Ingeniería militar en el Nuevo Reino de Granada. Defensa/ poder y sociedad en el Caribe sur (1739-1811) | Manuel Gámez Casado

a obra Ingeniería militar en el Nuevo Reino de Granada es autoría del Dr. Manuel Gámez Casado, profesor ayudante doctor en el Departamento de Historia del Arte de la Universidad de Sevilla, España. El Dr. Gámez Casado es un especialista en el análisis de aspectos militares y arquitectónicos del Nuevo Reino de Granada, especialmente de la ciudad de Cartagena de Indias, temáticas sobre las cuales ha publicado diversas monografías, participado de capítulos de libros en obras colectivas y publicado artículos de investigación en diferentes revistas nacionales e internacionales de reconocido prestigio.1 Leia Mais

Poder, Representação e Imaginários na Idade Média/Mythos – Revista de História Antiga e Medieval/2022

O Dossiê temático “Poder, Representação e Imaginários na Idade Média” apresenta artigos que abordam a diversidade das formas de poder, políticas, relações culturais, representações, imaginários e a construção de memórias acerca do Medievo. Os textos que compõem o dossiê objetivam instigar reflexões sobre a historiografia produzida no âmbito dos estudos medievais, discutindo suas singularidades, confrontando-as com questionamentos sobre os usos do passado; buscando compreender como esse passado tem sido revisitado, interpretado (e reinterpretado) pelos historiadores. Leia Mais

Os usos da riqueza e do poder. Pedro de Aguiar e María Vieria na Misericódia e na cidade de Braga. Século XVII | M. M. Lobo de Araújo

Este libro de la investigadora María Marta Lobo de Araújo de la Universidad de Minho, compone un muy interesante y riguroso acercamiento al proceso de ascenso y construcción de poder y prestigio social de un matrimonio perteneciente a la poderosa burguesía comercial de la ciudad de Braga, durante el siglo XVII. En esta reconstrucción la autora nos sumerge en una trama familiar sumamente rica y polícroma en la cual se cruzan, no sólo cuestiones económicas y políticas, sino también relaciones familiares y alianzas, así como instituciones de la ciudad y personas, en una valiosa historia de vida. Leia Mais

Os militares e a crise brasileira | João Roberto Martins Filho

Joao Roberto Martins Filho Foto Gabriela Di BelaThe Intercept 2
João Roberto Martins Filho | Foto: Gabriela Di Bela/The Intercept

Os militares e a crise brasileira é uma obra escrita a muitas mãos como declara o seu apresentador e organizador, o cientista político, João Roberto Martins Filho. São pesquisadores das ciências sociais e humanas que destrincham, com análises e evidências consistentes, o emaranhado em que nos encontramos, desde a retomada, em alta intensidade, da ação política das Forças Armadas quando vislumbraram em Jair Bolsonaro, o capitão “dono de uma fé de ofício pobre, reprovável, brutal e curta”, o representante para liderar a agenda autoritária que estava em latência desde o fim da ditadura militar que oprimiu o Brasil, de 1964 até 1985.

Os militares e a crise brasileiraOs responsáveis pelos quinze textos da coletânea são parte significativa do conjunto de estudiosos sobre as Forças Armadas. Muitos estão conectados à Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED) e a maioria têm larga produção acadêmica na área. O livro é composto por quinze capítulos e uma entrevista com Héctor Saint-Pierre, concedida à Ana Penido. Na fala, esse especialista discorre sobre papel desempenhado pelas Forças Armadas no contexto internacional a partir de três temas: a autonomia diante do Estado e sua relação com a democracia; as percepções de hegemonia regional; e os conceitos de inimigo na dinâmica de guerra e paz. Leia Mais

Press, power and culture in imperial Brazil | Hendrik Kraay, Celso Thomas Castilho e Teresa Cribelli

Teresa Cribelli Imagem University of Alabama
Teresa Cribelli | Imagem: University of Alabama

De forma bem-humorada, os organizadores deste livro incluíram no prefácio o comentário de um historiador-blogueiro ironizando o título que deram ao painel que deu origem à obra. O título era, em tradução livre para o português: “A hemeroteca digital brasileira e a pesquisa histórica: contexto, conteúdo e pesquisa em arquivos digitais”. Disse o maldoso comentarista que seria difícil até mesmo para um historiador ficar excitado diante da expectativa de assistir a três ou quatro apresentações sob esse título.

Talvez para o expectador de um país em que os recursos digitais estão avançadíssimos, a existência de uma hemeroteca como a da Biblioteca Nacional não seja um fato notável. Mas, quem, como a autora destas linhas, trabalhou com os periódicos da Independência usando aquelas carroças que são as máquinas de ler microfilme, sacrificando a vista diante das idas e vindas dos olhos da tela negra do filme para o papel branco em que fazia suas anotações, ergue a todo momento graças e louvores à hemeroteca da Biblioteca Nacional, cuja pane que a deixou fora do ar há poucos meses, apavorou o meio acadêmico. Leia Mais

Dancing with the revolution: Power, Politics, and Privilege in Cuba | Elizabeth Schwall

Nos últimos anos, historiadores e historiadoras dedicadas à História de Cuba têm analisado a Revolução, iniciada em 1959, para além de paradigmas predominantemente econômicos e políticos. Essa corrente historiográfica, defensora do estudo da “Revolução a partir de dentro” (BUSTAMANTE; LAMBE, 2019), tem abarcado uma série de temáticas ligadas às políticas culturais, ao papel de marcadores sociais da diferença e do cotidiano para entender a história do país após a ascensão do Movimento 26 de julho ao poder. Entre as obras que se enquadram nesta perspectiva está Dancing with the Revolution: power, policts and privilegie in Cuba, da historiadora Elizabeth B. Schwall.

Lançado em 2021, o livro é um dos novos volumes da coleção Envisioning Cuba (The University of North Carolina Press), sendo resultado da tese de doutorado em História da autora, defendida na Columbia University. Docente da Northern Arizona University, Schwall é especialista nas relações entre arte e revolução e possui, para além de vasta produção, a experiência como dançarina, o que lhe permite um olhar sensível ao tomar como objeto de análise o balé, a dança folclórica e a dança moderna em Cuba ao longo do século XX. A partir de uma perspectiva historiográfica, que transita entre a História Social e a Cultural, a autora analisa de que forma os três estilos de dança foram mobilizados entre os anos 1930 e 1990 por sujeitos, pelo Estado e pela sociedade cubana. Leia Mais

A potência feminista ou o desejo de transformar tudo | Verónica Gago

Veronica Gago
Verónica Gago | Imagem: Verso Books

“A potência feminista” é um programa de ação e um artifício à medida que traz, desde o título, o signo do movimento. Nesse sentido, a potência feminista é entendida como uma teoria alternativa do poder (Verónica GAGO, 2020, p. 10), tratando-se “da força do processo protagonizado pelos feminismos nos últimos anos” (GAGO, 2020, p. 291). Esse desenho teórico dá pistas da configuração de produção do livro cuja autora, docente da Universidade de Buenos Aires e da Universidade de San Martin, tem a trajetória acadêmica marcada pela colaboração com os coletivos Situaciones e NiUnaMenos.

Esse movimento é feito por meio da greve como uma lente em dois sentidos – analítico e prático -, pelos quais é possível pensá-la como “[…] uma ferramenta prática de investigação política e um processo capaz de construir a transversalidade entre corpos, conflitos e territórios” (GAGO, 2020, p. 15). Leia Mais

Poder y negocios en la Córdoba Borbónica. La expulsión de los jesuitas en 1767 y lo ocurrido después… | Ana Inés Punta

Ana Inés Punta presenta un estudio exhaustivo de los procesos de liquidación de bienes de la Compañía de Jesús, en la jurisdicción de Córdoba del Tucumán (1767-1797). La expulsión de 1767 dio lugar a fenómenos locales que afectaron la vida cotidiana de la población y el funcionamiento de las instituciones, además de inducir cambios en la propiedad y uso tanto de la tierra productiva como de la población esclava puesta a la venta. Este libro se suma a otros, suyos también, sobre la segunda mitad del siglo XVIII en la jurisdicción de Córdoba del Tucumán, que totalizan un gran aporte a la historiografía. (Punta, A.I., Córdoba borbónica. Persistencias coloniales en tiempo de reformas (1750-1800), U.N.C, Córdoba, 1997, 336 págs; Punta, A.I y Rustán, M.E., -comps.Córdoba borbónica a través de sus documentos, Ferreyra Editor, Córdoba, 2014, 226 págs; y varios artículos en revistas especializadas). Leia Mais

La giustizia in scena. Diritto e potere in Eschilo e Sofocle | Emanuele Stolfi

La giustizia in scena rappresenta un contributo innovativo nel vasto panorama degli studi sul diritto greco antico, ponendosi come modello per l’interlocuzione scientifica tra gli storici dei diritti antichi e gli studiosi della tragedia. L’Autore, pur riconoscendo l’attenzione di giuristi e filosofi del diritto ai quesiti posti dai testi tragici alla moderna sensibilità giuridica e la recente fortuna della corrente di studi «Law in Literature», rileva un limitato interesse da parte degli storici dell’esperienza giuridica. Questo libro indica le possibili direzioni del contributo degli studiosi di diritto greco all’esame del teatro di Eschilo e Sofocle, proponendo un’integrazione del metodo storico-giuridico entro ampie linee di indagine (filologicoletterarie, linguistiche, antropologiche) per illustrare questioni nevralgiche rappresentate dai tragediografi. Leia Mais

Madre y Patria. Eugenesia/ procreación y poder en una Argentina heteronormada | Marisa Miranda

En el año 2020, la reconocida especialista en la historia y las transformaciones de la eugenesia en el ámbito iberoamericano, Marisa Miranda –Investigadora Principal del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (Argentina) y de la Universidad Nacional de La Plata–, ha publicado el libro Madre y Patria. Eugenesia, procreación y poder en una Argentina heteronormada en la editorial Teseo, tanto en formato papel como electrónico. Allí, la investigadora nos ofrece un aporte original de inestimable valor académico, gracias a la manera en que configura herramientas para la comprensión del vínculo entre la circulación del discurso eugenésico dentro del campo médico y jurídico argentino y la forma en que se problematizó, de manera imbricada, la constitución de la Nación y el rol estratégico que les correspondía a las “mujeres sanas y decentes” en el engrandecimiento de la Patria (en tanto madres potenciales).

En ese sentido, sostenemos que Miranda logra articular su sólida trayectoria de décadas de trabajo sobre la recepción y las transformaciones del darwinismo y la eugenesia en el denominado “mundo latino” –que ha dado lugar a numerosas publicaciones– con la indagación respecto de una arista que permite que su labor trascienda dicho campo de estudios, al analizar los vínculos biopolíticos entre la preocupación respecto de la maternidad, eugénicamente practicada, y el fortalecimiento de la Nación en la Argentina del siglo XX. Por lo tanto, hacemos propia las interpretación del especialista en biopolítica e historia de la sexualidad en España, Francisco Vázquez García, quien al prologar el libro enfatizó que la autora lograba consolidar, de manera contundente y original, una contribución correlativa al estudio de la eugenesia, a las reflexiones respecto de la biopolítica y al campo de los estudios de género. Leia Mais

The Political Portrait: Leadership/Image and Power | Luciano Cheles e Alessandro Giacone

Luciano Cheles e Alessandro Giacone
Luciano Cheles e Alessandro Giacone, 2018 | Foto: L’Italie en direct 

Il ritratto, esordiscono i curatori, ha sempre giocato un ruolo importante nella comunicazione politica, conferendo al leader una sorta di ubiquità. In questo senso, è certamente sorprendente che i contributi storiografici su questa sorta di immagini siano piuttosto limitati e, spesso, inseriti nel contesto più ampio della propaganda visuale, o come ausilio alla propaganda tout-court. Se è vero, infatti, che molti ritratti di leader sono ben impressi nelle nostre coscienze collettive, e in certi casi addirittura divenuti delle icone pop (tra gli esempi più recenti, i poster di Obama realizzati da Shepard Fairey), le loro analisi in prospettiva storica sono, tuttora, limitate1.

The political portraitIl volume, curato da Luciano Cheles, già professore di italianistica all’Università di Poitiers, e Alessandro Giacone, professore associato di Scienze Politiche all’Università di Bologna, vuole contribuire a colmare questa lacuna, raccogliendo un numero, consistente, di contributi focalizzati su questa specifica forma di propaganda visuale. Contributi che, pur con un certo sbilanciamento verso alcuni contesti, forniscono un’ampia panoramica, sia dal punto di vista della distribuzione cronologica e geografica, sia dell’interdisciplinarietà degli approcci. Uno dei punti di maggiore interesse del volume è la netta prevalenza di casi di studio riguardanti democrazie, soprattutto nelle loro fasi di transizione e trasformazione. Il ritratto del leader, questa una delle idee che sembra accompagnare l’intero volume, riflette non solo l’immagine del politico, ma anche il contesto del paese in oggetto. Leia Mais

Madre y patria!: eugenesia, procreación y poder en una Argentina heteronormada | Marisa Adriana Miranda

Marisa Miranda
Marisa Adriana Miranda | Foto: Universidad Nacional de La Plata

Madre y PatriaEl último libro de la investigadora Marisa Miranda es una obra crucial para el desarrollo de los estudios sobre las sexualidades, la eugenesia y los cuerpos en Argentina. Situado y crítico, este trabajo establece una línea de tiempo de larga duración, donde da cuenta de los complejos dispositivos que legitiman el ideario de la preocupación por la descendencia. Atraviesa y desnuda las lógicas que construyen el ideario eugenésico en el país, en clave de género, y propone volver a mirar la preocupación poblacional bajo la lupa de la maternidad y la raza como obligaciones patrióticas durante el siglo XX. Este libro constituye un aporte superador a los debates sobre la eugenesia en Argentina. El lugar de la heteronormatividad – como dimensión futura del eugenismo –, el catolicismo, sus dimensiones legales y culturales, y sus instituciones son parte esencial del análisis innovador de la prolífera investigadora.

Miranda avanza en el estudio de las lógicas que imperaron en el modelo patriarcal en Argentina. Desde una matriz foucaulteana, propone ejes que ordenan su trabajo y provocan a sus lectores a la hora de construir una problematización sobre los cuerpos. La temporalidad abordada requiere de una dimensión densa y profunda de variables relacionadas. Leia Mais

El mundo relacional de Juan Manuel de Rosas: un análisis del poder a través de vínculos y redes interpersonales | Andrea Reguera

Juan Manuel de Rosas 2
Juan Manuel de Rosas | Imagem: Wikimedia Commons

REGUERA El mundo racionalO livro da historiadora Andrea Reguera analisa a construção do poder de Juan Manuel de Rosas a partir da trama de relações interpessoais que atravessaram sua vida e a política adotada entre 1829-1833 e 1835-1852, quando assumiu o cargo de governador da província de Buenos Aires após ser eleito pela Sala de Representantes nos dois períodos. Utilizando-se, principalmente, de correspondências pessoais de Rosas, Reguera destaca a busca pela subjetividade do indivíduo na construção das relações constitutivas e dissolutivas a fim de compreender o jogo de poder presente nelas e os limites entre o público e o privado.

Organizada em três partes, a obra conta com sete capítulos. Na primeira parte, a análise das relações sociais passa pela família de Rosas e a construção de sua riqueza econômica; na segunda parte, composta por três capítulos, Reguera discorre sobre a vida política de Rosas no primeiro governo (1829-1832), durante o período em que esteve distante de Buenos Aires (1833-1834) e no segundo governo (1835-1839); a riqueza patrimonial dos legisladores e o poder dos vínculos são temas desenvolvidos na terceira parte. A autora coloca o período de 1840-1852 como sin gobernador devido aos problemas sobre a posse do cargo de governador: entre renúncias e readmissões, Rosas reassume o cargo em 1842 como “governador proprietário” até 1852, quando de sua deposição. Após a conclusão da obra, as genealogias das principais famílias que compuseram a vida pessoal de Rosas se encontram disponíveis. Leia Mais

From Revolution to Power in Brazil: How Radical Leftists Embraced Capitalism and Struggled with Leadership. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 2019. Resenha de: SOARES, Dayane. Percursos e reflexões da esquerda armada de outrora. Revista de História. São Paulo, n. 180, 2021. Aces | Kenneth P. Serbin

Intensificadas as investidas repressivas do Estado, centenas de brasileiros, cuja maioria ainda na flor da juventude, optou pelas armas na luta contra a ditadura vigente no país (1964-1985). Como não nos é estranho, essa aposta, iniciada com uma série de ações guerrilheiras espaçadas, se seguiria de um punhado de sucessos, mas de uma subsequente onda repressiva e do inevitável desmantelamento dos agrupamentos de esquerda armada poucos anos após o pontapé inicial. Entre as resultantes negativas desse processo, sabe-se que a maior parte de seus quadros vivenciaria a experiência de prisão e o horror das torturas, e uma parcela seria posteriormente listada entre os nomes dos milhares de mortos e “desaparecidos” políticos sob a responsabilidade do Estado brasileiro. Os sobreviventes, porém, reconstituiriam suas vidas tomando cursos distintos. Passadas cinco décadas do massacre lançado à oposição de esquerda2 e mais de trinta anos desde o final do regime, mesmo com uma extensa literatura desenvolvida sobre o campo temático3, é certo que algumas questões ainda pairam no ar, inclusive a que indaga sobre o futuro daquela geração de revolucionários. É nesse sentido que se insere From Revolution to Power in Brazil, o mais recente livro de autoria do historiador Kenneth P. Serbin. Leia Mais

Negros de prestígio e poder: ascensão social/estilos de vida e racismo na cidade de Salvador | Ivo de Santana

O livro é resultado da tese de doutorado em Ciências Sociais defendida na Universidade Federal da Bahia, em 2009, com foco nas “trajetórias profissionais de pessoas negras que vivenciaram processos de mobilidade social na administração pública” (p. 35) na capital baiana. A temática não é inédita para Ivo de Santana, já que havia desenvolvido pesquisas nos anos 1990 sobre executivos negros em organizações bancárias, tendo publicado sobre o assunto um artigo na Afro-Ásia, n. 23 (2000). Leia Mais

Mulheres e Poder: um manifesto | Mary Beard

É notório que durante muito tempo de nossa história as mulheres não possuíram uma voz pública. Mantidas no âmbito doméstico, privado, em silêncio, por muito tempo nos indagamos se teriam mesmo as mulheres uma história. No entanto, a ampliação do campo da História das Mulheres nos faz constatar que elas sempre estiveram presentes na História: basta olhar com cuidado para as entrelinhas. Surgindo na década de 1960 e ganhando notoriedade ao longo dos trinta anos seguintes, compreendemos a História das Mulheres como um campo de estudo atualmente consolidado.

Já inserida no atual contexto de consolidação e discussões historiográficas, filosóficas e também presente no âmbito das ciências sociais, Mary Beard publica, em 2018, o livro “Mulheres e Poder: um manifesto”, uma adaptação de duas palestras ministradas por ela nos anos de 2014 e 2017. Beard é uma autora inglesa com formação em artes e filosofia voltada para o período clássico. Sob essa ótica, utilizando dos exemplos das Antiguidades grega e romana, a autora tem por principal objetivo demonstrar em que medida os mecanismos de silenciamento e cerceamento feminino permanecem incorporados na sociedade ocidental dos dias atuais. Leia Mais

The Unfinished Revolution: Haiti/Black Sovereignty and Power in the Nineteenth-Century Atlantic World | Karen Salt || Maroon Nation: A History of Revolutionary Haiti | Johnhenry Gonzalez

Onde reside a soberania haitiana? A questão é sempre urgente durante cada virada da espiral da história política haitiana, com suas crises e a consequente insistência na busca de “soluções” que eternamente pioram o problema que pretendem resolver. O que é difícil – mas necessário quando se fala da urgência do momento – é também encontrar, de alguma forma, um caminho para guiar nossas ações por uma compreensão da história profunda do agora. No Haiti, como em toda parte, mas nem sempre com a mesma intensidade, a tirania das rotinas interpretativas e das categorias sem saída limitam o presente, frequentemente nos impedindo de ver o que está bem em nossa frente. Leia Mais

O Poder em Tempos de Peste (Portugal – séculos XIV/XVI) | Mário Jorge Motta Bastos

O professor Mário Jorge da Motta Bastos tem atuado no estudo da doença (a peste1), tema que o move desde sua graduação no ano de 1989 até o termino de seu doutorado e também hoje como professor associado II na Universidade Federal Fluminense onde atua desde 1992. Em seus estudos juntamente com seus alunos nos laboratórios de pesquisa que integra, procurou desenvolver conhecimentos sobre a sociedade do medievo, principalmente nas sociedades ibéricas, acerca dos impactos das levas epidêmicas tiveram sobre as populações, seu imaginário e as produções artísticas sobre o tema, e sobre a atuação do poder monárquico junto aos súditos a fim de deter as epidemias, seus efeitos danosos ao corpo social e como meio e desculpa para acelerar o processo de unificação do poder na figura do suserano. Todos estes estudos resultaram em dois livros sendo o primeiro e nosso objeto de estudo O Poder em Tempos de Peste (Portugal – séculos XIV/XVI)2 de 2009. O volume começa com o prefácio do celebre historiador marxista Ciro Flamarion Cardoso cujo autor fora aluno e que faz questão de ressaltar que apesar de focar massivamente na questão do discurso régio – construído para legitimação das ações de combate ao contágio e a sucessivas investidas de centralização do poder sob a figura real- o professor Mário não agiria à maneira dos pós-modernos que creem ser o discurso que constitui a realidade e não o contrário. Que buscaria “… estabelecer nexos.” “… entre a perspectiva cristã relativa à doença e à peste em particular…”. O prefaciador ressalta também que não se detendo somente no discurso, mas que estariam embasados em dados estatísticos e demográficos demonstrando a articulação entre o discurso e a materialidade a que ele representa. Leia Mais

Formação social do Brasil. Etnia, cultura e poder | Erivaldo Fagundes Neves (R)

Desde a superação da fase ensaísta do pensamento social brasileiro e sua substituição por uma fase acadêmica, disciplinar, aumentou muito a exigência para uma síntese de história do Brasil que fosse, ao mesmo tempo, interessante para o debate público e que contemplasse a produção crescente de especialidade de áreas e sub-áreas. Conhecimento de fontes de períodos distintos da história do Brasil, especialmente colônia e império, trânsito em diferentes campos de pesquisa como história econômica, história da escravidão, história cultural, história territorial e historiografia, são atendidos por Formação social do Brasil do historiador baiano Erivaldo Fagundes Neves, professor da Universidade Estadual de Feira de Santana.

Neves é uma referência em campos como história agrária, história da escravidão e história regional e local dos sertões da Bahia. Mobilizando sua experiência, produziu uma interpretação da história do Brasil à partir das categorias de etnia, cultura e poder. A obra serve ao estudioso, por seu embasamento teórico e empírico, ao mesmo tempo em que interessa ao debate público pois discute hierarquias raciais, desigualdade, estrutura do Estado e persistência de instituições de privilégio. Mesclando narrativa e análise objetiva, Neves defende a tese de que o Brasil conserva do antigo regime português comportamentos e relações de poder marcadas pelo regime de mercês e privilégios, ao mesmo tempo em que possuiria uma cultura popular exuberante marcada pela diversidade e autonomia. Essa resenha do livro Formação social do Brasil descreve seu conteúdo e destaca lacunas e pontos de força.

Nos quatro primeiros capítulos, o autor trata de temas que podem ser considerados os “antecedentes” do país. Trata de história pré-colonial do Brasil, faz uma ampla revisão das teses arqueológicas sobre povoamento do Brasil, relativizando a teoria de migração via estreito de Bering e afirmando a plausibilidade da hipótese das múltiplas migrações, via África, Polinésia e Extremo Oriente, para a América, bem como das grandes migrações internas no continente sul-americano. Trata de sambaquis litorâneos, aldeias de pescadores, ceramistas e agricultores ribeirinhos no interior do país. Analisa a formação das nações indígenas no período colonial. Discute a formação de Portugal, desde a hegemonia mourisca do território, do Estado português no medievo e do contexto de tensões políticas entre estados cristãos e muçulmanos no Mediterrâneo ocidental, analisa a presença de povos roms, chamados callí na península ibérica. Debate a história dos povos africanos que tinham relação mais próxima com a história do Brasil pelas mediações do tráfico humano e do comércio. Há estatísticas do tráfico e discussão das construção das nações coloniais africanas, como banto, haussá, nagô, jeje ou mina, a serviço do colonizador ibérico.

Não faltam os temas clássicos de presença francesa e flamenga na colônia, o pacto colonial-mercantil e as resistências indígenas e quilombolas. A novidade é a incorporação de uma tendência da historiografia colonial que destaca o caráter não-linear e efêmero da conquista, recuos e resistências, especialmente nos dois primeiros séculos. Neves destaca que a história do século XVII não é só da destruição de Palmares, mas também das 37 vitórias que o quilombo obteve frente às expedições da Coroa. Há uma análise densa dos dispositivos jurídicos-políticos e socioculturais da colonização, a adaptação no transplante para a América, descrições do aparato administrativo da colonização, as instâncias judiciárias e o aparelho militar. Um dos pontos fortes do livro que enriqueceria as atuais discussões públicas sobre direitos e privilégios no país é o tratamento da economia de mercês, com privilégios e suas hierarquizações complexas no modo de organizar a república no Antigo Regime e sua transplantação. Sobre a dimensão cultural, Neves debate o Barroco como um gênero que se apropriou das inovações técnicas do Renascimento e as extrapolou para criar alegorias à partir de signos, o papel da religião na vida cultural e artística da colônia, as academias literárias surgidas no século XVIII como expressão da ilustração colonial e a completa autonomia da música, que conservou o cantochão nos templos, não desenvolveu a música de câmara europeia e promoveu uma imensa riqueza em termos de música popular de rua. Também trata dos aspectos econômicos. Para Neves, é insuficiente compreender a colônia brasileira apenas como exportadora de gêneros para o comércio mundial, mas também perceber o mercado interno. Destaca o papel da pecuária na ocupação dos sertões, da mineração do adensamento demográfico do interior e na mudança de gravidade econômica da colônia e o mito do bandeirante é analisado em sua construção no final do século XIX. O autor destaca os aspectos ideológicos dos protestos anticoloniais, o iluminismo entre os grupos sociais abastados e médios e o haitianismo dos setores subalternos, além dos aspectos políticos da transferência da corte para o Brasil em 1808.

Entre os capítulos 10 e 13, o autor trata da formação do Estado pós-independente. Aborda o papel dos poderes oligárquicos regionais, as continuidades do absolutismo português no poder moderador da constituição outorgada, a formação da burocracia, das forças armadas e de uma elite aristocrática homogênea em torno de Pedro II como estratégia de governança. Para o autor houve duas grandes tendências nas tensões políticas do país, a de centralização do poder e o federalismo das oligarquias rurais, comerciantes e mineradoras regionais. Essa dualidade foi investigada no capítulo sobre as regências, com análise da configuração política partidária do país, dos conflitos federalistas e das guerras civis generalizadas, inclusive as de recorte social e racial. Com o golpe da maioridade, Neves narra a construção da estabilidade monárquica, o reformismo que perpetuava o escravismo e o projeto de embranquecimento do país com a imigração. O segundo reinado, para Neves, é marcado por conservadorismo, resquícios do absolutismo, reformas realizadas quando havia grande pressão, manutenção da estrutura de latifúndio e das características econômicas rurais do país.

Neves analisa a exclusão da quase totalidade da população do letramento e consequentemente uma minúscula elite letrada. Oito em cada 10 brasileiros eram analfabetos no século XIX. Os alfabetizados em geral possuíam rudimentos de leitura e escrita, as quatro operações básicas de aritmética e noção de juros simples e compostos, o suficiente para assinar documentos, não possuir o estigma de analfabeto, negociar, votar, talvez ler livros religiosos, livros agrícolas e, depois de 1890, folhetos com romances em versos. Isso se refletiu em uma literatura brasileira que mimetizava estilos europeus, como o neoclassicismo, o romantismo, o simbolismo e o parnasianismo. A ruptura ocorreu com a industrialização, urbanização e formação de uma sociedade dividida em classes. Neves também trata da formação de uma identidade nacional à partir da historiografia no século XIX, quando o Instituto Histórico e Geográfico do Brasil estabeleceu uma história pátria na qual a nação se desdobrava da história colonial, com protagonismo português, sendo indígenas e africanos coadjuvantes. As expressões dessa historiografia eram von Martius, Como se deve escrever a história do Brasil e os volumes de Vanhargen.

Nos capítulos 13 e 14 Neves trata da transição para a modernidade nos aspectos econômicos, políticos e urbanos. A nova infraestrutura de transportes a vapor e a crescente urbanização, especialmente em Rio de Janeiro e São Paulo, se identificavam com um modelo de civilidade que excluía os mais pobres e pretos. Neves narra a exaustão do escravismo e o colapso da monarquia, derrubada por uma parada militar, após uma longa crise política, sucedida por uma ditadura de marechais até a transição para os governos civis que representavam as oligarquias regionais mais poderosas. A república foi seguida de decepção, manifesta furiosamente em lutas sociais como as revoltas da armada, da vacina e da chibata, o tenentismo, o cangaço e os movimentos milenaristas. Trata do processo de consolidação territorial e dos tratados sobre as fronteiras do país, destacando os conflitos com Paraguai e Bolívia. A seguir, o autor discute o colapso da república oligárquica e o processo de modernização pós-revolução de 30. Além da narrativa dos principais acontecimentos que levaram ao fim do regime liberal, destacando o colapso do modelo agroexportador e a recomposição política construída à partir do declínio da hegemonia ruralista, Neves analisa as condições mais estruturais da modernidade e a sua implantação no Brasil, uma sociedade herdeira do escravismo que continuava as formas mais perversas de racismo, exclusão sócio-racial, analfabetismo generalizado e permanência das estruturas de mercê e privilégios. Em que pesem as rupturas em termos de estética, moda e expressão cultural, a moderna sociedade conservava uma série de suas características e mazelas, nos sertões e nas capitais.

No capítulo 15, Neves apresenta vários pensadores do Brasil, desde Antonil, seguido por von Martius, Vanhargen, chegando a Capistrano de Abreu, Euclides da Cunha, Alberto Torres, Manoel Bomfim, Oliveira Lima, Oliveira Viana, Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freire. Para Neves, o Brasil se caracterizaria por sua alegria, sociabilidade e generosidade, com aspectos do burlesco, do chistoso e do manhoso. Manifestos por uma minoria, haveria a astúcia, a vadiagem e a ilicitude, já destacadas por intérpretes do país como uma das características do brasileiro, mas segundo Neves, seriam aspectos marginais da população e expressão de suas estruturas perversas de concentração de terra, propriedade e poder. A escravidão, o genocídio, o latifúndio, a política baseada na mercê e nos privilégios, característica do antigo regime ibérico, teriam engendrado estruturas que persistem na organização do país. A história brasileira se caracterizaria, assim, por tendências opostas, como o centralismo e o federalismo, o latifúndio e a minifundização da propriedade, a opressão na forma de escravismo, jaguncismo, coronelismo e políticas excludentes dos oligarcas e a adaptação, burla, resistência e revolta permanentes.

Formação Social do Brasil mescla análise estrutural de longa duração, com destaque para aspectos econômicos, étnicos e políticos, mas há momentos narrativos, especialmente após a independência. O recorte cronológico vai até a revolução de 30. A ditadura civil-militar de 1964 está ausente, mas é tentador para o leitor pensar o período recente da história do país à partir das teses do autor de persistência de elementos do antigo regime na modernidade brasileira, como o sistema de mercês e privilégios e as reformas feitas sob pressão por regimes autocráticos. Algumas lacunas são as lutas sociais do movimento operário, já com destaque nas cidades nos anos 1910, e o banditismo rural, exceto por um tratamento mais atencioso ao cangaço. Como ficam os conflitos armados do império e da república de grande escala, como os que envolveram Militão Plácido da França Antunes nos anos 1840 e Horácio de Matos nos anos 1910, ainda ausentes em livros síntese de história do Brasil, dentro das das teses do autor sobre oligarquias fardadas? Formação é mais um livro de história econômica do que de história social, trata mais de estrutura que de conflito, embora destaque que a tensão e a revolta são permanentes.

O leitor que desejar conhecer com mais vagar os aspectos étnicos da formação do povo brasileiro, encontrará uma material amplo que trata de Portugal, África e América, pré-colonial e colonial, que permite uma visão panorâmica dos povos que formaram o Brasil. Além da diversidade étnica de indígenas e africanos traficados para a América, há destaque à diversidade étnica de Portugal, onde mouros, judeus e ciganos faziam parte da população que atravessou o Atlântico.

Uma última observação é que sua estruturação em capítulos pode ser desmontada e remontada. É possível fazer a leitura dos capítulos sobre etnia ou sobre economia, como também há capítulos de temas de cultura ou de política. Outras ordens podem ser feitas pelo leitor, sem prejuízo de sentido, devido à riqueza bibliográfica com qual cada tópico é construído. Nesse sentido, a profusão da bibliografia pode servir de guia de leituras para entender o Brasil. Em outros sentidos, o livro oferece ao leitor bastante autonomia, já que ele pode usá-lo como guia de leituras de aprofundamento, graças à bibliografia ampla e como cardápio de hipóteses extraídas do período colonial, imperial e primo-republicano para pensar questões recentes do país.

A novidade do livro é a proposta de uma história das estruturas econômicas e políticas do país que, não sendo concentrada no sudeste, seja territorialista. As obras escritas por Neves sobre os sertões baianos, tendo por objeto a conquista, o escravismo, a estrutura fundiária, a rede comercial e a cultura, permitiram que ele diferenciasse o território da sociedade, tentação em que caem muitos dos historiadores que pretendem se afastar de uma história dos centros administrativos do litoral. Não há “um sertão do Brasil”, mas sociedades, economias e oligarquias sertanejas, fundamentais para a estruturação do Estado e das hierarquias, políticas, sociais e raciais. Num momento em que a regionalização apressada vem ganhando espaço nas análises sobre política do país, onde abundam expressões como “o eleitor nordestino”, o “o voto dos grotões”, a “divisão regional”, é valiosa uma obra que não reifica o sertão, ao mesmo tempo em que não cai no caminho mais óbvio da historiografia brasileira de síntese que pensa o Brasil, para além de seus centros urbanos de expressão econômica ou administrativa, como território.

Flávio Dantas Martins – Mestre em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana. Atualmente é doutorando em História pela Universidade Federal de Goiás e professor do Centro das Humanidades da Universidade Federal do Oeste da Bahia. E-mail: [email protected]  ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5275-5761.


NEVES, Erivaldo Fagundes. Formação social do Brasil. Etnia, cultura e poder. Rio de Janeiro: Vozes, 2019. Resenha de: MARTINS, Flávio Dantas. A persistência do privilégio: uma história das estruturas e das hierarquias do Brasil. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.39, n.1, p.508-513, jan./jun. 2021. Acessar publicação original [DR]

Trabalhadores e trabalhadoras rurais boias frias: exclusão/ imprensa e poder | Antonio Alvez Bezerra

Antonio Alves Bezerra é graduado em História pela UNESP, mestrado pela PUC/SP e doutorado em História pela mesma universidade. É professor do curso de graduação e pós-graduação em História pela UFAL, como também, coordenador do laboratório de Ensino de História e líder do Grupo de Estudos: História, Ensino de História e Docência.

A obra intitulada Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Boias Frias: exclusão, imprensa e poder é um estudo sobre o avanço do processo de modernização do setor sucroalcooleiro com o resultante aumento da exclusão social e econômica dos trabalhadores rurais. O prof. Rodrigo Costa escreve um breve prefácio sobre a obra e observa que ela “oferece uma visão sob um grupo social cuja presença se faz notar e sentir no cotidiano das grandes áreas rurais do país, os trabalhadores rurais boias-frias”, que também, estão presentes no agreste alagoano e no sertão pernambucano. Existência historicamente negada nos discursos do poder público, da mídia e do poder econômico. Leia Mais

Victoria Ocampo. Escritura/poder y representaciones | María Soledad González

La sonoridad del nombre de Victoria Ocampo sigue haciendo eco no sólo en el mundo de las letras y la alta cultura, sino también en el ámbito académico-científico. Si bien, los impulsos renovados del campo historiográfico -en dialogo interdisciplinar con otras ciencias sociales- han permitido reivindicar a las mujeres como sujetos históricos; el abordaje de las intelectuales argentinas del siglo XIX y XX aún es un terreno poco explotado. Desde esta preocupación, María Soledad Gonzáles nos ofrece Victoria Ocampo. Escritura, poder y representaciones, como producto de una tesis de maestría en Ciencias Sociales con mención en Problemas Políticos, defendida en la Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires. Así mismo, la presente obra abreva en el estudio de las configuraciones y trayectorias intelectuales en la Argentina metropolitana y periférica durante el siglo XX que, la autora, está realizando en el marco de su tesis doctoral. Leia Mais

Cultura e poder entre o Império e a República: estudos sobre os imaginários brasileiros (1822-1930) | Ana Beatriz D. Barel e Wilma P. Costa

livro Cultura e poder entre o Império e a República: estudos sobre os imaginários brasileiros (1822-1930), organizado pelas historiadoras Ana Beatriz Demarchi Barel e Wilma Peres Costa, é uma coletânea de trabalhos que pesquisadores de diferentes instituições do país apresentaram durante o “Seminário Internacional de Estado, cultura e elites (1822-1930)”, na Fundação Casa de Rui Barbosa, em 2014. A obra tem como recorte cronológico o chamado “longo século XIX” no Brasil, que, segundo as próprias organizadoras, foi marcado pela “intensidade das transformações que atravessaram a experiência humana no Velho e no Novo Mundo” (p. 7).

Através da análise de objetos variados e trajetórias individuais, o livro apresenta as disputas travadas no interior do processo de definição da identidade nacional brasileira, um itinerário complexo marcado pela construção do Estado e pela consolidação da nação. Para a elite letrada brasileira, o desafio consistia em estabelecer símbolos que fossem importantes para o público interno letrado do país e para os leitores do velho continente. Seu objetivo era integrar o Brasil no sistema cultural das nações europeias, ao mesmo tempo que era necessário distingui-lo das demais nações do Novo Mundo.

Os projetos nacionais para o Brasil, a fundação de instituições culturais, a composição da sociedade letrada, a relação entre Estado e cultura, tudo isso está presente ao longo dos doze capítulos que compõem as duas partes da obra. Os da primeira parte abordam especialmente a propagação da cultura escrita no país, destacando-se algumas figuras importantes que conduziram os debates sobre a nação através da produção de obras, organizações literárias e disputas dentro das próprias instituições do país. Na segunda parte do livro, observamos a importância e o impacto da difusão da imagem, em particular dos retratos e da fotografia nas décadas que compreendem a segunda metade do século oitocentista até o início da república brasileira. Em ambas as partes, as disputas pela construção de narrativas para o país, bem como a relação tensa entre cultura e poder, constituem o eixo de análise dos capítulos.

O primeiro capítulo da obra, “Espaço público, homens de letras e revolução da leitura”, do historiador Roger Chartier, fornece a chave para compreender as tensões entre o Estado, as elites e a constituição da cultura nacional exploradas em diferentes momentos do livro. Chartier desenvolve aí a genealogia de três noções, a de espaço público, a de circulação de impressos e a de constituição do conceito de intelectual. Desenvolvidas durante o movimento iluminista, essas noções apresentaram variações no desenrolar do mundo contemporâneo e influíram decisivamente nas nações a surgir nas Américas, entre elas o Brasil.

A construção de um imaginário para a nação a partir do olhar estrangeiro do viajante, tema clássico mas sempre atual nas discussões sobre o Novo Mundo, é apresentado no segundo capítulo do livro, de Luiz Barros Montez Barros. O texto analisa os objetivos da produção dos relatos do alemão Johann Natterer a respeito de sua viagem ao Brasil entre os anos de 1817 a 1835. Como sugere Barros, conhecer novas terras possibilitava a elaboração reflexiva sobre a cultura dos países de origem dos próprios viajantes. Essa produção, além de prezar pela objetividade científica das informações, resultava em avaliações eurocêntricas que ressaltavam a “afirmação da supremacia do modelo civilizacional e técnico” dos países capitalistas emergentes (p. 49).

O estudo de Wilma Peres Costa sobre a figura de um dos intelectuais mais importantes do século XIX brasileiro, Alfredo d’Escragnolle Taunay (1843-1899), também explora a temática da construção da identidade nacional brasileira em sua complexa relação com o Velho Mundo. A autora observa a complexidade de um personagem que pertencia à linhagem francesa e vivenciava o contexto desafiador de criação de um campo literário e artístico no Brasil oitocentista. Através da análise do processo de mudança do próprio nome do literato, aponta que Taunay, em oposição à maioria dos intelectuais brasileiros, buscava se distanciar das referências francesas e se aproximar das de Portugal e do nativismo brasileiro. Assumindo a condição de uma “dupla cidadania intelectual”, o letrado revelava em suas obras, com destaque para A Floresta da Tijuca, o projeto de construção de uma memória e história vinculadas ao poder do Imperador e da monarquia no Brasil.

