The Law of Nations in Global History | Charles Henry Alexandrowicz

Lançada em 2017 pela editora Oxford University Press, a obra The Law of Nations in Global History compreende um compilado de escritos do jurista e historiador polonês Charles Henry Alexandrowicz (1902-1975) publicados no período de 1951 a 1980. A coletânea, organizada por David Armitage e Jennifer Pitts, conta com 432 páginas e faz parte da coleção History and Theory of International Law, de iniciativa de Nehal Bhuta, Anthony Padgen e Benjamin Straumann. A série, que inclui outras publicações relevantes do campo do Direito Internacional Público (DIP), objetiva promover um fórum de debates historiográficos e teóricos, a fim de estimular a consciência histórica, na tentativa de revisitar o passado da matéria para melhor construir seu futuro.

Os organizadores pretenderam, ao publicar a coletânea de escritos de Alexandrowicz, dar maior visibilidade ao trabalho do autor e deixá-lo mais acessível ao público. Esta primeira edição conta com dois prefácios, sendo o primeiro do diretor da série, Benjamin Straumann, e o segundo de B. S. Chimni, professor e jurista de Direito Internacional filiado à escola Third World Approaches to International Law (TWAIL). O texto introdutório, de autoria dos editores da obra, expõe uma visão geral sobre a vida e o pensamento de C. H. Alexandrowicz, no qual o leitor é apresentado a diversos determinantes da biografia do autor que contribuíram para sua postura crítica com relação ao DIP.

Charles Henry Alexandrowicz, embora nascido numa província austro-húngara que se tornou parte do atual território polonês, teve como uma das maiores influências na formulação de sua perspectiva sobre o Direito Internacional a década que morou na Índia, entre 1951 e 1961, quando atuou como professor da Universidade de Madras. O período contribuiu para o desenvolvimento de uma visão diferenciada sobre a história do DIP, se considerados os padrões da época. Assim, o autor é reconhecido por sua crítica à vertente positivista da matéria e pela denúncia ao eurocentrismo que constitui a base de sustentação da disciplina.

Ele atribui, em seus escritos, uma importância à Ásia e à África que não era generalizada dentre os doutrinadores de seu tempo, chamando atenção para a influência das relações políticas, jurídicas e comerciais com esses continentes para a estruturação do Direito das Nações. Ao fazê-lo, contesta a tese segundo a qual o Direito Internacional era um produto formulado exclusivamente pelas nações cristãs europeias. É louvável a dedicação do autor em catalogar extensa documentação sobre a participação ativa dessas regiões para compor sua tese central de como o Direito das Nações influenciou o desenvolvimento do DIP. A reelaboração da historiografia do DIP com a retomada de narrativas silenciadas e de agências de povos asiáticos e africanos é um aspecto positivo da obra de Alexandrowicz, pois pavimentou vias para posteriores articulações contrárias ao eurocentrismo.

Isso demonstra que Alexandrowicz já se preocupava com temas que viriam a ser estudados posteriormente com base em abordagens que emergiram depois de sua época, as TWAIL, que defendem a necessidade de reconstrução e análise do DIP com a desmistificação do universalismo unilateral da disciplina e da denúncia ao monopólio epistêmico da Europa na constituição e na aplicação de um ramo do Direito que se autodenomina e se pretende internacional. As análises atuais não eurocentradas e não coloniais do DIP são corolários das vertentes terceiro-mundistas propagadas na Conferência de Bandung, em 1955, e de algum modo dialogam com as epistemologias ante, pós e decoloniais, com destaque para os estudos subalternos que afloraram na Índia, país que, não coincidentemente, influenciou o amadurecimento teórico do autor. Esses estudos críticos congregam outras narrativas e geografias que foram subalternizadas pelo empreendimento imperial e evidenciam as contribuições que “os condenados da terra” (FANON, 1963) outorgaram à história do Direito Internacional.

