dentre outros temas. Sua preocupação em ser didático está presente, e esta é uma de suas características, isto é, fazer da “Teoria da História” um tema que possa ser atrativo e, ao mesmo tempo, indispensável para o estudante de graduação.

No capítulo inicial, de suma importância para toda a coleção, Barros pretenderá mostrar essencialmente o que são Teoria e Metodologia, quais as suas diferenças, e em que momento elas se aproximam e mantém o que ele chama de “confronto interativo”. Segundo o autor, tal cuidado é pertinente e necessário, pois “não são raras, por exemplo, a confusão entre ‘Teoria’ e ‘Método’ e, mais particularmente, entre Teoria da História e Metodologia da História”.9

Para tanto, inicialmente o autor tem a louvável preocupação de apresentar para o seu leitor o que é exatamente uma “disciplina”, ou um “campo disciplinar”, pois uma vez que ele está a falar de História enquanto disciplina, é bastante produtiva sua preocupação em esmiuçar tal questão, evidenciando como todo “campo disciplinar”, seja da Química, Física, Astronomia, Geologia, Medicina, etc., possui uma história e se modifica com o tempo, conjuntamente com suas práticas e objetos. Neste sentido, Barros – apoiado em Bourdieu -, entende que as regras de um campo disciplinar se transformam e podem ser redefinidas a partir de seus embates internos.

Assim, o autor é bastante instrutivo na sua tentativa de reflexão sobre quais elementos são necessários para que exista uma disciplina, ou um “campo disciplinar”. Desse modo, ele nos apresenta um quadro, com dez características, apresentadas da seguinte maneira. Toda a disciplina é constituída, antes de tudo, por, 1) “campo de interesses” (por exemplo, a História e o estudo daquilo que é humano e nas mudanças dos níveis no tempo e no espaço que ocorrem na história); 2) “singularidades” (isto é, conjunto de parâmetros definidores que justificam sua existência. No caso da História, a consideração do tempo, o uso de fontes, etc.); 3) “campos intradisciplinares” (os desdobramentos dentro da própria disciplina em “microdisciplinas”, tais como “História Cultural, “Micro-história”, “História Política”, etc.); 4) “aspectos expressivos”; 5) “aspectos metodológicos”; 6) “aspectos teóricos” (estes três tópicos se referem ao fato de que nenhuma disciplina se desenvolve sem que sejam construídas certas práticas discursivas, metodologias e teorias); 7) “oposições e diálogos interdisciplinares” (ainda que tenha sua singularidade, todo campo de saber está inserido em uma constante luta disciplinar, desde o seu surgimento, e o diálogo entre várias disciplinas é inevitável); 8) “interditos” (aquilo que se coloca como “proibido” ou “interditado” para os praticantes de uma determinada disciplina, mas que pode se alterar com o tempo); 9) “rede humana” (trata-se do próprio ato de fazer, isto é, os próprios indivíduos de um determinado campo o modificam, com maior ou menor grau de impacto, no exercício de seu ofício); 10) “olhar sobre si” (seria a reflexão sobre o campo, no caso da História, isso se dá por meio de disciplinas como a Historiografia, que é uma tentativa de compreender e analisar historicamente o desenvolvimento dos trabalhos históricos).10 Serão mais de vinte páginas dedicadas a explicar os aspectos inerentes a um “campo disciplinar” e que são bastante úteis para a compreensão de todo o texto, pois situa o leitor, a compreender melhor o funcionamento das disciplinas como um todo e, especialmente a História. Após esse tópico, José D’ Assunção Barros irá se debruçar na tentativa de deixar claro o que é “Teoria” e “Metodologia”, suas aproximações e peculiaridades. Segundo o autor, a teoria seria um “modo de ver” e a metodologia, um “modo de fazer”. Nas suas palavras,

A “teoria” remete (…) a uma maneira específica de ver o mundo ou de compreender o campo de fenômenos que estão sendo examinados (…) Por outro lado, a Teoria remete ainda aos conceitos e categorias que serão empregados para encaminhar uma determinada leitura da realidade (…)

Já a “Metodologia” remete sempre a uma determinada maneira de trabalhar algo, de eleger ou constituir materiais, de extrair algo específico desses materiais (…) A metodologia vincula-se a ações concretas (…) mais do que o pensamento, remete à ação e a prática.11

