Trabalhadores e trabalhadoras rurais boias frias: exclusão/ imprensa e poder | Antonio Alvez Bezerra

Antonio Alves Bezerra é graduado em História pela UNESP, mestrado pela PUC/SP e doutorado em História pela mesma universidade. É professor do curso de graduação e pós-graduação em História pela UFAL, como também, coordenador do laboratório de Ensino de História e líder do Grupo de Estudos: História, Ensino de História e Docência.

A obra intitulada Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Boias Frias: exclusão, imprensa e poder é um estudo sobre o avanço do processo de modernização do setor sucroalcooleiro com o resultante aumento da exclusão social e econômica dos trabalhadores rurais. O prof. Rodrigo Costa escreve um breve prefácio sobre a obra e observa que ela “oferece uma visão sob um grupo social cuja presença se faz notar e sentir no cotidiano das grandes áreas rurais do país, os trabalhadores rurais boias-frias”, que também, estão presentes no agreste alagoano e no sertão pernambucano. Existência historicamente negada nos discursos do poder público, da mídia e do poder econômico.

A obra está organizada em quatro seções, Tramas de poder: território e usina; Trabalhadores Rurais: lutas, perdas e conquistas; Trabalhadores(as) rurais: tramando experiências e Tensões no canavial do oeste paulista: imprensa e poder.

No primeiro capítulo do livro o autor apresenta o território onde se encontram os complexos agroindustriais denominados de Usina Nova América e Usina Maracaí, na cidade de Assis localizada no oeste paulista. Discorre sobre as transformações ocorridas após o período da Segunda Guerra Mundial, quando o cenário brasileiro ganha outras configurações, destinando-se para um processo de industrialização mais acentuado. As máquinas passam a ocupar os espaços da cultura canavieira no oeste de São Paulo, acarretando tensões e conflitos entre trabalhadores rurais e usineiros. As transformações ocorridas no campo modificou o espaço geográfico, como também a vida das pessoas que ali vivem, excluindo os trabalhadores rurais da cana do mercado de trabalho.

Bezerra destaca que é possível relacionar as ações e a organização dos trabalhadores rurais em Sindicatos e Associações, com a implantação do Estatuto Rural, em 1963, sob a Lei n.º 4.214/63. As ações movidas pelos trabalhadores resultaram em greves, que reivindicavam direitos garantidos pela lei, esses fatos resultaram no aceleramento da mecanização e na demissão de vários trabalhadores. Os conflitos que marcaram o início das lutas dos trabalhadores rurais na região de Assis, revelaram a complexidade das tramas do poder que caracteriza o setor açucareiro, que tem o Estado como um parceiro que contempla os interesses econômicos na industrialização e para reprimir as ações organizativas dos trabalhadores.

No segundo capítulo, o autor analisa como a imprensa local não mediu esforços para elogiar as empresas açucareiras da região, vistas como potencializadoras do progresso regional com inserção de novas tecnologias para a agricultura. Destaca as contradições nos discursos produzidos pelas empresas e divulgados pela imprensa, no tocante aos investimentos sociais e na qualificação da mão de obra dos trabalhadores. Quando confrontados sobre os investimentos em novas tecnologias, os trabalhadores relatam que não tem lugar para eles nas empresas e sentem as incertezas da permanência no campo. Evidenciando-se “uma tensão entre o discurso da empresa e do trabalhador” (p. 54).

A obra ressalta o protagonismo dos trabalhadores na reinvindicação de direitos, dentre as lutas traçadas por eles, corresponde ao transporte dos boias-frias tradicionalmente carregados por caminhões pau-de-arara. Esse tipo de transporte causou vários tipos de acidentes, mortes de trabalhadores e se tornou manchete de denúncia dos jornais por conta da precariedade das condições do transporte.

Apesar das perdas e incertezas enfrentadas pelos trabalhadores rurais no oeste paulista, é possível visualizar conquistas, dentre elas o ônibus e o contrato de trabalho coletivo que marca a história dos salários rurais. Essas indagações estão no campo da exploração e das conquista dos trabalhadores rurais, “no aspecto do (des)emprego e acúmulos capitalistas, figuram a presença e a participação dos trabalhadores rurais numa outra perspectiva, trata-se da não passividade diante das condições opressoras de trabalho” (p.62).