De fato, o colonialismo e o imperialismo formaram o alicerce do DIP. Em vista disso, a omissão de atores e eventos históricos importantes na estruturação do campo serve diretamente aos interesses dos antigos Estados metropolitanos de perpetuação da exploração dos países do Sul Global. Violências do passado, como aquelas que permearam a colonização da América, são, na historiografia mainstream, propositalmente afastadas do cerne do desenvolvimento do Direito Internacional, como se periféricas à sua criação, quando na verdade compõem característica essencial do sistema. Dessa forma, a ontologia do DIP está intrinsecamente conectada ao imperialismo europeu (ANGHIE, 2015).

Os críticos da matéria, no entanto, não pretendem uma condenação geral de seus princípios; ao contrário, sustentam que dissipar as ilusões em torno dela é essencial para estabelecer uma ordem mundial mais justa (CHIMNI, 2006), e uma dessas ilusões é que o DIP teria se construído exclusivamente por fatores internos europeus, como a Paz de Vestfália. Tal ideia é ainda amplamente reproduzida na doutrina chamada clássica e replicada nas instituições universitárias do mundo todo, já que se encontra inculcada nos membros da academia (KOSKENNIEMI, 2011). Portanto, a preocupação que Alexandrowicz demonstrou em suas obras continua atual, visto que segue em andamento a tarefa de questionar versões do passado com o recurso aos saberes não ocidentais para reescrever a gramática do DIP, tornando-a mais legítima.

A coletânea em apreço está dividida em quatro partes. A primeira é composta por três artigos sobre o Direito das Nações, a segunda engloba catorze textos que tematizam a Ásia e o Direito das Nações, a terceira compreende cinco artigos sobre a África e, por fim, a quarta reúne sete escritos sobre o reconhecimento de novos Estados no Direito Internacional.

Na primeira parte, Alexandrowicz discute a história do Direito das Nações. De início, o autor destaca a influência dos princípios kautilyanos, os quais compreendiam os costumes das relações entre os soberanos na região das chamadas Índias Orientais, no desenvolvimento do sistema jurídico internacional. Ele defende que não se pode entender que o Direito das Nações evoluiu se baseando apenas em fatores europeus, pois os séculos de relações diplomáticas e os tratados comerciais celebrados com a Ásia certamente influenciaram o desenvolvimento. Essa influência teria ocorrido entre os séculos XVI e XVIII, durante os quais os princípios kautilyanos foram aplicados aos europeus que chegaram ao continente asiático para entabular transações comerciais. Esses princípios teriam ensinado aos recém-chegados da Europa diversas condutas de cerimônia e etiqueta diplomática – um código de costumes para recebimento de estrangeiros –, bem como normas de governo e administração, entre outras.

Além disso, são destacadas as diferenças no relacionamento dos europeus com o Império Mongol sob a égide do Direito das Nações e, posteriormente, do Direito Internacional positivista do século XIX. Segundo o autor, as relações diplomáticas entre a Inglaterra e a soberania mongol foram estabelecidas com base no pressuposto segundo o qual ambas as potências eram membros da chamada família das nações. No entanto, a partir da ascensão da concepção positivista, os europeus teriam proclamado um número restrito de poderes europeus como os fundadores da moderna sociedade internacional, com autoridade para admitir novos Estados-membros consoante seus próprios critérios. Daí em diante, todos os Estados asiáticos passaram a não ser mais reconhecidos pelo novo Direito Internacional positivista vigente. Alexandrowicz critica tal mudança, afirmando que a posição legal das potências asiáticas antes do século XIX deve ser julgada com base no Direito que então imperava: o das Nações.

A segunda parte se detém na interação dos povos asiáticos e europeus sob o regime do Direito das Nações. Alexandrowicz reitera que este era aplicado nas relações entre a Europa e a Ásia entre os séculos XVI e XVIII, ainda que isso seja frequentemente negado ou omitido na historiografia oficial. Como prova de seu argumento, ele se refere à menção que Hugo Grotius, considerado um dos fundadores do Direito Internacional, faz à soberania de muitos países com quem os europeus realizavam transações comerciais. O autor defende, portanto, uma revisão dessas noções na historiografia do Direito Internacional. Ademais, entende que essa revisão deve também abranger o fato de que as nações asiáticas contribuíram para moldar esse Direito das Nações, já que eram entidades politicamente organizadas e com longa tradição cultural, as quais passaram a ser oprimidas pelo “clube” europeu de países que se autoimputaram o direito de reconhecer ou não outros Estados.