No entanto, conforme já foi mencionado, o autor enfatiza que há um “confronto interativo” entre ambas, nos mostrando como isso se dá, pois como informa, é frequente que uma decisão teórica possa encaminhar um tipo de escolha metodológica ou vice-versa. O “Materialismo Histórico” foi utilizado como exemplo pelo autor,

(…) não é raro que o Materialismo Histórico – um dos paradigmas historiográficos contemporâneos – seja referido como um campo teórico-metodológico, uma vez que enxergar a realidade histórica a partir de certos conceitos como a “luta de classes” ou como os “modos de produção” também implica necessariamente uma determinada metodologia direcionada à percepção dos conflitos, das relações entre condições concretas imediatas e desenvolvimentos históricos e sociais. [Deste modo] Uma certa maneira de ver as coisas (uma teoria) repercute de alguma maneira numa determinada maneira de fazer as coisas em termos de operações historiográficas (uma metodologia).12

Desta maneira, teoria e metodologia são, nas suas palavras, “irmãs siamesas” e que “vivem” inseparáveis na prática da pesquisa científica e, evidentemente, da operação historiográfica.

No capítulo seguinte, intitulado de “Teoria da História e Filosofia da História”, dividido em três subcapítulos -, Barros mostra o encontro entre a historiografia e a ciência a partir da Teoria, e o papel desta última na formação do historiador, “ontem e hoje”, além de explicar as diferenças entre teoria e filosofia da História.

O autor faz um percurso acerca da teorização da História enquanto conhecimento científico, nos mostrando que se antes do século XVIII havia uma Historiografia, entretanto, não se pode falar que existia uma “Teoria da História”. Para ele, tanto as filosofias da História quanto as teorias da História são enunciadas em uma nova era historiográfica que data da passagem do século XVIII para o XIX e que existira entre ambas, cumplicidades e diferenças.

No campo da História, institucionalmente profissionalizada a partir do século XIX, pode-se falar que emergem os primeiros paradigmas historiográficos, que eram o Positivismo, o Historicismo e o Materialismo Histórico. Segundo Barros, uma “Teoria da História, ou um paradigma historiográfico, corresponderá a uma certa visão histórica do mundo, ou mesmo a uma a uma determinada visão sobre o que vem a ser História”.13

Além disso, faz uma observação bastante importante nos mostrando que dependendo de sua filiação teórica, o historiador poderá “ver” o mundo e “pensar” a historiografia de um modo ou de outro, o que não anula, evidentemente, que o mesmo transite por diversas correntes teóricas. Neste sentido, diz ele, com certeira observação:

Diante do amplo conjunto de teorias que se disponibilizam ao historiador, será sempre preciso escolher, pois não existem fórmulas consensuais com vistas a entender ou praticar a história. Em termos de Teoria, cada historiador está condenado a ser livre.14

Para finalizar, Barros apresenta efetivamente as diferenças entre as teorias da história e as filosofias da história. Para ele, as primeiras preocupam-se com a escrita e o ofício da História-Disciplina, enquanto as segundas procuram decifrar o sentido da história-processo. Em termos bastante didáticos, dirá o autor que as “filosofias da história” “podem ser entendidas como um gênero filosófico que produz uma reflexão ou especulação sobre a história”,15 ou, em outras palavras, sobre seu fim. O autor, no entanto, pondera que ainda que as especulações sejam bem mais limitadas nas teorias, elas existem num “certo nível”. Basta ver os casos do Positivismo de Comte, que pensava em um “fim da história” com a “sociedade positiva”, ou então o Marxismo e sua “sociedade sem classes”.

Para simplificar, o autor nos apresenta um ilustrativo quadro mostrando as principais características das filosofias da história e das teorias da história. Em tal ilustração, as primeiras teriam

maior carga de especulação filosófica, preocupação primordial com o sentido da história, produzidas predominantemente por filósofos, que seriam muito mais realizações pessoais dos filósofos, enquanto as segundas carregariam consigo uma menor carga de especulação filosófica, preocupação primordial com a realidade histórica percebida através das fontes, produzidas predominantemente por historiadores e cientistas sociais, espaços de discussão coletiva de setores da historiografia.16

Assim, será a partir do século XIX, com o afastamento das filosofias da história e a partir da formação da comunidade científica dos historiadores e sua institucionalização, que esse profissional passará a teorizar e pensar incessantemente no seu ofício. Isso significa dizer que com a Teoria da História, o “campo disciplinar” História passou a “olhar sobre si”. Desde então, a “Teoria da História estabeleceu-se como um horizonte obrigatório para todo historiador que aprende e desenvolve seu ofício”.17