O esforço pela construção do Estado e pela busca da estabilidade política monárquica no Brasil também se materializou na fundação das instituições literárias na primeira metade do século XIX, como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), criado em 1838. Naquele momento, a elite letrada do Brasil se inspirava nas instituições francesas – o Instituto Histórico de Paris havia sido fundado alguns anos antes (1834) e contava com a presença de representantes do Império brasileiro em suas sessões iniciais. A preocupação do homem do século XIX, dos dois lados do Atlântico, era com o registro histórico para a composição e conformação da memória nacional.

Dois capítulos do livro se ocupam dos temas relacionados à composição social dos membros do IHGB e às escolhas de temas nas publicações de sua Revista, na primeira metade do século XIX. A historiadora Lucia Maria Paschoal Guimarães analisa como a seleção de acontecimentos históricos e suas respectivas narrativas, junto à composição social dos membros do IHGB desde a sua fundação até o ano de 1850, apontam para o esforço considerável de construir um passado nacional legitimador do Estado monárquico. A defesa da monarquia e da figura do Imperador era necessária diante das conturbações e pressões vividas naquele momento. “O passado acabaria então por converter-se em ferramenta para legitimar as ações do presente.” (p. 62).

Tamanho esforço também poderia ser observado na busca pelo estabelecimento dos cânones literários brasileiros na Revista do IHGB, dado que os escritores nacionais a figurar entre as referências literárias também foram definidos no interior do próprio Instituto. Conforme nos indica Ana Beatriz Demarchi Barel, a seção da revista intitulada “Biographia dos Brasileiros Distintos por Letras, Armas, Virtudes, &” tinha a finalidade de apresentar ao público os nomes de personalidades nacionais (escritores, advogados, diplomatas, navegadores, inquisidores) dignas de elogios, e dentre elas é possível observar a indicação de quais nomes deveriam pertencer ao panteão dos escritores da literatura nacional, em diálogo com as referências europeias. Assim, “a RIHGB conforma-se como instrumento de propaganda da política alavancada pelas elites e do poder de um monarca ilustrado nos trópicos” (p. 83).

O historiador Avelino Romero Pereira abordou a música no Império como um campo de prospecção e definição de um projeto cultural nacional. Propondo refletir sobre suas características “aproximando-a da literatura e das artes visuais” (p. 100), o autor destaca que, a exemplo dos gêneros literários, a produção, a circulação e o consumo musical estiveram permeados de tensões. O mecenato exercido pelo imperador nessa área não reduziu a música a um caráter meramente oficialista do Império, como se os artistas fossem “marionetes a serviço do poder pessoal do Imperador e da construção de um projeto exótico de Império nos trópicos”. (p. 93) Araújo Porto Alegre seria um dos representantes da multiplicidade de ideias contrapostas à visão de unicidade nacional.

As trajetórias individuais iluminam as contradições, oposições e alianças estabelecidas no processo de formação de campos discursivos culturais no Brasil, como se pode ver no capítulo de Letícia Squeff. A autora nos apresenta o caso do pintor Estevão Silva, negro, que se indignou ao receber a medalha de prata como artista das mãos do Imperador, em 1879, Academia Imperial de Belas Artes. Squeff aponta a tensão que esse episódio gerou, intensificando, inclusive, o momento de crise vivido dentro da instituição e, também, acentuando ainda mais o descrédito público da figura do Imperador. “Foi percebido como atitude potencialmente revolucionária, numa monarquia que já vinha sendo sacudida por debates e discursos republicanos” (p. 294).

Ricardo Souza de Carvalho também traz à tona uma importante trajetória individual ao analisar a atuação do abolicionista e monarquista Joaquim Nabuco em duas instituições de peso, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e Academia Brasileira de Letras. Como dito, o IHGB se vinculou, durante todo o período do Império, à figura do Imperador e à Monarquia, enquanto a Academia Brasileira de Letras, fundada na última década do século XIX, marcou as necessidades relacionadas aos dilemas da construção do início da República no Brasil. Carvalho estuda a presença de Nabuco nessas instituições para mapear as relações tensas entre instituições culturais e política no fim do Império.

A relevância social das imagens na segunda metade do século XIX aparece no capítulo de Heloisa Barbuy, dedicado à organização de uma galeria de retratos na Faculdade de Direito de São Paulo no século XIX. O retrato ganhava ares de prestígio no momento em que a fotografia ainda não era tão glorificada. Retratar significava eternizar uma memória, dando início a uma “cultura de exposições” na segunda metade do século XIX que se ligava à construção de narrativas nacionais e, também, ao estabelecimento de personalidades como figuras de referência. Barbuy indica a relação entre a formação do Estado Nacional, em particular o seu sistema jurídico, e a escolha de determinadas trajetórias de “homens públicos-estadistas e governantes” para figurar uma sala de retratos. “Homenagear alguém com o seu retrato em pintura, em telas de grandes dimensões, era a expressão máxima da admiração reverencial que se desejava marcar.” (p. 223).

O capítulo de Ana Luiza Martins aborda a importância da iconografia para demarcar a preponderância do café na economia imperial brasileira. A ideia de que o “café dava para tudo” é problematizada através da análise de inventários e das obras literárias sobre os cafeicultores do Vale do Paraíba. As dificuldades encontradas com o declínio do tráfico negreiro e as oscilações do mercado ficaram, durante muito tempo, submersas na imagem do poder que a economia cafeeira proporcionava, imagem construída em grande medida pela iconografia. Os casarões dos proprietários das fazendas de café estavam retratados em telas pintadas por artistas de renomes da corte, o que representava o “poderio econômico e político” dos cafeicultores mesmo no momento em que a produção da região já não estava em seu auge.

Analisando a arquitetura do Vale do Paraíba, Carlos Lemos aponta para as transformações da cultura material nas residências da região. Lemos salienta que o material para construção das residências não variava e que o Estado não teve influência na constituição de suas características. As questões estéticas das casas, ao longo do Paraíba no século XIX, não eram primordiais. O tamanho das casas era o fator que diferenciava a classe social e econômica e é nesse aspecto que podemos perceber o esforço de diferenciação social que ocorreu através da monumentalidade dos casarões dos cafeicultores. “O que interessava aos ricaços era unicamente o tamanho de suas casas de dezenas de janelas” (p. 168).

O simbolismo de poder existente nas construções grandiosas, nas imagens e em suas exposições também ganharam aspectos novos com o advento e difusão da fotografia no Brasil. A chegada de fotógrafos europeus, a partir da segunda metade do século, possibilitou que aspectos da nossa sociedade fossem retratados com base em uma nova materialidade. Ao analisar a trajetória do fotógrafo alemão judeu Alberto Henschel, Cláudia Heynemann observa que, no momento em que o retrato a óleo ainda se restringia a uma minoria economicamente favorecida, a fotografia, através do desenvolvimento do formato carte de visite, possibilitou que outros setores da sociedade também tivessem acesso ao consumo de suas próprias imagens. O álbum privado, que trazia imagens de “famílias brasileiras, abastadas, das camadas médias em ascensão, de libertos, de escravizados, gente de todas as origens”, se tornou uma febre social (p. 258). A respeito de Alberto Henschel, a autora ainda destaca a diversidade de seus trabalhos, inclusive inúmeras fotografias que retratava os negros brasileiros, marcando um novo momento da história visual do Império e da sociedade escravista.

A diversidade de abordagens apresentada nos capítulos que compõe Cultura e poder entre o Império e a República nos permite compreender, com mais acuidade, o panorama múltiplo das relações entre as elites brasileiras e o Estado Nacional ao longo de mais de cem anos. A leitura de cada capítulo dá densidade a esse relevante tema de investigação. À medida que nos detemos em um determinado personagem ou em algum contexto mais específico, nos aproximamos das mais variadas formas de produção e circulação de ideias que fizeram parte da construção do imaginário nacional de um país monárquico cercado de repúblicas e profundamente marcado pela herança da escravidão.

Referência

BAREL, Ana Beatriz Demarchi; COSTA, Wilma Peres. (Orgs). Cultura e poder entre o Império e a República: estudos sobre os imaginários brasileiros (1822-1930). São Paulo: Alameda, 2018.

Lilian M. Silva – Universidade Federal de São Paulo. São Paulo – São Paulo – Brasil.


BAREL, Ana Beatriz Demarchi; COSTA, Wilma Peres. (Orgs). Cultura e poder entre o Império e a República: estudos sobre os imaginários brasileiros (1822-1930). São Paulo: Alameda, 2018. Resenha de: SILVA, Lilian M. Relações de poder na cultura escrita e visual no “longo século XIX” brasileiro. Almanack, Guarulhos, n.24, 2020. Acessar publicação original [DR]

Vacina antivariólica: ciência/ técnica e o poder dos homens (1808-1920) | Tania Maria Fernandes

O livro de Tânia Fernandes, recentemente lançado pela Editora Fiocruz, é produto de sua dissertação de mestrado defendida na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Aqueles que apenas passarem os olhos pelo título do livro e o tema tratado com certeza se lembrarão do também recente trabalho de Sidney Chalhoub, que aborda a questão da vacina antivariólica (Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial, São Paulo, Companhia das Letras, 1996). Entretanto, as semelhanças entre os dois livros terminam aí. As diferentes abordagens escolhidas pelos autores e a originalidade da trajetória e do enfoque de Tânia Fernandes tornam-se evidentes à medida que nos debruçamos sobre o livro da pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz. Enquanto o trabalho de Chalhoub está mais voltado para uma história cultural e procura resgatar as resistências da cultura popular carioca à prática da vacina, Fernandes volta sua atenção para a história da ciência, privilegiando a história da vacina propriamente dita, incluindo-se neste aspecto não apenas a história dos institutos encarregados de produzi-la e aplicá-la, mas também o conhecimento técnico e científico envolvido na sua produção.

Registre-se que, ao estudar as práticas científicas e as técnicas envolvidas na produção da vacina, Fernandes preocupa-se em mostrar como as concepções científicas não podem ser dissociadas das práticas políticas e dos interesses profissionais da comunidade médica, fugindo de qualquer compromisso com uma história ‘heróica’ da ciência. Esta perspectiva fica bastante evidente no capítulo três, onde analisa os conflitos políticos entre o barão de Pedro Affonso e Oswaldo Cruz em torno da concepção de a quem caberia o monopólio de produzir e aplicar a vacina: ao Estado ou à iniciativa privada. O barão de Pedro Affonso, primeiro médico a produzir com sucesso a vacina antivariólica animal e diretor do Instituto Vacínico Municipal do Rio de Janeiro entre 1894 e 1920, defendia seu monopólio privado conquistado ainda no final do Império, quando conseguiu reproduzir a vacina animal no país. Oswaldo Cruz, diretor do então Instituto Soroterápico e representante de uma tendência centralizadora e estatista, defendia a incorporação do Instituto Vacínico ao Instituto Soroterápico e o fim do monopólio privado de Pedro Affonso. Leia Mais

Expresiones de poder en la Edad Media. Homenaje al profesor Juan Antonio Bonachía Hernando | Ma. Isabel del Val Valdivieso, Juan Carlos Martín Cea e David Carvajal de la Vega

Expresiones de poder en la Edad Media es, ante todo y como indica el subtítulo que lo acompaña, un homenaje al profesor Juan Carlos Bonachía Hernando. Esto no es un dato menor dado que son su memoria, su trabajo y su derrotero historiográfico los criterios que ordenan y articulan el presente volumen.

Desde su llegada a la Universidad de Valladolid a mediados de los años ’70 del siglo XX, en medio de un clima político convulso y un proceso de transformación de su casa de estudios, Juan Carlos Bonachía desempeñó diversidad de cargos vinculados a la docencia, la investigación y la gestión universitaria, entre los que destacan la dirección del Departamento de Historia Medieval, el vicedecanato de la Facultad de Filosofía y Letras y la secretaría general de la Universidad. En lo referente a su derrotero académico, se identifican cuatro claras líneas que son, a su vez, los cuatro apartados que ordenan temáticamente las participaciones de los autores reunidos en el libro: monarquía, señores y poder; iglesia y sociedad; la ciudad medieval y economía y fiscalidad. Leia Mais

As cores da masculinidade: experiências interseccionais e práticas de poder na Nossa América | Mara Viveros Vigoya

Por qual razão uma teórica feminista deveria dirigir sua produção para os estudos das masculinidades? É com esse questionamento que Mara Viveros Vigoya inicia sua mais recente obra As cores da masculinidade: experiências interseccionais e práticas de poder na Nossa América (2018). A autora, antropóloga colombiana e professora titular na Universidade Nacional da Colômbia, possui uma extensa produção nos Estudos de Gênero Latino-americanos. Ademais, pelo menos desde 2002, vem desenvolvendo pesquisas sobre homens, masculinidades e relações de gênero na Colômbia, temática que se materializa nessa obra, na qual Vigoya se dirige aos homens e fala sobre eles “com uma voz feminista que os desafia, mas sem diminuí-los” (p. 21).

Ao localizar o gênero masculino nos paradigmas de raça e classe, a interseccionalidade se torna um pilar para a pesquisa da autora, pois permite pensar as relações de dominação como um processo complexo e contraditório (p. 23). É, portanto, muito a partir dos caminhos teóricos já construídos por R. W. Connel que a autora produz suas próprias conclusões sobre as masculinidades no continente latino-americano. Aliás, é também a socióloga australiana a responsável pelo prefácio do livro, oportunidade na qual exalta a apresentação realizada por Viveros do panorama das pesquisas sobre masculinidades por toda a Nuestra América – denominação utilizada pela autora colombiana como forma de reconhecer as lutas pela reapropriação e ressignificação da nossa identidade continental (p. 29). Leia Mais

Educação Moral e cívica: uma estratégia psicossocial de legitimação de poder (1969-1985) | Cristiano Alexandre Santos e Eduardo Gusmão de Quadros

O livro escrito pelos professores Cristiano Alexandre dos Santos e Eduardo Gusmão de Quadros busca analisar a implantação e o desenvolvimento da disciplina Educação Moral e Cívica durante o regime militar. Esta disciplina já existia como parte da formação escolar dos estudantes brasileiros desde o Segundo império (1840-1889), mas só se tornou uma disciplina do currículo escolar oficial a partir do decreto-lei nº 869, assinado em 1969, no período da ditadura civil-militar.

A partir da implantação da Educação Moral e Cívica como disciplina escolar, o que se observou foi uma tentativa de legitimação do regime Militar através da defesa do nacionalismo e da ênfase no anticomunismo, o que é visível na organização do currículo dessa disciplina. Nesse sentido os autores trabalham para demonstrar como a criação dessa disciplina buscou inculcar os valores caros aos militares e seus apoiadores como os valores únicos e verdadeiros a juventude brasileira. Para esses autores os conceitos chaves de análise são poder e legitimação: Leia Mais

Cultura e poder entre o Império e a República: estudos sobre os imaginários brasileiros (1822-1930) | Ana Beatriz Demarchi Barel e Wilma Peres Costa

Os estudos em torno da Nova História Cultural têm proposto interessantes abordagens sob a perspectiva da mediação e circulação de ideias entre espaços culturais, simbólicos e nacionais, ao longo do século XIX. A partir desta ótica, as complexas transformações socioculturais, que ocorreram devido ao intenso desenvolvimento técnico, têm sido alvo de revisão historiográfica, sobretudo com grupos temáticos de pesquisa que visam responder às grandes questões em torno dos eventos ocorridos ao longo desta extensa centúria. Este é o exemplo do Seminário Internacional Estado, Cultura e Elites (1822-1930) realizado na Fundação Casa de Rui Barbosa em 2014 e que resultou na obra Cultura e Poder entre o Império e a República – Estudos sobre os imaginários brasileiros (1822-1930) organizada por Ana Beatriz Demarchi Barel (Universidade Estadual de Goiás) e por Wilma Peres Costa (Universidade Federal de São Paulo) e lançada em 2018 sob o selo da editora Alameda. Leia Mais

Negação e poder: do desafio do niilismo ao perigo da tecnologia – OLIVEIRA (RFA)

OLIVEIRA, J. R. Negação e poder: do desafio do niilismo ao perigo da tecnologia. Caxias do Sul: Educs, 2018. Resenha de: VIOLA, Geovani. Revista de Filosofia Aurora, Curitiba, v.31, n.54, p.986-992, out./dez, 2019.

As ideias de Hans Jonas não representam “apenas” o pensamento de um filósofo clássico do século XX, mas remetem a uma das vozes mais importantes da ética contemporânea. O inventário de sua filosofia demonstra que seu interesse, no âmbito teórico, esteve voltado para a filosofia da religião e à filosofia da natureza (a partir dos interesses em torno da vida), e, em âmbito prático, para os efeitos da técnica e o despertar de uma nova ética.

No Brasil, o interesse pela obra de Jonas decorre inicialmente de sua proposta ética e pode ser demarcado pela tradução precursora do capítulo Por que a técnica moderna é um objeto para a ética? da obra Technik, Medizin und Ethik. Zur Praxis des Prinzips Verantwortung (Frankfurt a/M, Insel, 1985, pp. 42-52, mais tarde traduzido pelos membros do GT Hans Jonas da ANPOF), realizada pelo professor Oswaldo Giacoia Júnior. Posteriormente, a tradução da obra O Princípio Responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica (Contraponto, PUCRio, 2006) abriu caminho para uma série de publicações acerca do autor. Outros trabalhos de divulgação e interpretação foram se somando às traduções, mas é com a obra Negação e Poder, o “fascinante livro de Jelson Oliveira”1, que o pensamento de Jonas tem um novo e significativo capítulo impresso no cenário nacional.

O texto é fruto de pesquisa de pós-doutorado realizada na Universidade de Exeter, no Reino Unido, em 2016, sob supervisão do professor Michael Hauskeller. Sua publicação em 2018, estabelece definitivamente um marco no cenário filosófico brasileiro, sobretudo pelo protagonismo das conexões feitas por Oliveira entre o tema da técnica com os desafios do niilismo, atrelando o pensamento jonasiano ao de Nietzsche e de Heidegger. Se Jonas não explicitou a unidade teórica de seus textos, Oliveira demonstra que o conceito de niilismo é o traço característico e ao mesmo tempo um fio condutor da obra de Jonas (p. 24).

É sabido que as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial e o crescimento exponencial da tecnologia impactaram e redirecionaram o interesse de Jonas, pois representavam um problema que advinha, sobretudo, de um âmbito eminentemente prático. A obra Negação e Poder segue as pistas de Jonas para demonstrar que, embora tais fatos fossem novos como fenômenos da modernidade, eles partilham com a Antiguidade o mesmo sentido daquela negação do mundo já identificada por Jonas nos movimentos gnósticos do cristianismo primitivo. Se na tradição gnóstica tal negação era expressa na forma hostil com a qual o homem se relacionava com o mundo, segundo a tradição existencialista, tal negação era revelada pela via da indiferença, cujo resultado é o mesmo — e talvez até mais grave: o antinomismo, o amoralismo, o libertinismo, o ascetismo, a crise da temporalidade e a abertura para a exploração da natureza como resultado daquela indiferença (p. 24

Se o uso de armas químicas e biológicas já tinha sido razão para preocupação na ocasião da Primeira Guerra Mundial, o desfecho da Segunda Grande Guerra deixou um legado ainda mais ameaçador com relação ao emprego da técnica para fins nocivos: as explosões das duas bombas atômicas no Japão e os experimentos com seres humanos nos campos de concentração alemães alertaram o mundo quanto ao descompasso que havia sido perpetrado pelas ações humanas. Esse contexto conservou o tema do gnosticismo, tratado como uma tipologia existencial, no horizonte das análises jonasianas durante toda sua vida. Oliveira evidencia que os textos sobre o assunto continuaram sendo revistos e produzidos, uma vez que a “forma existencial gnóstica” assumiu uma “dimensão paradigmática” no seu pensamento, tanto do ponto de vista teórico, quanto ético. Mais do que isso, o niilismo moderno é apresentado por Oliveira como chave de leitura para o diagnóstico jonasiano da era moderna, pois uma vez que a ciência esvaziou o sentido que antes era oferecido pelas crenças e superstições, ela própria seria um desdobramento do niilismo. Eis uma marca relevante da sociedade ocidental.

Digno de nota é o argumento de Oliveira acerca da diferença do homem gnóstico com o homem técnico. Se o primeiro lutava contra o mundo para fugir dele, o segundo trabalha no mundo para explorá-lo como fonte de recursos, amparado em um avanço do progresso que cresce proporcionalmente ao distanciamento do homem em relação à natureza (p. 25), um distanciamento tomado não apenas em relação ao mundo, mas também do ser humano perante si mesmo e em relação à sua imagem. O que a análise alcança é precisamente o despertar para o fato de que a posição de distanciamento que adviria, sobretudo do antropocentrismo moderno, teria por consequência um tratamento com a vida que não passaria por uma “inclusão”, mas, ao contrário, seria marcado por uma intensa “exclusão”.

Se o primeiro tipo de niilismo negava o mundo, o segundo exerce um poder sobre ele: negação e poder, por isso, antes de serem pares contrapostos, devem ser entendidos como elementos confluentes e intercomplementares (p. 25), pois conforme já havia indicado Jonas, em The phenomenon of life (p. 250), a filosofia existencialista — com seu “gnosticismo moderno” — produziu uma separação abissal entre o homem e a natureza. Para Oliveira, as duas formas de niilismo representam o modus operandi da cultura ocidental, segundo o qual a civilização cresce em sentido proporcionalmente contrário à natureza. Coadunando, assim, com a análise de Jonas quando afirma que essa separação chegou ao ponto em que “nunca uma filosofia preocupou-se tão pouco com a natureza quanto o existencialismo, para quem ela não conservou nenhuma dignidade” (PV, p.250), a obra Negação e Poder elucida com a acuidade peculiar do autor, como a natureza, na modernidade, foi destituída de qualquer dignidade quanto a fins e valores e transformada em um grande laboratório de experimentações. Desse modo, na medida em que a perda da dignidade humana ocorre como desligamento do homem em relação à natureza, ou seja, um erro avaliativo sobre o seu próprio lugar no âmbito da vida, tal situação “leva-nos mais uma vez de volta ao dualismo entre ser humano e physis, como fundo metafísico da situação niilista” (PV, p.251).

Negação e Poder está metodologicamente estruturada em cinco partes, sendo que cada novo capítulo representa, segundo o próprio autor, “um incremento aprofundado da abertura teórica anterior” (p. 30). No primeiro, Oliveira demonstra que Jonas, embora parta de suas próprias perspectivas teóricas acerca do niilismo, retoma o conceito a partir de Nietzsche e Heidegger, sobretudo na sua associação ao diagnóstico de decadência e declínio da civilização ocidental (p. 34), processo que culminará com a ruptura entre homem e o mundo. Mais do que isso, na concepção do mundo como um lugar inóspito e a natureza como um corpo morto, o que faz com que a ciência moderna se apoie em uma “ontologia da morte” (PV, p.30) e o homem defina-se enquanto ser, negando seu pertencimento ao âmbito da vida. Oliveira demonstra, no primeiro capítulo, que há um fio condutor na obra de Jonas em torno do tema do niilismo que pode ser organizada em três eixos temporais e temáticos (p. 125-126): a dimensão cósmica-gnóstica com seus estudos acerca da natureza, a dimensão onto-antropológica com seus estudos acerca do homem e a dimensão ética com seus estudos acerca da tecnologia. Em cada dimensão há em comum o diagnóstico de um dualismo latente. O niilismo, derivado desse dualismo, torna-se uma rejeição do mundo físico, que, pela via da ciência moderna, trouxe um afã de exploração humana da res extensa tida como inerte, sem preocupação e responsabilidade, sendo essa também a marca da ciência e da tecnologia moderna, as quais, legitimadas pela filosofia existencialista, compreendem o mundo pela vida da indiferença.

Oliveira finaliza o primeiro capítulo demonstrando que, embora Jonas tenha recebido influências de Nietzsche e Heidegger acerca da análise do niilismo, ele possui uma formulação própria do problema, ligada à atitude de negação do mundo na forma da hostilidade, da indiferença ou da exploração tecnológica. Em seguida, no segundo capítulo, o autor aborda três Formas do niilismo, sendo eles o niilismo cósmico, compreendido como negação do mundo; o niilismo antropológico, isto é, a negação da “imagem” do homem ou da própria ideia do que seja o homem propriamente dito; e o niilismo ético, amparado no diagnóstico do niilismo técnico, que deixou a humanidade sem um critério moral capaz de orientar a técnica. A técnica, nesse contexto, promove muitos êxitos, mas, desamparada eticamente, não é capaz de “julgar a sua eficácia do ponto de vista do bem da espécie”, apresentado por Oliveira como uma nova versão da ideia de “bem comum”, posto que ampliado para o âmbito extra-humano (p. 247).

O tema do terceiro capítulo é justamente O niilismo da técnica, que teria como característica a “desumanização e a desominização na forma de um acosmismo” (p. 260) e tratado por Oliveira a partir de quatro aspectos que demonstram como a técnica se apresenta em sua forma niilista: a sua dinâmica formal, a sua “vontade de ilimitado poder”, a ignorância dos fins e dos valores e a utopia do progresso. Esses quatro aspectos evidenciam, como produto da utopia tecnológica, a negação do caráter autêntico da humanidade atual em função de uma nova humanidade, culminando com uma “natureza desnaturalizada e um homem desumanizado” (p. 340). Dessa forma, o capítulo cumpre o objetivo de demonstrar os resíduos niilistas da técnica, movida por uma dinâmica própria e impulsionada por uma perspectiva utópica.

No quarto capítulo, denominado O transumanismo é um niilismo, Oliveira apresenta o transumanismo como último reduto das utopias e herdeiro do niilismo por três razões (p. 341): partem de uma “neutralização da imagem de homem” (SDD, 120); [2] que o ser humano, tal como ele foi até agora, permaneceu preso aos limites impostos pela natureza, portanto, a natureza ou mesmo a condição humana devem ser superadas para que o homem seja melhor no futuro — trata-se ainda de uma “ontologia do ‘ainda não’”; [3] a tecnologia ofereceria a possibilidade de melhoramento, mas sua ação permanece sempre atirada a si mesma, dado que lhe falta uma imagem ou modelo e mesmo um objetivo claro capaz de orientar o seu fazer. Embora Jonas não utilize o termo transumanismo, Oliveira elucida que sua reflexão inaugura a possibilidade de uma análise desse fenômeno, principalmente a partir da atividade reconfiguradora da biotecnologia, eis que o chamado movimento transumanista coloca-se no cerne no debate a respeito da reconfiguração do ser humano (e da vida em geral), posto que pretende corrigir e alterar (melhorar) a performance e obter total controle sobre a natureza, mesmo diante da ausência de um modelo (ou mesmo de objetivos claros) para tal. O quarto capítulo é finalizado demonstrando que as promessas do transumanismo, de prolongamento da vida ou cura da morte, acabam assumindo ares religiosos, na medida em que um dos pontos centrais da religião sempre foi a promessa da imortalidade.

No quinto e último capítulo, Oliveira detalhará que “ao pensar o niilismo como marca principal da história ocidental” (p. 395), a proposta de Jonas se apresenta, portanto, tanto como um diagnóstico de suas consequências, quanto como uma tentativa de formulação de três perspectivas esboçadas por Hans Jonas para o Enfrentamento do niilismo, sendo elas: a articulação de uma nova ontologia, uma nova antropologia e uma nova proposta ética baseada na responsabilidade. Sua ontologia é constituída a partir de uma compreensão biológicofilosófica do fenômeno da vida, o que seria uma nova interpretação do fenômeno da vida, por meio de um monismo de terceira via, ou de um monismo integral. A partir de tal ontologia, Oliveira explana como Jonas, embora não tenha desenvolvido uma nova antropologia, aponta para essa perspectiva a partir de um religamento do homem com a natureza/mundo/cosmos. Por fim, a terceira forma apresentada para o enfrentamento do niilismo está constituída em sua proposta ética, que é baseada na responsabilidade e seu fundamento é declaradamente metafísico, uma vez que se apoia em uma nova formulação para a pergunta sobre o Ser. Nesse sentido, o princípio responsabilidade nasce tanto de uma nova visão a respeito do homem (uma nova antropologia), quanto de uma nova perspectiva a respeito dos seus poderes tecnológicos, sendo que o princípio ético fundamental, do qual o preceito extrai sua validade, é o seguinte: “a existência ou a essência do homem, em sua totalidade, nunca podem ser transformadas em apostas do agir” (PR, p.86).

O Epílogo, por sua vez, resgata, na forma ensaística, um personagem tornado central por Camus na interpretação existencialista da condição humana. Diferente de Camus, o interesse de Oliveira é pelo Sísifo que ergue a pedra. “O que me interessa em Sísifo não é a sua tomada de consciência sobre o absurdo, mas o fato de que, diante da falta de sentido, ele continue trabalhando” (p. 473). Sísifo serve de fonte mítica para a interpretação do tecnologismo, que revela a condição existencial de nossa era, que da mesma forma, ao fazer, deixa de pensar e sem pensar, “seu fazer é redundante, sem finalidade, fechado no ato presente e, por isso, irresponsável diante do futuro” (p. 473). A condição de Sísifo serve de metáfora para a moderna tecnologia, na qual a atividade se torna obrigação por excelência, e, nesse caso, serve como uma espécie de conclusão do livro, na qual Oliveira, mais do que analisar o niilismo e seu desdobramentos, apresenta uma tarefa à filosofia: encontrar meios de contribuir para construir uma convivência que minimize as suas consequências. Aqueles que se interessam pela obra de Jonas certamente encontrarão neste livro um valioso subsídio para o melhor entendimento desse autor, pois se trata de um texto criterioso e original. Jelson Oliveira sempre desenvolveu intensa e extensa publicação de cunho filosófico, com grande dedicação à pesquisa. Essa é sua 31ª obra publicada. Se a quantidade impressiona, é a egrégia qualidade de sua pesquisa e maturidade de seu texto que lhe proporcionam respeito e reconhecimento junto à comunidade da área. Negação e Poder, sem a menor dúvida, posiciona o autor, no cenário nacional e internacional, entre o rol de experts dos estudos jonasianos.

Nota

1 Expressão utilizada por Michael Hauskeller, professor da Universidade de Liverpool, no prefácio (p. 15) da obra Negação e Poder.

Geovani Viola – Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR, Brasil. Doutor em Filosofia. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[DR]

 

Women as Foreign Policy Leaders: National Security and Gender Politics in Superpower America – BASHEVKIN (REF)

BASHEVKIN, Sylvia. Women as Foreign Policy Leaders: National Security and Gender Politics in Superpower America. Oxford: Oxford University Press, 2018. Resenha de: SALOMÓN, Mónica. La política exterior ya no es cosa de hombres. Revista Etudos Feministas, Florianópolis, v.27, n.2, 2019.

¿En qué medida las mujeres que ocupan altos cargos en el poder ejecutivo representan a las mujeres como un todo o categorías específicas de mujeres? ¿Qué nos dice el desempeño de mujeres con responsabilidad en la conducción de la política exterior y de seguridad de sus países – y, específicamente, de los Estados Unidos – en relación a la discusión sobre la supuesta mayor disposición al pacifismo de las mujeres en comparación con los hombres? ¿Las decisiones de esas mujeres son evaluadas con los mismos criterios habitualmente empleados para juzgar a sus homólogos masculinos?

Women as Foreign Policy Leaders avanza en las respuestas a esas y a otras instigadoras preguntas centrales en las discusiones del campo de conocimiento de género y política y en sus intersecciones con otras áreas, como los estudios sobre seguridad internacional, la historia diplomática o el análisis de política exterior. Lo hace a través del estudio de las trayectorias vitales y políticas de cuatro mujeres que ocuparon altos puestos diplomáticos en los Estados Unidos: Jeane Kirkpatrick, embajadora ante la ONU durante la administración Reagan; Madeleine Albright, primera embajadora ante la ONU y luego secretaria de estado con Bill Clinton; Condolezza Rice, consejera de seguridad nacional en el primer mandato de George W. Bush y secretaria de estado en el segundo mandato y por último Hillary Clinton, secretaria de estado en el gobierno Obama. Leia Mais

Jinga de Angola/a rainha guerreira da África | Linda Heywood || Além do visível: poder/catolicismo e comércio no Congo e em Angola (séculos XVI e XVII) | Marina de Mello e Souza

É extremamente oportuno quando duas excelentes obras afins e complementares vêm a lume no mercado editorial brasileiro, quase no mesmo ano, o que revela um momento ímpar de historiografia internacionalizada e conectada. Ganha-se nos detalhes e em visão de conjunto. Uma obra de cada vez, porém. Leia Mais

Mulheres e Poder: um manifesto | Mary Beard

A capa do livro Mulheres e Poder (originalmente publicado: Woman & Power) chama logo a atenção pelo título e pelo seu subtítulo aclamativo: “um manifesto”. Para completar, anuncia: “best-seller nos Estados Unidos e Europa”. Desde esse primeiro encontro, o leitor se vê instigado. Sua autora tem um currículo respeitável: historiadora dedicada aos estudos sobre a Antiguidade Clássica, em especial acerca do Império Romano, a inglesa Mary Beard é professora da Universidade de Cambridge e, além desse livro, publicou outras obras de renome sendo SPQR – Uma História da Roma Antiga a “sua obra prima”, segundo a Editora Planeta, que publicou ambos os livros no Brasil.

Baseado em duas palestras proferidas em 2014 e 2017, Mulheres e Poder, apesar de curto frente à relevância dos temas que aborda, é assertivo ao discutir sobre o quão intrínsecos à sociedade e à cultura ocidental estão os mecanismos que silenciam as mulheres e as excluem dos centros de poder. Leia Mais

Índios cristãos / Almir D. Carvalho Júnior

Há muito que tardava, mas, finalmente, foi publicado, em meados do ano passado, o livro “Índios cristãos: poder, magia e religião na Amazônia colonial”, da autoria do professor Amir Diniz de Carvalho Júnior. De fato, a tese de doutoramento da qual a obra é resultado já havia sido defendida no ano de 2005, na Universidade de Campinas (UNICAMP)1. De certo modo, esta demora surpreende, se levarmos em conta a grande relevância que a pesquisa tem para a Historiografia Indígena e do Indigenismo no Brasil e, de forma mais específica, na Amazônia. Resta a esperar que o formato de livro contribua a tornar o estudo ainda mais conhecido no meio acadêmico!

O autor, professor lotado na Faculdade de História e credenciado no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) em Manaus, começa a apresentação de seu livro com a observação de que “toda criação é solitária”. Pode-se questionar esta afirmação, visto que Almir Diniz de Carvalho Júnior construiu seu estudo, à toda evidência, enquanto pesquisador bem conectado e inserido em uma rede com outros pesquisadores e pesquisadoras que, como ele, trabalharam e trabalham o protagonismo de indígenas na época colonial. Nesta rede, composta, em grande parte, de historiadores e antropólogos, seu orientador de tese, o já falecido John Manuel Monteiro – à memória do qual o livro é dedicado – ocupa um lugar central, além de Maria Regina Celestino de Almeida, que fez o prefácio, Marta Amoroso, Manuela Carneiro da Cunha, João Pacheco de Oliveira Filho, Ronaldo Vainfas, entre outros e outras. Todos eles e elas são prógonos conhecidos da Nova História Indígena e marcaram, como se percebe ao longo da leitura, as reflexões de Almir Diniz de Carvalho Júnior.

Como já indica o título da obra, os “índios cristãos” estão no cerne da pesquisa do autor. Não se trata, como ele deixa claro logo no início (pp. 21-29), de uma categoria supostamente compacta e genérica de subalternos, atrelados ao projeto de cunho colonial salvacionista. Ao contrário, ele se propõe a analisar sujeitos históricos que, apesar das relações e classificações assimétricas nas quais foram enquadrados, participaram da construção do universo colonial, dentro do qual conseguiram formar e ocupar espaços próprios. A partir desses espaços os índios engendraram, por meio de complexas mediações e negociações, práticas culturais, referências sociossimbólicas e balizas identitárias novas. O autor realça, sobretudo, a dimensão sociossimbólica, como o apontam os termos “poder”, “magia” e “religião”, que, por sinal, constam no subtítulo. Neste sentido, Almir Diniz de Carvalho Júnior consegue conjugar, em termos metodológicos, uma análise criteriosa das múltiplas fontes – que vão de crônicas missionárias a processos inquisitoriais – com o recurso a relevantes investigações antropológicas acerca das cosmologias indígenas.

O livro consiste – como também a tese – em três partes que, por sua vez, estão subdivididas em com um número variável de capítulos. A primeira parte (pp. 39-108) aborda, em dois capítulos, as complexas relações entre os colonizadores portugueses e os povos indígenas no espaço amazônico. No primeiro capítulo, aprofunda-se o processo de implantação e consolidação do projeto colonial e, no segundo, a instalação da rede de missões sob as orientações do padre Antônio Vieira. Em ambos os contextos, os índios não são tratados como meros figurinos, mas agentes centrais. Assim, o autor dá destaque à revolta dos Tupinambá, ocorrida na Capitania do Maranhão, em 1617-1619, logo no início da colonização, como também à reação dos índios da aldeia de Maracanã, lugar estratégico onde se situaram as importantes salinas no litoral do Grão-Pará, à prisão do principal Lopo de Souza, em 1660- 1661. Ambos os eventos apontam os impactos diretos de lideranças indígenas no processo da aplicação das políticas colonizadora e evangelizadora. Embora não tenha sido o objetivo da pesquisa, mas faltou, talvez, abordar também, paralelamente a estes aspectos etnossociais, a questão do espaço em sua dimensão geoétnica e geopolítica. Assim, teria sido interessante trabalhar a Amazônia dos séculos XVII e XVIII enquanto “fronteira”, que, conforme uma definição fornecida por Hal Langfur, seria:

aquela área geográfica remota da sociedade já estabelecida [ou em vias de se estabelecer], mas central para os povos indígenas, onde uma consolidação ainda não foi assegurada e onde ainda paira uma dúvida sobre o desfecho dos encontros culturais multiétnicos2.

A segunda parte (pp. 111-257), mais extensa, pois composta de quatro capítulos, versa tanto sobre os métodos aplicados pelos padres para doutrinar os índios quanto sobre as estratégias usadas pelos últimos ao se reconstituírem como “grupos étnicos autônomos”, incorporando, neste processo, padrões culturais barroco-cristãos. Desta feita, o terceiro capítulo, retoma o tema da centralidade dos grupos Tupinambá no contexto da colonização e evangelização; por sinal, um tópico muito defendido pelo autor. Neste contexto, é oportuno apontar pesquisas mais recentes que tendem a frisar a complexa mobilidade de grupos indígenas de troncos etnolinguísticos não tupi no vale amazônica em torno da chegada dos portugueses. Assim, a tese do pesquisador Pablo Ibáñez Bonillo chama a atenção a “sistemas regionais multiétnicos”, em razão das presenças (no plural) de falantes de idiomas aruaque e caribe, principalmente, no estuário e no curso inferior do rio Amazonas, relativizando, de certa forma, a suposta predominância tupinambá3. O quarto capítulo aprofunda o projeto de “conversão”, levado a cabo, sobretudo, pelos jesuítas, conforme diretrizes exatas e, também, pragmáticas. Neste contexto, o autor lança mão de duas fontes fundamentais acerca da presença e atuação inaciana na Amazônia: a crônica do padre luxemburguês João Felipe Bettendorff, redigido na última década do século XVII, e os tratados do padre português João Daniel, escritos no terceiro quartel do século seguinte. É com base nesta documentação que Almir Diniz de Carvalho Júnior delineia, de forma nítida e envolvente, a peculiaridade das práticas de missionação na colônia setentrional da América portuguesa. A análise teria ficado mais completa com a inclusão da rica correspondência interna dos inacianos, arquivada no Archivum Romanum Societatis Iesu em Roma4. O fato de esta ter sido escrita, em grande parte, em latim dificulta, infelizmente, o acesso de muitos autores às informações nela contidas. Estas fontes são interessantes, pois, em geral, não reproduzem o estilo marcadamente edificante e moralizante das crônicas, tratando de questões polêmicas ou de dificuldades experimentadas com mais franqueza. O quinto capítulo, que constitui, por assim dizer, o miolo da obra, é diretamente dedicado aos “índios cristãos”. Estes são descritos e analisados como sujeitos inseridos no universo colonial do qual são partícipes – mas, salvaguardando seus interesses –, enquanto principais, pilotos e remeiros, artesãos de diferentes ofícios e, também, guerreiros. Atenta-se igualmente aos “meninos” e às “mulheres” indígenas, o que não é de se admirar, pois ambos os grupos recebem destaque nas crônicas pelo fato de seus integrantes terem sido percebidos pelos missionários como mais acessíveis aos objetivos e pretensões de seu projeto salvacionista. Este capítulo demonstra, de forma “plástica”, o que o autor entende por “índios cristãos”, conceito que, com já mencionamos, foi elucidado no início do livro. Neste contexto, merece menção que refere, por diversas vezes, ao termo de “índios coloniais”, formulado, há quarenta e cinco anos, por Karen Spalding em relação à colonização hispânica5. Embora não cite o nome desta historiadora, Almir Diniz de Carvalho Júnior segue, mesmo em outras circunstâncias e com base em outras experiências, a pista lançada por ela. Enfim, o sexto capítulo, que já constitui uma transição para a terceira parte, apresenta os mesmos “índios cristãos” enquanto praticantes de diversos rituais considerados heterodoxos, resultantes do contato entre suas tradições e cosmovisões xamânicas – ou, como detalha o autor, tupinambá – com os dogmas ensinados e as liturgias encenadas no âmbito das missões.