As leis ambientais que proíbem a queima da cana acarretaram tensões no cotidiano dos trabalhadores e a sua exclusão. Os usineiros aliaram-se com o discurso ambiental para intensificar a inserção das máquinas. O desenvolvimento das usinas de açúcar modificou os hábitos, as relações de trabalho, os comportamentos, transformando o campo paulatinamente em uma empresa com as relações moldadas pelo capitalismo.

A questão da segurança nas atividades canavieiras é permeada por paradoxos. Os procedimentos utilizados no ato de contratação de um trabalhador para o corte de cana são feitos a partir de testes, que exigem uma certa quantidade de toneladas de cana cortadas, não se sabe ao certo a quantia. A contratação das mulheres é feita a partir do vínculo de amizade com o agenciador, e quando conseguem cortar a média da cana exigida. As pesquisas realizadas pelo autor demonstraram que existem poucas mulheres nas turmas, e em algumas, inexistente.

Outro aspecto das condições de segurança no campo corresponde às vestimentas e equipamentos. As empresas não fornecem vestimentas adequadas, para prevenir acidentes de trabalho, em algumas usinas apenas a lima de amolar e o facão são fornecidos e, em outras, as perneiras. Em alguns casos as vestimentas e equipamentos são cobrados pelas usinas.

No terceiro capítulo da obra Antonio Bezerra detém atenção à mulher boia- fria e descreve a sua dupla jornada de trabalho, a trabalhadora rural que é mãe, dona de casa e em alguns casos estudante. Essas trabalhadoras enfrentam os obstáculos que se configuram no espaço que compõe a agroindústria dos canaviais, permeados por tensões e poderes, que se nutrem a -cerca delas.

As mulheres boias-frias compartilham semelhanças. Em muitos casos são oriundas de famílias pobres, as responsáveis pelo sustento familiar. Após o término do casamento, quando jovens não tiveram a oportunidade do acesso à escola, e tentam reparar a não alfabetização com incentivo dos filhos.

Ainda que houvesse a participação das mulheres boias- frias em conflitos em diversas áreas rurais do país, não foi possível observar a participação durante a investigação, nas falas das entrevistadas do oeste paulista. Porém as entrevistas revelaram outras lutas e enfrentamentos que elas experimentam, como “os preconceitos, estigmas e representações sociais construídas em sua volta, em virtude da função que ocupam no âmbito das usinas, deixando-as muitas vezes invisíveis pelos valores pautados por interesses masculinos” (p. 91). A industrialização da cultura canavieira também proporcionará a exclusão da trabalhadora rural, não só pelo desempenho das máquinas, mas também porque os empresários das agroindústrias se esquivam em investir na mão de obra qualificada feminina, destinada para as atividades do agronegócio.

O gato é um dos sujeitos encontrados na cultura canavieira. Ele é designado para fiscalizar e organizar as frentes de trabalhadores no início da colheita. É remunerado por trabalhador e, dessa forma, acaba usufruindo da abundância de mão de obra para cobrar taxas por cada trabalhador conseguido; por essa razão, ele é mal visto pelos trabalhadores boias-frias.

Outro personagem surge e ocupa a posição do gato, o agenciador e/ou turmeiro, são vistos como pessoas sérias, com valores pautados pela legislação, diferentemente dos gatos. No entanto, como o campo passou por transformações, com o desenvolvimento da agroindústria, nota-se que alguns atores ainda são os mesmos, modificou-se apenas as roupagens. O agenciador assume-se como o “pai” dos trabalhadores, como um sujeito que conhece cada trabalhador, os que possivelmente podem acarretar conflitos, no que corresponde a insatisfação no trabalho. Ele organiza os trabalhos, as relações de possíveis conflitos no campo assegurando, assim, os interesses do agronegócio.