O terceiro e último capítulo é mais extenso e aborda uma porção de questões que são divididas em cinco subcapítulos. Barros apresentará essencialmente os principais conceitos para o estudo de Teoria da História. Primeiramente o autor divide a Teoria da História em três direções: a primeira seria aquela mais geral, ou seja, o “campo de estudos que examina todos os aspectos teóricos envolvidos na produção do conhecimento histórico”; a segunda, Teoria da História II, mais voltadas às “grandes correntes de concepção da História no interior de cada paradigma (ex: variações do Positivismo […] do Materialismo Histórico), ou mesmo ‘entre’ os paradigmas e até independente deles”; e a terceira, Teoria da História III tem ligação aos problemas mais particulares, ou seja, “sistemas coerentes para a compreensão de processos históricos específicos (a Revolução Francesa, o Nazismo, etc.) desenvolvidos por um ou mais historiadores”.18

Além dessas três, o autor nos mostra alguns outros importantes conceitos, tais como Matriz disciplinar, “Conjunto de preceitos e atributos da História (forma de conhecimento) que é aceito pela ampla maioria dos historiadores”; Paradigma Historiográfico, isto é, “Grandes linhas dentro da historiografia (…) que apresentam uma forma específica de conceber e lidar com a História”, como por exemplo, o Positivismo, Historicismo e Materialismo Histórico; Escola Histórica, “grandes conjuntos coerentes de historiadores, unidos por um programa de ação em comum”; e Campo Histórico, que se divide em dois, pois seria tanto “Modalidades no interior da História, que estabelecem conexão umas com as outras” e, “subespecializações da História”.19 Devemos lembrar, claro, que Barros dedica todo restante de sua obra para esmiuçar tais conceitos. Trata de mostrar as especificidades das Ciências Humanas em relação às Ciências Naturais e Exatas, enfatizando, por exemplo, a ideia de que o historiador, desde a sua graduação, deve ter consciência de que não existe apenas um paradigma historiográfico “verdadeiro”. Por esta razão, pode exercer a liberdade para transitar em vários deles, ou, pelo menos, respeitá-los e aceitá-los como plausíveis dentro do grande campo disciplinar que é a História, para não cair naquilo que José Carlos Reis chama de “pirronismo histórico”.20

Para citarmos um exemplo, no tópico quarto do terceiro capítulo, o autor indica que devemos nos afastar de alguns vícios que, segundo ele, são nocivos ao historiador. Para citar alguns, o péssimo costume de atacarmos autores pessoalmente, em vez de fazermos uma discussão eminentemente teórica, ou então, o “fetiche do autor”, isto é, o endeusamento de determinados teóricos como se fossem os únicos corretos, ou até mesmo a fé cega em um único paradigma ou teoria, como se todos os outros fossem errados. Nas suas palavras, não podemos incorrer no erro de transformarmos determinadas correntes teóricas em dogmas, uma vez que tal atitude “pode transformar uma boa ciência em má religião” (p. 256).

Nesse sentido, o texto de José D’Assunção Barros tem diversas qualidades, desde sua notória erudição, quanto sua disposição em auxiliar (jovens) pesquisadores, pois nessa obra, a principal característica ali encontrada, reside nas suas cirúrgicas explicações dadas ao pesquisador da Ciência da História. Com uma boa quantidade de exemplos, diversos quadros explicativos, e uma narrativa bastante suave, acreditamos que o autor foi bem-sucedido em seu objetivo, uma vez que tal obra merece atenção dos professores de Teoria da História da graduação. No entanto, não se trata de ser apenas uma obra de apresentação da Teoria da História, trata-se de uma demonstração de que não é possível escrever uma história problematizada, sem que haja um exercício teórico-metodológico na orientação das nossas pesquisas e do nosso ensino de História.