Finalmente, a terceira parte (pp. 261-320) enfoca, em dois capítulos, os índios cristãos e as “heresias” geradas por eles nas suas interações com o universo católico ibero-barroco, tanto em sua dimensão disciplinadora/institucional como inspiradora/vivencial. Neste sentido, o sétimo capítulo familiariza o leitor com a organização e o funcionamento do Tribunal da Inquisição de Lisboa, que atuava na Amazônia desde meados do século XVII mediante um sistema de captação de denúncias6. Para compreender esta instituição e seu agenciamento na colônia, o autor coloca uma tônica especial na elucidação tanto da concepção erudita quanto da mentalidade popular acerca da magia e feitiçaria na cultura portuguesa da época. Faltou, talvez, neste capítulo um maior aprofundamento da percepção desses fenômenos por parte das autoridades locais e dos moradores do Grão-Pará, visto que o universo de crenças e práticas heterodoxas trazido da Europa se reconfigurou, também por iniciativa dos próprios “brancos”, no contato com as religiosidades indígenas. Implicitamente, isso fica evidente no oitavo, e último, capítulo que aborda casos concretos, bem apresentados e analisados, que envolvem “feiticeiros” e, sobretudo, “feiticeiras” indígenas. Comparando a interpretação inquisitorial, tal como ela transparece nas fontes, com as lógicas próprias do universo simbólico xamânico, estabelecidas por pesquisas de cunho antropológico, Almir Diniz de Carvalho Júnior conclui que as heresias eram “formas autônomas de novas práticas culturais”, engendradas não tanto numa postura de resistência, mas, antes, para fornecer sentido ao mundo ao qual foram forçados a inserir-se. Como já antes, na apresentação dos diferentes grupos de índios cristãos, também neste último capítulo, o autor permite, mediante o aprofundamento de diversos casos e personagens de feiticeiros e feiticeiras, mergulhar no universo ameríndio colonial. Com efeito, o emprego de uma linguagem clara e envolvente parece dar vida às índias Sabina, Suzana e Ludovina que, mesmo taxadas como “feiticeiras” ou “bruxas”, circularam amplamente pela sociedade colonial de seu tempo. Neste contexto, convém lembrar que – e a farta documentação inquisitorial o demonstra – os desvios morais e doutrinais dos “brancos” estiveram muito mais na mira dos oficiais da Inquisição do que os dos índios, mamelucos, cafuzos ou negros, mesmo quando esses eram cristãos. Para aprofundar este aspecto, teria sido interessante dialogar com as pesquisas recentes do historiador Yllan de Mattos, cujos trabalhos, aliás, enfocam a atuação inquisitorial na Amazônia colonial7.

Dito tudo isso, fica óbvio o quanto o livro de Almir Diniz de Carvalho Júnior se destaca por dar visibilidade aos indígenas e suas múltiplas (re)ações dentro das conjunturas e conjecturas que marcaram o processo de colonização do Estado do Maranhão e Grão-Pará. Este processo, em muitos aspectos, diferiu das dinâmicas colônias aplicadas na colônia-irmã mais ao sul, o Estado do Brasil, sendo que a evidência da peculiaridade da colônia amazônica, com seu grande contingente de povos indígenas – seja nas missões, seja nos sertões – constitui outro aspecto significativo da obra a ser retido.

Quanto à agência e ao protagonismo dos índios, o autor, ao examiná-los sob um prisma multifacetário, supera a visão binômica que, durante muito tempo, viu o índio, em primeiro lugar, como indivíduo oprimido e vitimado. A (re)leitura criteriosa feita nas entrelinhas das fontes coloniais deixou evidente o quanto os documentos, embora redigidos com um olhar unilateral – pois sempre imbuído do ensejo do respectivo autor de comprovar o suposto sucesso do projeto da colonização ou missionação – falam necessariamente do índio e trazem, assim, à tona suas práticas culturais heterodoxas e suas negociações ambíguas. Em última análise, estas agências “imprevistas” forçaram os missionários a abrir mão de suas pretendias ortodoxias para, num patamar ortoprático, poder se comunicar, mesmo incompletamente, com seus catecúmenos e neófitos indígenas8.

Enfim, vale ressaltar que a pesquisa Almir Diniz de Carvalho Júnior é uma contribuição fundamental para a Historiografia acerca da Amazônia Colonial, que, nos últimos anos, conheceu um crescimento significativo, sobretudo devido à consolidação dos Programas de Pós-Graduação em História em diversas universidades da região. A leitura da obra é, assim, imprescindível não só para aqueles e aquelas que pesquisam, academicamente, as agências indígenas na fase colonial, mas também para todos e todas que procuram entender mais a fundo o devir das populações e culturas tradicionais da Amazônia que, de uma forma ou outra, descendem e/ou emanam dos sujeitos analisados por Almir Diniz de Carvalho Júnior.

Notas

1 O título da tese foi “Índios cristãos: a conversão dos gentios na Amazônia Portuguesa (1653-1769)”. O autor jádivulgou antes, o resultado de sua pesquisa de doutoramento sob forma de artigo científico: CARVALHOJÚNIOR, Almir Diniz de. Índios cristãos no cotidiano das colônias do Norte (séculos XVII e XVIII). Revista deHistória. São Paulo, 2013, vol. 168, fasc. 1, pp. 69-99.

2 LANGFUR, Hal. The Forbidden Lands: Colonial Identity, Frontier Violence, and the Persistence of Brazil’s Eastern Indians, 1750-1830. Stanford: Stanford University Press, 2006, p. 5. Tradução do inglês pelo autor da resenha.

3 BONILLO, Pablo Ibáñez. La conquista portuguesa del estuario amazónico: identidad, guerra, frontera. Tese de doutorado, História e Estudos Humanísticos: Europa, América, Arte e Línguas, Departamento de Geografia, História e Filosofia, Universidad Pablo de Olavide, Sevilha, 2015, pp. 120-147. Em co-tutela com a University of Saint Andrews, Reino Unido.

4 No Archivum Romanum Societatis Iesu, os documentos referentes à Missão e, a partir de 1727, Vice-Província do Maranhão encontram-se, principalmente, nos códices Bras. 3/II, 9 e 25-28.

5 SPALDING, Karen. The Colonial Indian: Past and Future Research Perspectives. Latin American Research Review. Pittsburgh, 1972, v. 7, n. 1, pp. 47-76.

6 Neste sentido, os “Cadernos do Promotor”, arquivados no Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT), em Lisboa, e muito citado Almir Diniz de Carvalho Júnior, são importantes.

7 MATTOS, Yllan de. A última Inquisição: os meios de ação e o funcionamento do Santo Ofício no Grão-Pará pombalino, 1750-1774. Jundiaí: Paco Editorial, 2012; MATTOS, Yllan de & MUNIZ, Pollyanna Mendonça (Orgs.). Inquisição e justiça eclesiástica. Junidaí: Paco Editorial, 2013.

8 Quanto à alteração da ortodoxia em “ortoprática” no processo de missionação, ver GASBARRO, Nicola. Missões: a civilização cristã em ação. In: MONTERO, Paula (Org.). Deus na aldeia: missionários, índios e mediação cultural. São Paulo: Globo, 2006, pp. 71-77.

Karl Heinz Arenz – Professor da Faculdade de História da Universidade Federal do Pará (UFPA).


CARVALHO JÚNIOR, Almir Diniz de. Índios cristãos: Poder, magia e religião na Amazônia colonial. Coritiba: Editora CRV, 2017, 355p. Resenha de: ARENZ, Karl Heinz. Canoa do Tempo, Manaus, v.10, n.1, p.216-221, 2018. Acessar publicação original. [IF]

 

Poder, trabajo y rebelión en el mundo rural del siglo XIX | Claves – Revista de Historia | 2018

En este tema central se propuso reunir colaboraciones que abordaran las relaciones entre las formas de ejercicio del poder y la autoridad en diferentes medios rurales durante el siglo XIX, considerando las transformaciones que se produjeron en las formas de trabajo y las manifestaciones de rebeldía, cuestionamiento e impugnación que se produjeron entre las poblaciones campesinas. Sabíamos que una convocatoria de este tenor implicaba afrontar varios desafíos, sobre todo porque suponía atender a muy distintas perspectivas desarrolladas desde la historia económica, la historia política, la historia de la justicia o la antropología histórica, entre otras. También, porque implicaba reconsiderar desde nuevas miradas y conocimientos algunos problemas clásicos de la historia social.

Sabido es que los estudios históricos de los mundos rurales iberoamericanos pasaron por diversas fases, cada una de las cuales no solo aportó un bagaje creciente de conocimientos, sino que también abrió nuevos interrogantes. Sin embargo, un repaso de la abundante bibliografía de las últimas décadas permite advertir que esos estudios cobraron mayor densidad e incidencia en otros campos del saber histórico cuando convirtieron al análisis local o regional en su primordial escala de observación. Las implicancias de ese cambio de perspectivas analíticas fueron vastas. Entre ellas no puede dejar de mencionarse que los enfoques generales, que uniformaban y simplificaban realidades y transformaciones extremadamente diversas, fueron siendo desplazados para iluminar un variopinto espectro de situaciones y procesos de cambio irreductibles dentro de un esquema interpretativo unidireccional. También, que el foco de atención fue dejando de estar centrado casi exclusivamente en el análisis de las grandes explotaciones agrarias, un capítulo central y decisivo en el desarrollo de la historia agraria durante las décadas de 1960 y 1970.1 Leia Mais

Corrupção e poder Uma história, séculos XVI a XVIII – ROMEIRO (RH-USP)

ROMEIRO, Adriana. Corrupção e poder. Uma história, séculos XVI a XVIII. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017. 397p. Resenha de: SILVEIRA, Marco Antonio. Corromper repúblicas, espoliar conquistas. Revista de História (São Paulo) n.176 São Paulo  2017.

Instigante e enriquecedor é o livro que Adriana Romeiro acaba de apresentar aos leitores sob o nome de Corrupção e poder. Uma história, séculos XVI a XVIII. O atual momento vivido pelo Brasil – em que a investigação de práticas corruptas articula-se ora a iniciativas bem recebidas por quem deseja aprofundar a democracia no país, ora a objetivos políticos nada nobres, que põem em evidência a instrumentalização antidemocrática dos poderes da República, inclusive do Judiciário – pode nos levar a crer que a autora aproveitou a oportunidade. Tal avaliação, contudo, mostra-se equivocada quando o referido trabalho é inserido no conjunto mais amplo que constitui suas reflexões, especialmente aquelas expressas em livros anteriores. Uma vez que Adriana Romeiro sempre se preocupou em entender a dinâmica da administração portuguesa tanto em ambiente de corte quanto no cotidiano turbulento da região que se transformaria na capitania de Minas Gerais, o estudo das práticas ilícitas das autoridades régias nas extensas áreas do império luso apresenta-se como um desdobramento esperado, tratado pela autora com o cuidado devido.

É possível que o título – que destaca termos chamativos para um público mais amplo, secundarizando a informação sobre seu recorte histórico – tenha resultado de sugestão editorial. Porém, ainda assim cumpre bem o papel de explicitar logo de início duas questões historiográficas relevantes. A primeira, infelizmente apenas referida pela autora em nota, diz respeito ao uso da palavra Brasil no lugar de América portuguesa, termo hoje mais amplamente aceito pela historiografia por supostamente escapar ao anacronismo. Em certa medida, esta última expressão ganhou crédito quando contraposta ao uso bastante corrente há algumas décadas de Brasil colônia, composição vocabular de potencial teleológico por sugerir que a colônia era o Brasil em formação. No entanto, América portuguesa não é ter mo desprovido de problemas teóricos e metodológicos. É curioso observar que seu prestígio consolidou-se justamente na ocasião em que os historia dores passaram a perguntar-se incessantemente se as áreas coloniais não eram versões específicas do Antigo Regime. Apesar das preocupações com o anacronismo, certo etnocentrismo permanece: seria adequado supor que os historiadores denominam a América portuguesa como tal porque, apesar dos avanços, ainda pouco conhecem da variedade e da complexidade das sociedades indígenas e africanas? Ademais, como lembra Romeiro, a expres são é pouco encontrada na documentação de época, na qual se encontram comumente os nomes Brasil e Brasis.

A segunda questão, tratada amplamente na primeira parte do livro – intitulada “A corrupção na história: conceitos e desafios metodológicos” – refere-se à adequação do uso do conceito de corrupção para o período que cobre os séculos XVI a XVIII. A resposta da autora é afirmativa, mas segue acompanhada da ressalva de que a palavra tinha um sentido diferente do atual. Em linhas gerais, podemos dizer que Adriana Romeiro, com base na análise da literatura teológico-política típica do Portugal da época – cujos elementos aparecem constantemente nos documentos oficiais – é bem-su cedida ao esclarecer uma diferença histórica crucial: enquanto no mundo contemporâneo a corrupção é identificada a práticas desviantes contrárias à distinção liberal entre o público e o privado, nas sociedades de Antigo Re gime, em que as relações pessoais atravessavam todas as estruturas sociais, inclusive as administrativas, o que se corrompia através de delitos e ações ilícitas era o corpo místico da res publica.

Alguns colegas de ofício talvez não se satisfaçam com a explicação fornecida, argumentando que sua força seria, na verdade, sua fraqueza. Ora, se nas sociedades modernas não havia distinção clara entre público e privado, a apropriação particular de bens e postos administrativos constituiria parte da própria natureza das relações sociais. Romeiro em nenhum momento descarta essa dimensão – o que não significa, porém, ceder ao argumento simplista de que a corrupção não podia ser concebida na época. Se era difícil distinguir o público do privado, isto ocorria justamente porque havia alguma noção dos limites que circunscreviam ambas as esferas. Para a autora, a tendência da historiografia atual de esvaziar o conceito de Estado, de sobrevalorizar a política de mercês e de compreender a dinâmica administrativa como imersa em redes dispersas, quando levada ao extremo, apaga o caráter fundamentalmente ambíguo, conflituoso e contraditório de fenômenos diversos.

Não é despropositado dizer que, hoje, alguns historiadores, em vez de se perguntarem sobre as contradições e especificidades do Estado moderno, preferem negar sua existência; em vez de questionarem como os agentes lidavam com as ambiguidades deixadas pelas doutrinas escolásticas, consideram mais adequado ignorá-las. Adriana Romeiro não adota essa saída, tão fácil quanto incoerente. Reconhecendo que atitudes ilícitas eram implicitamente aceitas quando adotadas por governadores e vice -reis – seu principal alvo de análise -, propõe-se também a mostrar que a Coroa soube rejeitar e punir excessos tidos como atentatórios em rela ção aos interesses régios. E se a utilização de regimentos, ordens régias, devassas, residências e outros instrumentos oficiais e mais padronizados nem sempre gerava resultados constrangedores, podendo ser instrumentalizados nos diversos níveis de poder – até mesmo pela própria Coroa -, a aplicação do ostracismo como forma de punir autoridades mais escandalosas produzia efeitos tangíveis. Uma investigação sem resultados com prometedores pouco valia se, de volta ao reino, o governador ou vice-rei recebesse a notícia de que não seria recebido pelo monarca no beija-mão. Residências recheadas de elogios, muitas vezes obtidas à custa da manipulação de quem testemunhava, nem sempre impediam que nobres se vis sem afastados do serviço régio e da possibilidade de obter graças e mercês.

Ao avançar por essas questões no segundo capítulo – “A tirania da distância e o governo das conquistas” -, a autora não perde de vista um proble ma de fundo, explicitamente formulado e abordado na parte anterior: as deficiências de análises que procuram explicar os impérios modernos segundo a ideia de negociação. Mencionemos, antes de tudo, que Adriana Romeiro recorre à ampla bibliografia concernente ao Império espanhol porque não encontra reflexão consolidada sobre a corrupção no período tratado entre historiadores luso-brasileiros. A explicação para tal defasagem parece-lhe achar-se, pelo menos em parte, na predominância de determinadas perspectivas analíticas, como mencionado acima. À medida que vai discutindo o tema em relação ao Império português, em que constata a ocorrência de práticas ilícitas generalizadas, ratifica o argumento de que o enfoque centra do na ideia de negociação afasta da abordagem historiográfica o problema da dominação política, e isto em prol de uma visão excessivamente con ensual. Mais ainda, um dos pontos altos do livro encontra-se na afirmação de que tal perspectiva privilegia em demasia as articulações e os acordos travados pelas elites nos diversos níveis de poder – entre o centro e as periferias, portanto -, secundarizando outros grupos sociais que constituíam tanto o universo ibérico quanto o colonial. Uma crítica desse tipo não pode passar despercebida para os que se acostumaram a ouvir que o viés outrora predominante na historiografia brasileira era “circulacionista”, desprezando, como tal, as estruturas produtivas e as formações sociais específicas às sociedades coloniais. O olhar arguto da autora, assim, nos faz pensar que talvez um novo “circulacionismo” tenha surgido: aquele que procura expli car a colonização recorrendo a redes de trocas, negociações e mercês que articulariam, embora de modo menos sistematizado, o centro e as periferias – redes entendidas agora como marcadamente pessoais e familiares. E, para falar com palavras antigas, eis que um suposto determinismo infraestrutural é substituído por outro, de caráter superestrutural.

Adriana Romeiro, porém, ao referir-se constantemente a periferias, não perde de vista o problema intrincado da exploração colonial. Outro aspecto decisivo do livro consiste no fato de recuperar a noção de spoils system, outrora proposta por Charles R. Boxer, e inseri-la num quadro em que a riqueza produzida pelo trabalho compulsório é duramente disputada por colonos e administradores. Observações irritadas e moralizadoras sobre esse ponto aparecem em personagens de épocas diferentes, como, nos séculos XVI e XVII, Diogo do Couto, autor do Soldado prático; o anônimo que escreveu Primor e honra da vida soldadesca; Francisco Rodrigues Silveira, de Reformação da milícia e governo do estado da Índia oriental; o jesuíta Manuel da Costa, de Arte de furtar; o famoso padre Antônio Vieira; e, já na segunda metade do XVIII, Tomás Antônio Gonzaga, com suas Cartas chilenas. Nas páginas em que Romeiro descreve as opiniões desses autores vão emergindo diversas tópicas, dentre as quais se destacam a da cobiça desenfreada, a da distância que facilita o roubo, a do governador-esponja que suga os pobres e os colonos, e a da temível decadência.

Esta última, comumente amparada em referências feitas a Roma antiga, alerta que os desvios, em última análise, corrompem a República e arruínam o Estado – e aqui o leitor sente falta de um olhar que, observando certas nuanças da literatura neoescolástica, diferencie ambos os termos, república e estado, atinentes, respectivamente, ao governo e à dominação, à prudência propriamente dita e à prudência política. A despeito disso, o esquadrinha mento das tópicas realizado por Romeiro diz muito sobre a colonização. Para ficarmos em apenas um exemplo, a recorrente menção ao tema da distância parece implicar um modo particular de conceber, durante a época moderna, as relações entre centro e periferias. Quando aparece associada à concepção cíclica do tempo – aquela que explica o vínculo entre corrupção e decadência – surgem as condições para que os historiadores vejam criticamente seus próprios modelos explicativos. O autor de Primor e honra explica: “República é corpo místico, e as suas colônias e conquistas membros dela; e assim se devem ajudar reservando e reparando suas fortunas e conveniências” (p. 170). Mas é da subversão dessa noção de império que falam todas as tópicas; do medo de que a cobiça sem controle, especialmente na distância das periferias, esgote as conquistas e extinga as formas pelas quais a decadência do Estado e do Império pode ser evitada.

Ao iniciar seu terceiro capítulo – “Ladrão, régulo e tirano: queixas contra governadores ultramarinos, entre os séculos XVI e XVIII” -, a autora vai estabelecendo firmemente a hipótese de que a exploração colonial não se dava apenas através dos circuitos mercantis oficiais, até porque o contrabando era estrutural e contava com a participação ativa de autoridades, produtores e negociantes de todas as partes do Atlântico, interna e externamente. A saraivada de casos descritos por Romeiro não somente indica como as tópicas literárias eram apropriadas nos embates travados nas várias partes do Brasil – a região colonial que, desde a segunda metade dos Seiscentos, havia desbancado a Índia como foco privilegiado de queixas -, como também aponta para o vínculo existente entre, de um lado, a captação lícita e ilícita de recursos coloniais efetuada pela nobreza governante e, de outro, os objetivos relacionados à constituição, ao desempenho ou ao engrandecimento de suas casas. A documentação trazida pela autora se refere a uma das facetas pelas quais a colonização se tornava constitutiva da sociedade portuguesa. De fato, aquilo que espelhos de príncipe classificavam como concupiscência dizia também respeito ao esforço de sobrevivência da nobreza num contexto em que a competição simbólica e a necessidade de consumir o luxo ampliaram irreversivelmente o endivida mento e a dependência frente às rendas régias. Fosse o grande preocupado com a queda dos rendimentos, fosse o filho secundogênito obcecado por criar sua própria casa – e disto trata a autora no quarto e último capítulo, “A fortuna de um governador das Minas Gerais: testamento e inventário de d. Lourenço de Almeida” -, parte expressiva dos administradores tratavam de espoliar as áreas coloniais governadas para evitarem o risco de tudo perder na Corte. Andavam, portanto, no fio da navalha, equilibrando-se entre a busca de recursos e a ameaça de punição e ostracismo.

Descrevendo cuidadosamente o caso de d. Lourenço, que governou as Minas Gerais entre 1720 e 1731, Adriana Romeiro deixa arraigada a sensação, já mencionada acima, de que as articulações políticas e o ataque à honra desempenhavam um papel geralmente mais importante do que os instrumentos formais de punição – já que, desde seu retorno a Lisboa, o ex-governador não encontrou consolo, nem acesso ao serviço régio e a mercês, assim permanecendo durante todo o período pombalino. Apesar de chegar a erigir um morgado valendo-se dos recursos amealhados e de estratégias endogâmicas de casamento, não conseguiu de fato constituir sua própria casa, sonho já totalmente dissipado na geração de sua neta. D. Lourenço de Almeida foi um exemplo claro, embora relativamente malsucedido, de governador que, metendo-se na luta renhida pela expropriação da riqueza colonial – na qual entravam também os agentes, poderes e costumes locais -, buscou acumular bens, saldar dívidas, fundar uma casa nobre e manter rendimentos que garantissem seu decente sustento. Enfim, foi, a seu modo, parte da dinâmica do que a historiografia – ou parte dela – denomina de sistema colonial.

Em nota, Romeiro não deixa escapar o desalento do famoso diploma ta d. Luís da Cunha em relação a esse tipo de consumo, que, segundo ele, empobrecia a nobreza portuguesa e causava o envio de grossas somas a Paris, “porque de lá emanam as modas” (p. 358). Observação interessante não propriamente por sugerir que parte da riqueza colonial ia parar em França, mas sim por destacar o papel crucial – utilizemos novamente palavras antigas – desempenhado por uma espécie de coerção extraeconômica: a moda. E também nesse ponto o livro de Romeiro faz pensar. Seria mesmo correto afirmar que a riqueza colonial era esterilizada por um consumo que, ao fim e ao cabo, alimentava estruturas comerciais e produtivas francesas?

Faria algum sentido estabelecer limites rígidos e deterministas entre fatores econômicos e extraeconômicos? Mas essa pergunta nos levaria a questionar aqueles que dizem saber onde começa e termina o capitalismo, embora não expliquem por que sociedades orgulhosas de serem tradicionais – ainda que de modo contraditório e conflituoso – devem ser chamadas de arcaicas. A consistência da obra de Adriana Romeiro encontra-se bem além de armadilhas desse tipo, que bem lembram as velhas, teleológicas e preconceituosas teorias da modernização.

Marco Antonio Silveira – Doutor pelo Programa de Pós-graduação em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Professor associado do Departamento de História da Universidade Federal de Ouro Preto. Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. Email: [email protected].

Ecología política en Chile: naturaliza, propriedade, conocimiento y poder – BUSTOS et al (EA)

BUSTOS, Beatriz; PRIETO, Manuel; BARTON, Jonathan (Compiladores). Ecología política en Chile: naturaliza, propriedade, conocimiento y poder. [Sn.]: Editorial Universitaria, 2015. Resenha de: GIMINIANI, Piergiorgio;  JACOB, Daniela. Estudios Atacameños, San Pedro de Atacama, n.53, nov., 2016.

El libro “Ecología política en Chile: naturaleza, propiedad, conocimiento y poder”, editado por Beatriz Bustos, Manuel Prieto y Jonathan Barton, reúne a doce investigadores afiliados a universidades nacionales e internacionales, que comparten un interés en el estudio de los procesos eco-políticos que están afectando Chile. Los nueve capítulos que componen este libro dan fe de una gran heterogeneidad de enfoques analíticos y de las localidades de investigación. A pesar de su diversidad, los capítulos de “Ecología Política en Chile” se encuentran organizados a partir de una reflexión conceptual sobre los elementos claves para establecer un análisis comparativo y un diálogo entre las distintas posibilidades de investigación abiertas por la ecología política. Los editores proponen pensar la ecología política a partir de cuatro dimensiones: naturaleza, propiedad, conocimiento y poder. Al problematizar estas cuatro dimensiones, el libro nos invita a preguntarnos sobre cuáles son las naturalezas que las prácticas de uso y conservación de recursos naturales producen desde el punto de vista tanto ontológico como epistemológico.

El enfoque hacia la producción ontológica y epistemológica de la naturaleza en cuanto proceso político es una de las principales novedades del volumen. Sin embargo, no es la única. En los debates analíticos y políticos existe una tendencia a reducir la ecología política a oposiciones dicotómicas, que obscurecen la fragmentación e hibridación de lo político en las relaciones de poder en juego en los conflictos ambientales. Los capítulos de este libro, en particular los capítulos de Palomino-Schalscha y de Román y Barton, nos invitan a considerar el conflicto socio-ecológico más allá de categorías binarias, demostrando el carácter inmanentemente político de estos procesos. Esto va acorde al planteamiento de los autores sobre la ecología política como una postura que “rompe con el mito de la naturaleza como fenómeno prepolítico” (50). La reflexión sobre lo político avanzada por los autores de este libro, nos ayuda a reconocer las especificidades de este fenómeno en la ideología y lógica neoliberal. Esta consideración es inevitable debido a que cualquier estudio de ecología política en Chile, un bastión del neo-liberalismo desde el comienzo de la dictadura militar en 1973, hace evidente los mecanismos particulares de esta ideología en los procesos extracción y, en menor medida, de conservación de recursos naturales en la esfera pública como privada. A diferencia de lo que pueda pensarse en un primer momento, el neoliberalismo no es simplemente la ausencia de Estado, sino que más bien se caracteriza por la reconfiguración de la gobernanza pública según modelos de lógica financiera, (y ya no la teoría política o filosofía moral) con el fin de sustentar la expansión del mercado, en este caso, de recursos y servicios naturales. A pesar del evidente énfasis de la gobernabilidad medio ambiental neoliberal en el extractivismo, el neoliberalismo en el campo ecológico (como en tantos otros) no es un fenómeno exento de contradicciones. El ejemplo más evidente es el así llamado “neoliberalismo verde”, que mediante la propiedad privada de territorios coarta el extractivismo de recursos, iniciativa que va acorde a las lógicas y expansión del mercado. Como bien señala Palomino-Schalscha en su capítulo sobre los senderos pewenche Trekaleyin en el Alto Bío-Bío, dentro de las mismas lógicas neoliberales, hay espacio para la reapropiación de estas por parte de la sociedad civil, dando espacio a la contestación con el efecto de producir espacios de “aguante”, como fue propuesto por la antropóloga Elizabeth Povinelli (2011).

Otro aspecto llamativo de este libro es la apertura de un espacio de diálogo teórico entre corrientes de pensamiento que no suelen entrar en relación. Los capítulos de este libro se inspiran tanto en los principios de la acumulación por desposesión desarrollado por David Harvey (2003) y en general por la geografía neo-marxista a las corrientes post-humanas, inspiradas en el trabajo de Donna Haraway (2008) y Bruno Latour (2008) en el estudio de la ciencia y tecnología. La relación entre estas dos corrientes permite ver cómo su conjunción es solo en apariencia contradictoria. Por un lado, un enfoque estructural nos permite ver quién produce e impone modelos epistémi-cos dominantes sobre la naturaleza; por otro lado, una perspectiva post-humanista nos invita a reconocer cómo el conocimiento en sí mismo, es un proceso de construcción ontológico donde resulta difícil plantear una clara distinción entre conocimientos científicos y sociales. Ambas posibilidades coexisten en conflictos medioambientales, como el desastre ambiental provocado por la celulosa Arauco que vio la pérdida de vida de cien Cisnes de Cuello Negro en Valdivia, presentado por Sepúlveda y Sundberg, y el desarrollo de enfermedades causada por la sobrepoblación de salmón comercial en todo el sur de Chile analizado por Bustos. El estudio de estos tipos de casos se vuelve necesario por una reflexión crítica constante sobre la cultura del experticia, como un campo de saber a -politicizado que caracteriza la producción de conocimiento y políticas públicas en Chile.

Otras dos novedades relevantes de este libro son la pro-blematización del concepto de propiedad en las disputas medioambientales y la relación entre colonialismo y ex-tractivismo en juego, en los procesos eco-políticos contemporáneos en Chile. Los capítulos de Manuel Prieto y David Tecklin, demuestran como la propiedad es una relación de poder práctica más allá de su carácter legal. De esta forma, la propiedad aparece tanto como una imposición gubernamental y como un campo político abierto a fracturas, contradicciones y resistencias. La relación entre extractivismo y colonialismo es evidente en consideración de una larga historia de expropiación de recursos naturales hacia los pueblos originarios en Chile, legitimizada, principalmente, por mecanismos legales de propiedad como el de la terra nullius. La faceta opuesta del racismo ambiental es la penetración de ideas y símbolos asociados a los pueblos indígenas en el movimiento ambientalista, un fenómeno ampliamente documentado a nivel global (Tsing 2005). A pesar del riesgo implícito de esencializar las sociedades indígenas, el conocimiento de sus nociones eco-cosmológicas pueden contribuir al problemático reconocimiento de la diversidad cultural en Chile (o más bien su falta) y al desarrollo de nuevos valores medioambientales universales, un punto planteado por Rozzi en su capítulo sobre ética biocultural.

A pesar de las contribuciones que se han hecho explícitas, hay una interrogante que inevitablemente aparece al leer el texto ¿Hasta qué punto este libro sólo aplica marcos teóricos globales, provenientes de centros de producción de conocimiento a Chile, que vendría a ser periférico a estos? De hecho, rellenar un vacío analítico en un lugar como Chile, puede parecer inicialmente como el trabajo típico de traducción de conceptos desarrollados en los centros de una particular disciplina, en este caso los departamentos de geografía en las universidades del “norte”, y la aplicación de esto a un contexto supuestamente periférico. La centralidad de la traducción entre centros y periferias del saber académico ha sido destacada en los estudios coloniales para recalcar cómo ciertos lugares son destinados a ser casos de estudio y otros centros de producción de teoría. Es innegable que en este libro hay un interés loable en presentar al lector chileno e hispano hablante, algunas de las discusiones globales contemporáneas en geografía desarrolladas principalmente en el mundo anglófono. Sin embargo, la comunicación generada entre los contribuidores de este libro, de distintos contextos académicos, demuestra implícitamente no solo lo que el estudio del caso chileno puede beneficiar en términos de comprenderse a sí mismo mediante marcos teóricos globales, sino también lo que la comunidad académica y política global puede aprender de Chile. De esta manera, algunos conceptos que han tenido su génesis en el norte vienen a desterritorializarse y a enriquecerse con otras experiencias, dialogando y modificando el modo en que aparecen en el lugar de su génesis estos mismos conceptos.

Más allá de las contribuciones y discusiones teóricas de este libro, que hemos listado anteriormente, vale volver también a lo planteado por Tom Perreault en el prefacio del libro “el conocimiento académico crítico sirve tanto para la crítica como para la acción” (9). Esta frase, estrechamente vinculada a los orígenes de la ecología política y a su relación a los movimientos sociales, deja desde un comienzo este libro como una promesa inacabada. La función crítica está cumplida con creces, ahora queda esperar a ver cómo estas ideas son capturadas y resignificadas en las luchas ambientales que se están dando en el Chile actual, para sólo de este modo pasar a la tan ansiada acción.

Referências

Latour, B. 2008. Reensamblar lo social: una introducción a la teoría del actor-red. Buenos Aires: Manantial.         [ Links ]

Harvey, D. 2003. The new imperialism. Oxford University Press.         [ Links ]

Haraway, D. J. 2008. When species meet. Vol. 224. U of Minnesota Press.         [ Links ]

Povinelli, E. A. 2011. Economies of abandonment: Social belonging and endurance in late liberalism. Durham, NC: Duke University Press.         [ Links ]

Tsing, A. L. 2005. Friction: An ethnography of global connection. Princeton University Press.         [ Links ]

Piergiorgio Di Giminiani – Programa de Antropología y CIIR (CONICYT/FONDAP/15110006), Pontificia Universidad Católica de Chile. Avenida Vicuña Mackenna 4860, Macul, Santiago ([email protected]).

Daniela Jacob – CIIR (CONICYT/FONDAP/15110006), Pontificia Universidad Católica de Chile. Avenida Vicuña Mackenna 4860, Macul, Santiago ([email protected]).

Acessar publicação original

[IF]

Moeda e poder em Roma: um mundo em transformação – CARLAN (RAP)

CARLAN, Cláudio Umpierre. Moeda e poder em Roma: um mundo em transformação. São Paulo: Annablume, 2013, 214p. Resenha de: RAMALHO, Jefferson. Revista Arqueologia Pública, Campinas, São Paulo, v.10, n. 2, p. 115-119, jun. 2016,

Trabalhar com moedas é algo diferente, inusitado […] é percorrer a história da humanidade em todas as suas facetas. É reunir e integrar dados reveladores de momentos áureos, de crises, de guerras […] É colocar no presente os mistérios do passado (LUDOLF, 2002: 199).

A atenção que moedas recebem é tão antiga quanto elas próprias. São artefatos peculiares e importantes para o estudo da História. A numismática é a ciência que estuda as moedas, podendo atingir um alto grau de precisão técnica e classificação. É um campo de estudo imenso, uma vez que esses pedaços de metal estão repletos de informações sobre os mais diversos interesses da História: Arte, Religião, Economia, Política, sobre sociedades e civilizações. Manoel Severin de Faria, sacerdote católico e numismata português do século XVII aponta que “nas imagens das moedas e suas inscrições se conservava a memória dos tempos, mais que em nenhum outro documento” (LUDOLF, 2002: 199).

A forja de uma ciência própria para o estudo desses pequenos objetos metálicos antigos inicia-se na Idade Moderna com as coleções: a busca pelo passado greco-romano. Francesco Petrarca e Guillame Budé são duas das figuras principais que ajudam a configurar a gênese formal dos estudos das moedas. Com o passar dos tempos e a consolidação do colecionismo, assim como o aumento de material (moedas) disponível para estudo e avanços museológicos, surgem as sociedades numismáticas.

O livro de Carlan, Moeda e poder em Roma, trata – inicialmente – da questão do colecionismo e sua gênese, culminando na ascensão de museus, como o Museu Histórico Nacional no Rio de Janeiro, e de gabinetes numismáticos, como o da Catalunha em Barcelona. Em seguida, apresenta um catálogo de moedas romanas – de grande valor, já que é fundamental para o trabalho numismático – separado por imperador, temas e exergo2 do reverso3. Sendo assim, o centro do livro é a análise de uma coleção composta por 1888 moedas, cunhadas no IV século do Império Romano, do MHN. Trata, também, dos diferentes tipos monetários da Antiguidade Tardia e todo seu contexto socioeconômico, político, e histórico. Por fim, analisa a propaganda por meio da moeda e relaciona a legitimação de poder com a vasta iconografia monetária.

É muito difícil tentar traçar as origens do colecionismo, já que o homem coleciona desde o Paleolítico e é difícil determinar o motivo (SOUZA, 2009: 01). Porém, o resgate do passado greco-romano remonta, como expõe o professor Carlan, aos tempos pós-invasões bárbaras e à formação dos jovens estados modernos. Durante o Renascimento, essa prática floresceu a partir de novos interesses e valores históricos e artísticos. Um trabalho importante, conhecido como um dos primeiros catálogos numismáticos do período foi o Illustrium Imagines elaborado por Andrea Fulvio que contém imagens de diversas moedas e bustos antigos. Além de abundantes e portáteis, a variedade de bustos, cenas, símbolos e figuras estampadas nas moedas antigas encantavam aos numismatas de uma época em que se tinha “fome” por imagens, em especial, greco-romanas. (CUNNALY, 1999: 12)

Já no século XVIII, a Vila Albani torna-se um centro de encontro de colecionadores e estudiosos do período que, como Wicklemann (1717 – 1768), buscavam imitar a cultura Clássica Antiga. A Society of Dilletani, também do XVIII, promoveu campanhas arqueológicas com o objetivo de estudar, conhecer e analisar as ruínas greco-romanas, o que contribuiu para o aumento do material numismático disponível para estudo (CARLAN, 2013: 41).

A atividade do colecionismo é somada aos avanços museológicos iluministas que, através da arte, buscavam um processo de regeneração cultural (burguesia x aristocracia, arte “racional” x arte rococó). O Museu Britânico de Londres é considerado o pioneiro e, de maneira geral, apresentou (e ainda apresenta) – sustentado pela arte – as diferentes etapas da cultura material em diversas sociedades.

Toda essa contextualização e explicação sobre museus é transportada, no texto, para a comparação entre o Gabinete numismático da Catalunha e o Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro. Ambos tiveram a mesma formação: através de doações em períodos relativamente próximos. Umas das diferenças seria a forte relação entre a fundação do MHN e o nacionalismo. Carlan ainda destaca que a numismática não está presa nos museus já que a moeda é um prato cheio para o estudo da História Econômica, Política, da Arte e as relações sociais existentes em sociedades monetarizadas4 (CARLAN, 2013: 48).

4 No vocabulário numismático, uma sociedade monetarizada é aquela – segundo os padrões modernos – que possui um sistema monetário que adotou a moeda metálica como meio de troca.

A análise seguinte é a de sete peças numismáticas de quatro imperadores diferentes: Constante (1 peça), Constâncio II (1); Honório (2) e Arcádio (3). As moedas antigas devem ser pensadas como um corpus documental que possui um emissor que quer transmitir uma mensagem – por meio de representações e signos – para um destinatário ou receptor. Sendo assim, a moeda possui uma função política, social, administrativa, militar, religiosa e econômica dentro da sociedade Romana (CARLAN, 2013: 64). Para o estudo seguinte no livro, utilizou-se do “esquema de Lasswell”5.

O centro analítico do livro são as 1888 moedas cunhadas nos século IV d.C.. A análise quantitativa executada separou as numárias em três: imperador (de Diocleciano a Galério), reverso (e seus temas) e exergo (local de cunhagem). O estudo recebe ainda, um amplo contexto histórico de cada imperador o que é fundamental para os estudos posteriores a serem elaborados a partir das mesmas numárias. O maior número de moedas do acervo (360) são as de Constantino com ênfase nos temas militares e religiosos. A explicação de Carlan para tal verificação é:

Era preciso pagar o exército, legitimar o poder dos imperadores perante a tropa, homenagear ou favorecer uma determinada legião, demonstrar a segurança do seu governo divulgando a construção de muralhas ou campos militares, representar a sua vitória – a vitória de Roma – sobre um determinado inimigo (CARLAN, 2013: 172).

O contexto histórico apresentado é o do século IV: Tetrarquia e a divisão de tarefas civis e militares entre os imperadores, as reformas da Tetrarquia, o processo de ruralização do Império Romano – ação de mão única -, crise institucional (assassinato de 19 imperadores), guerra contra o Império Persa, as legiões romanas e as modificações da guerra e a análise da economia do período com ênfase no fator numismático: é interessante notar que é neste trecho que Carlan aborda o outro lado da numismática e examina em detalhe a crise dos preços, o valor da moeda, a variação de pureza dos metais usados nas cunhagens e da balança comercial romana.

Por fim, é feito o estudo da moeda, propaganda e legitimação do poder. É fundamental ler os símbolos contidos nos reversos das moedas romanas que constituem um corpo de informação a ser interpretado pelo receptor. Busca-se as intenções e interesses que explicam a motivação do emissor ao cunhar aquele tipo. Sendo assim, faz-se necessário analisar ambos os lados da moeda que compõe um documento vastíssimo que, aliado a outras fontes, nos ajuda a produzir uma interpretação do passado.

De maneira geral, pode-se dizer que a obra de Carlan contribui para o fortalecimento dos estudos numismáticos acadêmicos no Brasil que ainda são considerados, de certa forma, incipientes. Há, entre os historiadores, certo preconceito sobre o uso de moedas como documentos, já que a maioria dos intelectuais da área prefere utilizar a antiga forma de documento: impressa em papel, catalogada e disposta em um arquivo ou biblioteca (CARLAN & FUNARI, 2012: 29).

Tal hábito vem se alterando desde os Annales, que contribuíram para uma nova concepção sobre documentos. A moeda – que sofreu suas devidas alterações ao longo da História – faz parte do cotidiano de todos e revela uma forma de produzir, aliada a outros tipos de fontes, uma interpretação do passado distinta: já que a moeda, antiga ou contemporânea, é capaz de nos dizer muito sobre sociedades, suas concepções, economia, arte, política e tecnicismo (maneiras de produção das moedas). O livro de Carlan é uma leitura interessante para aqueles já inseridos ou não na temática romana da numismática, pois aborda conceitos básicos mesmo durante reflexões mais profundas do tema.