Como prova disso, Alexandrowicz relembra o notório caso Right Of Passage Over Indian Territory, da Corte Internacional de Justiça, tratando da disputa entre portugueses e indianos sobre os enclaves Dadrá e Nagar Aveli, cedidos aos portugueses pelo Império Maratta, em 1779. A Corte reconheceu, na ocasião, que o direito de passagem concedido era válido perante o Direito Internacional. Esse emblemático confronto indo-português é alvo de diversas referências nas obras do autor, tendo em vista que ele reforça robustamente sua proposição: a da existência da soberania de asiáticos na era pré-positivista do DIP. Isso porque, ao declarar a validade do tratado, a Corte o considerou uma transação válida frente ao Direito das Nações e aos costumes vigentes nas Índias Orientais no século XVIII.

O autor estima que, embora o Direito Internacional do século XIX tenha exotizado a Ásia, considerando-a uma civilização inferior, as soberanias asiáticas foram essenciais para a economia europeia. Conforme Alexandrowicz, autores clássicos como Hugo Grotius, Serafim de Freitas, Christian Wolff, G. F. von Martens e E. Vattel fazem menção em suas obras ao valor das antigas civilizações asiáticas, considerando-as parte da família das nações da comunidade internacional. Para o autor, não é possível ignorar a contribuição de três séculos de interações entre europeus e as Índias Orientais para o desenvolvimento do Direito das Nações, relações que estão comprovadas por extensa documentação composta por tratados e práticas diplomáticas.

Um capítulo inteiro é dedicado à análise que Grotius tece sobre as nações asiáticas, no qual Alexandrowicz destaca como o advogado da Companhia Holandesa das Índias Orientais defendeu que os portugueses não poderiam obter monopólio transacional das regiões da Ásia, pois, não se tratando os territórios de terra nullius, não poderiam ter sido reclamados como exclusivos de Portugal. Outro capítulo se dedica a comparar as percepções de Grotius com as o do jurista português Serafim de Freitas, alegando que ambos compartilhavam a visão fundamental de que as sociedades independentes e politicamente organizadas na Ásia eram dotadas de soberania perante o Direito das Nações, ainda que discordassem com relação à liberdade dos mares e de transações comerciais. Mesmo Martens, com sua visão positivista, ratificou, segundo Alexandrowicz, a soberania dos países asiáticos ao fazer referência a uma longa série de tratados e relações diplomáticas entre estes e os poderes europeus.

O regime das capitulações é amplamente mencionado entre os trabalhos compilados. Tratava-se, conforme o autor, de permissão concedida pelos soberanos da Ásia aos europeus para que estes se governassem conforme suas próprias leis em território asiático. Alexandrowicz defende com veemência que as capitulações não eram uma prova de inferioridade da civilização asiática, e sim de sua cortesia para com os europeus, os quais não poderiam ter se estabelecido, como o fizeram no território estrangeiro, não fossem essas concessões por parte dos poderes das chamadas Índias Orientais. O autor menciona que foi graças às cláusulas discriminatórias nos tratados sul-asiáticos nos séculos XVII e XVIII, as quais formaram uma rede de monopólios e arranjos excludentes, que as capitulações levaram ao domínio colonial europeu na Ásia do século XIX. Tais cláusulas exigiam compra exclusiva por determinada agência europeia de especiarias, estabeleciam preços fixos e proibiam as transações com outras potências.

É ainda feita referência ao tratado entre a Pérsia e a Holanda, o qual permitiu a diversos comerciantes asiáticos se estabelecerem em Amsterdã – o que provaria, consoante o autor, que esses privilégios não eram apenas concedidos aos europeus por parte dos soberanos da Ásia. Alexandrowicz se detém, além disso, nas contribuições de Samuel Puffendorf-Jodocus Crull e de J.H. G Justi acerca das relações entre a Europa, a Ásia e a África, para contrapor a suposta superioridade europeia frente às outras soberanias. Além disso, também as obras de D. H. L von Ompteda, Martens e J. J. Moser são analisadas e comentadas pelo autor.