Notas

  1. REIS, José Carlos. O lugar da teoria-metodologia na cultura histórica. Revista de Teoria da História, ano 3, n. 6, dezembro de 2011, p. 5.
  2. BARROS, José D’Assunção. Teoria da História Vol. I. Princípios e conceitos. 2013, p. 11. Os grifos são nossos.
  3. ROIZ, Diogo da Silva. Teoria e Metodologia da História no Brasil: entrevista com José D Assunção Barros. Historiae: revista de história da Universidade Federal do Rio Grande, v. 3(1), p. 249-258, 2012.
  4. BARROS, José D’Assunção. O Campo da História – especialidades e abordagens. Petrópolis: Editora Vozes, 2004. v. 1. 222p.
  5. BARROS, José D’Assunção. O Projeto de Pesquisa em História. Petrópolis: Editora Vozes, 2005. v. 1. 236p.
  6. BARROS, José D’Assunção. Raízes da música brasileira. Ed. Hucitec, 2011.
  7. ROIZ, Diogo. Op. Cit., p. 256.
  8. BARROS, José D’Assunção. Op. Cit., 2013, p. 12.
  9. Id., p. 19-40.
  10. BARROS, José D’Assunção. Op. Cit., 2013, p. 65-67. Os grifos são nossos.
  11. Ibid., p. 73.
  12. BARROS, José D’Assunção. Op. Cit., 2013, p. 87.
  13. Id., Ibid., p. 91-92. Os grifos são nossos.
  14. Id., Ibid., p. 117.
  15. Fizemos um resumo de tais características, que são apresentadas mais detalhadamente em BARROS, José D’Assunção. Op. Cit., 2013, p. 126.
  16. Id., Ibid., p. 147.
  17. Id., Ibid., p. 163.
  18. BARROS, José D’Assunção. Op. Cit., 2013, p. 163.
  19. REIS, José Carlos. O desafio historiográfico. Rio de Janeiro, Ed. FGV, 2010.

Eduardo de Melo Salgueiro – Doutorando em História – PPGH/UFGD. Universidade Federal da Grande Dourados. Bolsista CAPES. Dourados / Mato Grosso do Sul, Brasil. E-mail: [email protected].


BARROS, José D’Assunção. Teoria da História Vol. I. Princípios e conceitos. Petrópolis/RJ. Editora Vozes, 3ª Ed., 2013, 319 p. Resenha de: SALGUEIRO, Eduardo de Melo. Teoria e Metodologia em debate: maneiras de “ver” e “fazer” história. Outros Tempos, São Luís, v.10, n.16, p.316-322, 2013. Acessar publicação original. [IF].

 

Teoria da História (v. 4) Acordes historiográficos: uma nova proposta para a teoria da história | José D’Assunção Barros

BARROS, José d’Assunção. Teoria da História, vol. IV. Acordes historiográficos: uma nova proposta para a teoria da história. Petrópolis: Vozes, 2011, 447p. Resenha de: MARQUES, Juliana Bastos. Anos 90, Porto Alegre, v. 19, n. 35, p. 485-489, jul. 2012.

Paul McCartney, reconhecido como um dos compositores populares mais prolíficos e talentosos do mundo contemporâneo, costuma citar com frequência que nunca quis aprender teoria musical, para que o conhecimento formal não o prejudicasse ao compor.

Essa “ingenuidade teórica” também constitui mais em benefício do que em um eventual empecilho para o leitor na compreensão do texto do professor José d’Assunção Barros, em sua ousada proposta de empregar a teoria musical para construir uma metáfora de compreensão da historiografia.

O volume aqui resenhado faz parte de uma série dedicada à apresentação e discussão de temas fundamentais sobre Teoria da História, sendo precedido por um primeiro volume que trata de conceitos mais abstratos e gerais, além de dois outros com uma análise da história da historiografia a partir do seu estabelecimento como disciplina profissional no século XIX. Ainda não publicados, mas já anunciados, seguem outros dois volumes sobre as tendências mais recentes formuladas no séc. XX. Nesse sentido, o volume IV mostra-se como um interlúdio (a alusão ao termo é intencional) dentro da proposta da coleção, retomando a apresentação de alguns autores já analisados em outros volumes (Ranke, Marx, Benjamin) e introduzindo capítulos relativos ao pensamento de Droysen, Weber, Ricoeur e Koselleck. A proposta é utilizar a metáfora do acorde musical para classificar e explicar as infl uências intelectuais durante a carreira acadêmica dos autores citados, o que se apresenta também como uma proposta geral para eventuais estudos seguintes com outros autores que pensam o fazer historiográfico (como se vê, não necessariamente historiadores). Coloca-se para avaliação, portanto, uma questão primordial: se e como a metáfora funciona e o quanto é útil para o que se propõe.