Notas

1 Graduando em História pela Universidade Estadual de Campinas, bolsista do CNPq, [email protected].

2 Local inferior do campo da moeda, onde se encontra a data e a casa monetária, quando existem tais informações.

3 Face oposta ao Anverso (lado principal da moeda que representa quase sempre a entidade emissora). Na gíria popular é conhecia como “coroa”.

5 Harold Laswell (1902-1978): pioneiro na análise de conteúdos aplicados à política e à propaganda. Levantou teorias sobre o poder da mídia de massa. O esquema de Laswell analisa os meios de comunicação partindo da “análise de conteúdo”: uma série de questionamentos relacionados aos meios de comunicação (no caso do livro de Carlan, a moeda na Roma antiga). Alguns exemplos são: “Quem?; Diz o que?; Em qual canal?; Para quem?; Com quais efeitos?”

Referências bibliográficas

CARLAN, Claudio Umpierre. Moeda e poder em Roma: um mundo em transformação, São Paulo, Annablume, 2013.

CARLAN, Claudio Umpierre; FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Moedas, a Numismática e o estudo da História. 1ª edição, São Paulo, Annablume/Fapemig/Unifal/Unicamp, 2012.

CUNNALLY, John. Images of the Illustrious: the numismatic presence in the Renaissance, Princeton, Princeton University Press, 1999.

LUDOLF, Dulce. “Que é Trabalhar com Moedas” In: O outro Lado da Moeda. Livro do Seminário Internacional. Rio de Janeiro, Museu Histórico Nacional, p.199-200, 2002.

SOUZA, Helena Vieira Leitão de. “Colecionismo na modernidade” In: Simpósio Nacional de História, Fortaleza, 25. Anais do XXV Simpósio Nacional de História – História e Ética. Fortaleza: ANPUH, p. 1-9, 2009.

Jefferson Ramalho – Doutorando em História Cultural (IFCH-UNICAMP) como bolsista CAPES e sob orientação do professor Dr. Pedro Paulo Abreu Funari, além de ser mestre em Ciências da Religião (PUC-SP) com licenciatura em História e bacharelado em Teologia. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MPDB]

 

Capital/ power/ and inequality in Latin America and the Caribbean | R. L. Harris e J. Nef

A América Latina e Caribe são amplamente discutidos neste livro clássico para o pensamento social internacionalista, por meio de uma compreensiva e integrada coletânea de capítulos comparativos que ilustram de maneira sistemática três temas que são transversais, capital, poder e a desigualdade, os quais são forças estruturantes de longa duração na região.

Ao longo desta nova edição alicerçada em teorias críticas trazidas, principalmente, por premissas marxistas, uma profunda investigação de problemas atuais desvela a história cristalizada, ao longo do tempo, de muitos dos países da América Latina e Caribe, revelando o ritmo e o espaço das mais recentes forças de globalização que incidem sobre a região em sua inserção na integração do sistema-mundo. Leia Mais

El miedo a los subordinados. Una teoría de la autoridade – ARAUJO (RHYG)

ARAUJO, Kathya. El miedo a los subordinados. Una teoría de la autoridade. Santiago de Chile: LOM ediciones, 2016. 237p. Resenha de: LORCA CÁRCAMO, Álvaro. Revista de Historia y Geografía, Santiago, n.34, p.189-193, 2016.

Como ciudadanos somos testigos de la creciente desconfianza colectiva que se alimenta, tanto a nivel consciente como inconsciente, con respecto a las figuras de poder o autoridad. Lo anterior viene acompañado de una serie de implicancias que abarcan el amplio espectro social dando lugar a fenómenos tales como frustración laboral, altas tasas de fracaso, pauperis­mo, deserción escolar y, de forma más visible, la marcada abstención en los procesos institucionales de participación ciudadana.

En este contexto, el rol del cientista social debe superar al del testigo pasivo, abocándose no solo a contemplar y caracterizar un fenómeno o situa­ción dada, sino también a reflexionar sobre los elementos constituyentes del mismo, llevarlo al plano de la teoría y de esta forma contribuir a un debate informado que permita subsanar la situación en cuestión. La obra que nos convoca cumple con esta altísima labor. Leia Mais

Ce que peut l’histoire. Leçon inaugurale au Collège de France – 17 décembre 2015 | Patrick Boucheron

Patrick Boucheron, spécialiste du Moyen Âge et de la Renaissance, plus particulièrement en Italie, a été nommé à la chaire d’Histoire des pouvoirs en Europe occidentale, xiiie-xvie siècle, comme pro­fesseur titulaire au Collège de France depuis la rentrée 2015, avec une leçon inaugurale intitu­lée « Ce que peut l’histoire ». Pour les enseignants d’histoire et leurs élèves, c’est l’exemple d’un historien savant qui met à leur disposition une Histoire-Monde bousculant les périodisations et les approches entendues, pour une meilleure intel­ligibilité du présent par le recours aux ressources du passé.

Dans les années 1330, la Commune de Sienne est mise en péril par la « seigneurie », ce pouvoir personnel qui subvertit les principes républi­cains de la cité. Comment contrarier la tyrannie, asphyxier le foyer de la guerre et réapprendre l’art de vivre ensemble ? La commune politique doit convaincre: le meilleur gouvernement n’est pas la sagesse des préceptes qui l’inspirent, mais ses fruits concrets, tangibles pour chacun. Ces aspects étu­diés dans un ouvrage paru en 2013 emblématisent la position de l’intellectuel1.

Une leçon inaugurale est un exercice convenu, avec ses passages obligés. Mais cela ne suffit pas au chercheur, à l’expression bien choisie. Il conver­tit le moment en credo: l’Histoire ne doit pas se contenter de relater la manière dont les pouvoirs se sont ancrés (les rois, la formation des États), mais aussi – et surtout – évoquer les tentatives expérimentales d’une autre organisation de la cité, même si elles ont échoué. Ces « expérimen­tations politiques », fourmillantes dans l’Italie des Trecento et Quattrocento, l’historien s’y montre attentif. Elles lui disent d’autres mondes possibles: « Ce que peut l’histoire, c’est aussi de faire droit aux futurs non advenus, à ses potentialités inabouties. »

Après les attentats qui ont choqué la France, Patrick Boucheron s’exprime en citoyen. Dans un engagement renouvelé, il convie à la vigilance contre de funestes usages civiques, transformés en artillerie politique inhumaine ou en appareil de répression. Il reprend une pensée centrale dans consacré à Sienne: « Avoir peur, c’est se pré­parer à obéir. »

Que peut l’histoire pour aujourd’hui ? L’interrogation l’habite. Le professeur cite Michel Foucault, avivant sa « mise en alerte toujours brûlante qui per­met de se prémunir contre la violence du dire, de ne pas se laisser griser par sa puissance injuste », mais aussi Victor Hugo et sa foi dans la chose publique: « Tenter, braver, persister, persévérer, être fidèle à soi-même, prendre corps-à-corps le destin, étonner la catastrophe par le peu de peur qu’elle nous fait, tan­tôt affronter la puissance injuste, tantôt insulter la victoire ivre, tenir bon, tenir tête, voilà l’exemple dont les peuples ont besoin et la lumière qui les électrise. » Rien n’est plus mortifère que de réduire l’Histoire à une machine à confectionner des démonstrations de désespoir. « Comment se résoudre à un devenir sans surprise, à une histoire où plus rien ne peut survenir à l’horizon, sinon la menace d’une conti­nuation ? Ce qui surviendra, nul ne le sait. »

Son ambition ? Rendre le passé habitable, repla­cer l’histoire dans le débat intellectuel, la rendre tonique, réconcilier érudition et imagination, opposer une histoire sans fin aux chroniqueurs de la fin de l’Histoire, bousculer les divisions tempo­relles (« Une période est un temps que l’on se donne »), réorienter les sciences sociales, et surtout rafraîchir les problématiques du passé en les mettant en réso­nance avec celles du présent.

Pour Boucheron, la Renaissance n’est qu’un épi­sode dans une séquence plus ample: il observe les continuités entre les xiiie et xvie siècles. Adoptant le point de vue de l’histoire globale, il avait repéré dans le xve siècle une invention du monde2. De Tamerlan à Magellan, des steppes de l’Asie jusqu’à la saisie de l’Amérique en 1492, s’est accomplie une première mondialisation. Mais la geste de Christophe Colomb est tout sauf une aventure fortuite: elle est précédée, rendue probable et pensable, par une dynamique globale et séculaire d’interconnexion des espaces, des temps et des savoirs. Elle ne se laisse en rien délimiter par ce que l’on baptisera l’occidentalisation du monde: les commerçants de l’océan Indien, les marins de l’amiral Zheng He partis du fleuve Bleu, mais aussi les envahisseurs turcs, ont un plein rôle dans cette geste des devenirs possibles du monde, où rien n’est encore inscrit.

Militant, il convie à revisiter ses certitudes, son confort intellectuel, prétendant rechercher les moyens de « réconcilier en un nouveau réa­lisme méthodologique l’érudition et l’imagination. L’érudition car elle représente cette forme de préve­nance dans le savoir qui permet de faire front à l’en­treprise pernicieuse de tout pouvoir injuste consistant à liquider le réel au nom des réalités. L’imagination, car elle est une forme de l’hospitalité et nous permet d’ac­cueillir ce qui dans le sentiment du présent aiguise un appétit d’altérité ». En cette période où le dialogue interculturel est en terrain défavorable, le propos doit être souligné. Et l’historien, revendiquant son statut de pédagogue, d’affirmer qu’il « faut se donner la peine d’enseigner […] pour convaincre les jeunes qu’ils n’arrivent jamais trop tard. Ainsi, travaillera-t-on à demeurer redevable à la jeunesse ».

[Notas]

1 Boucheron Patrick, Conjurer la peur. Sienne, 1338: essai sur la force politique des images, Paris: Seuil, 2013, 285 p.176 | Didactica Historica 2 / 2016 le livre

2 Boucheron Patrick (dir.), Histoire du monde au xve siècle, Paris: Fayard, 2009, 892 p.

(*) Voir: Truong Nicolas, « Ce que peut l’histoire », extraits de la Leçon inaugurale de Patrick Boucheron au Collège de France, in Le Monde, 02-04.01.2016.

Postface des extraits du Monde: prononcée le 17 décembre 2015, la Leçon inaugurale de Patrick Boucheron est téléchargeable en format audio et vidéo sur le site du Collège de France (http:// college-de-france.fr). Elle sera publiée sous forme numérique sur OpenEdition Books (http://books. openedition.org/cdf/156) et sous forme imprimée (coédition Collège de France/Fayard) au prin­temps 2016.

Pierre Jaquet – Gymnase de Nyon.

BOUCHERON, Patrick. Ce que peut l’histoire. Leçon inaugurale au Collège de France – 17 décembre 2015.* Resenha de: JAQUET, Pierre. Didactica Historica – Revue Suisse pour l’Enseignement de l’Histoire, Neuchâtel, v.2, p.175-176, 2016. Acessar publicação original

[IF]

Por que as nações fracassam: as origens do poder, da prosperidade e da pobreza | D. Acemoglu e J. Robinson

  1. Introdução

O livro de Daron Acemoglu e James Robinson, Por que as Nações Fracassam: As origens do poder, da prosperidade e da pobreza, é um trabalho de aproximadamente 15 anos de pesquisa.

Os autores são, indubitavelmente, respeitadas autoridades do assunto. Acemoglu é professor titular de Economia do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e detentor da medalha John Bates Clark, concedida a economistas com menos de 40 anos que tiveram uma considerável contribuição no pensamento econômico em nível global. Leia Mais

Poder e desaparecimento: os campos de concentração na Argentina | Pilar Calveiro

Pilar Calveiro nasceu na Argentina em 1953. Envolvida em militâncias sociais e políticas, foi presa pela ditadura civil-militar que governou o país no período de 1976 a 1983. No prelúdio do livro, o poeta Juan Gelman, descreve:

“Em 7 de maio de 1977, um comando da Aeronáutica sequestrou Pilar Calveiro em plena rua e a levou ao que ficou conhecido como “Mansão Seré” […]Naquele dia começou seu percurso de um ano e meio num inferno que continuou em outros campos de concentração” (p.19)

Ao contrário da enorme maioria dos detidos em campos de concentração argentinos (cerca de 90% dos 15 a 20 mil pessoas que por isso passaram, segundo a própria autora), Pilar Calveiro sobrevive. Mais tarde, realiza doutorado em ciência política pela Universidade Nacional do México, parte da qual resulta nesse livro, lançado na Argentina em 2001. Atualmente, é professora e pesquisadora na Universidade Autônoma de Puebla (México).

Apesar dessa vivência, Calveiro não baseia seu livro unicamente no seu depoimento. Suas principais fontes são o testemunho de cinco outros sobreviventes. De acordo com ela

“Cada depoimento é um universo completo, um homem completo falando de si e dos outros. Seria suficiente tomar apenas um deles para abarcar os fenômenos aos quais quero me referir. Ainda assim, para mostrar a vivência a partir de diferentes sexos, sensibilidades, militâncias, lugares geográficos e capturadores, e mesmo fazendo referência a outros depoimentos, tomarei basicamente os seguintes: Graciela Geuna (sequestrada no campo de concentração de La Perla, Córdoba, correspondente ao III Corpo do Exército), Martín Gras (sequestrado na Esma, Capital Federal, correspondente à Marinha da República Argentina), Juan Carlos Scarpatti (sequestrado e foragido de Campo de Mayo, província de Buenos Airese, campo de concentração correspondente ao I Corpo do Exército), Claudio Tamburrini (sequestrado e foragido da Mansão Seré, província de Buenos Aires, correspondente à Força Aérea) e Ana María Careaga (sequestrada em El Atlético, Capital Federal, correspondente à Polícia Federal)”. (p.42)

O livro de Pilar Calveiro não se resume, contudo, à transmissão desses testemunhos, mas à, a partir deles, refletir sobre os desaparecimentos na ditadura argentina e sobre o fenômeno repressivo em si. Retomando o prelúdio de Gelman “este livro é uma façanha. Pilar Calveiro atravessou a situação mais extrema do horror e teve a difícil capacidade de pensar a experiência” (p.20). Ao fazê-lo, “Sua leitura contribui para a reflexão sobre a história não só da Argentina, mas dos outros países do Cone Sul, que não pode ser relegada ao esquecimento”, escreve a historiadora da USP Maria Helena Capelato, na orelha do livro.

A edição brasileira do livro tem apresentação da pesquisadora de pós-doutorado em História Social da USP Janaína de Almeida Teles intitulada “Ditadura e repressão no Brasil e na Argentina: paralelos e distinções”. Nesta, aponta algumas semelhanças e diferenças entre os processos ocorridos nos dois países. Se em ambos os casos havia uma noção de que os militares estariam salvando o país de uma ameaça inimiga, o “poder desaparecedor” descrito por Calveiro para a Argentina seria no Brasil mais um “poder torturador”. Em alguns casos, em especial no combate a guerrilha do Araguaia, a ditadura brasileira também usou a tática de eliminação total do “inimigo”. Porém, em geral, se caracterizava por “seu caráter centralizado e seletivo, permeado por preocupações com sua legitimidade institucional” (p. 14). Assim, no Brasil, o governo se preocupava em dar um ar de legitimação legal, mesmo que manipulada, às suas ações, enquanto na Argentina estava mais cristalizada a ideia de que diante de um inimigo tão perigoso, métodos excepcionais poderiam ser utilizados. Portanto, na Argentina

“o eixo do mecanismo desaparecedor era a obtenção de informação necessária para multiplicar os desaparecimentos até acabar com o ‘inimigo’”. No modelo brasileiro, por sua vez, o foco era a seletividade e a obtenção de informações para desestruturar grupos oposicionistas.” (p. 17)

Pilar Calveiro divide o livro em duas partes. A primeira, mais curta, “Considerações Preliminares”, fornece um panorama do contexto prévio ao golpe que levou o general Jorge Videla ao governo em 1976. A segunda parte, “Os campos de concentração” descreve e discute o funcionamento, a lógica e o significado dos campos de concentração argentinos.

“Considerações Preliminares” apresenta primeiramente a ascensão das forças armadas, e depois a situação das guerrilhas, vistas pela ditadura como o principal inimigo interno. Desde a década de 1930, as forças armadas cresciam em peso político e autonomia.

“Assim, ao longo de 45 anos os militares reiteradamente “salvaram” o país – ou melhor, os grupos dominantes do país. Por outro lado, setores importantes da sociedade civil também reclamaram e exigiram essa salvação. Em 1976, não havia nenhum partido político na Argentina que não tivesse apoiado algum dos numerosos golpes militares ou dele participado.” (p. 25)

Assim, o apelo às forças armadas ao reestabelecimento da ordem (e as características fundamentais de um governo militarizado) não era inédito na Argentina de 1976, quando a crise do peronismo fazia em especial as classes médias clamarem por serem “salvas”.

As guerrilhas, cujos membros formariam grande parte da população sequestrada proliferaram nos anos 1970, sejam de caráter guevarista ou peronista. Calveiro, porém, tece críticas ao autoritarismo interno a elas, o que teria colaborado, junto à repressão por parte do peronismo de direita a partir de 1974, para que já estivessem bastante enfraquecidas em 1976.

A segunda e mais extensa parte do livro inicia-se com uma ideia fundamental do texto: “Sempre o poder mostra e esconde, e se revela tanto no que exibe quanto no que oculta” (p. 38). Portanto, os mecanismos de desaparecimentos deviam ser escondidos (já que não eram legais), mas somente parcialmente. Para Calveiro, “para disseminar o terror, cujo efeito imediato é o silêncio e a inação, é preciso mostrar uma fração daquilo que permanece oculto”. (p. 53). A autora então esclarece que o sequestro, a tortura e o desaparecimento já eram prática corrente ao menos desde 1966, mas a partir de 1976, o desaparecimento deixa de ser uma das formas para se tornar a própria definição da repressão na ditadura argentina.

Uma característica importante é que os campos de concentração não eram operados por um grupo seleto. Pelo contrário, havia um esforço em incluir grande número de oficiais, de modo a implicar a todos no processo, em cumplicidade geral. O resultado disso era, além de evitar delações, que seres humanos sem “natureza assassina” participassem ativamente de “um maquinário, construído por eles mesmos, cujo mecanismo os levou a uma dinâmica de burocratização, rotineirização e naturalização da morte” (p. 45). O relato de Calveiro nos remete, ao conceito de banalidade do mal, desenvolvido por Hannah Arendt em Eichmann em Jerusalém, autora com cuja obra o livro de Pilar Calveiro está em constante diálogo.

Nas páginas seguintes, Calveiro descreve os procedimentos do desaparecimento. A iniciar pelo sequestro, realizado por grupos que geralmente desconheciam o motivo da operação e a tortura (choques elétricos e abusos sexuais eram comuns). Cabe salientar que a missão principal da tortura (que começava antes mesmo da inserção do prisioneiro no campo) era “”alimentar” o campo com novos sequestrados” (p. 67). Seguidas as primeiras seções de tortura, ocorria o confinamento no campo (novamente, os guardas geralmente não sabiam quem eram os prisioneiros, somente sabiam que eram “perigosos”), período no qual podiam ocorrer novas torturas, e finalmente o assassinato e desaparecimento dos corpos. Esta é a parte menos conhecida. Um dos métodos envolvia a aplicação de soníferos e o despejo dos corpos (ainda vivos) no mar. Ao longo de todo o processo, imperava a burocracia, a impessoalidade e a divisão de tarefas. Em Modernidade e Holocausto, Zygmunt Bauman afirma que

“O uso da violência é mais eficiente e menos dispendioso quando os meios são submetidos a critérios instrumentais e racionais e, assim dissociados da avaliação moral dos fins. […] A dissociação é, de modo geral, resultado de dois processos paralelos, ambos centrais ao modelo burocrático de ação. O primeiro é a meticulosa divisão funcional do trabalho […] o segundo é a substituição da responsabilidade moral pela técnica.” (BAUMAN, 1998, p. 122)

Atenta a essas semelhanças, Calveiro afirma que isso não se deveria a uma cópia ou inspiração nos campos nazistas ou stalinistas mas consequência de serem poderes totalizantes.

Outra característica apontada pela autora que reforça esse caráter totalizante é a auto-representação de muitos torturadores como deuses, ao ponto de impedirem o suicídio mesmo de prisioneiros cujo destino (morte) já estava selado. Havia uma necessidade de reafirmar o poder da repressão sobre cada mínimo aspecto da vida (e da morte) dos sequestrados.

O aspecto fragmentário do processo, com diferentes grupos operativos trabalhando em paralelo e até concorrendo entre si causava uma sensação de completa ausência de lógica (por exemplo, na escolha de quem iria morrer e quando) e desarmava tentativas de resistência. No entanto, “O fragmentário não se opõe ao totalizante; pelo contrário, eles se combinam e se sobrepõe, sem encontrar nenhuma consistência ou coerência.” (p. 82). Tal afirmação é reforçada por Hannah Arendt, quando afirma, sobre a burocracia nazista que “todos esses organismos, enormemente poderosos, competiam ferozmente uns com os outros – o que em nada ajudava suas vítimas” (ARENDT, 1999, p. 85).

Analisado o funcionamento concreto do “poder desaparecedor”, Pilar Calveiro se dedica ao componente ideológico que o sustenta, ao qual chama de “Um universo binário”.

“As lógicas totalitárias são lógicas binárias, que concebem o mundo como dois grandes campos contrários: o próprio e o alheio. […] entende que o diferente constitui um perigo iminente ou latente, que deve ser extirpado. [..,] pretende, em última instância, eliminar as diversidades e impor uma realidade única e total representada pelo núcleo duro do poder, o Estado.” (p. 88) “Na concepção militar, a Argentina estava em guerra: uma guerra contra a subversão, travada dentro e fora das fronteiras nacionais. Os militares se apressaram a declará-la, e a guerrilha aceitou o desafio.” (p, 89)

Assim, na ótica militar, não desapareciam pessoas, mas sim subversivos, que seriam sempre: guerrilheiros, servindo interesses estrangeiros, perigosos, imorais; se mulheres, cruéis e sem moral sexual. No caso dos mais perigosos não só sem religião, mas judeus. “Reduzidos, como todos os outros objetos de gerenciamento burocrático, a meros números desprovidos de qualidade, os objetos humanos perdem sua identidade.”(BAUMAN, 1998, p. 127)

Portanto, os campos de concentração procuravam retirar por completo a humanidade do prisioneiro. Calveiro, porém, defende que “apesar da eficiência da técnica concentratória, quase sempre há uma parte do homem que é devastada e outras que resistem; essas são as partículas que escapam” (p. 102). Isso permite problematizar o universo binário e mais, possibilita formas de resistência e fuga. Em relação a esses mecanismos, Calveiro afirma que

“É preciso acrescentar que existiram diversas formas de fugir do dispositivo concentracionário, não apenas a fuga física, sendo que todas elas estiveram associadas à preservação da dignidade, à ruptura da disciplina e à transgressão da normatividade, sabotando os objetivos do campo.” (p. 108)

Assim, a autora descreve várias formas de fuga e resistência, desde a fuga concreta, a colaboração falsa ou parcial, a solidariedade interna, até o riso como reafirmação da vida.

Aproximando-se da parte final do livro, Calveiro reafirma, tal como Hannah Arendt teve que fazer no caso Eichmann, que “Ao encarar os desaparecedores como parte do cotidiano social, sua responsabilidade não se esfuma; apenas os situa num lugar que envolve e questiona toda a sociedade.” (p.134). Arendt completaria que “essa normalidade era muito mais apavorante do que todas as atrocidades juntas” (ARENDT, 1999, p. 299).

Essa reflexão faz com que a análise não possa se prender somente aos que participaram diretamente nos desaparecimentos, devendo se estender a sociedade toda: “O campo de concentração, […], só pode existir numa sociedade que escolhe não ver, por sua própria impotência; uma sociedade “desaparecida”, tão siderada como os próprios sequestrados.” (p. 135). Calveiro descreve como o golpe teve respaldo social. “Se havia algo que não tinha como ser alegado naquele momento era o desconhecimento” (p. 136). A tortura, os sequestros e a necessidade de eliminação do Outro não eram novidade e já estavam até certo ponto naturalizadas. “A noção do Outro, perigoso, que deve ser destruído, estava profundamente enraizada nas representações e práticas políticas.” (p. 138).

Poder e desaparecimento, portanto, está muito distante de ser somente um testemunho da ditadura (o que já seria válido). Tampouco se limita a uma análise do “poder desaparecedor” na Argentina no período 1976-1983, o que realiza brilhantemente. Pilar Calveiro é capaz, apesar ou talvez justamente por ter sido vítima da repressão autoritária de analisar, a partir da experiência argentina, o fenômeno do autoritarismo totalizante, o que, levando em conta seus paralelos e particularidades, colabora para a compreensão das ditaduras civis-militares que assolaram o Cone Sul nas décadas de 1960,70 e 80.

Ao final do livro, Calveiro afirma:

“a melhor forma para desconhecer que a realidade dos campos de concentração esteve estreitamente relacionada com a sociedade de então e com a atual é esquecê-los, decidir que o mundo e o país deram voltas suficientes a ponto de chegar a outro lugar. Anistia, como amnésia, vem de a-mnses-is, “esquecimento”” (p. 151).

A mensagem não poderia ser mais evidente para um Brasil que ainda se debate em relação à memória e aos aspectos ainda hoje remanescentes da sua ditadura mais recente.

Referências

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Tradução José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Holocausto. Tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

CALVEIRO, Pilar. Poder e desaparecimento: os campos de concentração na Argentina. Tradução Fernando Correa Prado. São Paulo: Boitempo, 2013.

Michel Ehrlich –  Estudante de graduação em História (bacharelado e licenciatura) pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).


CALVEIRO, Pilar. Poder e desaparecimento: os campos de concentração na Argentina. Tradução Fernando Correa Prado. São Paulo: Boitempo, 2013. Resenha de: EHRLICH, Michel. Cadernos de Clio. Curitiba, v.6, n.1, p.197-206, 2015. Acessar publicação original [DR]

Dinheiro, Deuses e Poder. 2.500 anos de lendas, mitos, símbolos, fatos e História Política das moedas – SPINOLA (RMA)

SPINOLA, Noenio. Dinheiro, Deuses e Poder. 2.500 anos de lendas, mitos, símbolos, fatos e História Política das moedas. São Paulo: Civilização Brasileira, 2011. Resenha de: CARLAN, Claudio Umpierre. Revista Mundo Antigo, ano III, v. 3, n 05, jul., 2014.

Termo bárbaro, de uma maneira em geral foi utilizado para definir os povos germânicos, eslavos e tártaros-mongóis, que invadiram Mundo Romano, a partir do século III da era Cristã. A tradução tradicional, idealizada por gregos e, mais tarde, romanos, eram povos que não falavam latim ou grego, usavam calças compridas.

Essa construção, do século XIX, contou com apoio do historiador alemão Leopold Von Ranke (1795 – 1886), quando afirmou que a História não nasceu ciência, mas foi transformada em uma disciplina científica. Ranke defendia o uso apenas de fontes escritas, baseadas no rigor científico newtoniano. Arqueologia, cultura material, iconografia não eram consideradas documentos ou fontes históricas. Leia Mais

Intelectuais e história da educação no Brasil: poder, cultura e políticas – ALVES (RBHE)

ALVES, Claudia; LEITE, Juçara Luzia. Intelectuais e história da educação no Brasil: poder, cultura e políticas. Vitória: EDUFES, 2011. Resenha de: MAIA, Manna Nunes. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 13, n. 1 (31), p. 261-266, jan./abr. 2013.

Nas últimas décadas, a produção em História da Educação expandiu-se consideravelmente”, como resultado do papel desempenhado tanto pela pós-graduação quanto por instâncias de organização, debate e divulgação da pesquisa histórico-educacional. Ao mesmo tempo, há um processo de inflexão dos modelos interpretativos, referenciais teóricos, objetos de investigação, objetivos, temáticas, fontes documentais, periodizações e metodologias de pesquisa da área.

Articulada a esses processos, houve a publicação de vários estudos que, ao analisarem aspectos da pesquisa histórico-educacional, têm permitido a problematização e (por que não?) renovação de categorias já consagradas. Entre elas, a categoria “intelectual” tornou-se objeto de investigação dos historiadores da educação, cujos trabalhos possibilitaram questionar o viés tradicional de abordagem histórica do tema. Propiciaram, portanto, superar análises que se centravam na exposição das ações e feitos dos considerados grandes personagens, de um lado, ou centradas em perspectivas que apagavam a ação dos sujeitos, de outro. Insere-se, nesses trabalhos, a publicação de Claudia Alves e Juçara Luzia Leite, intitulada Intelectuais e história da educação no Brasil: poder, cultura e políticas, que integra a coleção Horizontes da pesquisa em História da Educação no Brasil, em comemoração aos dez anos de fundação da Sociedade Brasileira de História da Educação.

A primeira parte da coletânea procura iluminar o debate teórico com base nas contribuições de pesquisas dos autores que a compõem. No primeiro capítulo, Carlos Eduardo Vieira problematiza o conceito de intelectual a partir da análise das ideias e da trajetória do intelectual paranaense Erasmo Pilotto (1910-1992). A crença no protagonismo do Estado e no papel dos intelectuais, articulada à ideia de que o caminho para a modernidade seria trilhado por meio de investimentos na cultura e na educação, incentivou a militância de Erasmo Pilotto nos referidos campos, por meio da publicação de diferentes materiais, da ação enquanto educador, da criação de inúmeras instituições e grupos e, ainda, da ocupação de posições importantes na esfera política. Por meio do estudo dessa trajetória, o historiador põe em questão aspectos fundamentais do conceito em foco na coletânea, concernentes à construção da identidade dos intelectuais, envolvendo seu engajamento político e suas crenças na modernidade e no papel do Estado.

Em seu trabalho, Marlos Bessa Mendes da Rocha disserta sobre o Decreto-lei Couto Ferraz (1854) que instituiu, pela primeira vez, a educação como um sistema de política pública. Para analisar o referido decreto-lei, com foco na relação entre a história intelectual da política e a história institucional das práticas políticas, Rocha baseia-se em alguns pontos, dentre os quais: o vocabulário normativo da época; os axiomas herdados; os projetos de sociedade, Nação e Estado; a comparação entre o Decreto-lei Couto Ferraz e as leis que o antecederam e sucederam; a concepção de educação na época e a recepção da lei na sociedade. Além disso, o autor destaca a conjuntura da época, em especial o contexto intelectual em que as formulações do decreto-lei foram concebidas. Aqui, a questão conceitual margeia a história das ideias.

Na sequência, Claudia Alves analisa a formação da oficialidade do Exército no século XIX. Os sujeitos de pesquisa selecionados foram os intelectuais militares que desempenharam funções dirigentes e organizativas no Exército e em instâncias da sociedade e do Estado, atores não privilegiados na historiografia. Sem desmerecer o papel desempenhado pela Escola Militar e, a partir do conceito ampliado de formação (que englobaria a dimensão prática, dirigente e política), Alves demonstra que outros espaços no interior do Exército foram determinantes na formação da parcela intelectualizada da oficialidade durante o período investigado.

Amália Dias centra sua análise na dicotomia entre as funções de “intelectuais” e de “trabalhadores” que o magistério secundário enfrentou no pós-1930. De um lado, as leis e projetos implementados durante o Estado Novo puseram em marcha um projeto de profissionalização do magistério de ensino secundário, que o submetia aos parâmetros estatais, ao mesmo tempo que o requisitava como agente do “apostolado cívico”. Por outro lado, houve um movimento de reação organizada em sindicatos, efeito da condição de “trabalhadores do ensino” dos professores secundários, procurando garantir seus direitos e deveres. Nessa análise, Dias evidencia a defasagem entre o elevado prestígio social dos professores e a sua situação econômica, como trabalhadores assalariados, tratando de outra faceta da categoria intelectuais, associada à profissionalização do magistério.

A imprensa constituiu-se historicamente como locus de atuação dos intelectuais, estando fortemente imbricada à própria emergência social desse personagem no século XIX. Na segunda parte da coletânea, estudos que se debruçaram sobre a relação entre intelectuais e imprensa apresentam possibilidades de abordagem sobre esse aspecto. O capítulo de autoria de Bruno Bontempi Júnior aborda o Inquérito sobre a instrução pública em São Paulo, publicado em O Estado de São Paulo”, em que jornalistas e educadores teceram observações a respeito do ensino primário paulista. Uma série de aspectos validou a capacidade desses personagens de dissertarem sobre a situação educacional de São Paulo, que, somada à crescente influência do jornal mencionado, fizeram com que se produzissem e veiculassem discursos educacionais considerados legítimos acerca da situação e dos rumos da instrução pública nesse estado. Recorrendo à noção de expertos de Norberto Bobbio, o autor põe em questão a formação e o pertencimento dos respondentes ao Inquérito, que têm seus discursos potencializados pela ação do jornal.

Em seguida, Clarice Nunes reflete sobre como se tornou possível a afirmação de um grupo de mulheres como intelectuais na sociedade patriarcal do final do século XIX e início do XX. Em uma conjuntura de consolidação da imprensa como canal de difusão de ideias e de mudanças na indústria jornalística e literária, foram abertos espaços nas redações dos jornais e editoras para as mulheres. Por meio da publicação de seus escritos, algumas mulheres conseguiram ultrapassar as fronteiras da casa e da escola. Ou seja, ao se tornarem escritoras, as mulheres ganharam prestígio e visibilidade na sociedade, naquele período, constituindo um grupo novo, embora minoritário na categoria dos intelectuais, potencializado pelo trabalho no magistério.

Maria de Araújo Nepomuceno toma a revista Oeste como objeto de estudo e fonte de pesquisa. Iluminado pelos conceitos de Estado e intelectual de Antonio Gramsci, o estudo identificou que a citada revista foi, gradativamente, mudando sua proposta. Originalmente projetada no âmbito da “sociedade civil” para apresentar intelectuais goianos, a revista foi se constituindo em um veículo divulgador dos princípios político-ideológicos do Estado Novo e de propaganda de Goiânia e do interventor Pedro Ludovico. A ambivalência da atuação dos intelectuais, na sociedade civil e na sociedade política, transparece nas páginas do periódico.

Se a escrita é a forma de expressão evidente do intelectual, o livro é o objeto símbolo desse trabalho. A terceira parte da coletânea traz pesquisa que analisaram livros e seus escritores. André Luiz Bis Pirola faz uma reflexão sobre a obra didática Noções abreviadas de Geografia e História do Espírito Santo, escrita pelo professor Amâncio Pereira. Analisa-o como um documento privilegiado para compreender as disputas e as alianças em torno da correta leitura de história e de educação no esforço de forjar uma “identidade nacional”. Destaca os lugares de memória e os protocolos de pertencimento, em âmbito local, que organizaram a intelectualidade e os seus debates no processo de definição do cânone historiográfico.

No seu trabalho, Maria Arisnete Câmara de Morais estuda duas publicações da escritora Sophia Lyra: Vida íntima das moças de ontem e Rosas de neve. Nelas, Sophia Lyra exterioriza alguns questionamentos, costumes, linguajar, conflitos, problemas e a situação da mulher na década de 1930, assim como traça um painel dos hábitos, tradições e maneiras de ser da sociedade brasileira naquele período. Discorre, portanto, sobre vários assuntos latentes na sociedade na primeira metade do século XX. Por meio da análise desses ensaios, Morais consegue superar a recorrente noção de que as mulheres viviam alienadas da realidade do Brasil naquele período.

Dislane Zerbinatti Moraes toma como objeto de investigação os romances escritos por cinco professores-escritores entre os anos de l920 e l935. Apesar de terem interpretações e posições diferenciadas no campo do magistério, os autores analisados por Moraes têm em comum a utilização da ficção, mais especificamente do romance, como modo de expressão das tensões, expectativas e experiências desses intelectuais enquanto professores. Por conta disso, esses escritos destacam aspectos do contexto educacional da época, visando à produção de algum tipo de transformação na realidade escolar e à obtenção de reconhecimento profissional. O romance, como ferramenta intelectual, abre um campo de expressão de insatisfações, interditado no discurso pacificador dos historiadores da educação no mesmo período.

Marcus Aurélio Taborda de Oliveira analisa o compêndio História da América, de José Francisco da Rocha Pombo, que inaugurou uma tradição de reflexões críticas à colonização europeia na América Latina, considerando o ensino de história fundamental para conhecer o passado de opressão dos povos latino-americanos, resistir aos padrões civilizatórios e reverter o quadro de atraso da América Latina. Entretanto, essa forma de conceber a colonização não se repetiu nas demais obras do autor. O texto de Taborda coloca, então, em cena, contradições que marcam uma trajetória de vida e produção intelectual, na qual, por vezes, a grande originalidade pode estar no ponto de partida.

As relações entre educação, civilização e modernidade dão o tom dos textos da última parte da coletânea. Em seu estudo, Juçara Luzia Leite assinala que o pós-Primeira Guerra fortaleceu a preocupação sobre a influência do ensino de história nas relações entre povos e nações. No caso dos livros didáticos, sua função educativa e moralizadora aparece nos cuidados de agências de Estado, tratados inclusive em convênios internacionais. A participação de intelectuais, políticos e professores, na construção desses convênios, permite observar o sentido de missão que se autoatribuíam na construção de um projeto civilizatório. Com isso, as reflexões de Leite permitem-nos perceber nuançes do uso social do trabalho intelectual, envolvido por questões que marcam uma época.

Em seu trabalho, Maria Helena Câmara Bastos analisa a atuação de Manoel Francisco Correia, intelectual representativo dos debates que propugnavam o progresso da sociedade brasileira, defendendo avanços na instrução popular. Membro da elite intelectual e política da época, Manoel Francisco Correia pretendia promover os conhecimentos úteis ao progresso da sociedade, assumindo a tarefa de remodelar o imaginário e as práticas pedagógicas no país. Para isso, organizou as Conferências Populares da Freguesia da Glória, espaços privilegiados de discussão de ideias educacionais na cidade do Rio de Janeiro no período de 1873 a 1890. Aspectos da Modernidade, que se anunciam em fins do século XIX, podem ser apreendidos na análise desse intelectual.

Iranilson Buriti de Oliveira estuda algumas imagens construídas por Belisário Penna sobre a educação sanitária, problematizando as aproximações entre os saberes médico e pedagógico. Em uma conjuntura em que os médicos assumiram a responsabilidade de remediar e educar a população, preocupados em mudar a nação a partir da escola, Belisário Penna denunciou as precárias condições sanitárias da maioria das unidades da federação brasileira e fundou a “Liga Pró-Saneamento do Brasil”, em 1918. Oliveira procura compreendê-lo a partir dos seus escritos, mapas de viagem, fotografias, retratos, buscando captar sua perspectiva crítica, mas, também, suas angústias, medos, tensões. O texto convida o leitor a perceber o que a produção de um intelectual projeta como imagem de si.

Ao final, Maria do Amparo Borges Ferro analisa a figura e a atuação do padre Marcos de Araújo Costa na primeira metade do século XIX, que teve grande influência nos diversos setores em Oeiras, antiga capital do Piauí. Embora não tenha ocupado cargos ou funções na burocracia estatal, esse intelectual piauiense lutou contra a ameaça de retorno do Piauí à condição de dependência político-administrativa da província do Maranhão e se dedicou à educação do povo, usando o patrimônio herdado na fundação e manutenção de uma escola para garotos, que se tornou referência para toda a região, entre 1820 e 1850. O texto da autora instiga a atenção para sujeitos que utilizam sua capacidade intelectual para fazer história por meio da educação.

Na presente resenha, tentamos assinalar a contribuição dessa coletânea para os estudos histórico-educacionais. São autores de diferentes regiões do país e de competência reconhecida no campo da História da Educação, que, com suas especificidades, clareza de objetivos e delimitação precisa de suas questões, proporcionaram-nos uma leitura rica e nos dão a oportunidade de pensar, questionar e enriquecer futuros estudos na temática. Ao mesmo tempo, as análises empreendidas em cada estudo são de grande valia para os interessados no passado educacional brasileiro, abordado pelo prisma da ação de um grupo específico de agentes, os intelectuais.

Ao traçar um espectro da pesquisa sobre o tema, Intelectuais e história da educação no Brasil: poder, cultura e políticas traz uma contribuição particular aos estudos sobre a categoria intelectuais, em uma conjuntura em que emergem, cada vez mais, discussões teóricas e metodológicas em torno dela. O livro incentiva os historiadores da educação a fazerem uma (re)leitura de seus trabalhos sobre intelectuais, assim como estimula aqueles que pretendem trabalhar com essa categoria. Para isso, os trabalhos nele publicados indicam vias que podem ser exploradas: itinerários de formação; redes de sociabilidade; escritos; ligações com a formulação de políticas públicas de educação; iniciativas de escolarização lideradas; representações e práticas culturais; contextos sócio-educacionais; itinerários pessoais e coletivos; ambiência cultural; constructos intelectuais de época; lugares frequentados; ideários, leituras e representações.