De igual modo, entre os temas abrangidos por esta segunda parte, encontra-se o status chinês frente ao Direito Internacional. O autor alega que as relações entre britânicos e chineses corroboravam que a civilização, os costumes e a cultura da China eram admirados e respeitados pela Grã-Bretanha, e que os tratados entre as duas potências eram celebrados em pé de igualdade. Com a virada positivista, no entanto, a soberania milenar da China teria passado a ser desconsiderada da família das nações, devendo esperar pelo reconhecimento dos poderes europeus para que obtivesse status de Estado-nação frente ao Direito Internacional. O autor critica efusivamente essa mudança, pois defende que a soberania da nação chinesa deve ser reconhecida em sua continuidade, em vez de vê-la alienada pelo positivismo e restaurada novamente como num novo Estado.

A terceira parte da obra tematiza os termos do relacionamento entre Europa e África quando o Direito das Nações imperava. Primeiramente, é exposto o papel dos tratados nas interações entre poderes europeus e soberanias africanas. Para Alexandrowicz, a presença de organizações políticas e governamentais na África excluiu a possibilidade de o continente ser tratado como terra nullius, motivo pelo qual as transferências de direitos territoriais para europeus foram estabelecidas por tratados e negociações, os quais reconheciam a capacidade jurídica do administrador africano e sua liberdade de consentimento. Segundo o autor, esses acordos teriam sido levados em consideração na partição do continente durante o Congresso de Berlim, o que comprovaria, para Alexandrowicz, que mesmo nesse momento a autoridade dos governantes africanos foi reconhecida pelos europeus. Dessa forma, os europeus teriam presumido que a transferência de direitos pelos chefes africanos, como entidades autorizadas a atuar na esfera externa, constituía um título válido no Direito Internacional. Alexandrowicz, todavia, negligencia o fato de que os africanos tenham sido convidados a participar da Conferência de Berlim ao alegar essa reciprocidade nas relações entre África e Europa. O autor entende que apenas a partir do século XIX, com o advento da concepção positivista do DIP, é que a equidade entre as partes teria desaparecido dos tratados africanos.

Ele também condena as potências europeias no século XIX por julgarem que tinham o direito de atribuir unilateralmente a outros o status de civilizado ou não, de forma que avaliavam as civilizações estrangeiras sob os próprios termos. Logo, Alexandrowicz entende que o positivismo cometeu o erro de desconsiderar o longo período de transações entre soberanos europeus, asiáticos e africanos, interações estas que se deram sob o regime do Direito das Nações e que presumiam igualdade entre as partes. Por esse motivo, toda a teoria positivista do desenvolvimento da família das nações exigiria revisão pelos historiadores do Direito Internacional.

A quarta e última parte da obra discute o reconhecimento dos novos Estados no Direito Internacional. Primeiro, Alexandrowicz debate sobre o fato de esses novos membros não terem poder de escolha em relação ao sistema vigente, sendo obrigados a aceitar a estrutura positivista e eurocêntrica do Direito Internacional. Chama a atenção a crítica do autor à rejeição por parte dos jusinternacionalistas de tantos tratados e documentos de relações diplomáticas e comerciais entre a Europa e outros continentes como fonte histórica. Segundo Alexandrowicz, ao excluir o material extraeuropeu da construção do Direito Internacional, o positivismo estava fadado a falsificar a história – cometendo, assim, o mesmo erro do alemão Leopold Ranke ao identificar a história Ocidental como a história universal e classificar as nações entre aquelas que fazem história e aquelas que carecem de história. Aliás, tal visão coincide com aquela apresentada pelo seu conterrâneo Hegel na sua Filosofia da História.

Também um capítulo é dedicado à judicialidade da função de reconhecimento de Estados e governos – a princípio um encargo do executivo –, no qual Alexandrowicz sugere que a Corte Internacional de Justiça poderia assumir, futuramente, o controle judicial dessa função, ainda que reconheça os muitos obstáculos que se oporiam a esse funcionamento. É igualmente mencionado o conflito sobre a reversão da soberania, uma discussão que questiona quais Estados, nos continentes asiático e africano, deveriam ser considerados novos ou originários nesses continentes diante do Direito Internacional positivista. Além disso, o jurista polonês debate a influência dos novos Estados na família das nações para exigir uma revisão do Direito Internacional eurocêntrico do século XIX.