O autor explica, no primeiro capítulo, de forma simples, os conceitos que utiliza e o desconhecimento prévio de teoria musical por parte do leitor não deverá trazer grandes dilemas para a compreensão da metáfora. Logo de início, explica-se o que é um acorde musical: “[…] um conjunto de notas musicais que soam juntas e assim produzem uma sonoridade compósita” (p. 15). Assim, classificar um autor dentro da proposta significa traçar essas “notas” que comporiam o acorde, que podem ser tanto correntes teóricas específicas que formariam sua identidade teórica e/ou historiográfica (por exemplo, a Hermenêutica em Ricoeur), como também infl uências pessoais (a religiosidade em Droysen) ou técnicas metodológicas (o “comparativismo” em Max Weber). O único autor dentre os analisados que parece se encaixar mais diretamente na compilação de um acorde que o defina é Ranke, que Barros classifica como “monódico”, por causa da constância das infl uências nele detectáveis durante toda a sua vida – assim, o acorde de Ranke seria constituído pelas “notas” Historicismo ou crítica documental como “nota fundamental”, estilo, Fichte, religiosidade e nacionalismo (o idealismo hegeliano apresentar-se-ia como uma “antinota”, termo cuja correspondência musical me escapa). Todos os outros autores, em maior ou menor grau, têm complexidades classificatórias tais que parece impossível construir apenas um único acorde que os abarque, dilema que Barros resolve com o fato de que diferentes acordes consonantes entre si podem ser construídos no tempo de acordo com as mudanças inerentes às trajetórias intelectuais analisadas.

O texto não procura uma rigidez classificatória, como pode parecer à primeira vista, mas o resultado disso nos diferentes capítulos é irregular. As análises de Ricoeur e Koselleck, talvez não por coincidência os autores mais recentes, beneficiam-se de uma atenção maior às ideias originais dos próprios autores, em especial no segundo caso. Dado que o texto de Barros é deliberadamente claro e fl uente (como ele anuncia no primeiro livro), tais capítulos servem como introduções bastante úteis a questões tais como o embate hermenêutico entre a subjetividade e a objetividade em Ricoeur, ou as refl exões sobre o tempo e o progresso em Koselleck – por vezes, o texto lembra claramente o formato de uma aula.

Para o eventual historiador que também conheça teoria musical, no entanto, a metáfora parece incompleta, às vezes afl itiva no que lhe falta. Um acorde musical jamais existe sozinho, sendo apenas a expressão mais sucinta da harmonia determinada dentro de uma tonalidade (dó maior, mi bemol menor, assim por diante), quando não ao menos em relação a uma pauta e clave que o localize sonoramente. O acorde de, digamos, fá maior, é definido primariamente como o conjunto da tônica (nota principal, o próprio fá maior) e as notas que soam harmonicamente mais próximas a ela dentro da série harmônica, no caso a terceira e a quinta a partir da tônica dentro da escala, portanto lá e dó. A rigor, qualquer outra nota poderá fazer parte do acorde dentro da tonalidade de fá maior, considerada sua relação harmônica com a nota principal. Sendo assim, é possível notar que a lógica fundamental de um acorde é a própria relação entre as notas (os intervalos entre a tônica e quaisquer outras notas que o acorde forme), determinada pela tonalidade como um conjunto – isso sem mencionar outras formas musicais que não o sistema tonal, também possíveis. Ora, essa complexidade está ausente da metáfora de Barros, que usa o acorde apenas como um empilhamento de “notas” em cima de uma nota fundamental (nunca chamada de tônica no texto), sem relacioná-las entre si e à suposta tonalidade que as constitui.

Por exemplo, se supomos que a tônica de Max Weber seja o Historicismo (p. 131) – aliás, por que a tônica de um autor não pode ser o próprio autor? Ou o autor seria a tonalidade como um todo? –, qual seria a relação (tecnicamente falando, o “intervalo”) da tônica com as “notas” filosofia neokantiana (sua “nota de topo”, termo que também me escapa: seria uma sétima maior ou simplesmente a nota mais aguda?), ou com o já citado “comparativismo”? Uma forte quinta justa ou uma sutil sexta maior? Para a teoria musical, essas diferenças são absolutamente determinantes quando se constrói um acorde. Como a “tríade temática fundamental” da política, economia e religiosidade de Weber poderiam se constituir em uma só “nota” (p. 140)? E os “harmônicos ocultos” de Marx e Nietzsche, como se relacionam com o acorde? Não seria o caso de se estabelecer uma sequência harmônica dos acordes de autores em constante mudança como Ricoeur ou Foucault, como em um coral de Bach, ou também uma eventual melodia das obras do autor também seria expressiva dentro da metáfora? A própria ideia de melodia parece quase desimportante dentro do conjunto da metáfora, até que surge, no capítulo sobre Koselleck, quando Barros propõe que o “[…] devir histórico (ou a sensibilidade humana diante desse devir) apresenta na verdade uma natureza musical, impulsionando-se a partir de melodias que se entrelaçam e que se contraponteiam, umas convergindo com outras, outras em relação de divergência” (p. 294). A melodia significaria então o movimento histórico humano no meio de onde se tocam os acordes de cada pensador? É uma pena que Barros não desenvolva essa ideia em todo o texto, pois ela me parece rica em possibilidades, bastante coerente e de uma poesia encantadora.