Manna Nunes Maia – Pedagoga formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e Mestre em Educação também pela Universidade Federal Fluminense (UFF).  E-mail:[email protected]

Acessar publicação original

Poder e palavra. Discursos, contendas e direito de padroado em Mariana (1748-1764) | Patrícia Ferreira dos Santos

Poder e palavra. Discursos, contendas e direito de padroado em Mariana, é fruto da tese de mestrado de Patrícia Ferreira dos Santos, defendida em 2009 na Universidade de São Paulo e orientada por Carlos de Almeida Prado Bacellar. Este trabalho se enquadra num amplo movimento de renovação dos estudos sobre a Igreja no mundo português da época moderna e mais especificamente sobre a Igreja no Brasil colônia. A partir de um uso renovado e muitas vezes inédito – já que as fontes, apesar de por vezes de difícil acesso, existem – da documentação, a autora contribui para uma melhor compreensão das lógicas de funcionamento das instituições episcopais e das conflitantes relações com os representantes do poder civil, e com os próprios membros da igreja mineira do período em que governou o seu primeiro bispo, d. fr. Manuel da Cruz (1748-1764).

O livro está dividido em cinco capítulos, tradicionalmente organizados de modo a partir dos temas mais amplos aos mais específicos, dando assim ao leitor informações cada vez mais precisas sobre a problemática em pauta. O capítulo 1, “Jogos de forças: atores e instituições”, sobrevoa o processo de construção das relações Estado e Igreja em Portugal, desde a formação do padroado régio a partir do contexto da reconquista e do modo como a coroa pouco a pouco fortaleceu uma doutrina jurídica enquanto fundamento de sua atuação – e das ordens militares – nas conquistas ultramarinas, até o contexto das tensões geradas pelas reformas postas à obra durante a segunda metade do século XVIII, passando pelo importante e complexo jogo criado pelas reformas tridentinas. O segundo capítulo, “Imbricando forças”, estuda a formação da rede eclesiástica na região mineradora e sua paulatina implementação em paralelo, ou melhor, de modo imbricado, com a implantação da estrutura administrativa civil no que se tornaria a capitania das Minas e o bispado de Mariana. Servem aqui de exemplo – graças à abundância das fontes, como a autora explica em sua introdução – os casos de duas freguesias da região, a de Nossa Senhora da Conceição das Catas Altas e a de Nossa Senhora da Boa Viagem de Curral del-Rei. O terceiro capítulo, “O poder da palavra”, concentra-se na atuação do primeiro bispo de Mariana, d. fr. Manuel da Cruz, no que toca a implementação do aparato administrativo da nova diocese e a atividade de controle (das almas e dos corpos) do prelado, sobretudo por meio das cartas pastorais, importante instrumento de governo. O quarto e o quinto capítulos, “Contendas” e “Batalhas de jurisdição”, se debruçam finalmente sobre os vários episódios de tensão surgidos durante o episcopado de d. fr. Manuel da Cruz, e que, como dito, serve de baliza para toda a obra. Ali são descritas as contínuas trocas de acusações feitas entre o bispo, os fieis, os membros do cabido catedralício e os membros do governo civil em torno de questões de fiscalidade, jurisdição ou honra, sempre dentro da turva paisagem do padroado.

O objetivo do trabalho é contribuir para a compreensão da construção e da efetivação da autoridade episcopal no contexto específico das Minas. Movimento que na verdade resultou, como sempre aponta a autora, em amplos conflitos, não só com instituições e grupos já presentes naquela sociedade, mas inclusive com personagens surgidas apenas com a chegada do prelado, como é o caso do clero capitular. A problemática escolhida é claramente posta na página 101, ao fim da larga parte introdutória do livro, onde Patrícia Ferreira dos Santos se pergunta se a “imbricação de forças, da Igreja, do Estado, da justiça e da religião”, logrou a desejada coesão em prol da administração da capitania.

Para começar a responder a essa pergunta, o capítulo três se debruça de modo bastante original sobre a importância da palavra, ou seja, dos sermões e cartas pastorais, para a implementação do governo episcopal e assim também, de um maior controle do que fazia e pensava a população local. São destaques, a preocupação com o comportamento do clero e com a catequese dos escravos do bispado, questões que revelam a especificidade colonial daquela região, mas também algo da personalidade do prelado. Assim, é também neste capítulo que a autora apresenta a personagem principal e fio condutor do livro, o bispo d. fr. Manuel da Cruz.

É, contudo, nos capítulos seguintes, que se aborda a questão do problema dos inúmeros atritos criados ou sofridos pelo bispo: com seus párocos, sobre a questão da cobrança indevida de emolumentos; com os membros do cabido, pelo controle da nomeação a cargos e por questões de prestígio, contenda que se transformou em grave afrontamento; e, finalmente, com o governo civil, em questões de jurisdição sobre irmandades e sobre os próprios clérigos do bispado, em tempos em que o regalismo se firmava sem nenhuma ambiguidade no mundo português por meio da política pombalina em relação à Igreja.

Enfim, quais seriam as razões profundas de tanta discórdia? A autora, nas suas “considerações finais”, aponta o modo como o bem-estar dos povos e a defesa dos vassalos eram frequentemente mencionados pelos litigantes como fundamentos para as acusações portadas contra o oponente do momento, mas que esses párocos gananciosos, cabido escandaloso, bispo zeloso da sua posição e agentes civis em busca de alargamento de jurisdições, na verdade, não faziam mais do que reafirmar, nessas contendas, as vexações que eles próprios faziam sofrer à população. Ferreira dos Santos aponta assim para uma análise bastante restrita do contexto estudado, mas que ela própria mostra, em outras partes do seu texto, ser mais ampla. Ao descrever os vários litígios que d. fr. Manuel da Cruz esteve implicado, ela chama a atenção para as indeterminações das leis do Reino, causa de muitos conflitos de jurisdição (p. 227). Mais adiante, relembra o quanto a questão do padroado, devido a uma “certa indefinição de limites, papéis e campos de jurisdição” acabou pautando as relações entre a Coroa e a Igreja pela desconfiança (p. 255). Mas é ainda um pouco mais atrás que ela parece chegar mais perto de uma explicação, ao afirmar que “As batalhas de jurisdição […] criaram impasses que forçaram iniciativas de reformulação dos procedimentos e da atuação dos cargos e sua normatização, pela coroa” (p. 221). Tratava-se, assim, de um sistema político e também legal (ou seja: o sistema político e legal específico do Antigo Regime) que se pautava por uma multiplicidade de fontes normativas, e que estava habituado a tratar da administração do seu próprio corpo de modo bastante casuísta. Pode-se avançar a análise para uma tradicional interpretação do ‘dividir para melhor reinar’, mas não me parece que esta seja a melhor solução.

Poderiam ter sido úteis à autora algumas análises sociológicas da história política e religiosa da Europa da época moderna, como, por exemplo, aquelas vinculadas aos conceitos de disciplinamento social e de confessionalização, cunhados por autores alemães dos anos 1980 (ver a síntese que deles fez Federico Palomo, A Contra- reforma em Portugal. 1540-1700, 2006), mas na verdade já existentes, de certo modo, nas leituras da História das religiões de autores como Jean Delumeau (O pecado e o medo, 2003). Do mesmo modo, a “imbricação” entre governo civil e religioso, entre Estado e Igreja, numa sociedade de Antigo Regime que a autora aqui estuda, poderia ter sido melhor compreendida com uma leitura mais ampla dos trabalhos de José Pedro Paiva (alguns deles mencionados por Ferreira dos Santos), como a sua contribuição ao livro História Religiosa de Portugal, de 2000, ou o livro Os bispos de Portugal e do Império (1495-1777), de 2006. Nestes trabalhos o autor mostra o quanto os poderes civil e eclesiástico estavam interconectados em Portugal. Por um lado, este maior diálogo com a bibliografia poderia ampliar as perspectivas de análise de um governo episcopal tão bem documentado e, por outro, os conflitos estudados seriam ótimas ocasiões para se por à prova, ao nível regional das Minas – ou “micro” das paróquias de Catas Altas e de Boa Viagem –, os conceitos e as análises desenvolvidas pelos autores acima citados.

Bruno Feitler – Professor no Departamento de História da Universidade Federal de São Paulo (EFLCH/UNIFESP – Guarulhos/Brasil). E-mail: [email protected]


SANTOS, Patrícia Ferreira dos. Poder e palavra. Discursos, contendas e direito de padroado em Mariana (1748-1764). São Paulo: Editora HUCITEC/ FAPESP, 2010. Resenha de: FEITLER, Bruno. Poder e jurisdição sob o episcopado de D. fr. Manuel da Cruz (1748-1764). Almanack, Guarulhos, n.5, p. 212-214, jan./jun., 2013.

Acessar publicação original [DR]

Magia e Poder no Império Romano: A Apologia de Apuleio | Semíramis Corsi Silva

Semíramis Corsi Silva, autora do livro, é Doutoranda, Mestre e Graduada em História pela Universidade Estadual Paulista – UNESP/Franca, onde defendeu a Dissertação de Mestrado: Relações de Poder em um Processo de Magia no século II d.C – uma Análise do Discurso “Apologia” de Apuleio, do qual este livro é fruto.

A obra foi lançada ano passado (Marco/2012), em uma parceria da editora Annablume com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), do qual Silva é bolsista desde sua Iniciação Científica até seu Doutorado, que está em andamento. O livro possui 213 páginas, divididos em quatro capítulos, mais as considerações finais; a autora indaga e elucida sobre a acusação e o julgamento de Apuleio, um autor romano do século II d.C., por prática de magia. É nesse contexto que Silva propõe analisar a acusação e julgamento de Apuleio, um membro da elite do Império Romano no período do Principado, que se casou com uma rica viúva chamada Pudentila da cidade de Oea, no norte da África Romana.

O casamento se concretizou através de uma “negociação” do filho mais velho de Pudentila, Ponciano, que era amigo de Apuleio. Pudentila esteve prometida em casamento a seu cunhado Sicinio Claro (irmão de seu falecido marido), mas acabou casando-se com Apuleio, por intermédio de Ponciano. Após dois anos do conúbio e Ponciano já falecido, Apuleio é acusado pelo filho mais novo de Pudentila, Pudente (irmão de Ponciano, enteado de Apuleio), de ter praticado magia amorosa para conquistar Pudentila, interessado em sua situação financeira. Pudente teve como seu assessor Sicínio Emiliano (tio do acusador e irmão do Sicinio Claro e do falecido marido de Pudentila). A família de seu marido falecido era formada por membros da elite local da cidade de Oea. Quem moveu a ação contra Apuleio foi Emiliano, irmão do falecido marido de Pudentila. Porém, a acusação foi feita em nome do filho mais novo da viúva, Pudente, que não tinha ainda maioridade jurídica e foi assessorado pelo tio.

Visto que o casamento era algo de extrema importância política nesse contexto, servindo como forma de estabelecer alianças entre famílias e sendo fundamental para a carreira de homens públicos, é que podemos contextualizar o enredo que envolve Apuleio, um filósofo aristocrático, adepto ao médio-platonismo, orador, romancista, advogado, decurião e escritor de diversas obras literárias, entre elas o principal objeto de estudo que a autora se propõe a investigar: a obra “Apologia”. Esta fonte documental consiste na transcrição da autodefesa do filósofo, redigida anos mais tarde do desenrolar do processo do qual foi acusado.

Como principal objetivo em sua pesquisa, a autora procura romper com os paradigmas e as visões reducionistas a respeito do mundo simbólico e religioso das sociedades antigas, analisando os motivos, as razões e os conflitos pelos quais o filósofo teria sido acusado e relacionando estes com as questões de disputa e relações de poder que envolvem Apuleio e os acusadores.

Para melhor explicitar sobre como a autora desenvolveu sua pesquisa, na qual o livro é resultado, será apresentada uma síntese de cada capitulo e a proposta que a autora estabelece em cada um deles, através de sua investigação e análise.

No primeiro capítulo denominado: Em Torno de Apuleio, a autora nos apresenta aspectos biográficos de Apuleio que, como a maioria das biografias da antiguidade clássica, há controvérsias sobre seu nascimento, origem e posterior falecimento. O capitulo é dividido em subtítulos que ressaltam a vida e as obras de Apuleio, sua trajetória como um homem público, seu contexto político-geográfico-cultural e a opulência dos personagens que figuram na obra analisada (Apologia), no qual a autora considera estes fatores determinantes para compreender a posição do sujeito na sociedade romana e suas relações de poder.

Em O Discurso Apologia e a Historiografia, segundo capítulo do livro, a autora dedica-se a analisar a obra literária Apologia e inicia uma discussão historiográfica acerca do processo de magia. Ao analisar o discurso Apologia, a autora verifica alguns aspectos do discurso, tais como, possível datação da escrita da fonte, razões da elaboração da obra, denominação do discurso, modificações do discurso pronunciado para o discurso escrito. Em seguida, realiza uma discussão historiográfica a respeito do tema, onde é possível compreender as novas indagações, as críticas feitas à historiografia corrente sobre o tema, as lacunas apontadas nos estudos já realizados e a contribuição de sua pesquisa.

No terceiro capítulo, Magia, Filosofia, Casamento e Poder no Principado Romano, a autora busca enfatizar e analisar os temas que acredita dar subsídios para a sua pesquisa: da magia, da filosofia e do casamento no século II e os seus vínculos com as relações e disputas de poder no Império Romano. Nesta análise, Silva questiona a posição de pesquisadores que refutam a abordagem filosófica de Apuleio e por meio de uma solida discussão bibliográfica, apresenta o papel desempenhado por Apuleio como filósofo médio-platônico. Ainda no capítulo, as práticas mágicas de Apuleio, as relações entre poder e magia, o casamento romano como forma de famílias aristocráticas de Roma contraírem alianças políticas e a situação jurídica e financeira de Pudentila, são refletidas, discutidas e ponderadas pela autora.

É no ultimo capítulo, Acusação e Defesa na Apologia, que consiste na análise detalhada de sua principal fonte, o discurso Apologia. A autora começa citando todos os envolvidos no processo, identifica os pontos de acusação direcionados à Apuleio, para então, agrupá-los em três categorias analíticas que acredita estarem relacionadas aos motivos de acusação: a questão da magia, o papel de Apuleio como filósofo e orador e as acusações relacionadas ao seu casamento com a rica viúva. Para cada categoria é dedicado um subtítulo em que Silva expõe e relaciona, através da analise documental, as motivações, as razões, os conflitos e as relações que se estabeleceram entre Apuleio e os envolvidos no julgamento. Encerra o capítulo com uma investigação minuciosa sobre a estrutura da obra Apologia, na qual é possível compreender que o processo que envolve Apuleio e os seus acusadores é apenas um paliativo das relações e disputas de poder político e financeiro no âmbito do Principado Romano.

Segundo a própria autora, os estudos historiográficos tradicionais que versam sobre as razões do processo, fundamentam-se em mostrar possíveis confusões dos acusadores em relação às práticas místicas de Apuleio, típicas da filosofia médio-platônica, com a magia e razões de interesse de Apuleio e dos acusadores na riqueza da viúva como causa do processo.

Partindo das inquietações do momento presente, Silva nos apresenta a singularidade de sua pesquisa ao expor uma proposta de leitura das motivações da acusação infligida contra Apuleio no âmbito das relações de poder, em torno de algumas características que envolviam o acusado e que estão, conforme a análise de Silva, presentes na acusação, tais como: a representação do filósofo como homem público capaz de desenvolver atividades relacionadas à política neste contexto, as relações da magia com o poder e a política e os casamentos da elite romana como formas de alianças políticas entre famílias. Elementos que até então não tiveram a devida atenção dos pesquisadores sobre o tema e que trás o diferencial da pesquisa de Silva.

A autora faz uso da História Cultural, como sua abordagem teórico-metodológica para realização de sua obra, que fornece subsídios para identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é constituída e pensada. O método que é utilizado em sua análise sobre as representações sociais, tem se constituído nos últimos anos como uma das principais formas de investigação histórica.

Em suma, o livro Magia e Poder no Império Romano é voltado para área acadêmica, mas, particularmente, acredito que qualquer pessoa interessada em temas sobre magia, antiguidade e poder, conseguirão realizar a leitura sem grandes dificuldades. A obra possui um toque de investigação policial associado ao rigor metodológico da pesquisa histórica que, com isso, faz um convite ao leitor sobre as facetas desse Império, que ainda instiga admiração e curiosidade.

Filipe Cesar da Silva – Graduando em História pela Universidade do Sagrado Coração – USC – Bauru/SP. Resenha realizada sob a orientação da Profª Drª Lourdes Madalena Gazarini Conde Feitosa.


SILVA, Semíramis Corsi. Magia e Poder no Império Romano: A Apologia de Apuleio.  São Paulo: Annablume; FAPESP, 2012. Resenha de: SILVA, Filipe Cesar da. Cadernos de Clio. Curitiba, v.4, p.395-400, 2013. Acessar publicação original [DR]

Educação/ Estado e Poder | F. Comparato

A educação ocupa um lugar central no desenvolvimento histórico brasileiro e as decisões tomadas em relação ao sistema de ensino, ao longo dos anos, sempre foram influenciadas a partir de variáveis econômicas, sociais, culturais, e políticas. Fábio Comparato1, em seu livro Educação, estado e poder, originado a partir de três conferências, faz uma análise das diferentes orientações que a educação recebeu ao longo da República, e ressalta que somente conhecendo a sociedade e suas dimensões, será possível ter um claro entendimento do processo educativo. Apesar de passados alguns anos de sua publicação a obra mantêm sua atualidade, servindo de base para resgatar os aspectos que ainda estão presentes na contemporaneidade. Leia Mais

Why Nations Fail: The Origins of Power/ Prosperity and Poverty | Darou Acemoglu e James Robinson

From Adam Smith to the modern randomistas, economists have repeatedly asked themselves the same troubling question: what are the main drivers of sustained growth? Trying to provide an adequate answer to this problem, researchers have recently devoted their attentions to micro-level analyses, arguing that small, punctual measures lead to significant results in economic development. Policies such as providing de-worming treatments or offering nutritional supplements for school pupils, they claim, are very effective in reducing poverty and thus should be treated as a priority by those willing to promote economic growth around the globe. However interesting the micro- -level studies may be, they seem to miss the elephant in the room: small policy reforms can only be implemented in a relatively stable social structure, otherwise it is very unlikely that they will be carried out correctly, if at all. Therefore, macro elements still matter.

Daron Acemoglu and James Robinson bring the big picture back into focus. In Why Nations Fail, an ambitious and thought-provoking book, the authors assert that good institutions are the key for economic growth. According to Messrs Acemoglu and Robinson, it is politics –not geography, culture or ignorance – the factor that better explains the current disparities in the wealth of nations. Pluralistic political institutions create a level playing field where most citizens can, amongst other things, enjoy secure property rights, have access to an independent judicial system and develop their personal skills freely. These in turn foster technological innovation and economic activity, the critical engines of steady economic progress. In short, political freedom paves the way for prosperity. Exclusive institutions, in contrast, have disastrous effects on growth. In those environments, not only citizens do not have incentives to invest or innovate since most of their output will likely be expropriated by the governing elite, but also the powerful are not willing to accept creative destruction due to the challenges it may pose to their privileged economic or political status. As a result, although the elite may enjoy very high standards of living, the nation itself will at best stagnate or, at worst, fail. Leia Mais

As Famílias Principais: redes de poder no Maranhão colonial | Antonia da Silva Mota

Em março de 1743 as autoridades do Senado da Câmara de São Luís, falando em nome dos “moradores”, suplicavam ao Rei que anulasse um privilégio concedido ao irlandês Lourenço Belfort. Este imigrante, que há pouco investira 10 mil cruzados na construção de uma fábrica capaz de processar 8 mil couros por ano em São Luís, havia sido agraciado com o monopólio do comércio de couros. O pedido do privilégio para Lourenço Belfort havia sido encaminhado ao Rei pelo próprio Governador e Capitão General do Maranhão, João de Abreu de Castelo Branco, em outubro de 1741. Em sua petição, Castelo Branco argumentava que tal medida teria o poder de estabelecer um controle maior sobre a circulação do couro na região, coibindo o roubo de gado. Os camaristas, no entanto, suspeitavam que a medida tivesse outras finalidades, o que explicitaram em uma argumentação enviada ao Rei:

A proibição que pertende o dito Lourenço Belfort, para que do Maranhão se não embarquem couros para esta cidade he muito prejudicial aos direitos de Vossa Magestade, e a liberdade do comercio, e se deles tem necessidade para sua fábrica, os pode comprar a seus donos. […] O intento deste Belfort será talvez com este privilégio, ser senhor de toda a courama, que houver, e como seja só a comprallas, os haverá por pouco mais de nada.1 Leia Mais

Educação, Poder e Sociedade no Império Brasileiro – GONDRA; SCHUELER (ER)

GONDRA, José; SCHUELER, Alessandra. Educação, Poder e Sociedade no Império Brasileiro. São Paulo: Cortez, 2008. Resenha de: LIMEIRA, Aline Morais; TEIXEIRA, Giselle Baptista. Repensando a educação no Império: uma síntese provisória e incompleta. Educação & Realidade, Porto Alegre, v.37 n.2 maio/ago., 2012.

Este livro, que propõe pensar e repensar a educação no século XIX, compõe a coleção Biblioteca Básica da História da Educação Brasileira, cujo projeto é dedicado aos educadores do país. Integrando o primeiro recorte da série, Educação, Poder e Sociedade no Império Brasileiro dá a ver uma reflexão acerca dos projetos e experiências de escolarização a partir de suas relações com Forças, Formas e Sujeitos distintos. Como definem seus próprios autores, a preocupação é possibilitar uma melhor compreensão acerca de outros tempos e do presente, combatendo muitos esquecimentos e problematizando o que já foi narrado sobre aquelas vivências.

Para introduzir o leitor na sua escrita Gondra & Schueler refletem de forma bastante interessante acerca da definição do trabalho do historiador. Com isso, estabelecem as perguntas, exploram as questões, evidenciam os núcleos documentais, apresentam os limites do próprio livro, do período recoberto, da noção apropriada ao termo ‘educação’ e da ideia de Brasil, que são um dos aspectos principais que fundamentam o estudo. Ao mesmo tempo, balizam a proposta de síntese que deu vida ao projeto, e fazem isso problematizando a periodização estabelecida e a forma tradicional de marcar o tempo histórico brasileiro (colônia, império, república). Os autores afirmam-na insuficiente para explicar a complexidade das ações sociais vividas no século XIX, por isso mantêm-se sensíveis ao problema e assumem que a experiência educativa não se encontra “plenamente determinada” (p. 10) por estes marcos de uma história político-administrativa. Neste sentido, refletindo sobre a proposta de “nova síntese”, os autores observaram seu distanciamento em relação a certas reflexões produzidas sobre o século XIX que “pontuam nos manuais de história da educação brasileira” (p. 13) por apresentarem a educação oitocentista marcada pelas representações do atraso.

Nesta operação evidenciam a necessidade de pensar a história em sua historicidade. Diferente do que foi (e é) escrito acerca deste passado, os vestígios e pistas dão a ver embates, projetos, lutas e experiências. Ao cuidar em não reforçar teses generalistas, e evitando anacronismos, apoiaram-se em pesquisas acadêmicas atualizadas e em documentos diversificados que fizeram aparecer a instrução como “[…] um problema geral que mobilizou agentes e estratégias diversas” (p. 14). Com isso, os autores desconstruíram certas representações do Império Brasileiro que ainda ecoam na historiografia educacional.

Explicitando a noção de educação, Gondra & Schueler assumem como válida a compreensão de experiências educativas institucionalizadas e não institucionalizadas, de forma a dar a ver ações do convívio privado, sociabilidades, festas etc. Neste sentido, passam a estar inscritas na análise as iniciativas mantidas tanto pelo Estado como por igrejas, comerciantes, intelectuais, filantropos. É possível notar as referências aos novos estudos de história da educação que romperam com as perspectivas até então hegemônicas, que priorizavam apenas agências centrais na escolarização (o Estado e a igreja). Ao contrário, estiveram preocupados em destacar a existência de diversos outros tipos de processos educativos, formais ou informais. Da mesma forma, para dialogar com a ideia de Brasil também evidenciam outros afastamentos. Os autores apontam que “esta tarefa inacabada” de construir e forjar um país (p. 11) não foi obra atribuída exclusivamente à escola. Ao elaborar um conjunto de monopólios (tributação, moeda, educação escolar, justiça) e a busca por promover a unidade territorial e cultural o Estado pretendeu, portanto, construir uma nação, um Brasil.

Na estrutura do livro os autores nos apresentam suas escolhas acerca dos assuntos direta ou indiretamente relacionados ao tema da educação e os desafios de enfrentá-los em suas complexidades. São quatro capítulos que investigam as formas pelas quais se constitui o Brasil e a escolarização de sua população, as forças que investiram nesta maquinaria e seus modos de investimento, as estruturas da educabilidade e sua organização e os sujeitos destas experiências diversas.

Em Formas do Brasil e Formas da Educação, o primeiro capítulo, Alessandra Schueler e José Gondra deixam ver que a tarefa de pensar as formas de educação no Império implica refletir sobre o processo de construção do Estado Brasileiro. Neste sentido, o capítulo primeiro procurou oferecer um quadro geral das tensões sociais que ajudaram a consolidar o Estado Imperial e seus efeitos na “arena educativa” (p. 15).

Atentos aos movimentos da educação no Brasil daqueles tempos, os autores recuam na história e tecem observações relacionadas ao período colonial, o marcam como aquele em que se experimenta a diversidade de práticas educativas, e, ao mesmo tempo, a reorganização do ensino público oficial, com a reforma pombalina. A partir daí, nas décadas iniciais do século XIX, com a emancipação política de 1822, os processos de escolarização ficaram marcados pelas experiências sociais, culturais, econômicas e políticas de todo país. Eles mostram que a invenção do Brasil foi um projeto político manifesto no incentivo às instituições educacionais, culturais e científicas. Também nos fazem notar que a instrução surge como um dos direitos fundamentais de garantia individual dos cidadãos brasileiros, estabelecido pela constituição que definia a abrangência e os limites da cidadania. Neste caso, os critérios fundamentais para o exercício dos direitos de cidadão, civis e políticos, como observam os autores, passavam pela posse de atributos como liberdade e propriedade, a partir do qual estava excluída a maior parcela da população do Império: os escravos. De acordo com estas hierarquias, o direito à instrução primária, garantido pela constituição aos membros da sociedade política, foi sendo estabelecido sob intensas discussões.

Uma ideia que perpassa toda a obra reside no fato de que os processos de construção das formas de educação escolar no Brasil, no século XIX, não foram uniformes, indiferenciados ou contínuos, e muito menos que estiveram resumidos à ação do Estado. Isso resultou, portanto, na desigualdade de condições educacionais entre as províncias, na profusão de reformas, na complexidade de normas e nas tensões entre diferentes concepções e formas de educação, que foram múltiplas. Em As forças Educativas, segundo capítulo, os autores aprofundam a reflexão, dando visibilidade às principais forças organizadas que atuaram no terreno da instrução: o aparelho do Estado, as forças religiosas e as forças organizadas em sociedades (agremiações, associações, academias, clubes). Este conjunto de atores foi o principal responsável pela emergência dos equipamentos escolares e por uma vasta série de iniciativas de caráter educativo. Elaboram considerações importantes acerca do tenso processo de independência e ao mesmo tempo dos intensos debates sobre o modelo de Estado a ser implementado. No texto, destacam documentos que os deram a ver a forma e a força que o Estado pretendeu assumir para produzir a unidade territorial, cultural, política, social. São ordenamentos jurídicos que pretenderam estabelecer quem deveria frequentar as escolas, quem deveria ensinar, como deveriam ensinar e o conteúdo a ser ministrado.

Em Ação Religiosa evidenciam que a organização desta instância se deu por dentro do aparelho do Estado, numa relação de cumplicidade. Houve inúmeras iniciativas formais e não formais desenvolvidas por diversos grupos de religiosos (católicos, protestantes, espíritas, indígenas, orientais, do mundo árabe, afro-brasileiros), e estas atividades cumpriram papel decisivo na difusão da instrução e a aproximação com o Estado foi uma estratégia eficiente para o sucesso destas iniciativas. Ao tratar da Ação de homens ilustrados: sociedades, academias, grêmios, Gondra & Schueler reforçam a ideia de que a educação no século XIX foi pensada no plural, e que uma das forças que agiram em prol do projeto de educação foi representada pela ação da sociedade civil. No item Educar e instruir: as agremiações como instrumentos de civilização, o leitor observa que, para as elites dirigentes, os ideais e os discursos em prol da civilidade tornaram-se fundamento para uma série de projetos políticos e medidas administrativas que nortearam a constituição do Estado Nacional.

No terceiro capítulo da obra, Formas Educativas, a investigação dá mostras da heterogeneidade das formas educativas nos três níveis de ensino: elementar, secundário e superior. E, ao mesmo tempo, as condições particulares de desenvolvimento de cada um, já que a malha escolar esteve marcada por desigualdades, “como desigual era a própria sociedade” (p. 16). No que se refere às Escolas elementares, alertam que foi no século XIX brasileiro que se processou sua invenção e legitimação, “[…] ainda que iniciativas nesta direção possam ser evidenciadas desde o período colonial” (p. 82). Ao observar os discursos políticos de diferentes províncias brasileiras, dados a ver pelos Relatórios de Presidentes de Províncias (1835 e 1889), Gondra & Schueler apontam para a especificidade que a escola vai adquirindo: são criados estabelecimentos para homens e mulheres livres, escolas noturnas para trabalhadores, escolas de iniciativas privadas, subvencionadas pelo governo, ou mantidas pelo exército e marinha, bem como aquelas destinadas ao atendimento de alunos especiais, os institutos de cegos e de surdos-mudos. Abordando cada uma delas (“Internatos e asilos”, “Colégios e liceus”, “Faculdades e academias superiores”) os autores resumem afirmando que “[…] o princípio da escolarização foi pouco a pouco se capilarizando” (p. 107).

Intitulado Sujeitos da Ação Educativa, o capítulo IV teve o objetivo de apresentar e ressaltar as ações e a diversidade de atores envolvidos no cenário educativo daquele passado: mulheres, homens, negros, escravos, libertos, indígenas, ingênuos, crianças. Como observam os autores, são brasileiros, mas também são imigrantes, naturalizados, são famílias inteiras, são órfãos, abandonados. Em Professoras, recordam a importante atuação jesuítica na educação brasileira. Contudo, alertam que outras formas religiosas (como a dos franciscanos, carmelitas, oratorianos, beneditinos) também estiveram voltadas para as práticas de ensino no período de colonização portuguesa na América.

O que significava ser professor no Império brasileiro? Indagam José Gondra e Alessandra Schueler, e instigam a imaginação do historiador. Ultrapassando o aspecto imaginativo, apresentam um quadro que demonstra o intenso debate inscrito naquele período (e atual), “[…] já que diferentes modelos de formação de professores estavam em pauta” (p. 198). No tópico acerca das Meninas e mulheres, enfatizam a diversidade das experiências históricas vividas por estas personagens que contribuíram com as lutas pela educação formal e pelo direito do público feminino de exercer a docência. Destaca-se, por exemplo, a atuação das mulheres como responsáveis pela educação e instrução dos sujeitos nos espaços domésticos e familiares, e sua paulatina inserção nas salas de aula, em um momento permeado por diferenciações de saberes por questões de gênero.

Nas reflexões acerca dos personagens Negros daquela história, sejam livres, escravos, libertos, os autores evidenciam indícios de suas experiências nos processos educacionais no Brasil do século XIX, afirmando que muitos foram alfabetizados, matriculados em escolas públicas e particulares, bem como estiveram envolvidos com a criação de escolas. Estes vestígios autorizam o questionamento de ideias e teses há muito difundidas na história da educação brasileira: da completa exclusão dos negros dos espaços escolares. De forma semelhante apresentam, em Índios, as medidas estabelecidas pela política indigenista imperial, que tinham como objetivo “integrar” estes indivíduos ao “projeto de construção da nação e do Estado, fomentando o ingresso das populações no mundo do trabalho e a civilização dos costumes” (p. 256). E, ao contrário do que é possível supor, os autores informam que as discussões relacionadas aos indígenas foram intensas, assim como foi intensa a atuação de parte dessa população “diante das políticas ambivalentes do Estado” (p. 260). Já no item que finaliza o quarto capítulo, intitulado Crianças, é apresentado o processo pelo qual a infância passa a fazer parte da cena social. E, entre as medidas inscritas neste movimento da história, está a criação da instituição escolar. Partindo deste pressuposto, os autores deixam evidente o complexo debate existente, bem como a necessidade (também um desafio) de exercitar reflexão a respeito desta idade da vida e das questões que a envolvem.

Chegando ao fim desta leitura, é possível notar que os historiadores da educação cuidaram em apresentar a educação, o poder, a sociedade e o império em sua perspectiva relacional, como fenômenos resultantes da complexidade e da pluralidade dos processos históricos, da ação e das lutas entre forma, forças e sujeitos. Se este é um dos maiores Desafios para a História da Educação, a obra Educação, Poder e Sociedade no Império Brasileiro, torna-se uma ferramenta de reflexão, entre tantas outras, para que seja possível construir novos tempos, outros presentes e novas histórias. Ao mesmo tempo, emerge como uma significativa contribuição para as pesquisas atuais em história da educação brasileira, porque dá conta de trazer à análise a pluralidade das ações educativas, de retirar do silêncio muitos sujeitos sociais e por ser fundamental e ousado o paralelo que seus autores estabelecem com as questões do tempo presente, afinal, o tema educação caracteriza-se mesmo por sua incontornável atualidade. Ainda sim, esta leitura é imprescindível a todos os profissionais da educação do século XXI interessados em refletir mais profundamente sobre suas próprias práticas, que tem deixado de se perguntar somente como ensinar, para interrogarem-se sobre porque e para quem ensinar.

Aline Morais Limeira – Doutoranda em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – História da Educação, Rio de Janeiro. É pesquisadora bolsista da Fundação Biblioteca Nacional, E-mail: [email protected]

Giselle Baptista Teixeira – Doutoranda em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). É professora da Prefeitura de Duque de Caxias e professora substituta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

Saber dos arquivos – SALOMON (HH)

SALOMON, Marlon (org.). Saber dos arquivos. Goiânia: Edições Ricochete, 2011, 110 p. Resenha de: SILVA, Taise Tatiana Quadros da. Transgredir a ordem do arquivo. História da Historiografia. Ouro Preto, n. 8, p.197-204, abril 2012

A reflexão epistemológica relativa à produção historiográfica concentra- -se, muitas vezes, na análise das estratégias narrativas empregadas pelos seus autores. Isso exige que se faça uma larga investigação sobre a construção do gênero narrativo, sobre suas regras de composição e sobre seus usos no período e lugar de sua produção. Em outro nível, a investigação do texto historiográfico restringe-se a construção dos objetos históricos, dos temas e problemas que o caracterizam, podendo abarcar igualmente os acontecimentos que condicionaram a idealização de seu projeto temático e de seu conteúdo. A perspectiva da reflexão, então, converge para uma interpretação crítica da produção historiográfica e de seus efeitos políticos e culturais.

Essa não é a intenção da obra Saber dos arquivos, organizada pelo professor da Faculdade de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás (UFG), Marlon Salomon. De fato, a obra oferece um olhar epistemológico sobre o estatuto dos arquivos. Por meio da desnaturalização de seu estatuto, os textos apresentados na coletânea permitem indagar sobre a construção da evidência na sociedade contemporânea. Tal investigação implica importante exame sobre a “evidência”, ou seja, daquilo que “arquiva”, que permite, fragmentariamente, a sobrevivência em traços do que não é mais presente. É esse aspecto inquiridor que marca a originalidade da obra em questão. Ao deslocar-se do lugar comum de muitas obras que ainda se restringem apenas ao texto, ou, em outro sentido, das produções que visam a discutir o arquivo como dado, como resultado objetivo; na coletânea Saber dos arquivos, volta-se à pergunta “o que é o arquivo”? Em que sentido as evidências são traços de uma relação entre o presente e o passado? E mais: em que medida nossos arquivos, concebidos outrora, não guardam as “marcas” dessa relação, estabelecida em período pregresso? O arquivo, assim, não é considerado como um espaço neutro, mas como um lugar de poder, onde o sentido do que merece ser arquivado, foi anteriormente definido segundo interesses e concepções que sustentaram e legitimaram o “arquivável”, construindo-o.

Assim, o acervo documental não é um laboratório onde o historiador encontra suas evidências, mas um lugar de memória que obedece a um regime de memória e que deve ser problematizado pelo historiador. Em outras palavras, ao nos confrontarmos com o arquivo, posicionamo-nos não apenas diante de um espaço onde o atual e o inatual se encontram, pois o traço, não representa o passado, mas aquilo que foi considerado arquivável, ou seja, o documento exprime políticas onde se definiu o traço que deveria ser resguardado do tempo, presentificado. Para pensar a história é preciso não dispensar uma arqueologia do “traço”, do “resquício”.

Os arquivos, assim, constituem fundamental problema e desafio da investigação historiográfica, apresentando acervos que limitam e mesmo delimitam aquilo que podemos designar por “passado”. Além da crítica interna e externa dos documentos é preciso que passemos hoje a pensar o lugar dos arquivos na sociedade que ocupamos. Os significados e implicações presentes nas políticas arquivísticas que herdamos e adotamos. Entender tais práticas é também importante meio para compreendermos nossa relação com o passado, a forma como, ao constituirmos arquivos, realizamos usos políticos da história.

Ao introduzir a obra, Salomon, destaca essas questões sublinhando os conflitos que têm envolvido a abertura de arquivos no Brasil e no mundo. Para o organizador, a tensão atual a respeito do assunto inscreve-se entre os temas que devem ser abordados ao tratarmos da relação contemporânea com o passado. São muitos e complexos os usos a que estão suscetíveis os arquivos no presente, como, por exemplo, em relação aos usos do arquivo no jogo político partidário – como se viu na última campanha presidencial no Brasil.

Entre o “direito à memória” e, como estratégia política, os arquivos tornam-se espaço central de disputas, algumas claras; outras ainda pouco evidenciadas.

Entre as disputas travadas em meio aos documentos históricos, talvez uma das mais pungentes seja aquela relativa ao anseio individual e familiar quanto à própria história e ao seu embate com o Estado pelo direito de conhecê-la.

Apenas esse conhecimento pode conferir também a possibilidade do esquecimento, como Salomon destaca: “O direito de se apropriar da memória não significa recalcar o morto ou denegar o outro, como pretendiam as ditaduras, mas poder esquecê-lo para poder continuar a viver” (SALOMON 2011, p. 12). A gestão dos acervos, muito mais do que se reduzir a uma mera questão técnica, diz respeito à gestão do passado. As tensões entre sociedade e Estado, políticas presentes e eventos passados inscreve-se, assim, nas atuais políticas e leis concebidas para tratar dos acervos, que devem ser observadas como parte de um conflito sobre o lugar do passado no presente e sua possibilidade futura.

O controle do passado pelo Estado é tema no artigo da pesquisadora do Instituto de Ciências Sociais do Político (CNRS) da Universidade de Paris, Sonia Combe. No artigo “Resistir à razão de Estado” a autora traz à tona as transformações e limites das políticas arquivísticas francesas. No texto, as disputas e batalhas pela abertura irrestrita dos arquivos, travadas desde a década de setenta do século passado até a aprovação de nova lei de arquivos em 15 de julho de 2008, são reconstruídas de forma a serem analisados os principais aspectos que as caracterizaram, bem como seus prováveis avanços.

Assim, na escrita de Sonia Combe, uma análise retrospectiva e crítica em relação à legislação dos arquivos na França tem espaço. Em primeiro lugar, Combe, reavalia o efeito e recepção da lei de 3 de janeiro de 1979, que restringia a consulta dos arquivos recentes ao prazo de 30 anos. Tal lei, embora representasse uma vitória em relação aos arquivos da Segunda Guerra Mundial, mantinha inacessíveis os arquivos relativos às guerras da descolonização. Em relação à lei de 2008, no entanto, a autora afirma que “a criação de uma categoria de arquivos confidenciais e a manutenção da confusão entre vida privada e vida pública e a do sistema de derrogação” (SALOMON 2011, p. 21) tornam a nova lei mais aproximada daquela de 1979 do que se poderia suspeitar.

Isso se deve ao fato de que se, de um lado, não parecia mais haver na França o que a autora chama de “mito do fechamento dos arquivos”, de outro, o Estado finda por atuar nesse sentido. Os abusos do Estado são, afirma a autora, evidentes na condução administrativa que prevê a revogação parcial de acesso aos arquivos conforme o solicitante seja considerado “confiável” ou não para acessá-los. Segundo Combe, “A solicitação de derrogação introduz um laço de dependência entre o solicitante e o Estado via administração de arquivos” (SALOMON 2011, p. 25).

A ideia de que existem leitores privilegiados, ou melhor, habilitados para a leitura dos arquivos, presente na legislação atual francesa é, para Combe, um instrumento comum do Estado fundado na diferença entre os sujeitos e no segredo, como na França do Antigo Regime. A autora retoma, então, o pensamento de Gabriel Naudé, bibliotecário do Cardeal Mazarin e um dos idealizadores da abertura das bibliotecas.