O trabalhador vê o processo de mecanização como uma forma de exclusão de mão de obra. Mas, eles enxergam que o fator responsável por essa exclusão é a “máquina”, não observam os fatores ocultos que desencadeiam a mecanização no campo. Uma observação importante, pois sob ameaça de perder o trabalho os trabalhadores ficam à mercê dos usineiros e agenciadores. Os temas dos baixos salários no campo e a exclusão dos trabalhadores passaram a ser “associados ao processo de automação da agroindústria, o que possibilita pensar na consciência do trabalhador enquanto sujeito do processo” (p.118).

No último capítulo Bezerra discorre sobre as representações nos periódicos: Folha de São Paulo e A Voz da Terra, frente as interpretações das problemáticas: boias-frias e industrialização do setor canavieiro paulista. O jornal A Voz da Terra– imprensa local, nos primeiros anos de publicação propagandeou as informações vinculadas a ideia de progresso e desenvolvimento para a cidade de Assis e região, atrelada aos investimentos tecnológicos do setor sucroalcooleiro, não direcionando o olhar para a exclusão dos trabalhadores do universo canavieiro local, “o que possibilita pensar na omissão das informações de conflitos envolvendo cortadores de cana em toda a região do Estado de São Paulo e, de forma mais precisa, próximos à cidade de Assis- SP” (p. 121).

A omissão por parte do periódico na circulação desses conflitos, pode estar ligada ao possível interesse do periódico aos dos usineiros em não mencionar os conflitos existentes na região, ou supondo uma possível entendimento entre o trabalhador e a máquina. O jornal A Voz da Terra passa a adquirir outro perfil acerca das discussões do desemprego na área rural, por volta de 1976, “quando os trabalhadores rurais não conseguem manter uma “posição passiva” (na visão divulgada anteriormente por esse órgão de imprensa) frente ás condições cada vez mais opressoras” (p.130).

O autor mapeou as edições do jornal A Folha de São Paulo durante o período de 1960 a 2000 sobre a problemática dos boias-frias. O jornal assume uma postura de um veículo comprometido com as necessidades e anseios de setores médios paulistas, mas também um compromisso com as péssimas condições de vida dos trabalhadores rurais, especificamente os “boias-frias” no interior do estado, bem como de outras regiões. Noticia em suas reportagens as tensões no campo, de forma menos tendenciosa, confrontando com os conteúdos de outros jornais. O que se percebe é que o jornal A Folha de São Paulo “envolveu-se de forma mais direta com os conflitos no campo” (p. 138). A partir das análises observou-se a ênfase atribuída pelo jornal aos acontecimentos no campo, o que possibilita visualizar as tensões existentes na época nas mais diferentes regiões do país.

Embora o jornal tenha noticiado os conflitos no campo e, as ações movidas pelos trabalhadores rurais, em algumas reportagens o noticiário deixa explícito a defesa das esferas públicas e privadas. Mas, é importante destacar que a divulgação das informações pela imprensa escrita contribuiu para o conhecimento dos conflitos no campo e na cidade, como também, na circulação dos desdobramentos da organização dos trabalhadores denunciando, a exploração e a miséria que os cercavam e, os resultados das ações favoráveis aos trabalhadores rurais.

O autor encaminha-se para as considerações finais argumentando que “não há desenvolvimento se milhares de trabalhadores se encontram excluídos desse processo” (p. 155). A obra buscou denunciar as condições de vida e trabalho desumano que homens e mulheres vem se sujeitando. Como também, dialeticamente, anunciar que o homem, a partir da figura do trabalhador boia-fria move ações de resistência, na busca de uma vida digna. Conquistas foram alcançadas, mas perdas tornaram-se concretas, o desemprego é uma delas e alerta que “governos e usineiros devem pensar medidas para que outros conflitos não se concretizem e que promovam o trabalhador e não os excluam cada vez mais” (p. 158).


Resenhista

Aline Oliveira da Silva – Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Alagoas (PPGH/UFAL).


Referências desta resenha

BEZERRA, Antonio Alves. Trabalhadores e trabalhadoras rurais boias frias: exclusão, imprensa e poder. Curitiba: Appris, 2018. Resenha de: SILVA, Aline Oliveira da. Crítica Histórica. Maceió, v.11, n.21, p.463-468, jul., 2020. Acessar publicação original [DR]

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