Como fonte para seu trabalho, Alexandrowicz utiliza uma extensa gama de documentos, reunindo diversos tratados firmados entre Europa, Ásia e África, a fim de instruir sua tese de como tais relações influenciaram o Direito das Nações, que veio a evoluir para o Direito Internacional. Isso faz com que o autor possa ser considerado um dos pioneiros da análise crítica do Direito Internacional, haja vista que denunciou o eurocentrismo e convidou à desocidentalização do DIP. Trata-se, portanto, de uma das sementes dos debates atuais sobre o tema. A presente coletânea, portanto, merece o reconhecimento de ter conferido acessibilidade ao pensamento em certo aspecto vanguardista de Alexandrowicz dentro da seara de estudos da história do Direito Internacional.

São passíveis de críticas, todavia, algumas elaborações do autor. Em primeiro lugar, como referem os editores da edição em seu capítulo introdutório, é frágil o argumento de Alexandrowicz de que o Direito das Nações se inspirou em fundamentos asiáticos de maneira tão relevante quanto o autor defendia. Isso, segundo eles, porque não há evidências diretas de que os doutrinadores predecessores do Direito Internacional tenham sido significativamente influenciados pelos princípios mencionados pelo autor. O diretor da série, em seu prefácio, também salienta o fato de que Alexandrowicz foi idealista demais quanto à real reciprocidade entre europeus, asiáticos e africanos nas relações comerciais que retratou, já que frequentemente sua ideia de acordos entre soberanias pressupunha uma liberdade de negociação que as autoridades da Ásia e da África não tinham.

A tese levantada segundo a qual os princípios da igualdade e da reciprocidade regiam as relações dos europeus com as nações africanas até o século XIX é questionável porque ignora que os processos de colonização na América Latina e na África foram regidos por um sistema de classificação social baseada em raça e gênero (GONZÁLEZ, 1988). Assim, as técnicas jurídicas e políticas foram ferramentas usadas para impor a superioridade branca e para subjugar e promover os valores ocidentais, reputados como os únicos válidos e universais. O tráfico atlântico e a escravização de negros estiveram orientados pela hierarquização, pela racialização, pela reificação e pela animalização dos escravizados.

Outra possível falha do autor foi ter se omitido de analisar a América Latina, cuja colonização, como refere Anghie (2015), está intrinsecamente conectada com o desenvolvimento do Direito Internacional. Foi a partir da ocupação colonial no continente americano que se moldaram muitos dos preceitos de superioridade europeia, como a ideia de que a Europa seria a portadora do ideal de civilização, que continuam profundamente arraigados no DIP.

Isso mostra que o autor silencia sobre a invasão e a ocupação europeia no continente americano, sobre as consequentes brutalidades contra os povos indígenas e africanos que se sucederam, além de não visibilizar o léxico violento e depreciador usado pelos positivistas em relação aos povos colonizados para justificar a conquista e a pretensa missão civilizatória do homem branco. Assim, no pensamento alexandrowicziano, a colonização aparece como um dado epifenomenal, lateral, na construção do DIP. Isso vai de encontro ao que refere o próprio Alexandrowicz ao analisar o trabalho de Francisco de Vitória e concluir que os impérios Inca e Asteca tinham organização política distinta, líderes, leis, instituição de casamento, indústrias e religião próprias. Mais uma vez, com relação aos milhões de africanos e africanas submetidos ao tráfico transatlântico e à escravização, o autor ignora como os séculos de violências contra pessoas negras na América moldaram a construção do Direito Internacional de forma mais relevante do que muitos dos princípios asiáticos aos quais faz abundante referência.

Outra região do globo que Alexandrowicz analisa erroneamente é a Austrália, a qual afirma ter consistido em terra nullius durante a chegada de seus colonizadores. Essa ideia, no entanto, já foi afastada pelo Supremo Tribunal Australiano em 1992, o qual reconheceu que houve invasão da Grã-Bretanha em 1788, quando ela tomou as terras sem acordo ou indenização aos povos originários, por isso não poderia ser aplicado o princípio de terra nullius (GOFFE, 2012).