Acredito que o autor esteja plenamente consciente dessas questões, dado que também tem sólida formação musical. Minha impressão sobre qual seria o motivo dessas relações fundamentais não serem explicitadas na metáfora é que requereriam um trabalho exponencialmente mais complexo e demandariam um conhecimento musical bem mais avançado do leitor para compreender todas as relações harmônicas realmente embutidas na metáfora do acorde musical. Nesse sentido, entendo a proposta de Barros até mesmo como um convite, ainda que não explicitado, para que essas nuan ces musicais sejam futuramente analisadas, por historiadores ou por músicos. Embora a princípio isso pareça um esforço de classificação direto demais, a teoria musical comporta, nos dias de hoje, uma liberdade muito maior de relações sonoras do que a harmonia tradicional de Bach, assim como é evidente que não se pode classificar as influências e a trajetória intelectual de um determinado autor dentro da história do pensamento histórico também em rígidos paradigmas ou etiquetas.

Sendo assim, o livro tem o mérito de ultrapassar em muito seu caráter didático, que em si já é bastante louvável, dada a clareza da explicação providenciada pelo autor sobre as trajetórias intelectuais dos autores analisados. Como um trabalho experimental, no entanto, é o primeiro passo de muitos a serem dados no sentido da interdisciplinaridade profunda que é sim possível entre História e Música, pois são ambas realizações eminentemente humanas que se constroem no tempo e têm historicidades ligadas a influências e a regras, transcendendo-as em busca de ordenações originais para representar o mundo.

Juliana Bastos MarquesProfessora Adjunta. UNIRIO (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro). Pós-Doutorado em História pela USP (Universidade de São Paulo). Email: [email protected]. Endereço: Rua Dr. Júlio Otoni, 278 fundos. Bairro Santa Teresa. Rio de Janeiro/RJ. CEP 20241-400.

Teoria da História – 4 volumes | José D’Assunção Barros

BARROS, José D’Assunção. Teoria da História – 4 volumes. Petrópolis: Editora Vozes, 2011.319 p.; 246 p.; 328 p.; 447 p. Resenha de RIBEIRO, Monike. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, a. 172 (451) p.361-365, abr./jun. 2011.

Teoria da História, em quatro volumes, é o título da coleção que aca­ba de ser publicada por José D’Assunção Barros, autor que já é conhecido na área de Teoria e Metodologia da História por alguns artigos e, sobretu­do, por dois livros anteriormente publicados pela Editora Vozes: O Campo da História (7ª edição) e O Projeto de Pesquisa em História (7ª edição).

Assim como os livros anteriores, a nova coleção de livros pretende responder a demandas importantes do ensino de graduação e pós-gradua­ção, no que concerne à área de Teoria e Metodologia da História. Trata-se de oferecer ao público, e particularmente ao leitor especializado ao qual se dirige, textos que primem por uma linguagem clara e acessível, mas sem sacrificar a complexidade exigida pelos objetos da historiografia. A obra se organiza em quatro volumes. Pode-se dizer que os três primeiros volumes apresentam conteúdos já clássicos de Teoria da História – tais como a discussão dos conceitos pertinentes à área ou à apresentação dos grandes paradigmas historiográficos – enquanto o último volume surpre­ende pela proposta de uma nova abordagem, ainda experimental, que traz a novidade de buscar enxergar a complexidade da historiografia através de uma imaginação musical.