Segundo Robert Damien, estudioso da obra de Naudé, o surgimento das bibliotecas públicas marcaria o fim da “era do segredo”. Para a autora, então, a presença de tal distinção entre pesquisadores “confiáveis” e “não confiáveis” é um claro sinal da fragilidade e dos atrasos da democracia francesa. A análise da autora, desse modo, constrói-se não apenas como retrospectiva, mas como denúncia das fragilidades da política dos arquivos em França.

No artigo seguinte, intitulado “A danação do arquivo: ensaio sobre a história e a arte das políticas culturais”, Marlon Salomon reflete sobre a tensão entre a abertura dos arquivos no Brasil e as políticas patrimoniais em vigor no país, entre a comemoração incessante e a negação reiterada do direito ao acesso aos documentos. Crítico em relação às políticas culturais, para o autor, a transformação da história em séries de manifestações culturais termina com a potência política ou “força que permitiria que a comunidade se separasse de si mesma” (SALOMON 2011, p. 32). Vale ressaltar as palavras do próprio autor: A escrita da história deixa de ser o espaço em que a comunidade escreve as diferentes repetições de si mesma, para se transformar no lugar em que se manifestam os eternos traços de seus costumes, com suas festassímbolo, paredes-símbolo e lugares-símbolo (SALOMON 2011, p. 32).

Em oposição às políticas patrimoniais e comemorativas em que a cultura é exaltada, Salomon ressalta a negligência perante os arquivos. Para o autor, isso se deve ao fato de que, diversamente do imaginado, os arquivos não são espaços de preservação e de conservação, mas se constituem como “desvio”, como “novo”, instância em que não se comemora o mesmo, ou se preserva a identidade, mas que desafia a pensar o outro e que nos coloca em um confronto com um real, desconhecido, ignorado e que desafia o pensamento. O autor indaga, então, pela condenação do texto, pela marginalização filosófica do escrito, do arquivo como instrumento para conhecer a história. A história ameaça o mesmo, ela instaura o diverso. Por isso, hoje, é muito mais fácil celebrar por meio da cultura, do que indagar os arquivos e fazer da investigação uma experiência social tão marcante quanto são as comemorações que exaltam o costume, que reafirmam o mesmo e preservam a identidade.

Para Salomon, de modo drástico, “o anúncio do fim da história e a ascensão desse regime [das políticas culturais] pertencem à mesma época” (SALOMON 2011, p. 36). A história, transformada em memória, torna-se a busca pelo comum e o arquivo (e a produção de sentido) são então substituídos pelo patrimônio histórico. Da mesma maneira, a arte, uma vez reduzida à expressão cultural reduz seu potencial como atividade criativa. A ideia de arte, segundo a qual o papel da mesma era o de questionar os costumes passa, então, a ser o seu oposto. A arte e o documento histórico, lugar em que o diverso e o inusitado eram uma vez experienciados, são esquecidos em detrimento da manutenção e afirmação da identidade. Para Salomon, é preciso que nos questionemos sobre os rumos que nossas políticas culturais têm assumido, mormente tendo em vista a oposição entre abertura de museus e não abertura dos arquivos. “Talvez”, afirma o autor “a abertura de museus seja a contrapartida negativa da não abertura dos arquivos” (SALOMON 2011, p. 41).

O terceiro artigo da obra, intitulado “Um saber histórico de Estado: os arquivos soviéticos, tem como autora Antonella Salomoni, professora de história na Universidade de Bolonha. Nele, Salomoni apresenta um rico quadro da constituição das modalidades dos acervos soviéticos sob a administração do Partido. Para a autora, que estudou a sistematização dos arquivos a partir da Revolução de 1917, os registros soviéticos, longe de serem um simples depósito de informação, foram “o resultado de um projeto de fazer a história da ascensão do comunismo na sociedade russa, projeto formulado ao mesmo tempo que a fundação do novo Estado” (SALOMON 2011, p. 45). Em sua análise, Salomoni proporciona um interessante panorama de como, em meio ao processo revolucionário e seguido a ele, os arquivos se tornaram parte das práticas de poder. A exposição sistemática da Reforma Arquivística que ocorre na Rússia, a partir do novo contexto político, é clara em pontuar de que modo o Estado entendeu a importância dos registros históricos na legitimação do novo regime.

Contudo, tal processo não seria imediato. Segundo afirma a autora, entre 1918 e 1920, a arquivística russa teria permanecido “sob o controle de funcionários do velho aparelho, culturalmente hostis ao poder soviético e intelectualmente refratários a uma requalificação de seus métodos de trabalho” (SALOMON 2011, p. 53). Essa e outras passagens do texto da autora remetem à complexidade do tema estudado e à abordagem conferida. A pesquisadora italiana não se restringe nem em construir a imagem de um Estado soviético que imediatamente assumiu o poder em todos os âmbitos, mas também não nega a tomada de consciência sobre a importância de documentos que foi, paulatinamente, acentuada entre os membros do partido. No artigo, é apresentada também a organização e cuidado tomado com os arquivos da Revolução, a construção de métodos e abordagens pelas novas equipes de arquivistas formados pela política soviética e que transformariam a própria noção de arquivo, ao trabalhar com uma nova perspectiva sobre a importância das fontes orais para a construção da história da Revolução. Assim, a “memória de classe” e a instrumentalização da pesquisa para a escrita de uma história de Estado teriam traçado os novos rumos da investigação e salvaguarda documental na Rússia. Na compreensão da autora, embora a memória tenha sido colocada a serviço da história da Revolução e “inscrita na narrativa da constituição material do Estado soviético” (SALOMON 2011, p. 69) sua investigação é ainda um primeiro passo para pensar como se escreveu a história “na época em que o comunismo estava no poder” (SALOMON 2011, p. 72).

A pesquisa de Salomoni, publicada primeiramente em número da revista Annales de 1995, e felizmente agora traduzida para o português, oferece um passo inicial e intransponível para os que se dedicam não só à escrita da história, mas também aos principais temas da história contemporânea.

Ao texto de Salomoni segue o artigo do professor de filosofia da Universidade de Tel Aviv, Adi Ophir. Intitulado Das ordens no arquivo, o texto de Ophir é, sem dúvida, o que apresenta, em relação aos demais, aspecto mais teórico, caracterizando-se por retomar a reflexão de Michel Foucault que, de modo geral, é bastante presente na reflexão apresentada pelo organizador Marlon Salomon. O professor de Tel Aviv, como Salomon, empenha-se em oferecer uma leitura renovada de Foucault, na qual a preocupação com o saber e com a formação dos discursos de saber é então central.

Como filósofo, no entanto, Ophir não se preocupa em discutir o arquivo em seu aspecto institucional, como prática apenas, mas sim como conceito, problematizando uma relação central para a filosofia contemporânea e, mormente, para um leitor muito especial de Foucault: Giles Deleuze. O autor retoma, assim, relações importantes para ambos os filósofos, como por exemplo, a organização dos discursos e a relação entre discurso e arquivo. O lugar do registro histórico, sua dimensão na sociedade ocidental, já anteriormente problematizado pelos artigos anteriores, é então explorado em seu aspecto epistemológico. Nesse sentido, a obra Saber dos arquivos evoca um novo tipo de problematização que escapa à mera apresentação formal dos usos do documento, da conformação das práticas de investigação e revela talvez a sua maior intensão editorial: a de romper com o silêncio teórico sobre o que é o registro. No artigo “Das ordens no arquivo, Ophir aborda o arquivo como um fenômeno central da vida moderna, como um elemento substancial na construção do sujeito ocidental, então conformado e atravessado pelo traço, pelo rastro. Ao seguir a crítica de Foucault à ordem dos discursos, Ophir também propõe uma crítica à ordem dos arquivos. Para o autor, deve o historiador vencer os limites que restringem a produção historiográfica. O registro, retornando, assim, a um Foucault como lido por Deleuze, já é uma “episteme” e é nesse sentido que ele deve ser objeto de crítica e de superação: “a episteme constitui um conjunto de objetos manipuláveis. […] à medida que o campo do manipulável é redefinido, eles o transformam (ou vice-versa)” (SALOMON 2011, p. 88).

Desse modo, Ophir propõe uma crítica do social que passe por uma arqueologia da ordem dos arquivos, onde o historiador, considerado como arqueólogo, deve ter como objetivo historiar “a fusão de estruturas que governam uma ordem epistêmica passada e o arquivo do presente, o que significa uma fusão do horizonte das pessoas e de textos do passado com o horizonte do discurso histórico contemporâneo” (SALOMON 2011, p. 93). O autor, ao concluir, contrapõe a história antiquária, criticada por Nietzsche, com a que possa promover uma vida presente mais criativa e, para tal, afirma Ophir, é preciso romper com o sistema de possíveis subscrito no arquivo. Fica a sugestão da leitura e também a da transgressão da ordem do arquivo.

O livro, por fim, encerra com um breve, porém interessante texto do professor do Instituto Interdisciplinar de Antropologia do Contemporâneo da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (CNRS-EHESS) de Paris, Philippe Artières. Intitulado “Monumentos de papel: a propósito de novos usos sociais dos arquivos” o autor propõe uma análise do que chama de “o arquivo fora dos arquivos”. Para Artières, há um movimento contemporâneo de uso dos arquivos que foge daquele formalizado pelos grandes arquivos nacionais, onde centraliza- -se o acervo de milhares de documentos. O autor, assim, destaca a importância de entender os usos do passado na vida cotidiana e não apenas dentro dos arquivos ou cerceados por políticas públicas. Para abordar essa questão, Artiéres trata de uma prática que se torna cada vez mais comum: a de vender papéis velhos. Para o autor, a compra e venda de manuscritos ordinários, nos quais emerge a biografia de indivíduos desconhecidos, expressa uma forma importante de discurso histórico. Além desse mercado emergente de histórias, também no cinema e em exposições de arte contemporâneas a questão das novas formas de arquivo em que avultam rastros e fragmentos de experiências ignoradas parecem centrais. A internet, nesse sentido, surge como lugar excepcional de arquivo, revolucionando todos os parâmetros de armazenagem. Nela, são fomentadas formas voláteis, formas líquidas de memória, na qual a possibilidade de manipulação dessa memória e a velocidade dessa manipulação oferecem interessante objeto de estudo. O autor examina práticas de disponibilização online de arquivos, que adquiriram grande força devido à popularização da digitalização. A facilidade em registrar, conjugada à de armazenar imagens e documentos digitalizados modificou a relação das pessoas mais comuns com a produção de registros de vida. Esses registros passam a compor um museu pessoal em que o uso privado e público confunde-se. Ao mesmo tempo em que a arte contemporânea transforma-se no “ogro dos arquivos”, utilizando-os como tema de suas exposições, um novo mercado de serviços de proteção e acervo de arquivos pessoais ganha espaço.

Entre esses diversos movimentos, Artiéres destaca a obra do artista plástico Tino Sehgal, que se nega a produzir arquivos, registros, rastros de seu trabalho. O artista, na leitura de Artières, situa-se em outra configuração, na qual prevalece o que ele classifica como “resistência ao arquivo”: “trata-se de um conjunto de práticas que visam não a reificar os arquivos, mas a imaginar dispositivos que escapem precisamente ao imperativo da inscrição, a imaginar sociedades do esquecimento” (SALOMON 2011, p. 110).

Para Artières, o mundo contemporâneo apresenta uma modificação de grandes dimensões na forma de compreender o arquivo e a memória. Nesse mundo, não mais há espaço simplesmente para centros arquivísticos, tendo em vista que os arquivos são produzidos e arquivados de forma individual. Da mesma forma, eles são manipulados de forma pessoal e expressam uma forma nova de relação com o passado. Vive-se, de fato, uma experiência outra sobre o que se pode considerar como passado. Assim, Artiéres nos permite questionar esses movimentos: seriam eles manifestações de uma nova forma de relação com o passado? Sem dúvida, é preciso que tenhamos sensibilidade para pensar esses novos veículos de produção de arquivo e suas consequências para a compreensão geral da passadidade. A história, aquela que ao menos conhecíamos e pela qual ainda consideramos importante dialogar é certamente um dos tantos discursos e formas de relação com o passado e com a memória.

É preciso, assim, observar que outros regimes e formas de relação com o passado se instauram para entendermos, afinal, o que representa a historiografia hoje. Nesse sentido, o texto de Artières nos permite formular uma série de ponderações sobre o estatuto da disciplina histórica e sobre o lugar de nossos arquivos públicos.

Os artigos do livro Saber dos arquivos, na sua maioria textos já anteriormente publicados, porém não em português ou no Brasil, permitem uma densa viagem pelo sentido das práticas que conformam a disciplina da história. O teor dos artigos demonstra a preocupação, por parte dos envolvidos na sua tradução e publicação, de trazer, ao debate teórico e historiográfico no Brasil, uma perspectiva de análise renovada em que tanto a contribuição de Michel Foucault, quanto a atual investigação sobre o lugar do arquivo deve ser considerada. O que é o arquivo? Qual o seu lugar na sociedade contemporânea? Avivados com essas perguntas e com as diferentes possibilidades de abordálas, iniciamos e terminados a leitura da boa coletânea organizada por Marlon Salomon. Esteja aberto o debate.

Taise Tatiana Quadros da Silva – Professora Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás [email protected] Rua 75, 433/32 – Setor Central 74055-110 – Goiânia – GO Brasil.

Poder e construção social na Idade Média: História e Historiografia | N. B. de Almeida, M. Candido da Silva

Há alguns anos o Laboratório de Estudos Medievais (LEME– USP/UNICAMP) movimenta o mercado editorial brasileiro com publicações instigantes sobre a Idade Média. Textos como Inventar a Heresia? Discursos polêmicos e poderes antes da Inquisição, organizado por Monique Zerner (2009), A Cavalaria, de Dominique Barthélemy (2010) e Cidades e Sociedades Urbanas na Itália Medieval: séculos XII-XIV, de Patrick Gilli (2011) contribuem para a renovação de bibliografia disponível em português e para a aceleração do intervalo entre as publicações originais e as traduções. Mas o grupo organizado e dirigido pelos professores Marcelo Cândido da Silva (USP) e Néri de Barros Almeida (UNICAMP) também publica obras coletivas que visam a reflexão historiográfica. Por exemplo, a obra A Idade Média entre os séculos XIX e XX (2008) e, mais recentemente, Pourquoi étudier le Moyen Âge? Les médiévistes face aux usages sociaux du passé (2012). Nesse contexto, a obra Poder e construção social na Idade Média: história e historiografia (2011) é uma interessante contribuição. Resenhar esta obra é o objetivo deste texto.

Um dos objetivos da obra é propor uma reflexão sobre as tensões entre a história cultural e a história política tradicional e, com isso, explorar a chamada nova história política. A coletânea é dividida em duas partes: as especificidades do poder na Idade Média e a construção historiográfica da Idade Média e sua relação com conflitos políticos contemporâneos. No primeiro aspecto, os problemas abordados são “as formas de atuação do poder responsáveis pela instituição de categorias sociais que reordenam, em um dado momento e de forma eficaz, toda a sociedade” e “a relação entre ideologia, gêneros textuais e categorias tradicionais de interpretação historiográfica”. No segundo aspecto, a construção contemporânea da Idade Média é considerada a partir das implicações de concepções como nação e Europa. Leia Mais

Imperialism, power, and identity. Experiencing the Roman Empire / David Mattingly

MATTINGLY David 1
David Mattingly / Foto: Archaeological Institute of America /

MATTINGLY D ImperalismProfessor de Arqueologia Romana na Escola de Arqueologia e História Antiga (School of Archaeology and Ancient History) da Universidade inglesa de Leicester, desde 1991, David Mattingly é, atualmente, diretor de pesquisa do College of Arts, Humanities and Law e membro da Academia Britânica. Arqueólogo consagrado na academia britânica, o referido autor possui inúmeras publicações a respeito da arqueologia do Império Romano, as quais abrangem o resultado de suas pesquisas realizadas na Grã-Bretanha, Itália, Tunísia, Líbia e Jordânia. No momento, a África Romana tem sido a grande preocupação de Mattingly. Uma de suas prioridades tem sido analisar as situações de colonização romana no norte da África e tentar perceber, por meio da cultura material, as condições locais das populações que viviam sob o Império. Dentro desta perspectiva, Mattingly também atua como coordenador geral do projeto “Trans-Sahara: Formação do Estado, Migração e Comércio no Sahara Central (1000 a.C. -1500 d.C.)”.

Imperialism, power, and identity. Experiencing the Roman Empire é formado, em sua maior parte, por ensaios resultantes de conferências realizadas por Mattingly na Tufts University, Massachusetts (EUA), em abril de 2006. A temática geral trata de um assunto muito debatido ultimamente na academia, que diz respeito, sobretudo, à aplicabilidade (ou não) do conceito de Romanização para os estudos do Império Romano. Mattingly opta pelo viés do Imperialismo, do poder e da identidade para formular sua proposta atual de pesquisa para o Império Romano, focalizando nas experiências locais como uma nova forma de interpretação dos vestígios arqueológicos. Segundo Mattingly, o termo Romanização não mais serve aos nossos propósitos atuais. O “seu” Império Romano, como realça, é o resultado de trinta anos de estudo. Após inúmeros trabalhos de campo e pesquisas científicas, o autor chegou à conclusão que as condições do Império Romano eram situacionais, pois a percepção do que era o Império variava de região para região. Os estudos pós-coloniais foram, neste sentido, essenciais para o desdobramento de sua tese atual.

Os capítulos do livro são formados por ensaios direcionados a temáticas variadas, mas sempre partindo de um eixo central – a questão do poder. São quatro as partes que compõem a estrutura interna do livro, a saber: 1) Imperialismos e Colonialismos; 2) Poder; 3) Recursos e 4) Identidade. A primeira parte é constituída por dois capítulos. No primeiro deles, intitulado “Do Imperium ao Imperialismo: escrevendo sobre o Império Romano”, Mattingly discorre a respeito de vários termos utilizados pela historiografia que trata de Roma Antiga. Conceitos como Império, Imperialismo, Colonialismo, Globalização e Romanização são colocados em pauta e debatidos. Partindo de uma revisão historiográfica sobre o Império Romano, o autor descortina as influências que o Imperialismo do século XIX, sobretudo o britânico, exerceu na interpretação do que foi Roma na Antiguidade.

A historiografia tradicional considerava que o Império Romano teria expandido a civilização para os povos bárbaros, assim como os europeus ocidentais estavam procedendo quanto às suas colônias na África e na Ásia. De uma maneira geral, os classicistas foram os grandes responsáveis por nos imputar a ideia de que somos herdeiros e beneficiários das ações civilizatórias romanas. Tal atitude é severamente criticada por Mattingly, que interpreta as atitudes romanas em relação às províncias como atos imperialistas, em muitos aspectos semelhantes àqueles perpetrados pelo Imperialismo contemporâneo. Segundo ele, o conceito de “Imperialismo” pode ser aplicado a Roma Antiga, pois Roma era um Estado excepcional na Antiguidade. A natureza das relações desiguais entre Roma e os estados conquistados, o exercício do poder e as diferentes respostas a ele indicam ao autor que o termo Imperialismo cabe bem à sua proposta de estudo. O desejo de poder é o ponto central que une todas as épocas e lugares que vivem sob um Império. Justifica-se também o uso do conceito de Imperialismo pelo fato de os administradores do Império Britânico considerarem a Roma Antiga como exemplo e modelo a ser seguido.

A maior parte das fontes que dispomos sobre Roma Antiga diz respeito aos grupos que compunham a elite. Faltam estudos que mostrem as reações e atitudes dos povos conquistados pelos romanos. As abordagens pós-coloniais estão sendo consideradas apropriadas para quem se dedica a estudar os efeitos do colonialismo e da colonização exatamente pela possibilidade de darem voz aos oprimidos. Muitos arqueólogos têm, ultimamente, utilizado esta perspectiva de análise para verificar questões relativas à identidade local. Este é o caso de Mattingly, cuja preocupação é saber como as pessoas sujeitas ao Império viviam e como esta situação afetava o seu comportamento e a sua cultura material. A partir do conceito de experiência discrepante (discrepant experience), desenvolvido por Edward Said [1], Mattingly estabeleceu o seu próprio, diferindo em certos aspectos quanto à ideia original proposta por seu criador. Said havia pensado neste conceito como definidor de uma dicotomia entre governantes e governados, onde cada um tinha a sua própria história. No entanto, Mattingly prefere usar o termo “experiência discrepante” no sentido de incorporar todos os impactos e reações ao colonialismo rejeitando a ideia de bipolaridade, no seu caso específico entre romanos e nativos (p. 29).

Ao tratar da “Romanização” Mattingly é bem claro em recusar o uso do conceito. Atualmente, muitos arqueólogos e historiadores continuam a usar o termo “Romanização” pensando, sobretudo, nas negociações entre os membros da elite local romana e o agente nativo. Entretanto, embora tenha usado este conceito no passado, Mattingly agora se mostra enfático em suas objeções a ele: seria um paradigma falho, pois possui múltiplos significados; é um termo inútil, pois implica que a mudança cultural foi unilateral e unilinear; faz parte do discurso moderno colonial; dá grande ênfase aos vestígios da elite como grandes monumentos; leva os estudiosos a adotarem posturas pró-romanas; não destaca os elementos que sugerem uma continuidade das tradições culturais da sociedade indígena; reforça uma interpretação da cultura material que é simplista e estreita (como aculturação e emulação); enfim, focaliza a atenção no grau de semelhança entre as províncias e não na diferenciação e na divergência entre elas.

No segundo capítulo, intitulado “De um colonialismo a outro: o Imperialismo e o Magreb”, Mattingly discorre a respeito de um estudo de caso da África Romana, região também marcada pela estrutura colonialista contemporânea. As pesquisas arqueológicas no Magreb (Argélia, Tunísia, Marrocos e Líbia) foram influenciadas, segundo Mattingly, pela ação colonialista de franceses e italianos, que se consideravam herdeiros dos romanos na região. A população local, de origem berbere, foi classificada como selvagem, bárbara e não civilizada. Buscando paralelos entre os imperialismos, antigo e moderno, Mattingly estabelece a existência de uma ação direta entre o exército de ocupação francês e os assentamentos romanos na região. A arqueologia foi, inicialmente, dominada por ex-militares, que procuravam vestígios de fortificações romanas. Na verdade, o que aconteceu foi que muitos sítios arqueológicos que eram áreas agrícolas na Antiguidade foram interpretados como sendo assentamentos militares romanos. Houve uma manipulação dos dados em benefício dos colonizadores.

Com o desenvolvimento dos estudos pós-coloniais, baseados em atitudes de nacionalismo e de resistência, passou-se a considerar que a africanidade estava presente nos nomes púnicos das inscrições de época romana, na religião e em outros aspectos da sociedade dominada, fato que é demonstrativo da atuação dos agentes locais que viviam sob o Império Romano. Mattingly aponta as novas perspectivas necessárias, segundo ele, para que haja o desenvolvimento da arqueologia do norte da África: os estudiosos europeus devem abandonar o discurso colonial; a fase de ocupação romana precisa ser restabelecida no Magreb como uma parte importante de sua herança cultural; é importante a criação de uma nova agenda para a arqueologia clássica na região, uma que servirá às necessidades do turismo, mas que também se preocupará com a história do Magreb e, em última instância, uma mudança na atitude da Academia criará as circunstâncias certas para a utilização da teoria pós-colonial.

A segunda parte do livro de Mattingly é dedicada ao “Poder”. No terceiro capítulo, nomeado “Mudança de regime, resistência e reconstrução: Imperialismo antigo e moderno”, o autor discorre a respeito da atuação romana frente aos seus reinos clientes. Mais uma vez procura-se associar o Imperialismo antigo e o moderno. Apesar das diferenças entre eles, Mattingly defende a ideia de que todos os impérios têm uma base comum na dominação de terras, mares e povos, cujo elemento principal é o “poder”. No final da República e início do Principado foi comum a existência de governantes clientes. Tratava-se de reis locais, que mantinham o seu poder graças ao apoio romano. Estes reinos amigos eram uma forma econômica de se conseguir recursos e extrair tributos. Entre o final do século I a.C. e início do seguinte muitos reinos clientes foram anexados por Roma. O momento de anexação coincidia com a morte do rei e a não aceitação de seu sucessor. Um exemplo famoso é o de Cleópatra Selene, filha de Cleópatra VII e Marco Antônio, casada com o rei Juba II e colocada junto com ele no trono da Mauritânia, reino que originalmente não era de seus pais. Era comum que os governantes romanos apresentassem uma imagem negativa dos reis clientes que foram por eles depostos. No caso da Britânia, Mattingly ressalta que os historiadores colocaram a culpa pela invasão romana nos governantes dos reinos clientes, sendo que os romanos tiveram a intenção de dominar a região e, por isso, incentivavam atritos entre os habitantes locais.

No capítulo seguinte, “Poder, sexo e Império” a temática principal gira em torno da relação entre corpo e poder. Para tanto, Mattingly se apropria dos estudos pós-coloniais e compara aspectos do sexo no mundo romano com as atitudes observadas nas sociedades coloniais modernas. Um assunto específico chamou a atenção do autor – a questão do poder sexual e seus efeitos na formação das atitudes sexuais romanas. Mattingly está preocupado em verificar a influência negativa do poder na sociedade romana, que causou alterações na conduta dos romanos à medida que o Império se expandiu e conquistou vastos territórios. É comum os estudiosos considerarem que as relações culturais entre Roma e suas províncias eram, em certo sentido, igualitárias. No entanto, embora Roma não fosse racista e exclusivista como as metrópoles modernas, o impacto da conquista romana sobre os povos conquistados não pode ser negligenciado. O Imperialismo Romano estava baseado em poder assimétrico, coerção, exploração e violência. Enquanto as antigas abordagens a respeito do Imperialismo Romano tendiam a considerar que os povos dominados não possuíam nenhum papel ativo no seu destino, Mattingly enfatiza que todos os atos de colaboração, participação seletiva e resistência tomava lugar na estrutura dinâmica das relações de poder.

As teorias pós-coloniais servem para observarmos a relação entre ambas sociedades – a que domina e a subjugada – também no que diz respeito ao comportamento sexual. Segundo Mattingly, o comportamento considerado bizarro de certos imperadores é, geralmente, descrito pelos historiadores, mas não analisado. E este deveria ser compreendido em um contexto amplo de sexualidades alternativas proporcionadas pela existência de sociedades coloniais. Orgias romanas míticas podem, então, ser relocadas neste discurso. As fontes romanas e o vocabulário sexual latino revelam um padrão de dominação e práticas que atravessam os limites normativos da moral, do gênero, da classe e da etnicidade. Existem paralelos, neste sentido, entre os imperialismos romano, britânico e norte-americano. Os efeitos desta prática de domínio sexual podem ser observados na população dominada. Mas outra característica importante é a corrupção psicológica da humilhação e degradação sexual – que tem sido um poderoso instrumento de sustentação das diferenças sociais entre governantes e governados nas sociedades coloniais.

A sexualidade romana, no decorrer do tempo, sofreu alterações. De uma tradição comportamental austera adquiriu aspectos eróticos jamais vistos anteriormente. Mattingly se questiona sobre o que aconteceu. A resposta é algo interno à sociedade romana ou foi resultado de seu domínio colonial? Nos primórdios da civilização romana se falava de castidade, respeitabilidade e virtude e o comportamento adequado para as mulheres da aristocracia eram o de fidelidade sexual e de modéstia. Já os homens tinham suas licenças para ter sexo fora do casamento. Com a expansão da riqueza advinda das terras conquistadas e o aumento na quantidade de escravos, a sociedade romana teria sofrido transformações também em relação ao seu comportamento sexual. O exército estabelecido fora da Itália poderia experimentar novas formas de luxúria, colocada por Mattingly em termos de bens materiais, artísticos e acesso a uma culinária diferenciada.

Mattingly propõe deslocar o fenômeno da permissividade romana para o discurso colonial, onde temos a violência e a exploração em relação à sexualidade. O poder colonial inclui exercer o poder sobre os dominados inclusive no âmbito da sexualidade. Nas sociedades coloniais a distância do colonizador da sua terra de origem e sua permanência em um lugar desconhecido favorecia a transgressão às regras. A humilhação sexual dos colonizados, homens e mulheres, era comum. No vocabulário latino e nos relatos das práticas sexuais romanas fica evidente que o falo era um símbolo de poder, além de possuir seu significado propriamente religioso de proteção e de fertilidade. Termos linguísticos para o intercurso sexual estão sempre relacionados aos soldados. É o caso de verbos como penetrar, cortar, cavar e atacar, normalmente associados ao ato sexual masculino. Tanto a vagina (cunnus) quanto o reto (culus) estavam associados metaforicamente a animais, campos, grutas e objetos domésticos. As mulheres e aqueles que se sujeitavam ao papel passivo em uma relação sexual eram considerados de status social inferior. A palavra stuprum significa, em latim, vergonha. Era, por exemplo, chamado de stuprum o ato de um homem exercer a função passiva em uma relação sexual com outro homem, o que o equiparava a um escravo.

Ao tratar das relações de poder Mattingly nos remete às ideias de Michel Foucault (p. 102-103). A sexualidade não é considerada como uma condição natural e sim como produto das relações de poder e resultado do efeito de operações historicamente específicas de diferentes regimes de poder sobre o corpo. Embora Mattingly concorde com Foucault no sentido de considerar a existência de múltiplas formas de relações de poder, discorda deste pela não observação dos fatores que se opunham ao poder. Esta crítica a Foucault foi apresentada primeiramente por Said, preocupado com questões relativas à resistência ao poder dominante. Geralmente, quando se estuda sexo e desejo no mundo antigo não se faz pelo viés das relações de poder e sob a ótica do Colonialismo e do Imperialismo, tarefa a que Mattingly se propõe neste capítulo.

A terceira parte do livro aborda a temática “Recursos”. A questão relativa à economia e à exploração dos recursos das áreas conquistadas é central nos três capítulos que consideraremos a seguir. No capítulo V, denominado “Regiões governadas, recursos explorados”, Mattingly retoma um antigo debate a respeito da economia antiga. Durante muito tempo a historiografia foi dominada pelas ideias de Moses Finley, para quem a economia antiga não poderia ser considerada de mercado ou capitalista como queria alguns autores marxistas, entre eles Michael Rostovtzeff (p. 125). Finley seguia, neste sentido, as ideias desenvolvidas por Karl Polanyi, que postulou o conceito de uma economia “embededd”, imbuída em todas as esferas da sociedade. Estas opiniões divergentes polarizaram o discurso em dois matizes: os formalistas e os substantivistas. Os primeiros considerando a existência de uma economia de mercado, de cunho racionalista e, os últimos, sendo partidários de uma economia primitiva. Mattingly defende que a economia romana possuía ambos os aspectos, primitivo e progressivo, sendo uma economia híbrida. O objetivo de Mattingly é focalizar sua pesquisa no papel do Estado como motor da atividade econômica através de seu status de poder imperial. Sua análise parte das questões atuais a respeito do discurso colonial e não se define pela teoria econômica.

No capítulo VI, “Paisagens do Imperialismo. África: uma paisagem de oportunidade?”, Mattingly aborda uma temática recorrente nas pesquisas arqueológicas atuais, que diz respeito aos estudos da paisagem. A África seria, neste sentido, uma paisagem da oportunidade para os romanos. Pelo trabalho arqueológico foi possível, segundo o autor, identificar o crescimento econômico intensivo nas províncias da África Proconsular e a Numídia, entre os séculos II e IV d.C. Enquanto esta província cresceu, outras, como a da Acaia, diminuiu após a conquista romana. As paisagens provinciais foram o produto de processos complexos de coerção, negociação, acomodação e resistência, sendo exploradas tanto pelos colonizadores como também pela população nativa.

Em “Metais e Metalla: paisagem de uma mina de cobre romana em Wadi Faynan, Jordânia”, capítulo VII, o enfoque está colocado sobre a paisagem desta importante mina de cobre romana, cuja exploração intensiva tinha por objetivo manter o exército romano e o próprio império. Em comparação com as atividades industriais atuais, Mattingly salienta que a poluição causada ao meio-ambiente derivada desta ação humana passada permanece na localidade até os dias de hoje, sendo muito comum a contaminação do solo com chumbo, o que afeta a produção de alimentos e causa doenças em pessoas e animais. Estudos de caso como este de Mattingly são importantes, pois revelam a existência de vários tipos de relações de trabalho nas minas exploradas pelos romanos. Era comum que em uma mesma mina trabalhassem escravos e homens livres. Enquanto na mina de Wadi Faynan prevaleciam indivíduos condenados a trabalhos forçados, geralmente oriundos de populações que tinham se rebelado contra Roma, outras minas como as de granito e pórfiro do Egito (Monte Porfirius e Monte Claudianus) possuíam trabalhadores contratados, que recebiam salário.

“Identidade” é a temática da quarta parte, dividida em dois capítulos. No capítulo oitavo, intitulado “Identidade e Discrepância”, Mattingly apresenta uma nova abordagem para explicar a mudança cultural, que oferece uma alternativa àquela da Romanização. A história tradicional considerava as áreas conquistadas como tendo um papel passivo frente à civilização romana. Uma postura corrente nos estudos atuais, adotada, por exemplo, por autores como Martin Millet e Greg Woolf (p. 206), é considerar o papel ativo das elites locais que estavam sob o domínio imperial romano. Enquanto os membros pertencentes à elite adotavam a língua latina e os novos tipos de vestimenta, adornos e um comportamento romano, aqueles das camadas mais humildes teriam uma experiência mais diluída da Romanização. No entanto, para Mattingly, este modelo falha por considerar que a maioria da população nativa era passiva frente ao Império Romano. Mattingly conclui que, como a identidade está relacionada ao poder, a criação das identidades provinciais não pode ser tomada isoladamente da negociação de poder entre o Império Romano e os povos conquistados. E o que falta no modelo de Romanização é saber como as dinâmicas do poder operam tanto de cima para baixo quanto de baixo para cima. Outra abordagem que busca se diferenciar dos estudos tradicionais foi proposta por Jane Webster com o uso do termo “crioulização” (p. 203-204), com a finalidade de visualizar na cultura material vestígios da cultura escrava crioulizada. Mattingly acredita que o uso deste termo é perigoso, pois acabamos por substituir um conceito elitizado, o de Romanização pelo seu oposto, que prioriza os indivíduos de baixo status social. Segundo ele, uma abordagem que combine ambos os lados se faz necessária.

Como observar esta diversidade em uma pesquisa arqueológica? Mattingly retoma as ideias de Sian Jones [2], que defende ser a etnicidade uma forma de identidade que a sociedade constrói (p. 209-210). A solução de Jones para este problema é focar a pesquisa nas culturas locais e comparar grupos de sítios como assentamentos rurais e fortes romanos, por exemplo. Ao trabalhar com estudo de caso de sítios rurais ela demonstra que havia considerável diversidade, que era obscurecida pelo modelo de Romanização com sua tendência em enfatizar a homogeneidade. Mattingly tem dúvidas em dar à etnicidade muita importância nos estudos sobre identidades passadas, mas sabe que tanto no mundo grego quanto no romano os discursos de etnicidade tinham um importante papel. Se a etnicidade era um dos pontos de significância para marcar a identidade, a evidência arqueológica sugere que ela não era uma constante no tempo e no espaço.

Para Mattingly, a identidade deve ser estudada em termos de poder e de cultura. E embora considere a importância do agente ativo nativo na mudança cultural sabe que há limites sobre a habilidade de escolher nossa identidade aos olhos dos outros. Enquanto o processo de conquista e assimilação ao Império Romano promoveu uma delineação profunda de identidades étnicas, vários fatores militaram contra a manutenção disto na longa duração. A identidade étnica dificultava e criava uma barreira para estas sociedades negociarem com Roma. As distinções étnicas, que tornaram-se grandes e significantes durante o processo de expansão imperial, foram, mais tarde, diminuídas como estratégias múltiplas para lidar com a identidade individual e comunal. A construção romana de identidade étnica servia ao propósito de facilitar a violência colonial, ao passo que a nativa servia como forma de resistência durante a fase de conquista.

A heterogeneidade de respostas a Roma não era uniforme e variava conforme o local. Alguns estudos recentes de identidade têm empregado o termo hibridização para definir o resultado do contato cultural entre romanos e nativos. Mattingly, ao priorizar a diferença ao invés da semelhança, defende a utilização do termo “discrepante”, que indica “discordância” e “desarmonia”. O ponto é que as sociedades provinciais romanas poderiam algumas vezes exibir discordância cultural assim como similaridades, que são geralmente celebradas por meio da teoria da Romanização. A principal preocupação do autor é mostrar que os indivíduos e os grupos no período romano foram multifacetados e dinâmicos. O que foi previamente descrito como Romanização representa as interações de múltiplas tentativas de definir e redefinir a identidade.

“Identidade discrepante” possui similaridades com os trabalhos que usam o conceito de agência e teoria da estruturação.[3]Estas teorias enfatizam as escolhas do sujeito na estrutura social (p. 216-217). Mas, no caso de sistemas imperiais, há uma limitação nesta escolha. Então, é preciso balancear o conceito de agência com um exame profundo das influências estruturais. Um ponto a considerar é que as estruturas imperiais afetam os atores locais de diferentes maneiras. Os impactos imperiais sobre as áreas dominadas podem ser observados, geralmente, por meio de atos intencionais perpetrados pelo Império Romano e o consequente comportamento dos sujeitos afetados. Alguns fatores importantes a se considerar pelo pesquisador são elencados por Mattingly (p. 217): 1) o status social (escravos, livres, libertos, bárbaros, cidadãos romanos, não cidadãos etc.); 2) riqueza – as formas de produção econômica (economia de subsistência, de mercado etc.); 3) localização (espaço urbano, rural, zonas civil, militar etc.); 4) trabalho (artesãos, membros de guildas, soldados do exército etc.); 5) religião – sobretudo as seitas exclusivistas como o Mitraísmo, os Cultos de Mistério, Judaísmo e Cristianismo); 6) origem (geográfica ou étnica, tribal etc.); 7) associação por serviço ou profissão ao governo imperial (ou não); 8) aqueles que viviam sob lei civil ou marcial; 9) linguagem e literatura; 10) gênero e 11) idade.

Mattingly exemplifica sua proposta de encaminhamento de pesquisa arqueológica com os dados provenientes da Britânia e do norte da África. Sua abordagem inicial para o estudo da Britânia foi isolar as evidências da comunidade militar, da população urbana e das sociedades rurais. Um dos vestígios mais prementes para observar a identidade discrepante diz respeito à religião, pois é uma esfera recorrente para a marcação de diferenciação social. A religião romano-britânica tem sido frequentemente apresentada como um amálgama de práticas romanas importadas e práticas nativas britânicas temperadas com influências galo-germânicas. Segundo Mattingly, a distribuição dos vestígios de certas práticas em santuários como a presença de altares e de inscrições com maldições são indicadores de que a religião estava associada à identidade social. O exército, por exemplo, tinha cultos muito diferentes daqueles dos civis. Enquanto nas áreas militares predominavam santuários romanos em outras comunidades os templos possuíam características celtas. Inscrições funerárias também servem para demonstrar as diferentes identidades do indivíduo no decorrer do tempo. Por exemplo, o relevo funerário de Regina, esposa de um mercador ou soldado de Palmira que vivia na Britânia, a retrata como uma respeitável matrona romana. Na representação iconográfica ela aparece usando vestimentas e adornos símbolos deste status social. No entanto, pela inscrição da lápide, em texto bilíngue, ficamos sabendo que antes do casamento Regina havia sido escrava de seu futuro marido (p. 218, fig. 8.3).

Em comparação com a Britânia a África era mais rica e próspera, possuindo maior quantidade de inscrições latinas. Léptis Magna, por exemplo, era uma grande cidade da Tripolitânia, habitada por líbios-fenícios, oriundos de casamentos mistos entre fenícios (púnicos, originários de Cartago) e líbios. A identidade púnica era muito parecida com a dos egípcios que viviam sob o domínio romano: servia à elite provincial que circulava pelas estruturas do poder romano, assim como era um marco da identidade local. A cultura material de cunho funerário como estelas, tipos de enterramento e inscrições bilíngues é demonstrativa deste tipo de comportamento.

O último capítulo, o nono, denominado “Valores familiares: Arte e Poder em Ghirza no pré-deserto líbio”, trata da relação entre arte e poder. Nos estudos historiográficos sobre a arte romana normalmente a arte das províncias é retratada como inferior, como sendo uma imitação inadequada daquela produzida no centro do Império. Não havia a preocupação em indagar qual iconografia ou estilo servia aos propósitos indígenas. Faltava também aos historiadores de arte considerar que na Antiguidade não existia separação entre arte e artesanato e também não havia um padrão estético que valesse para todo o Império Romano. A arte era usada por diferentes grupos na sociedade para expressar relações de poder. A arte oficial romana, que se expandia a todas as camadas da sociedade, servia para dar suporte à dominação imperial. No entanto, sabemos que a interpretação da iconografia dependia do contexto e da audiência. Para Mattingly, a adoção do estilo romanizado facilitou a continuação das tradições indígenas.