Há de problematizar sobremaneira o peso que o autor concede à agência dos povos colonizados. A noção segundo a qual as relações entre invasores e colonizados eram orientadas pelos princípios da reciprocidade e igualdade até o século XIX permite que os europeus se eximam de suas responsabilidades de reparação por conta do colonialismo e da escravidão. Até porque, como já provado por extensa bibliografia, muitos tratados firmados eram eivados de vícios de consentimento ou sociais. Portanto, pode-se dizer que o trabalho do autor, ainda que tenha seus méritos, precisa ser avaliado com um olhar crítico, porque o reconhecimento da agência não significa, de nenhum modo, que houvesse o exercício de subjetividade plena dos povos colonizados, ou que os tratados tenham sido firmados de boa-fé.

Sua obra, no entanto, representa um esforço importante na reconstrução de uma nova historiografia do Direito Internacional sob uma óptica menos eurocêntrica. Ainda que tenha sido mais um homem branco europeu teorizando sobre uma disciplina notadamente marcada pelo patriarcado brancocentrado (SILVA, 2018), o trabalho merece reconhecimento, em certo aspecto, pelo vanguardismo de seus ideais para a época. É, sem dúvida, uma análise valorosa por considerar a agência de povos não europeus na construção do DIP e reconhecer que estes já faziam uso de práticas jurídicas internacionais no período pré-colonial. Desse modo, descarta a ideia segundo a qual o Direito das Nações foi fruto exclusivo do labor das soberanias cristãs europeias. Trata-se, portanto, de um livro de grande relevância para os estudos da história do Direito Internacional.

Referências

ANGHIE, Antony. Hacia un Derecho Internacional Poscolonial. Derecho y Crítica Social, Valdivia, v. 2, n. 1, p. 71-99, 2015.

CHIMNI, B. S. Third World Approaches to International Law: A Manifesto. International Community Law Review, Leiden; Boston, v. 8, p. 3-27, 2006.

FANON, Frantz. The Wretched of the Earth. Tradução de Constance Farrington. Nova Iorque: Grove Weindenfeld, 1963.

GOFFE, Marcus. Reparations for slavery and the transatlantic slave trade: The case for special measures. In: BRENNAN, Fernne; PACKER, John (ed.). Colonialism, Slavery, Reparations and Trade: Remendying the Past? Nova Iorque: Routledge, 2012. p. 225- 243.

GONZALEZ, Lélia. Por un feminismo afrolatinoamericano. Isis Internacional, Santiago, v. 9, p. 133-141, 1988.

KOSKENNIEMI, Martti. Histories of international law: dealing with eurocentrism. Rechtsgeschichte, Frankfurt, v. 19, p. 152-176, 2011.

SILVA, Karine de Souza. Teoria Crítica Racial e o Direito Internacional: a visão de um interno-externo’ – comentário Interseccionalidades raça-gênero e o Direito Internacional. In: A. R. C. Giannattasio; Morosini, F. C.; SANCHEZ BADIN, M. R. (org.). Direito Internacional: Leituras Críticas. 1. ed. Lisboa: Almedina, 2019. p. 233-262. v. 1.


Resenhistas

Karine de Souza Silva – Universidade Federal de Santa Catarina. Centro Socioeconômico, Departamento de Economia e Relações Internacionais, Florianópolis, SC  https://orcid.org/0000-0001-9212-8818  E-mail: [email protected]

Juliana Müller – Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito, Florianópolis, SC. https://orcid.org/0000-0002-7430-2963  E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

ALEXANDROWICZ, Charles Henry. The Law of Nations in Global History. Edited by David Armitage and Jennifer Pitts. Oxford: Oxford University Press, 2017. The history and theory of International Law. Resenha de: SILVA, Karina de Souza; MÜLLER, Juliana. O direito das nações de Charles Alexandrowicz e a crítica ao eurocentrismo no direito internacional. Esboços. Florianópolis, v. 28, n. 48, p. 591-599, maio/ago. 2021. Acessar publicação original [DR]

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