O primeiro volume da coleção – intitulado Teoria da História: Prin­cípios e Conceitos Fundamentais – parte da ideia de que a Teoria da His­tória e a Metodologia da História são as duas dimensões fundamentais para a formação do Historiador, bem como para a sustentação de qualquer pesquisa histórica dentro dos quadros atuais de exigências deste âmbi­to profissional e do campo disciplinar da historiografia. Neste sentido, o contraste entre Teoria e Metodologia, buscando esclarecer o que pertence a um âmbito e a outro, é um dos pontos importantes do volume, que busca também discutir o que é Teoria da História, em que aspectos as ‘teorias da história’ se diferenciam das ‘filosofias da história’, e de que elementos se constitui a ‘matriz disciplinar da História’ nos dias de hoje. Conceitos como o de ‘paradigma’, ‘escola histórica’, ‘campo histórico’ são discu­tidos em profundidade, preparando o estudo que se desdobra nos demais volumes da coleção. Ao mesmo tempo, o autor discorre sobre algumas questões fundamentais para se pensar a Teoria da História, nos dias de hoje. Quais são limites entre a ‘liberdade teórica’ e as imposições da ‘co­erência teórica’, nos atuais quadros do desenvolvimento historiográfico? Como se pode aplicar o princípio da historicidade à própria Teoria da História? Será a História uma Ciência, e exclusivamente uma Ciência, ou o conhecimento historiográfico também deve ser pensado nos termos de uma dimensão estética, discursiva, ou mesmo artística? Os volumes II e III da coleção avançam para a discussão de questões mais específicas, algumas das quais envolvendo também a própria histó­ria da historiografia. Quais os grandes paradigmas historiográficos que, ontem e hoje, se colocam à disposição dos historiadores? Quais as ca­racterísticas essenciais do Positivismo, do Historicismo, do Materialismo Histórico, dos modelos historiográficos relativistas? Uma classificação das produções historiográficas em termos de paradigmas será suficiente para compreender em toda a complexidade um pensamento historiográ­fico? Estas são algumas das questões que o autor percorre nestes dois volumes.

Trazer uma discussão atualizada acerca dos paradigmas Positivista e Historicista é a proposta do volume II – Teoria da História – os pri­meiros paradigmas: Positivismo e Historicismo. Trata-se não apenas de examinar estes paradigmas do ponto de vista de uma história da historio­ grafia, como também de dar a perceber quais podem ser as contribuições desses paradigmas para a historiografia contemporânea. Para além desta discussão historiográfica, que estabelece um contraste entre os paradig­mas Positivista e Historicista, a grande questão que atravessa o volume é a da relação entre Objetividade e Subjetividade na construção do conheci­mento histórico, de modo que também são examinadas algumas correntes relativistas da historiografia que aprofundam a reflexão sobre a relati­vidade historiográfica encaminhada por alguns setores do Historicismo. Além disso, o volume se abre com uma discussão sobre a refundação da História como conhecimento científico, na passagem do século XVIII ao século XIX, e, para tal, o autor optou por desenvolver também uma di­gressão inicial sobre os modos como se pensava a História antes de que a historiografia ocidental passasse a se revestir de uma intenção bastante clara de cientificidade.

O terceiro volume – Paradigmas Revolucionários – dedica-se a dis­correr sobre os outros dois paradigmas que surgem ainda no século XIX. Em um primeiro capítulo o autor apresenta o Materialismo Histórico, dis­cutindo nas suas várias nuanças, e através de diversos autores, questões como a dialética, o conceito de modo de produção, os posicionamentos diante da noção de determinismo histórico, as definições de ‘classe so­cial’ e sua articulação com a ‘luta de classes’. Trata-se de mostrar como o Materialismo Histórico se desenvolveu em múltiplas direções, desde o século XIX, e sobretudo no decorrer do século XX. A segunda parte do volume aborda o que o autor denominou “Paradigma da Descontinuida­de”, partindo das críticas de Nietzsche às noções de progresso e finalis­mo, e chegando às propostas de Michel Foucault.

Se os três primeiros volumes da coleção Teoria da História oferecem um conteúdo já tradicional no estudo da Teoria e Metodologia da História, já o quarto volume da série – que foi chamado de Acordes Historiográfi­cos: uma nova proposta para a Teoria da História – é francamente inova­dor. A experiência proposta por José D’Assunção Barros é a de entender a complexidade da historiografia e da teoria da história a partir de uma imaginação musical, trabalhando mais especificamente com a metáfora do “Acorde Teórico”. Partindo desta nova proposta de análise que é a de conceber a complexidade de um pensamento autoral através da metáfo­ra do acorde, o livro examina, sucessivamente, o pensamento de alguns historiadores e filósofos da história, tais como: Walter Benjamin, Ranke, Droysen, Max Weber, Paul Ricoeur, Koselleck e Karl Marx. A proposta de operacionalização do conceito de “acorde teórico” (que, segundo o au­tor, pode ser utilizado também para a análise de pensamentos filosóficos, sociológicos, antropológicos, ou autorais de modo geral) ou de “acorde historiográfico” (mais especificamente referente aos pensamentos sobre a História) é introduzida por um capítulo no qual é discutida a abordagem, e que precede as diversas análises específicas que são desenvolvidas com esta nova perspectiva.