As tumbas de Ghirza, na Líbia, servem para exemplificar esta questão. Interpretadas à luz da arte romana eram vistas como degenerativas pelos escritores do século XIX e início do XX. Para Mattingly, estas tumbas devem ser consideradas não apenas como monumentos aos mortos, mas também como estruturas que tinham uma continuidade na significância religiosa dos vivos. O objetivo principal de Mattingly, nesta sua pesquisa, foi relacionar a imagética presente nas tumbas com as redes de poder construídas ao redor dos membros vivos e mortos das principais famílias de Ghirza. Sua hipótese é de que existiam duas famílias principais da elite em Ghirza, que procuravam demonstrar poder e status social por meio dos enterramentos e da iconografia funerária. Os chefes das famílias aparecem retratados nas tumbas com cetros e outros elementos simbólicos associados ao poder: vestimentas e adornos, cavalos, cães etc. As mulheres, por sua vez, aparecem representadas usando joias romanas. No entanto, Mattingly conclui que os retratos seguiam o padrão de representação púnico e serviam ao culto ancestral líbio.

Esta série de ensaios de David Mattingly é elucidativa do caminho que a arqueologia romana tem percorrido nos últimos tempos. O conceito de Romanização tem sido colocado em xeque e debatido em vários sentidos. Por isso mesmo, vem sendo utilizado com cautela no sentido de ser uma via de mão dupla, que permita vislumbrar não apenas a ação romana nas províncias, mas também as respostas dos sujeitos subordinados ao Império Romano. O desenvolvimento da teoria pós-colonial foi imprescindível para que vários arqueólogos e historiadores passassem a adotar uma postura mais crítica em relação à Romanização. Este livro de Mattingly é importante no sentido de trazer luz ao debate atual e por propor novas diretrizes para arqueologia romana. O caráter do Imperialismo e Colonialismo romanos, seu impacto econômico, a operacionalidade do poder nas sociedades coloniais e o modo como os indivíduos sob governo imperial construíram suas identidades são pontos-chave de sua proposta (p. 269).

A existência de um “Imperialismo Romano” é defendida enfaticamente no decorrer da obra, sendo que Mattingly não considera que haja problemas na utilização de termos como “Império”, “Imperialismo”, “Colonialismo” e “Colonização”, quando se trata de Roma Antiga. Os estudos sobre Roma foram pautados, no passado, pelo discurso colonialista europeu do final do século XIX e início do XX, do qual os norte-americanos foram herdeiros. Tal fato afetou toda a produção historiográfica que se dedicava aos estudos do Império Romano e possui repercussões até hoje. A teoria da “Romanização” é rejeitada e por meio das abordagens pós-coloniais outros aspectos da sociedade romana podem ser observados, segundo o autor: o dinamismo de seu Imperialismo e Colonialismo; a questão do poder, central para a compreensão da relação entre Roma e suas províncias; a existência de uma “economia imperial”, sendo o vetor econômico pautado pela exploração de recursos um dos pontos que caracteriza o Imperialismo Romano e, por fim, o conceito de “Identidade”, que pode ser usado para se estudar a diversidade e o hibridismo resultado do contato entre romanos e nativos.

Além das proposições teóricas propriamente ditas, Mattingly apresenta sua metodologia de pesquisa, que se detém em interrogar o registro arqueológico procurando exemplos de diferenças no uso da cultura material com o objetivo de saber se tais ocorrências podem ser atribuídas a práticas sociais distintas que foram sendo usadas para expressar noções de identidade na sociedade. O método, derivado da proposta de Sian Jones, está relacionado à abordagem da Arqueologia pós-processual, cuja preocupação com o contexto arqueológico e as questões de status social e poder definem bem este paradigma científico. Desta forma, as “experiências” que se busca traçar do Império Romano estão relacionadas aos vários tipos de ações de Roma e às múltiplas respostas ao Império, que são condicionadas pela região e o período que estivermos analisando. Os estudos arqueológicos permitem esta consideração do contexto para a verificação da atuação das identidades locais. Mattingly exemplifica com suas pesquisas realizadas no Norte da África e Britânia. Mas sua metodologia, resguardadas as diferenças regionais, pode ser aplicada para o Império Romano como um todo.

Alguns autores podem fazer críticas ao modelo de Mattingly pela sua ênfase na questão da diferença e da não uniformidade do Império Romano e, sobretudo, pela sua comparação da atitude imperial romana com a ação imperialista das nações contemporâneas. Ele seria anacrônico ao tomar a experiência de épocas recentes para tentar entender os romanos? Mattingly, em suas considerações finais, tem plena consciência deste fato e se defende dizendo ter uma postura crítica analítica e não se interessar em construir um Império Romano totalmente negativo, em contraposição aos estudos mais antigos, que vangloriavam a grandeza de Roma (p.274-275). Concordo com o autor neste aspecto. A abordagem pós-colonial trouxe novas perspectivas para entendermos situações de colonização e ações imperialistas. Sua utilização em conjunto com a análise do contexto local, por meio de comparações de sítios arqueológicos e da cultura material, é que traz o equilíbrio necessário ao desenvolvimento da pesquisa. É por meio desta combinação de teoria e dados que poderemos tomar ciência da grande diversidade que constituía o Império Romano.

Notas

1. SAID, Edward W. Culture and Imperialism. London: Vintage, 1993. Edição brasileira: SAID, Edward W. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

2. JONES, Sian. Archaeology of ethnicity: Constructing identities in the past and present. London: Routledge, 1997.

3. A referência principal do autor para a Teoria da Estruturação é derivada das ideias de Anthony Giddens, em sua obra: GIDDENS, Anthony. The constitution of society: Outline of a theory of structuration. Cambridge: Polity Press, 1984.

Marcia Severina Vasques – Professora Adjunta do Derpartamento de História – UFRN. Doutora em Arqueologia – USP.


MATTINGLY, David. Imperialism, power, and identity. Experiencing the Roman Empire. Princeton: Princeton University Press, 2011. 342p. Resenha de: VASQUES, Marcia Severina. Revista Porto. Natal, v.1, n.2, p.136-149, 2012. Acessar publicação original [IF].

A Companhia de Jesus na Índia (1542-1622): actividades religiosas, poderes e contactos culturais – MANSO (HU)

MANSO, M. de D.B. A Companhia de Jesus na Índia (1542-1622): actividades religiosas, poderes e contactos culturais. Macau: Universidade de Macau e Universidade de Évora, 2009. 274 p. Resenha de: AMANTINO, Marcia. A Companhia de Jesus na Índia (1542-1622): atividades religiosas, poderes e contactos culturais. História Unisinos 15(3):466-467, Setembro/Dezembro 2011.

O livro A Companhia de Jesus na Índia (1542-1622): actividades religiosas, poderes e contactos culturais, da professora Maria de Deus Beites Manso, é uma importante contribuição aos estudos que buscam entender os diferentes papéis desempenhados pelos jesuítas em áreas variadas do vasto império colonial português. A proposta da autora é analisar o que representou a chegada dos padres da Companhia de Jesus no Oriente em 1542 a partir dos trabalhos apostólicos de Francisco Xavier e identificar como agiram para conviver com grupos sociais tão heterogêneos como os encontrados na região. Sua análise restringe-se até as primeiras décadas do século XVII, momento da criação da Propaganda Fide e do envio de missionários não mais por Lisboa, mas sim pelas Missões estrangeiras de Paris.

A obra apresenta ao longo de sete capítulos os avanços e recuos nas relações entre os religiosos da Companhia de Jesus, as autoridades coloniais, as outras ordens religiosas e as diferentes etnias que formavam a complexa sociedade que ocupava a região conhecida hoje como Índia. Resultado de antigas e sucessivas invasões e migrações, a sociedade local apresentava-se pluriétnica com inúmeras religiões e suas variantes, mas com claro predomínio do hinduísmo e do islamismo. Além destas características religiosas e, em função delas, assistia-se também a variadas organizações políticas e econômicas. Os jesuítas e mesmo o poder político português tiveram que se adaptar, negociar e, em muitos casos, guerrear para conseguir impor suas determinações. E mesmo assim, nem sempre conseguiram. De qualquer forma, a associação entre os interesses portugueses e missionários era clara e se confundia. Um dependia do outro para permanecer nas regiões abordadas. Poder religioso e poder temporal se mesclavam, criando situações onde o papel dos jesuítas, à frente das populações que visavam catequizar, às vezes não ficava muito claro.

Na realidade, segundo a autora, a presença portuguesa e, consequentemente, jesuítica na região ficou restrita basicamente a Goa e a Malabar. O jesuíta Francisco Xavier chegou a Goa em 1542. Três anos depois, fundava o Colégio Jesuítico de São Paulo e, a partir daí, assistiu-se a uma disseminação destes religiosos pelo território. O primeiro colégio em Malabar foi fundado em 1560. As duas regiões apresentavam condições bastante diversas para o trabalho dos jesuítas. Na primeira, ainda que com dificuldades variadas, conseguiram criar uma cidade cristã com diversos colégios e residências que tinham como objetivo também preparar novos religiosos que fossem capazes de continuar a missão catequética. Em Malabar, a situação era outra. Tratava-se de uma área de intensos contatos e convívios com populações variadas, dominada por membros ligados ao islamismo e ao hinduísmo que dificultaram ao máximo e chegaram mesmo, em alguns momentos, a impedir o trabalho catequético dos inacianos.

É importante destacar que a autora aponta para o fato de que os inacianos não foram a primeira ordem a chegar a esta região do Oriente. Antes deles, os franciscanos já estavam presentes, mas, devido ao tipo de preparação que possuíam, poucos avanços haviam conseguido com as populações locais. Os jesuítas chegaram com o apoio total do rei D. João III certos de que conseguiriam avançar a colonização e o cristianismo nestas paragens. Entretanto, também sofreram muitas derrotas e não conseguiram, com exceção de Goa, implantar efetivamente uma sociedade cristã modelar na região. De acordo com Maria de Deus Manso, muitos se convertiam apenas para garantir a sobrevivência ou ainda ter uma chance de sair do intricado e impeditivo sistema de castas.

Complicando ainda mais esta complexidade étnica e cultural, havia também os cristãos de São Tomé. Estes seguiam o cristianismo com alguns dogmas modificados. A tarefa dos religiosos de Santo Inácio era convencê-los a abandonar estas variantes consideradas heréticas e adotar a verdadeira religião. Pouco ou nenhum avanço conseguiram, e, através do Sínodo de Diampaer, ocorrido em 1599, os cristãos de São Tomé foram considerados heréticos.

De qualquer forma, a vida dos jesuítas na Província da Índia não foi nada fácil. A autora argumenta que estes religiosos tiveram que lidar com quatro realidades sociais e políticas claras que pautavam as missões no Oriente: havia aquelas voltadas apenas para atender às necessidades espirituais de populações ocidentais e cristãs; havia missões que buscavam catequizar populações locais nos territórios controlados pelos portugueses; as que pretendiam evangelizar povos sob o contato direto dos islâmicos; e, por último, as missões que se destinavam a evangelizar as populações precisando para isto se adaptar aos valores locais devido à força destes grupos.

Os jesuítas utilizaram inúmeras formas de atrair as populações locais para a cristandade. Negociaram, cederam, adaptaram seus dogmas e também guerrearam quando preciso. Usaram o poder econômico que possuíam para promover festas suntuosas que se aproximavam do que as populações conheciam como “festividades religiosas”. Com estas festas, procuravam demonstrar serem poderosos, generosos e capazes de auxiliar a população mais pobre. Como resultado, conseguiram converter uns poucos membros das elites e alguns mais das categorias sociais mais baixas. Além destes, as mulheres pobres também foram um grupo onde os padres conseguiram avançar um pouco mais em função de sua situação social inferior no sistema de castas.

A partir do início do século XVII, momento também caracterizado por uma grave crise econômica, começaram ou se intensificaram radicalmente as reclamações contra os jesuítas e o poder econômico da ordem. Se, por um lado, este crescimento econômico alcançado pelos religiosos contribuiu para aumentar o prestígio e, consequentemente, atrair seguidores, por outro, deixou-os vulneráveis às reclamações de seus contrários, inclusive, de outros religiosos. Desde que chegaram ao Oriente, houve “uma sistemática apropriação e transferência das rendas e terrenos dos ‘pagodes’ para os colégios e residências dos jesuítas com evidentes implicações nas estruturas das sociedades locais”. Com a chegada de novas ordens religiosas não ligadas à Coroa portuguesa, aumentaram as disputas religiosas locais, e os jesuítas foram, em alguns casos, acusados de serem os responsáveis pelo pouco avanço na conversão e também pela queda dos arrecadamentos enviados a Portugal.

A autora finaliza sua obra lembrando que o sistema de conversão usado pelos jesuítas ao longo do período estudado não pode ser visto de maneira uniforme. Foram vários métodos utilizados e variadas abordagens utilizadas por cada um dos religiosos à frente da conversão. Acima de tudo, condicionando ainda mais os rumos da catequese, havia o indivíduo ou o grupo social o qual estavam tentando converter. De qualquer maneira, o que se pode perceber é que, em nenhum momento, estas culturas, quer fossem hindus, islâmicas, cristãs de São Tomé ou de qualquer outra religião, foram identificadas pelos jesuítas como equiparáveis à sua e merecedoras de qualquer consideração. Caberia a eles eliminá-las, criando uma sociedade cristã modelar.

Marcia Amantino – Universidade Salgado de Oliveira Rua Marechal Deodoro, 211, Centro. 24030-060, Niterói, RJ, Brasil.

O poder da arte | Simon Schama

No ano de 2006, a rede televisa BBC de Londres produziu uma série de documentários sobre arte com a coordenação do professor de História da Arte da Universidade de Columbia em Nova York: Simon Schama. Envolvendo dramatizações e uma proposta de atingir o grande público, a série trazia momentos e obras de oito artistas modernos e contemporâneos: Caravaggio; Bernini; Rembrandt; David; Turner; Van Gogh; Picasso e Rothko.

O livro O poder da Arte, ora resenhado, surge como fruto direto do sucesso destes documentários. O próprio autor esclarece que no texto foi possível aprofundar e apresentar questionamentos que não cabiam no documentário, pois a linguagem televisa segue seus próprios cânones, que diferem da escrita, a começar pelo tempo que um programa ocupa numa grade de televisão, o que faz com que seja sempre necessário estabelecer cortes e omitir passagens no tema a ser documentado. O livro toma da sua versão televisiva, o ritmo e a cadência de personagens que aparecem nos oito programas. Alguns acréscimos são realizados nas análises, como a discussão sobre a Cabeça de Medusa, tela montada em madeira de autoria de Caravaggio datada de 1598-1599, que ilustra a capa da edição brasileira. Leia Mais

Revoluções do Poder | Eunice Ostrensky

As possibilidades de leituras e interpretações dos clássicos do pensamento político são inúmeras. No entanto, uma das formas de afirmar sua validade foi, durante muito tempo, vê-los como sujeitos que, com seus textos, rompem a própria transitoriedade da história e são capazes de responder a diferentes questões em diversos tempos e lugares. A validade de sua leitura estaria, portanto, nesta capacidade de responder não só a seus problemas e de seus contemporâneos, mas aos nossos também.

Eunice Ostrensky, professora da Ciência Política da USP, parece ir em direção contrária ao caminho exposto anteriormente. Em Revoluções do Poder, fruto de sua tese de doutorado, publicado pela Editora Alameda, a professora não só procura colocar Thomas Hobbes no contexto político da Inglaterra revolucionária no século XVII, mas, através de intensa pesquisa e leitura apurada, procura reconstruir os debates e as diversas interpretações que concorrem em ambiente inglês.

Entretanto, reconstituir o debate em tempos revolucionários, de surgimento de novas teorias e novos grupos, é tarefa árdua que requer familiaridade com a linguagem estudada e capacidade de interpretar “lances” de linguagem, para usar uma terminologia de J. Pocok (2003). Ou seja, usar certo elemento de uma forma diversa, com significados e sentidos diferentes, a fim de persuadir os possíveis leitores/ouvintes de certo discurso. No entanto, o que era óbvio para os contemporâneos de Hobbes, indiscutível para os que com ele partilhavam seu momento, já não é para nós, que nos distanciamos deles pelo abismo temporal. Por isso, as interpretações são abertas, lacunares e passíveis de crítica. Contudo, o caminho proposto pela professora é inovador em terras brasileiras e demonstra, na prática, as possibilidades abertas pelo método da Escola de Cambridge. Ou seja, entender os objetivos dos pensadores em seu momento, inseridos nos debates e diálogos de seu contexto histórico. Nas palavras de John Langshaw Austin, para escritores como Ostrensky, “as palavras também são atos” (AUSTIN, 1990), são elementos de intervenção e ação no debate político.

O livro pretende compreender o período entre 1642 e 1649, chamado pela autora de “períodos fatais” (p. 32), anos de crise da soberania em que surgem debates sobre republicanismo, limites do Estado, poder e liberdade. Esses vocábulos, complexos em sua definição mesmo fora do contexto revolucionário, ampliam suas possibilidades de definição em momentos de embate político. O ápice da “Grande Rebelião”, como era chamada então a Revolução Inglesa, se daria em 1649, com a condenação e execução de Carlos I. “Nunca antes se havia julgado, condenado e executado um rei publicamente. No passado, coroas usurpadas e reis cruéis haviam merecido execuções que se fizeram pelas costas, no escuro, porque nem mesmo os assassinos (…), pensavam em contestar a monarquia” (p. 41).

Na primeira parte do livro, Ostrensky nos apresenta os personagens que irão compor sua narrativa. Isso talvez seja um dos traços mais marcantes de seu livro: as teorias têm dono, nome e data. Os embates, reconstruídos conforme a documentação que chegou até nós são expostos em sua complexidade e dimensão, demonstrando como os que vivenciaram os períodos de tanta transformação entenderam e interpretaram o que então se passava, que significados davam para o que então ocorria e de que maneira procuraram convencer seus contemporâneos com seus argumentos. Composto por seis capítulos, o livro se divide conforme a “ordem cronológica das razões” e temática das teorias que surgiam e caíam na Inglaterra do século XVII.

Nos primeiros capítulos a autora preocupa-se em demonstrar como os realistas costumavam pensar o mundo e sua própria realidade, ou seja, o arcabouço das crenças do período pré-revolucionário a partir do qual as mudanças ocorrem. Curiosamente, tanto parlamentares como realistas costumavam reivindicar seus direitos buscando um passado mais remoto, garantindo que o oponente trazia perigosas inovações que poderiam comprometer “a ordem do mundo”. Pensados em linguagem teológica, com referências bíblicas, os sentidos dos textos sagrados eram vertidos conforme o desejo daqueles que deles se apropriavam. A Reforma, suas contradições e consequências, iriam atingir também o mundo político, suas formas de interpretação e modos de ver o mundo. Paralelo a isso estavam os discursos juristas, relacionados ao constitucionalismo inglês e a validade do commom law acima das leis escritas e da própria vontade do rei e das leis promulgadas pelo parlamento. Esse é o “pano de fundo” (p.118) dos primeiros dois capítulos, panorama conceitual primário que permite e dá as diretrizes para as inovações, que, neste período conturbado, surgiriam.

Frente às críticas ao poder realista, era necessário responder e reafirmar a necessidade do poder soberano para a manutenção da ordem e da paz social. De acordo com a autora, portanto, é necessário entender os argumentos realistas como respostas aos opositores (p. 36), de um lado os jesuítas, de outro os protestantes radicais. Para isso, linguagens diferentes são usadas, a fim de demonstrar a validade dos argumentos frente a públicos distintos, acostumados a vocábulos e sentidos diferenciados.

No capítulo III a autora procura analisar mais aprofundadamente o discurso realista, demonstrando as formas como a prática política de Carlos I aproximava-se da de Jaime I, seu pai. Contudo, nos avisa Ostrensky, embora o desejo de sistematização do pensamento régio seja necessário a fim de nos possibilitar compreensão, é indispensável percebê-los como respostas a diferentes personagens que a questionavam e a faziam justificar sua posição e pretensão. Por exemplo, enquanto Filmer, um dos maiores representantes da defesa do poder divino, escreve direcionado ao publico interno, aos juristas, Jaime I, se direciona ao público externo, formado por jesuítas e protestantes.

No IV capítulo, Ostrensky analisa os discursos e personagens do outro lado da luta: os parlamentares e os defensores desses. Frente à dificuldade em por ferio às prerrogativas régias o Parlamento lançou um argumento inovador até o momento: a separação entre o rei e a pessoa que o exerce. Segundo a autora, esse gesto, embora aparentemente tímido, abriu espaço para a afirmação da autoridade do Parlamento. Na impossibilidade de se julgar o homem, cujo cargo se tinha por sagrado, aboliu-se o cargo. Ela reconstrói e demonstra três linguagens presentes no discurso parlamentarista: o discurso da ordem, o do constitucionalismo inglês e o “populismo aristotélico”, com as noções de participação política como essências do homem. Essa colcha de retalhos que não aparece separadamente nos discursos, nos mostra as formas como a linguagem se sobrepõe, inovando e ratificando vocabulários, perceptíveis ou não aos seus personagens. No entanto, há, mesmo com as diferenças, um ponto comum: as distintas chaves discursivas afirmam que a lei assegura a deposição do monarca como tirano.

No penúltimo capítulo a autora debruça-se em um dos mais debatidos e controvertidos filósofos da modernidade: Thomas Hobbes. Se o pensador é, sem dúvida nenhuma, o grande nome do período, cujas obras chegam até nós e são debatidas com entusiasmo no mundo acadêmico, seus textos não estão “no vazio”, antes se encontram relacionados e imbricados no jogo político de seu tempo, em outras palavras, eles são veículos de intervenção. Como coloca a autora, por exemplo, Elementos da Lei é fruto do debate político das décadas de 20 e 30. Através da análise que a autora faz de um contemporâneo de Hobbes, Digges, é possível esboçar comparações entre o pensador e outras vertentes de pensamento que tiveram ou não (não é possível saber, infelizmente) contato com seu trabalho. O filósofo não firma seus argumentos em pressupostos teológicos e por essa e outras razões não foi bem recebido pelo próprio grupo que defendia a aristocracia. Embora seja possível traçar paralelos entre o pensador e seus contemporâneos, é impossível negar o caráter inovador de seus textos e afirmações, já que suas respostas à crise de soberania vão em direção a um ângulo diverso dos apresentados por seus colegas. A soberania não é direito divino, é fruto do desejo de sobrevivência do homem frente à natureza humana e seu inevitável caminho à morte prematura. Nisso centra-se também sua crítica à oratória ciceroniana, pois sendo o humano variável, é impossível se chegar a um consenso sobre certo e errado, sendo necessária a criação de uma ciência moral e política. Além disso, Hobbes inverte o termo “sedutor”, originalmente usado para os papistas, que seduziriam o rei. No sentido dado ao termo no Behemoth principalmente, sedutores são os que convencem o povo a se indispor com seu soberano. Esse é um dos exemplos da peculiaridade do pensador, que, utiliza-se de palavras usadas por seus adversários com sentido diferente, buscando, desta forma, persuadir seu leitor e mostrar os malefícios que a desobediência ao soberano poderia trazer.

No último capítulo, a autora centra sua análise naqueles que seriam os jacobinos da Revolução Inglesa: os levellers, ainda pouco estudado no Brasil. Para demonstrar como esses seriam os primeiros democratas da história moderna, a autora coloca em destaque as formas que alcançavam a ideia de representação política: tolerância religiosa e liberdade de culto, reinterpretação da lei da natureza e uma teoria dos direitos naturais. A definição de liberdade para eles será diversa da usado por Hobbes, por exemplo, já que não será no sentido de interferência dos outros na liberdade do indivíduo, mas de liberdade em atuar no espaço público. Contrários a falta de limites do poder régio, mas também do Parlamento, os levellers defendem o poder de racionalidade e decisão das multidões.

As críticas aos levellers viriam de várias frentes, principalmente devido ao radicalismo das propostas e a possibilidade de transferir o poder à multidão, vista como destituída de racionalidade. Embora autores como Hobbes não os mencionem, presume-se que seus prováveis leitores os conheceriam e estariam devidamente informados a respeito de sua argumentação, já que defende sua filosofia tendo como base elementos usados pelo grupo rival.

Em sua conclusão, intitulada A Segunda Metade do Círculo, a autora afirma que seu objetivo no livro era acompanhar a mudança da linguagem, o desgaste da visão paradigmática e a predominância da Lei Civil e Natural. Após a queda da monarquia perde sentido o constitucionalismo parlamentarista e a defesa da harmonia entre rei e Parlamento. Outras formas de entendimento, expressos através de palavras, serão usadas e terão, na mente dos leitores e ouvintes, uma entonação diversa da anterior, a base seria outra: o pensamento republicano.

A fim de concluir esta resenha, cabe dizer algumas palavras sobre este livro que é, no mínimo, instigador por sua abordagem. Diferentes dos estudos tradicionais, que buscam, através de intensa leitura, descortinar certo pensador e entender sua filosofia e principais conceitos, Eunice Ostrensky procura contrapor Hobbes com seus interlocutores. Entender o vocabulário político presentes neste momento, os debates produzidos através de um arranjo conceitual comum, mas que ao mesmo tempo esta em mutação, pode ser colocado como um de seus objetivos. Tarefa árdua que requer familiaridade com uma linguagem que se diferencia da nossa no tempo e no espaço. Lacunas existirão, assim como interpretações que certamente seriam contestadas pelos seus autores e não aceitas por eles, como é a preposição de um dos maiores defensores da proposta da autora, Quentin Skinner2 . No entanto, mostrar que filósofos colocados no Panteon pela tradição não fizeram pressuposições fora de seu tempo, mas coladas ao contexto e as possibilidades que esse lhes dava, é um dos méritos dessa proposta. Outro seria demonstrar, como já afirmou Skinner (2000, p.150), que os filósofos não respondem as nossas questões, mas as suas, cabe a nós, portanto, buscar, como eles fizeram anteriormente, respostas aos problemas de nossa sociedade.

Notas

2. Quentin Skinner afirma que um dos seus objetivos era produzir uma interpretação passível de ser aceita pelo próprio autor do texto.

Referências

AUSTIN, J. L. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Tradução de Daniel Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes Médias, 1990.

POCOCK, J.G.A. Linguagens do Ideário Político. Tradução de Flávio Fernandez. São Paulo: EDUSP, 2003.

SKINNER, Quentin. Significado e comprensión em La historia de las ideas. Tradução de Horacio Pons. In: Primas – Revista de História Intelectual, Quilmes, nº4, 2000, p.149-191.

Débora Regina Vogt – Licenciada e mestranda pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Trabalha com o livro de história do filósofo político Thomas Hobbes, Behemoth, e desenvolve pesquisa referente ao papel da referência aos antigos em sua obra. E-mail: [email protected]


Ostrensky, Eunice. Revoluções do Poder. São Paulo: Alameda, 2006. Resenha de: VOGT, Débora Regina. Aedos. Porto Alegre, v.3, n.8, p.248-252, jan. / jun., 2011. Acessar publicação original.

Dénde duro que no siente: Poder y transgresion en el Perú republicano | Carlos Aguirre

Ya desde la fotografía en su portada y el mismo título del texto, Carlos Aguirre impacta. Dénle Duro que No Siente, explora en temáticas “obscuras” para la historiografía: las múltiples formas de castigo, la domesticación y el control a los esclavos, indígenas, mestizos, delincuentes, mujeres y niños: los marginados de siempre.

El texto resulta de la recopilación de artículos anteriormente publicados por el autor y que este estructura a partir de tres ejes o partes que abarcan los siglos XIX y XX en el Perú, a saber: Esclavos, Castigo y Resistencia; El Delito y la Cárcel y, Apuntes Comparativos e Historiográficos. Logra, a través de un acucioso trabajo de fuentes, principalmente expedientes judiciales, demostrar la relación que se establece entre indígena, esclavos, pobres y delincuencia. A ellos habría que agregar el trato a mujeres y niños delincuentes y pobres. Leia Mais

Uma história do corpo na Idade Média | Jacques Le Goff e Nicolas Truong

LE GOFF, Jacques; TRUONG, Nicolas. Uma história do corpo na Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. 207 p. Tradução: Marcos Flamínio Pires. Revisão técnica: Marcos de Castro. Resenha de ROIZ, Diogo da Silva. O corpo no Ocidente Medieval. Revista Estudos Feministas v.18 n.2 Florianópolis May/Aug. 2010.

O corpo está no centro de toda relação de poder.
Mas o corpo das mulheres é o centro, de maneira imediata e específica.
1

Desse modo, Michelle Perrot, em 1994, sintetizava as relações de poder que mediavam estreitamente os debates sobre ‘gênero’ na Europa. Muito embora Jacques Le Goff apenas circunstancialmente houvesse tratado do assunto, com Uma história do corpo na Idade Média, que foi escrito em parceria com Nicolas Truong, os autores ofereceram uma bela contribuição para o entendimento desse tema na Civilização do Ocidente Medieval. Leia Mais

MAPU o la seducción del poder y la juventud. Los años fundacionales del partido-mito de nuestra transición (1969-1973) | Cristina Moyano Barahona

El libro que reseñamos pone en la palestra la política encarnada en las vivencias y configuraciones simbólicas y discursivas de un grupo de sujetos, en uno de los períodos más álgidos de la historia chilena, en el cual se daba “una poco común confluencia de factores de larga y corta duración” (Grez). Es allí que emergió con fuerza juvenil el Movimiento de Acción Popular Unitaria, MAPU. Cristina Moyano, como esboza el título del libro, presenta una investigación en torno a este partido en su período fundacional, dando cuenta de un cúmulo de problemáticas, en las que destacan, la tensión reforma/revolución al interior de las izquierdas, la convergencia cristianismo-marxismo y, a la que la autora da mayor énfasis, la conformación de una cultura política que se mantiene latente en la memoria colectiva, a varios años de la desaparición estructural de este referente. De allí la discusión que hace a Jocelyn-Holt resucitar al MAPU, situándole en posiciones hegemónicas en la administración de Frei Ruiz-Tagle, y encarnando en ellos el paradigma de la renovación (“del avanzar sin transar al transar sin parar”) y el sociólogo Eugenio Tironi que ha oficiado en sus escritos el responso de esta organización (véase como ejemplo el prólogo del libro). Leia Mais

Religión y poder en las misiones de guaraníes | Guillermo Wilde

A promoção de lideranças indígenas e a busca da sua colaboração com o sistema colonial, mediante a ação de vários tipos de dispositivos de poder, constituíram um fenômeno marcante da experiência dos Guarani no espaço das missões. Tal experiência, longe de se caracterizar pela passividade, foi antes capitalizada pelos mesmos caciques a fim de requisitar benefícios da administração colonial, manter relações com populações do entorno das missões e manejar uma complexa atualização de suas tradições culturais. Fruto de ampla pesquisa documental e bibliográfica, o livro de Guillermo Wilde procura problematizar o processo de formação de lideranças indígenas entre os Guarani missioneiros, e sugere que os caciques não somente tiveram papel importante na formatação dos pueblos, mas também interferiram no tipo de poder instaurado ali pelo sistema colonial: “ocupando cargos en instituciones coloniales como los cabildos que se impusieron en todos los pueblos misionales”, afirma o autor, “fueron sujetos activos en la incorporación y transformación de categorías e instituciones” (p. 23-24).

Ao atuarem, de um lado, como reguladores das relações entre o interior do espaço missioneiro e o exterior, a vizinhança com colonos espanhóis e portugueses, índios não reduzidos e demais pueblos; e de outro, ao manejarem a relação entre o antes e o depois, entre “el ser infiel” e “el ser cristiano”, as lideranças indígenas (cujo poder era delegado pela própria colonização) contribuíam para a reconstrução e manipulação de identidades e relações políticas com os poderes coloniais. Leia Mais

Qaraqara-Charka. Mallku, Inka y Rey en la Provincia de Charcas (Siglos XV-XVII) – PLATT et al (C-RAC)

PLATT, Tristan; BOUYSSE-CASSAGNE, Thérèse; HARIS, Olivia. Qaraqara-Charka. Mallku, Inka y Rey en la Provincia de Charcas (Siglos XV-XVII). Historia Antropológica de una Confederación Aymara. La Paz: Instituto Francés de Estudios Andinos, Plural Editores, University of St. Andrews, University of London, ínter American Foundation, Fundación Cultural del Banco Central de Bolivia, 2006. 1088p. Resenha de: ORÍAS, Paola Revilla. Chungara – Revista de Antropología Chilena, Arica, v.41, n.2, p.309-311, dic. 2009.

En abril del año 2006 apareció: Qaraqara-Charka. Mallku, Inka y Rey en la provincia de Charcas (siglos XV-XVII). Historia antropológica de una confederación aymara [en adelante QQCH]. Se trata de la cristalización de un proyecto de investigación emprendido por Tristan Platt, Thérése Bouysse-Casagne y Olivia Harris [en adelante TTO], antropólogos e historiadores comprometidos en la indagación del pasado andino, quienes durante años recopilaron, estudiaron e interpretaron el material que presentan en este volumen.

El sólido análisis crítico propuesto se centra en las manifestaciones políticas, económicas, sociales y culturales del territorio Qaraqara-Charka -confederación de etnias regionales y señoríos prehispánicos de América del Sur que se fue constituyendo en conjunto político después del eclipse de Tiwanaku (Platt et al. 2006:25)-, durante las épocas prehispánica y colonial, atendiendo particularmente al papel y desenvolvimiento de los señores naturales en los diferentes contextos en que ejercieron su autoridad. La idea parece haber sido gestada en Sucre (Bolivia) en los años ochenta, con el aliento de intelectuales como John Murra, Thierry Saig-nes y Gunnar Mendoza.

En el propósito colaboraron estudiosos como Thomas Abercrombie, Mercedes del Río, Roger Ras-nake, Carlos S. Assadourian, Teresa Gisbert, Rossana Barragán, Jorge Hidalgo, Martti Parssinen, Ana María Presta y Nathan Wachtel entre otros, lo que junto a la amplia covertura institucional internacional de que fue objeto la publicación, nos señala la envergadura del proyecto acometido. Hasta aquí, ningún investigador o grupo de investigadores se había enfrentado a un reto historiográfico de tal magnitud sobre las raíces profundas de Charcas.

Tres son los momentos y escenarios cuyos pormenores analiza este libro: el mundo prehispánico, la incorporación de la Confederación Qaraqara-Charka al Estado Inca y posteriormente al Imperio español sobre la base de una alianza de intercambio recíproco.

Al inicio encontramos un rico, puntual y breve ensayo de interpretación antropológica de conjunto, pero no estamos aquí ante una historia monográfica concluyente sobre Charcas, sino ante una mirada indagatoria y reflexiva en torno a las manifestaciones socio-culturales, similitudes, diferencias, trato e interacción que se estableció entre los señoríos Qaraqara y Charka, de éstos con las demás federaciones de Charcas y con otras regiones.

La obra está dividida en cinco capítulos principales: Culto, Encomienda, Tasa, Tierra y Mallku, cada uno con un conciso ensayo de interpretación que introduce el contexto específico de la documentación transcrita en extenso al final del libro. Muchos de los documentos presentados, hasta aquí inéditos, nos llegan por primera vez reunidos y con un sólido aparato crítico.

Atendiendo a la subjetividad inmanente a cada texto y los criterios de verdad de la época, el análisis crítico documental le da especial relieve a la indagación en las condiciones de producción, en lo que dicen y parecen callar las voces interactuantes, sumergiendo la atención del lector en diferentes procesos de construcción de la memoria. No olvidemos que hay historiadores y antropólogos envueltos en una empresa que combina técnica y método de archivo con trabajo de campo, además de algunos acercamientos arqueológicos e incluso climatológicos. La práctica interdisciplinaria ciertamente enriquece el trabajo y suscita interrogantes desde diferentes ángulos. Estamos ante una moderna exégesis de fuentes que deja entrever formas alternativas de integración y análisis de datos, y que permite la (deReconstrucción de la vida prehispánica y colonial en Charcas. Diferentes lecturas parecen posibles. No podía ser de otra manera al tratarse de la historia de una sociedad en esencia polifónica y multicultural, donde las voces de los sujetos históricos parecen yuxtaponerse.

El capítulo “Culto” presenta dos probanzas de méritos, una de un cura vasco de la diócesis de Charcas y otra de un párroco de Chayanta. El valor de estos textos está en relación con la poca documentación que hay al respecto para Charcas. En el capítulo “Encomienda”, encontramos tres cédulas bastante tempranas que permiten entender la organización de Qaraqara y de Charka, así como la constitución de los centros de poder de la zona. “Tasa” por su parte remite a documentos sobre pleitos entre indios y encomenderos, así como a cálculos oficiales que, elaborados en diferentes momentos, proporcionan valiosos datos sobre contabilidad y monetización colonial, aclarando el panorama tributario. En “Tierra”, los autores seleccionan y abordan el estudio de algunos casos individuales documentados, los mismos que, ampliando el lente analítico, permiten comprender la realidad política local y regional de las fronteras entre ayllus.

Dada la variedad de los problemas planteados y la dinámica de su estructura, los capítulos suelen entrecruzarse y complementarse en su contenido, lo que a su vez indica que diferentes recorridos son posibles dependiendo del interés del lector.

El marco temporal abarca a grandes rasgos los siglos XV-XVII, aunque hay documentos que sobrepasan estos límites. Por otro lado, algunos textos podrían pasar como piezas de microhistoria, ya que, si bien toman en cuenta la coyuntura individual, con un cambio de lente permiten identificar un contexto más amplio. En otros casos, en un mismo texto se entrecruzan varias temporalidades relacionadas por cierto lugar común, el mismo que permite reconocer elementos de larga duración dentro de una visión braudeliana. Y es que, antes que buscar huellas prehispánicas en el tiempo diacrónico, el afán de contextualización de TTO busca entender cómo prácticas culturales concretas lograron ir cobrando nuevos sentidos por medio de la interacción de los actores.

El territorio de la Confederación Qaraqara-Charka se presenta como un espacio diferenciado -política y culturalmente hablando- del Collao, cuya tendencia hegemónica en la zona antes de la llegada de los Inca se debió a su privilegiada posición económica, política y geográfica estratégica dentro del Qullasuyu (Platt et al. 2006:28). No obstante, fuera de todo presentismo concluyente, los mapas presentados se anuncian sólo referenciales, dando prioridad al estudio de las personas en relación al de los territorios. Así, los autores nos dejan sospechar el dinámico contacto que hubo entre grupos de puna y de valle, sobre la base de obligaciones de reciprocidad política, religiosa y militar entre comunidades, trayéndonos a la mente aquel modelo de autosuficiencia estudiado por Murra y Condarco Morales para la zona andina (Condarco Morales y Murra 1987). La postura es más cautelosa a la hora de reflexionar sobre la posible tradición dual de gobierno, pero llega a proponer que se trató de una confederación formada por Charka vila y Charka hanco: “Así se justificaría que, más tarde, los Qaraqara siguiesen clasificándosejunto con los Charka” (Platt et al. 2006:47).

Una de las reflexiones más interesantes que nos ofrece QQCH gira en torno al estudio de la autoridad indígena en Charcas. Esta es presentada como una fuerza dinámica y transformadora de sí y de su entorno en el contacto y la convivencia diaria en el escenario colonial. Precisamente, el último capítulo “Mallku”, presenta probanzas de méritos y servicios de señores naturales, relatos personales sobre el linaje de algunas familias que, en la larga duración, permiten descubrir ciertos objetivos de encumbramiento y de poder escondidos entre líneas dentro de un escenario más amplio que el individual. En este sentido una pieza clave es el “Memorial de Charcas”, pronunciamiento de los mallku de la zona en que instan al Rey a proveer los remedios necesarios en diferentes aspectos concernientes a la situación del indígena después de las reformas toledanas; pero, particularmente, buscando el restablecimiento de sus derechos y estatus de altas autoridades prehispánicas, enumerando los servicios hechos a los Inca y al Rey y pidiendo ser tratados como nobles españoles. Resalta aquí el acusioso análisis del papel y estrategias de los mallku de Charcas para acomodarse en contexto colonial. Este documento reúne los puntos esenciales abordados en los diferentes capítulos, y cuya preocupación de transcripción y reedición parece haber sido una de las motivaciones principales de la gestación de QQCH.

En pos de comprender mejor la posición, relación e influencia de los señores naturales de Qaraqara y Charka, así como la transformación diacrónica de las sociedades andinas, TTO proponen una aproximación rigurosa a dos momentos ineludibles: La llegada del Inca Wayna Qhapaq, y el posterior reordenamiento del Estado Inca por Gonzalo y Hernando Pizarro en 1538.

Por los datos expuestos evidenciamos que lejos de rebelarse, los aymarás habrían optado por una política de alianzas con Pachakuti y Wayna Qhapaq, la misma que les ayudó a garantizar ciertos privilegios y una notable autonomía dentro de su territorio. Teniendo en cuenta que los Inca dependían bastante de Charcas en su empresa de conquista, el sometimiento habría sido más bien una especié de pacto de intercambios recíprocos (Murra 1975:IV). Bouysse-Casagne sostiene incluso que los Inca no sólo dejaron su impronta en Charcas, sino que éstos tomaron muchos elementos sociales y culturales de esta región del Sur para el gobierno del Estado multiétnico.

A pesar de la innegable dificultad que implica reconocer la superposición de derechos y obligaciones en este escenario de reciprocidad y rivalidades entre mallku, la perspectiva antropológica de este estudio nos muestra la importancia que conservaron los señoríos de Charcas en la vida política del Tawantinsuyu o Estado multiétnico andino, a partir de la relación de sus autoridades con el Inca.

En lo que a la imposición del dominio hispano se refiere, éste no habría sido el resultado del enfrentamiento entre dos bandos opuestos, pero de un combate desde varios frentes rivales (dos Inca, dos sacerdotes, varios mallku, los españoles). Para TTO, la capacidad de negociación del príncipe Pawllu con los señores naturales locales lo convierten sin duda en: “el que conquistó el Qullasuyu para el Rey de España” (Platt et al. 2007:111).