Conforme ressalta Barros, um acorde, na Música, é um som formado por diversos outros sons (as notas musicais), que, interagindo mutuamen­te, terminam por produzir um novo resultado sonoro. A ideia básica do livro de José D’Assunção Barros é comparar a complexidade autoral de historiadores e filósofos da história a acordes musicais complexos. Um autor, mesmo que apresente uma base de pensamento bem identificada com um dos paradigmas tradicionais ou com as diversas correntes do pensamento historiográfico, pode apresentar em sua identidade teórica di­versas outras influências autorais (que o autor chama de ‘notas de influên­cia’), ou características diversas que se tornam tão importantes para a sua singularidade teórica como o pertencimento a determinado paradigma. Assim, na identidade teórica de um pensador como Karl Marx existiriam muitas notas para além daquelas que poderiam ser caracterizadas como inerentes ao paradigma do Materialismo Histórico – que ele mesmo, aliás, ajudou a fundar com Engels. Isso ajudaria a perceber o que, no pensamen­to de Marx, é desdobramento de sua inserção no campo paradigmático do Materialismo Histórico, e o que seria já específico de Marx. A utilização da metáfora do acorde para compreender pensamentos autorais também possibilita entender pensamentos autorais em movimento, através das di­versas obras ou fases de um mesmo autor.

A inovação teórica proposta por José D’Assunção Barros neste últi­mo volume de sua série – certamente produto da dupla formação do autor, que além de historiador é também músico – deve ser saudada como uma tentativa de enxergar os tradicionais objetos da historiografia de uma nova maneira, de modo a resolver impasses que aparecem quando simplesmen­te nos limitamos a situar um autor dentro deste ou daquele paradigma. A coleção, a entender pela apresentação do próprio autor, ainda não está concluída. No prefácio da série, registra-se o plano de completar a cole­ção com mais dois volumes, discutindo a historiografia contemporânea, inclusive a mais recente, através dos conceitos de “escolas históricas” e “campos históricos”. O sexto volume, conforme a planificação do autor, retornará ao âmbito dos conceitos operacionais para a historiografia, dis­cutindo temas como o Tempo, o Espaço, a Memória, bem como o uso de hipóteses na História-Problema.

Monike Garcia Ribeiro – Doutoranda e bolstista (CAPES) do Programa de Pós-graduação em História Com­parada da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Teoria da História | José D’Assunção Barros

Quem se interessa por teoria da história pode contar com uma obra genuinamente brasileira. Trata-se dos quatro volumes de Teoria da História (Petrópolis: Editora Vozes, 2011. 4v), de autoria de José D’Assunção Barros. O autor é historiador e professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Além da História, Barros transita também pelo campo da música, possui, inclusive, graduação nessa área. Acerca das suas subáreas de interesse, no campo da História, destacam-se Teoria da História, Metodologia da História e Historiografia. O autor não é estreante no campo técnico/teórico da História. Dois textos de sua autoria merecem referências: O Campo da História (Petrópolis: Editora Vozes, 2004) e O Projeto de Pesquisa em História (Petrópolis: Editora Vozes, 2005).

Teoria da História, como mencionado acima, dividi-se em quatro volumes. Leia Mais

Cidade e História | José d’Assunção Barros

O livro de Assunção Barros propõe-se, logo no “Prefácio”, ser uma recolha e apresentação das mais importantes contribuições para o estudo da cidade.

O que significa, contudo, tentar sumariar em apenas cento e onze páginas, excetuando-se aquelas da bibliografia, dois séculos de reflexão sobre o urbanismo e a vida citadina? Há que referir, em primeiro lugar, a necessária seleção das obras que serão comentadas, escolha esta que não se pode dizer completamente objetiva. Contudo, para além da seleção, há o tópico mais relevante dos usos que se fará do que se selecionou. É aqui, cremos, que o livro de Assunção Barros evidencia sua fraqueza, pois seria preciso, para que o livro tivesse efetiva consistência, que as categorias que nos são apresentadas em poucas linhas fossem criticadas, contrariamente ao hábito do autor que as expõe, de forma descritiva, como se todas servissem para a produção do que ele denomina uma pesquisa “multifatorial”. Leia Mais