Sea como fuere, QQCH muestra mediante estas reflexiones cómo desde los primeros años de convivencia entre españoles e indígenas, pero particularmente después de 1569, se puso en marcha todo un proceso de desestructuración que sufrieron las sociedades andinas, en el que el Virrey Toledo dejó una fuerte impronta. La documentación expuesta y la lectura propuesta traza el desarrollo de las interacciones entre los actores, las mismas que llevaron a la organización paulatina de una nueva sociedad en Charcas. TTO sugieren incluso que en este período se habría ido organizando poco a poco en Potosí un “archipiélago colonial”, con una lógica radial en torno al mercado naciente integrado por la minería, la agricultura, el trabajo artesanal y una serie de nuevas tareas dentro de una red comercial inédita en la zona1. La coyuntura política posterior a la llegada del Virrey, así como el accionar de los señores naturales, habrían sido desde esta perspectiva fundamentales para consolidar los cambios. Toledo habría motivado por ejemplo que el mallku tradicional se convirtiera intermediario entre el indígena y la Corona, intentando dar fin a la antigua organización dual, y distanciándose sustancialmente de la autoridad tradicional.

No obstante, y considerando que la historia está llena de matices, como bien muestran TTO es necesario destacar que muchos de los documentos presentados en esta obra dejan ver que ciertas reglas internas de sociabilidad andina tradicional perduraron -aunque no intactas- en diferentes aspectos dentro de celebraciones o en muestras de generosidad (Platt et al. 2006:659). El interés de este libro radica precisamente en ver cómo, en qué medida y bajo qué circunstancias fueron cambiando estas prácticas y sus referentes dentro del imaginario cultural de Charcas, para articularse dentro de la nueva sociedad colonial.

La contribución de este volumen a la historiografía andina es sin duda sumamente rica y sólida. Su lectura es absolutamente recomendable y necesaria para los estudiosos del pasado andino.

Agradecimientos: Comprometo especialmente mi gratitud el Doctor Jorge Hidalgo L. cuyas acertadas recomendaciones fueron de gran ayuda. Asimismo, agradezco los valiosos comentarios de los evaluadores que ayudaron a mejorar la calidad de este trabajo.

Notas

1 Aunque hubo algunos lugares como Macha, donde Platt argumenta que la organización vertical logró subsistir marcando una continuidad en la larga duración (cf. Platt et al. 2006:538).

Referencias

Condarco Morales, R. y J. Murra 1987 La Teoría de la Complementariedad Vertical Eco-Simbiótica. HISBOL, La Paz.         [ Links ]

Murra, J. 1975 Formaciones Económicas y Políticas del Mundo Andino. IEP, Lima.        [ Links ]

Platt, T., T. Bouysse-Cassagne y O. Harris 2006 Qaraqara-Charka Mallku, Inka y Rey en la Provincia de Charcas (siglos XV-XVII) Historia Antropológica de una Confederación Aymara. IFEA, Plural, University of St. Andrews, University of London, ínter AmericanFoundation, Fundación Cultural del Banco Central de Bolivia, La Paz.        [ Links ]

Paola Revilla Orías – Magíster Historia. Mención América, Departamento de Ciencias Históricas, Universidad de Chile, Santiago. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[IF]

 

Textos sobre poder, conhecimento e contingência – SCOTUS (V)

SCOTUS, João Duns. Textos sobre poder, conhecimento e contingência. Tradução, introdução e notas de Roberto H. Pich. Porto Alegre: Edipucrs/Edusf, 2008, 508 p. (col. Pensamento Franciscano, XI). Resenha de: LEITE, Thiago Soares. Veritas, Porto Alegre v. 54 n. 3, p. 202-203, set./dez. 2009.

Inserindo-se nas celebrações do VII centenário de falecimento de João Duns Scotus, vem a lume a obra João Duns Scotus. Textos sobre poder, conhecimento e contingência, compondo o décimo primeiro volume da já tradicional coleção Pensamento Franciscano.

Após haver traduzido o Prólogo da Ordinatio (JOÃO Duns Scotus. Prólogo da Ordinatio. Porto Alegre: Edipucrs, 2003, 456 p. – col. Pensamento Franciscano, V) e a questão 15 do livro IX das Quaestiones super libros metaphysicorum Aristotelis (Veritas 53/3 (2008), p. 118-57), o Prof. Dr. Roberto Hofmeister Pich (PUCRS) apresenta sua tradução das três versões dos textos de Duns Scotus sobre os temas “poder”, “contingência”, “conhecimento divino” e “liberdade”, a saber: Lectura I, d. 39-45; Ordinatio I, d. 38-48 (no lugar destinado à d. 39, encontra-se a tradução do apêndice A – Segunda parte da trigésima oitava distin203 ção e trigésima nona distinção) e Reportatio parisiensis examinata I, d. 38-44.

Como é sabido, Lectura I, d. 39-45 constitui-se na parte final do comentário ao livro primeiro das Sentenças de Pedro Lombardo, elaborado por Scotus com a finalidade de docência em Oxford. Já Ordinatio I, d. 38-48 representa a “ordenação” dos textos de Lectura com o objetivo, diríamos hoje, de publicação. Nesse sentido, os textos de Ordinatio seriam a revisão que Scotus iniciara em Oxford e continuara em Paris. Por fim, o terceiro bloco de textos traduzidos (Reportatio parisiensis examinata I, d. 38-44) reporta as anotações de aula de alunos e discípulos que ouviram as preleções de Scotus em Paris e, por ele, examinadas e aprovadas.

Tal coletânea consiste em um projeto único no mundo e tornar-se-ia um cânone no meio scotista mundial caso os textos latinos acompanhassem a tradução, o que caracteriza um primeiro demérito da edição. Pode ser considerado um segundo demérito a ausência de uma revisão mais detida.

Não obstante os problemas acima citados, o volume está repleto de méritos. O primeiro é o já citado fato de, nele, se encontrarem traduzidas as três versões dos textos de Scotus. O leitor que não esteja familiarizado com as obras da Scotus poderá se situar na coletânea de textos apresentada através do Prefácio, escrito por Pich.

Ao Prefácio, segue-se o segundo mérito do volume, a saber: um extenso estudo sobre os temas “contingência” e “liberdade”, no qual Pich, para explicar a tese do Doctor Subtilis sobre o indeterminismo da vontade, realiza uma descrição do que denomina “modo de causalidade do ato da vontade” e “modo de realidade do ato volitivo”. É também digno de nota a bibliografia apresentada ao fim do estudo por ser, ao que tudo indica, a mais atualizada sobre o tema.

Um terceiro mérito consiste na apresentação da estrutura de cada distinção traduzida. Tal modus operandi, que já se tornou característico das traduções de Pich, permite uma rápida visualização do modo como o assunto será desenvolvido por Duns Scotus.

Quanto à tradução, a competência de Pich é inegável. Seu conhecimento sobre os temas abordados por Scotus se faz ver ao longo da tradução, de modo que, por muitas vezes, o tradutor transfere uma clareza tal ao texto que seu original latino carecia. A fluidez da tradução é tamanha que um leitor sem acesso aos originais latinos dificilmente entenderá o porquê Scotus ser conhecido como o Doctor Subtilis.

Enfim, trata-se de uma excelente homenagem a esse filósofo tão pouco conhecido e estudado em nosso país.

Thiago Soares Leite

Acessar publicação original

Movimientos y poder indígena em Bolivia, Ecuador y Peru – ALBÓ (AN)

ALBÓ, Xavier. Movimientos y poder indígena em Bolivia, Ecuador y Peru. La Paz: CIPCA, 2008, 294 p. Resenha de: CHAVES, Daniel Santiago. Anos 90, Porto Alegre, v. 16, n. 29, p. 365-369, jul. 2009.

Linguista e antropólogo espanhol, Xavier Albó é radicado na Bolívia desde os anos ’70, quando co-fundou o Centro de Investigación y promoción del Campesinado (CIPCA), uma instituição que se tornou bastante influente no país e em toda a região andina no tratamento sofisticado à questão indígeno-camponesa, tanto na sua essência teórico-analítica, quanto no próprio acompanhamento do desenvolvimento histórico do conceito.

Mas qual é o ponto central do trabalho de Albó? Ao historicizar os movimentos sociais (sejam autônomos ou ligados aos partidos políticos), relacionando-os com a questão indígena no Peru, Bolívia e Equador, Albó age como um topógrafo e faz um mapeamento detalhado destes movimentos, captando as suas semelhanças, regularidades e dessemelhanças. A sua chave de compreensão enfatiza as transições históricas das bases – outrora esquecidas, sendo hoje o motor das transformações no chamado “arco andino” – através de uma avançada e sofisticada análise política, cultural e sociológica, sem esquecer as relações com as diversas turbulências econômicas dos três países.

E o que há de relevante nessa obra? Albó entende que os indígenas – ou melhor, pueblos originarios (“povos originais”) – representam a maioria pujante da população nestes países, não só em termos quantitativos, como na sua relação diversa com os processos nacionais e continentais e, consequentemente, na sua luta por uma posição que represente a sua importância nestes termos. O autor elabora um crescendo que toma referências históricas da conquista espanhola, passando pela repartição da sua forma de organização política autóctone (o Tawantinsuyu, “Império Inca”) e pela submissão aparentemente completa ao jugo do colonizador para explicar que o indígena originário não pode ser considerado somente mais um elemento dessas sociedades. Pelo contrário, ele representa o pilar central desse desenrolar de fatos, cuja trajetória nos últimos 500 anos deve estar diretamente relacionada ao tempo presente e aos próximos anos.

Apesar disso, Albó retrata um passado recente de sofrimento, paúra, pobreza e esquecimento nos três países, cada qual revelando uma dinâmica diferenciada. Enquanto o Equador é notado como a matriz das atuais formas de organização dos chamados movimentos sociais, o Peru se encontra em um lento despertar após anos de Sendero Luminoso e a Bolívia despontou com a sua diversidade pujante para a conquista do poder instituído. Nos três países, igualmente, a busca por maior participação e representação política está diretamente relacionada a uma repressão (ou omissão) histórica aos direitos destes grupos identitários, por vezes locais, mas que emergem no século XXI sobre o processo da glocalização, termo que ele toma emprestado do sociólogo Roland Robertson (1995) para definir a ascensão e relação mútua entre pequenos núcleos/ instâncias locais e a dinâmica global. Ou seja, a comunidade local começa a pensar – e agir – em escalas diferenciadas e entrepostas sobre termos globais, transcendendo por vias diferenciadas a sua condição restrita. Think global, act local, para “outro mundo possível”.

Dessa maneira, emerge uma intensa identidade regional, assumindo francos tons anti-imperialistas (clara resposta aos extremos dos ‘ajustes estruturais’ dos últimos 20 anos) e nacionalistas de esquerda, optando pela defesa integral da soberania nacional no Pós-Guerra Fria. Porém, mais profundo que isso, subsiste uma franca liberação irrompendo-se nas bases destas sociedades: dos povos indígenas a uma condição de índio alzado (índio alçado), não mais convivendo e agindo como o índio permitido. Ou seja, a rigor, a maioria não seria mais tutelada por instituições, leis e lideranças brancas (ou brancóides), mas legitimamente identificadas e nascidas no seio deste enorme caldeirão cultural, político e societário.

O autóctone, assim, emancipa-se paulatinamente na atualidade da sua busca pelo poder instituído. Evidentemente, deixando de lado formas ocidentalizadas de organização sociopolíticas como Partidos Políticos clássicos, verticais e hierarquizados que, em grande medida, são incompatíveis com esse mosaico dinâmico. É possível relacionar essa transformação com um caráter reticular inovador, objetivamente assumido nessa nova dinâmica organizacional: estes partidos têm grande aderência junto a estes grupos identitários justamente por possibilitarem a sua participação mais ampliada, e mais, por se relacionarem com as entranhas do comunitário sem negar o nacional e o regional. Mas voltemos ao Peru, Equador e Bolívia, ou melhor, ao núcleo duro deste Arco Andino, visto que o verdadeiramente interessante é acompanhar o desenrolar dos fatos nestes países através de um nexo conjunto, não de forma separada.

É imperioso relatar que Albó trata esses movimentos sociais andinos de forma muito delicada, sem encará-los de forma monolítica e inflexível; pelo contrário, lança mão de precisa apreciação para compreender a diversidade específica de cada localidade nas novas reivindicações políticas (gênero, recursos naturais, participação política, autoidentificação e afirmação cultural, entre outras diversas) dos povos se afirmando na unidade paulatina das “nações originarias”, última etapa do deslocamento histórico-existencial destes grupos. E é precisamente nesse ponto em que nos detemos, em um presente sacudido pela emersão dessas nacionalidades como elementos centrais para a definição do futuro regional, quiçá da Integração Sul-Americana como processo maior.

Se levarmos em consideração que a conquista desse poder instituído – sejam congressos, assembleias constituintes ou cargos de alto poder decisório – pela via democrática foi forjado por uma longa experiência histórica e assim solidificou a hegemonia destes grupos nos países relacionados a esse arco andino, e mais, que essa ascensão tem fortes conteúdos nacionalistas pan-andinos, é impossível não situar os discursos fraternais como um impulso comum, ensejando a reunificação em alguns casos.

Deve-se comentar, entretanto, que esta não se especula na leitura do autor por vias de um só corpo jurídico-legal constitucionalizado, cuja expectativa de ligação estreita entre nação e estado – e assim, reunificação territorial – é advertida inclusive por Albó como uma limitação analítica dos cientistas políticos. Sem comungar da mesma leitura que Albó, é possível entrever questões por um prisma pragmático, posicionado sobre os temas mais sensíveis da integração regional sul-americana, relacionados à região que aferrolha geopoliticamente a Amazônia Brasileira.

A parcela do referido “Arco Andino”, tratada por Albó O que resta como substrato são a pertinência e a potencialidade destes conteúdos (anti-imperialismo, nacionalismo pan-andino de esquerda, questões energéticas comuns, reação antirracista, entre outros) derivando em mais um comportamento nacional/regional influente e decisivo sobre um projeto de Integração Sul-Americana, que possivelmente concorre na esteira do processo de regionalização em curso. Na medida em que este projeto não se encontra mais em um campo meramente seminal, persiste uma série de demandas significantes ainda a serem tratadas pelos países unidos em torno da América do Sul – seguridade jurídica, planejamento energético regional, monitoramento de fluxos ilícitos e migratórios, defesa e segurança militar, entre outros – que são fundamentais para a solução das controvérsias regionais que porventura surjam. Em tempo: já é possível nomear alguns casos: Petrobrás (Bolívia, 2006), Odebrecht/ Furnas (Equador, 2008), brasileiros proprietários de terra no Paraguai, os ‘Brasiguaios’, além da questão tarifária em Itaipu (Paraguai, 2008).

Nesse sentido, é imperioso considerar pragmaticamente os tons multifacetados dessas conjunturas nacionais andinas, na medida em que com elas coexiste a ascensão de lideranças nacionalistas inclinadas à esquerda. A pluralidade de tais conjunturas – por vezes conflitivas – faz com que elas se revelem determinantes processos para o futuro das suas nações devido à própria integração multilateral destas com projeções sólidas de hegemonia para gerar desenvolvimento nas suas economias nacionais e transformação política do ordenamento jurídico, democrático e estatutário dos Estados – ainda que essa transformação não necessariamente objetive estabilidade. Um discurso pan-andino comum baseado em identidade, oposição antissistêmica ao capitalismo e a toda potência “imperialista” (incluindo-se aí o Brasil, por vezes) tem suas raízes e forças-motrizes perfeitamente assinaladas por Albó, que ata os seus cabos em um raio-X preciso da constelação milenar constitutiva do “homem andino”.

Daniel Santiago ChavesÉ pesquisador do Laboratório de Estudos do Tempo Presente/UFRJ e mestrando do Programa de Pós-Graduação em História Comparada. E-mail: [email protected].

Poder e Trabalho – Experiências em História Comparada | Fábio de Souza Lessa

Em Poder e Trabalho, livro organizado pelo Prof. Dr. Fábio de Souza Lessa do Departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), encontramos uma síntese das amplas possibilidades apresentadas aos estudos históricos pelo método comparativo: a análise de diversos acontecimentos e fenômenos históricos a partir da “perspectiva construtiva”, baseada na apresentação de um conjunto de problemas em comum.

Poder e Trabalho traz o que há de mais significativo no método comparativo: a possibilidade de termos uma temática eleita e esta ser desenvolvida, através do comparativismo, em diversos períodos históricos. A partir dos eixos Poder e Trabalho, professores, mestres e mestrandos do Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC) da UFRJ, elaboram reflexões acerca da temática central do livro, mas em períodos e espaços distintos, como África Antiga, Brasil Contemporâneo, Grécia antiga, Península Ibérica Medieval, dentre outros. Leia Mais

Mulheres e Poder – histórias, ideias e indicadores – MELO (S-RH)

MELO, Hildete Pereira de; THOMÉ, Débora. Mulheres e Poder – histórias, ideias e indicadores. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018.  Resenha de: SILVA, Tamy Amorim. Mulheres, feminismos e poder: caminhos de lutas. SAECULUM – Revista de Hhistória, João Pessoa, v.40, p.461-466, jan./jun. 2009.

Mulheres e poder – histórias, ideias e indicadores é uma obra necessária em momentos atuais. Publicado no ano de 2018 pela editora Fundação Getúlio Vargas, o livro nos traz relevantes discussões para aprendermos sobre a longa duração das lutas das mulheres pelo acesso à educação, ao trabalho, ao voto, entre outras, esboçadas durante os capítulos, e procura nos fazer refletir sobre o quanto ainda falta para lograr a equidade de gênero.

Uma das autoras, Débora Thomé, é doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense. Entre outras publicações suas estão os livros O Bolsa Família e a social democracia e 50 brasileiras incríveis para conhecer antes de crescer – este último voltada para o publico infantil. Atualmente, suas pesquisas se destinam a explorar a participação política de mulheres no Brasil. A outra autora é Hildete Pereira de Melo, professora associada da Universidade Federal Fluminense, doutora em Economia. Seu currículo se expande em número de publicações, orientações e experiências de pesquisa, sendo que um dos temas aos quais dedicou suas investigações diz respeito às assimetrias de gênero no campo do trabalho doméstico. Na apresentação do livro fica evidente que militância e pesquisa acadêmica estão imbricadas e é relevante mencionar que Hildete Pereira indica sua articulação com os feminismos desde meados de 1976, sendo, nesse livro, uma “testemunha desta história” escrita (Melo; Thomé, 2018, p. 191). Leia Mais

Variations in the expression of Inka power – BURGER; MORRIS; MATOS (A-RAA)

BURGER, Richard L.; MORRIS, Craig; MATOS, Ramiro (Org.). Variations in the expression of Inka power. [Sn]: Dumbarton Oaks, 2007. Resenha de: HERRERA, Alexander. Antípoda – Revista de Antropolgía y Arqueología, Bogotán.7 Bogotá jul./dez. 2008.

La adveridad de formas en las que se manifiesta el poder político, militar y religioso a lo largo y ancho del Tawantinsuyu —una de las más sofisticadas y complejas formaciones socio-políticas indígenas del continente americano— es una de las características que más inquietudes investigativas ha despertado en las últimas décadas. Otrora considerado como un imperio despótico y monolítico, las investigaciones de los historiadores John Howland Rowe y María Rostworowski Tovar de Diez Canseco, y los antropólogos John Victor Murra y Reiner Tom Zuidema —homenajeados con la dedicatoria del evento y del volumen— no solo han permitido revaluar el imperialismo inca, sino que han abierto las puertas a múltiples acercamientos teóricos y metodológicos.

El impecable volumen editado por Burger, Morris y Matos, ofrece una visión panorámica de las investigaciones arqueológicas de fines del siglo XX que permite evaluar la influencia de los cuatro pensadores mencionados, a la vez que demuestra el creciente dinamismo de los estudios inca. Su publicación diez años después del evento se debe, en parte, a una serie de sensibles fallecimientos que anuncian el fin de una era —John Rowe en Mayo de 2004, Craig Morris en Junio y John Murra en Octubre de 2006. La presencia de notables trabajos de síntesis regionales para la sierra y costa central de Perú, el oriente boliviano y el noroeste argentino, así como sobre la producción social y simbolismo de objetos y artefactos textiles, metálicos y de piedra hace que este volumen mantenga una vigencia que probablemente perdurará por décadas, tal y como ha sucedido con otros volúmenes andinos editados por la Universidad de Harvard y Dumbarton Oaks.

A modo de introducción, Craig Morris presenta un sucinto ensayo bibliográfico que resume los aportes centrales de Murra, Rostworowski, Rowe y Zuidema en el contexto de la interfase entre arqueología e historia. Propone una agenda para la arqueología andina que articule la independencia de los testimonios materiales con el análisis crítico de las fuentes históricas, integrando así el estudio etnográfico. Aunque esto es lo que la mayoría de investigadores del fenómeno inca buscan hacer, cabe resaltar la falta de consenso en torno a cómo integrar la investigación arqueológica, etnográfica, lingüística e histórica.

Arellano y Matos, por ejemplo, reconstruyen la historia cultural de una provincia inca en la sierra central del Perú combinando el estudio pormenorizado de fuentes etnohistóricas con décadas de estudio arqueológico en los alrededores del centro administrativo inca de Pumpu (Brown 1992, Matos 1994). Al igual que en otras partes del Tawantinsuyu el patrón de asentamiento inca se distingue con facilidad del patrón local. Destaca la diversidad de estrategias para la fundación de asentamientos sobre pueblos o santuarios locales (acaso destruidos intencionalmente) cercanos a ellos (acaso respetando su importancia simbólica) o en lugares previamente deshabitados. El encuadre de la distribución de sitios inca, de los sitios locales, de los diversos estilos de cerámica tardíos existentes en la región y de la información etnohistórica es una tarea que no solo requiere trabajo de campo y archivo, sino también una reflexión teórica sustentada en torno a la relación entre la cultura material y las identidades del momento.

Charles Stanish y Brian Bauer, en cambio, ponen en relieve los centros de peregrinaje inca, específicamente el camino desde la Península de Yunguyu hasta la Isla del Sol, en el lago Titicaca. Según los autores, el imperio “alteró el paisaje en la región sur del Titicaca para crear un amplio centro de peregrinaje en el cual conceptos ideológicamente útiles eran reforzados mediante la participación de la élite y la gente del común”. Esta propuesta se inclina a favor de una interpretación de la ideología materializada en la Isla del Sol —registrada durante la prospección arqueológica de la isla— como herramienta de las élites, haciendo paralelos con imperios de la tradición eurásica. La separación analítica de sentimientos religiosos y materialidad, sin embargo, sugiere un modelo en el cual los peregrinos habrían sido cooptados por la monumentalidad de los templos inca de manera automática.

“Los incas en el sur” es el título del sintético aporte de Terence D’Altroy, Verónica Williams y Ana María Lorandi, un trabajo que resume años de investigaciones en el noroeste argentino. Acompañado de mapas originales regionales y de sitios, los autores dan cuenta de los significativos avances, a la vez que proponen una reinterpretación de la historia inca a partir de los resultados de las investigaciones en el valle norte de Calchaquí, en el Bolsón de Andagalá y en las docenas de santuarios de gran altura. La intensidad de las transformaciones para intensificar la producción agrícola y el hecho de que los fechados por radiocarbono indiquen la presencia inca antes de lo señalado por las fuentes históricas, les induce a replantear la profundidad estructural del impacto inca sobre las sociedades locales, abriendo las puertas para repensar su interrelación desde la arqueología.

Chincha fue un señorío de orientación marítima que, según las fuentes históricas, se benefició con la expansión del Tawantinsuyu. Las investigaciones realizadas desde la década de 198 0 en Huaca La Centinela, revisten considerable interés pues si bien confirman la alianza entre ambas formaciones, los resultados no sustentan los modelos de dominación tradicionales, centrados en el control del tráfico de conchas marinas y otras mercancías. Craig Morris e Idilio Santillana analizaron la arquitectura pública y de élite para determinar el impacto de las remodelaciones asociadas a la construcción de templos y palacios inca sobre los espacios públicos Chincha, incluyendo el oráculo de Chinchaycamac. La imposición de principios de organización duales materializa jerarquías en la arquitectura pública que van de la mano con un mayor énfasis en los espacios públicos abiertos. Las estrategias de integración, vistas desde la arquitectura, constituyen así un vehículo para acercarse a la complejidad de las negociaciones políticas, articuladas en el plano religioso, y les sugieren a los autores una configuración de poder compartido.

El trabajo de Lucy Salazar corta de raíz con uno de los mitos más difundidos en torno a la población de Machu Picchu. Los restos mortuorios recuperados por la Expedición Yale de 1912 constan de 174 individuos hallados en 104 abrigos rocosos; hombres, mujeres, niños y fetos. Muchos de ellos murieron viejos y enfermos, aunque sus momias se hallaban acompañadas de objetos suntuarios de cerámica y metal. La interpretación de estos hallazgos —publicados en un detallado catálogo (Burger y Salazar 2004)— a la luz de una visión de Machu Picchu como la hacienda real (royal estate) dedicada al culto de la momia del inca Pachacuti Yupanqui, le sugiere a Salazar un complejo mapa de la composición étnica, entre los que destaca la presencia de metalurgos y orfebres chimú. Así, una parte importante de los habitantes de Machu Picchu serían especialistas camayoq, sirvientes yana del culto al inca difunto, es decir, de Iñaca Panaca Ayllo. Las implicancias para entender las estrategias de poder de los grupos de descendencia reales son sugerentes y remiten al estudio comparativo de la arquitectura palaciega.

En un trabajo deliciosamente detallado, Susan Niles y Robert Bateson reconstruyen el palacio de Quispiwanka, construido para el inca Huayna Capac en su “hacienda real” de Yucay, en el valle del Urubamba. El minucioso registro y análisis de los restos de una docena de estructuras visibles en superficie, no solo les permite estudiar las particularidades de este palacio —los torreones y el acceso, la plaza con roca wanka central, los canales y el lago artificial, entre otras—, sino determinar las características de un estilo arquitectónico que, a la vez que se ajusta a los cánones inca, buscaba un efecto arquitectónico distintivo. Según los autores transmitiría el sello personal del inca Huayna Capac y de su arquitecto Sinchi Roca.

La propuesta de Albert Meyers de repensar la historia inca a partir de la arqueología, se basa en la comparación de Cochasquí y Samaipata, sitios inca ubicados en los confines norte y suroriental del Tawantinsuyu, en la interpretación de la sucesión de estratos de remodelación asociados a la ocupación inca y, en especial, en las evidencias de planes de construcción “malintencionados”, pensados para alterar radicalmente espacios ceremoniales anteriores. En línea con el trabajo de Meyers, María de los Angeles Muñoz describe la kallanka de Samaipata y discute las implicancias de la distribución de los huecos de poste para reconstruir la forma del techo. A la vez que hace uso de la analogía etnográfica para sustentar una relación con el oriente a partir de este rasgo arquitectónico, interpreta las diferentes fases de ocupación en términos de las fuentes históricas. Meyers, en cambio, deja de lado de manera consistente las fuentes históricas, los fechados directos y las analogías como parte de una estrategia metodológica que pone sobre el tapete los orígenes de los estilos inca —en cerámica, escultura y arquitectura.

Desde la historia del arte Tom Cummins se acerca a la manera en la cual los vasos, tejidos y tumbas decorados con motivos inca expresan el poder, recordando la trascendencia de los estudios iconográficos para la arqueología Moche y Nazca, por ejemplo. Las imágenes y en especial los dibujos de Guaman Poma en un manuscrito inédito de la “Historia del origen y genealogía real de los reyes incas del Perú” de Fray Martín de Murúa, ilustran un argumento claro: los objetos y sus atributos solo se entienden en su relación con otros objetos y con cuerpos (a lo cual agregaría lugares y tiempos). El acercamiento relacional al contenido simbólico de los vasos keru akilla y a los textiles kum-pi decorados, unido al estudio de fuentes inéditas —incluyendo el inventario de bienes de Felipe II— da lugar a una interpretación —ricamente comentada en extensas notas— de las túnicas, objetos y estructuras con motivos tokapu como emblemas que, en un contexto ceremonial, constituyen el poderío inca a nivel simbólico. El acercamiento de Cummins, resuena con el trabajo de Rebecca Stone sobre una de las más complejas túnicas inca en existencia: el unku de la colección de Dumbarton Oaks. Decorada con 312 tokapu que alternan 23 motivos básicos —y variantes— el desorden resultante contrasta con la idea del inca como “ordenador del mundo”. Distanciándose de las interpretaciones que proponen un sistema de escritura basado en tokapu, Stone sugiere que la distribución de diseños “equiparaba etnicidades visualmente [y] mitigaba la heterogeneidad, en un mensaje aparentemente propagandístico que buscaba persuadir a los sujetos en potencia que podrían caber dentro de los dictámenes inca” (p. 404). La variabilidad en los coloridos motivos abstractos, evita elementos narrativos para construir una jerarquía elaborada y a la vez flexible, ligada a proyectos a futuro.

Las décadas de estudio que Heather Lechtman ha dedicado a la metalurgia andina se hallan plasmadas en una impecable síntesis de la arqueometalurgia inca. Prescindiendo largamente de las fuentes etnohistóricas, sesgadas por las ansias de hallar —y fundir— los objetos de oro y la plata, Lechtman se pregunta por el uso que el Tawantinsuyu hace del sistema metalúrgico trimetálico andino. Destaca, por un lado, las incrustaciones de metales —de diferente color— y por el otro la creación del bronce estañífero, acaso la aleación imperial por excelencia. Pese al volumen de producción, a lo amplio del área de distribución y a la presencia de dos tipos de cabezas de estandarte o insignias de esta aleación, similares a las hachas de guerra europeas, Lechtman sostiene que el rol de los metales continuó siendo esencialmente el mismo. Su uso principal era como arma política y diplomática, antes que militar.

Los khipu constituyen uno de los más antiguos y discutidos campos para el estudio de la cultura material inca. Gary Urton y Carrie Brezine utilizan el hallazgo arqueológico, en 1956 , de 21 khipu depositados en una vasija en el sitio administrativo inca de Puruchuco, ubicado en los confnes orientales de la ciudad de Lima, para demostrar un acercamiento basado en el paradigma que los khipu representan un archivo. Es decir, se trataría de un registro “censal” de lugares y personas —en el sentido de la Historia general del Perú de Murúa— según el paradigma dominante en este campo (aunque véase: Salomón 2006). El detallado estudio de las correlaciones numéricas, de color, torsión y posición de los diferentes nudos, anclado a un sólido análisis de las fuentes en torno al sistema inca decimal de organización política, a la vez bipartito y jerarquizado, le sugieren a los autores la existencia de tres niveles jerárquicos de contabilidad. Aunque la significación de objetos, lugares, personas y animales en los nudos por parte de los khipukamayuq aún no se ha esclarecido, los avances en el entendimiento de su estructura son evidentes.

En resumen, el volumen pone en evidencia la magnitud y diversidad de los aportes de la arqueología para el estudio del Tawantinsuyu. Tal y como Burger señala en su reflexión final, este estudio de lo inca obliga a repensar la noción de poder, o al menos a utilizarla con mayor discernimiento para empezar a entender la gigantesca capacidad de congregación coordinada que atestiguan los templos, terrazas, caminos, canales y pueblos construidos en los albores de la conquista.

Referências

Brown, David 1992 Administration and Planning in the Inka Empire: A Perspective from the Provincial Capital of Pumpu,Central Peru. Ph.D. Department of Anthropology, University of Texas.        [ Links ]

Burger, Richard y Lucy Salazar 2004 Machu Picchu: Unveiling the mysteries of the Incas. Yale University Press, New Haven y Londres.        [ Links ]

Matos, Ramiro 1994 Pumpu: Centro administrativo Inka en la puna de Junín. Editorial Horizonte, Lima.        [ Links ]

Salomón, Frank 2006 Los quipocamayos: El antiguo arte del khipuen una comunidad campesina moderna. IFEA/IEP, Lima.        [ Links ]

Alexander Herrera

Acessar publicação original

[IF]

História e Imprensa: representações culturais e práticas de poder | Lúcia Maria B. P. das Neves, Marco Morel e Tânia M. Bessone Ferreira

NEVES, Lúcia Maria B. P. das; MOREL, Marco; FERREIRA, Tânia M. Bessone da C. (Orgs.). História e Imprensa: representações culturais e práticas de poder.  Rio de Janeiro: DP&A / FAPERJ, 2006. Resenha de: CORRÊA, Maria Letícia. Revista Maracanan. Rio de Janeiro, v.3, n.3, p.179-182, 2007.

Acesso apenas pelo link original [DR]

Territórios de mando: banditismo em Minas Gerais, século XVIII – SILVA

SILVA, Célia Nonata da. Territórios de mando: banditismo em Minas Gerais, século XVIII. Belo Horizonte: Crisálida, 2007. Resenha de: ROMEIRO, Adriana. Varia História, Belo Horizonte, v.23, n.37, p. 237-240, jan./jun., 2007.

Originalmente escrita como tese de doutorado, defendida no Programa de Pós-Graduação do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais, o livro Territórios de mando – banditismo em Minas Gerais, século XVIII debruça-se sobre um campo raramente explorado pela historiografia mineira: a vasta região rural da capitania, dominada por potentados e poderosos locais, perdidos em meio às lonjuras de um sertão inóspito e distante. Poucos foram os estudiosos que se aventuraram por esse verdadeiro continente indevassado, a exemplo de Bernardo da Mata-Machado1e, mais recentemente Carla M. J. Anastasia, num trabalho pioneiro sobre as turbulentas zonas de fronteira, intitulado A geografia do crime.2 Ao contrário do enfoque predominante na historiografia sobre o Setecentos mineiro, voltada para o universo das vilas e arraiais, a urbanização restringia-se a uns poucos núcleos populacionais, para além dos quais abria-se, imenso e inquietante, o sertão.

Filiada às novas tendências historiográficas, a autora se propõe a examinar a configuração política peculiar que floresceu à roda dos grandes potentados sertanejos, responsáveis pela constituição de vigorosos pólos de poder privado, que, ao longo de todo o século XVIII, minou insidiosamente as sucessivas tentativas da Coroa portuguesa no sentido de estender os seus tentáculos por toda a capitania. Afinal, como se dava o exercício do poder e do mando entre esses homens, tidos freqüentemente por facinorosos e rebeldes? Que valores pautavam o imaginário político deles? Ao longo da pesquisa, Célia Nonata da Silva descobre uma cultura política singular, profundamente marcada pelas concepções barrocas do Portugal restaurado, reinventadas no contato com as tradições locais. Mestiça, essa cultura política estruturava-se em formas de mando complexas, que estavam longe do estereotipo fixado pelos contemporâneos, que viram nelas tão-somente a expressão de uma violência irracional, típica do cenário bárbaro em que supostamente viviam os sertanejos.

Encarnando um poder que fustigava a Coroa, contra a qual empreenderam uma tenaz e bem-sucedida resistência, os potentados dominavam vastas extensões de terra – os chamados territórios de mando -, nos quais eram reconhecidos como chefes políticos legítimos, e por essa razão, obedecidos e respeitados por um número expressivo de moradores. Um exemplo disso é a situação inusitada em que se viu o Conde de Assumar, por ocasião do motim de Barra do Rio das Velhas, obrigado a enviar bandos para informar a população local de que ela devia obediência e vassalagem ao rei de Portugal e não a Manuel Nunes Viana. Apesar disso, este último continuou a reinar soberano e absoluto na região, desafiando acintosamente os esforços desesperados do governador para estabelecer ali o poder público.

Ao carisma destes potentados, somavam-se práticas de dominação que se traduziam sob a forma de ritos de violência específicos, como o recurso à vingança, a valorização da honra, a exibição de signos de virilidade, como a valentia, a bravura e o desafio, dos quais resultou um exercício de poder marcadamente privado, refratário, em alguns casos, à negociação, em outros, abertos à transação. Em torno deles, gravitava uma complexa rede de solidariedades, de que faziam parte escravos, forros, homens livres e pobres – e por vezes, as próprias autoridades locais – organizados em bandos armados, dispostos a executar os desígnios dos chefes locais, engalfinhados na luta pela expansão de seus territórios de mando e nas contendas entre famílias.

O principal mérito do livro reside no estudo sistemático da lógica e racionalidade do poder privado, buscando apreendê-lo como uma outra forma de exercício de poder, e não como mera negação da ordem pública. Dele emergem potentados a um só tempo fascinantes e perturbadores, como o contrabandista Mão de Luva, líder de uma quadrilha que aterrorizou por anos a Mantiqueira, ou o já mencionado Manuel Nunes Viana, que se valia de crenças mágicas africanas – como o ritual do corpo fechado – para controlar as populações da Barra do Rio das Velhas. Situados numa zona cinzenta, nos tênues limites entre a ordem e a desordem, os poderosos do sertão resistem à tipologia simplificadora proposta por Eric Hobsbawm em seu clássico Bandidos, cujo objeto são os indivíduos considerados criminosos pelo Estado. O caso dos potentados mineiros é muito mais complexo: se desafiavam as leis de Sua Majestade, perpetrando toda sorte de crimes e violências, ainda assim era os seus mais valiosos aliados, os únicos capazes de impor alguma ordem em meio às lonjuras da América. A este respeito, é bem reveladora a trajetória de Manuel Nunes Viana – que nada tinha de extraordinária ou excepcional, se comparada à de outros potentados. Tido pelos contemporâneos por um dos mais homens mais experientes nas matérias relativas ao sertão, investido de uma autoridade reconhecida pelos sertanejos, o chefe emboaba era, na opinião de um ouvidor do Rio das Velhas, o único indivíduo capaz de levar alguma ordem àquele “receptáculo para criminosos de toda a América”. Endossando esta idéia, o marquês de Angeja tecia-lhe elogios em carta ao rei, observando que “é certo que o dito Manuel Nunes Viana não só é o homem mais capaz que tem aqueles distritos, tanto para fazer o cabal informe que se lhe manda, e executar as ordens de V. Majestade fazendo-as observar e respeitar como devem ser; mas é o único que atualmente dá cumprimento ao que se lhe mandam, e faz ter em sossego e respeito o distrito, que se lhe tem assinado como sua capitania mor, sossegando-a e limpando-a dos ladrões todas as vezes que aparecem alguns por aqueles distritos…”.3 Existia mesmo, no início da década de 1710, um consenso generalizado entre os funcionários régios sobre o seu papel estratégico nos sertões distantes e, mesmo os inimigos, a exemplo do conde de Assumar, reconheciam que, não obstante seus excessos e tiranias, ele era uma figura respeitada e obedecida nos territórios distantes do controle da Coroa. Sensíveis à importância do conhecimento acumulado por estes potentados, verdadeiros depositários de um saber essencialmente sertanejo, que abrangia desde as condições ecológicas até a índole dos moradores, os sucessivos governadores-gerais sempre os tiveram em altíssima conta, encarregando-os de uma série de diligências relevantes nos confins da capitania.

O caráter ambíguo das relações entre os poderes público e privado é refutado veementemente pela autora, que vê nos potentados e poderosos do sertão o foco de um poder privado, a serviço de interesses particulares – e por essa razão, incompatível com as exigências das autoridades. Aliás, mesmo essas, como a própria autora admite, submeteram-se ao processo de privatização do poder, transformando-se também em pólos de poder concorrente, capazes de prejudicar – e mesmo subverter – a soberania portuguesa em terras mineiras.

Atenta às formas de expressão e consolidação da ordem privada, a autora opta por não esmiuçar o outro pólo do exercício político dos chefes sertanejos: a comunidade que a eles devotava respeito e admiração. Para além do nível mais imediato de capangas, caboclos e escravos, configurando os bandos armados, havia largos setores da população que os reconheciam como uma liderança política legítima e absoluta. Tudo indica que, nas paragens distantes em que a Coroa não havia instalado o seu aparato administrativo, a ordem privada desempenhava um papel decisivo no cotidiano miserável dessas populações, uma vez que proporcionava desde o exercício da justiça e a solução dos conflitos vicinais até a cura de doenças e o auxílio a doentes e inválidos.

Campo vasto, mas árduo, o tema do poder privado nos sertões mineiros esbarra em inúmeras dificuldades, sendo a principal delas o fato de que as fontes disponíveis reproduzem o olhar das autoridades e por essa razão tendem a mascarar a natureza complexa da ordem privada, reduzindo-a à mera violência e barbárie. Se os potentados não tiveram direito à palavra, o mesmo também aconteceu com os seguidores deles: sociedade de analfabetos, não legaram aos estudiosos relatos mais densos sobre as suas motivações políticas. É através do olhar enviesado dos seus detratores que o historiador tem de adentrar no imaginário político desses homens, buscando nas entrelinhas as pistas e indícios das idéias e práticas que floresceram no sertão.

Por fim, é preciso elogiar a bela edição da Crisálida – cuja única restrição é a falta de uma revisão cuidadosa -, com um destaque especial para a sugestiva capa, inspirada numa xilogravura de Arlindo Daibert. A promissora editora firma-se assim como mais um veículo de publicação que se abre às numerosas e competentes dissertações de mestrado e teses de doutorado que, a exemplo do trabalho de Célia Nonata da Silva, tem revigorado a historiografia mineira.

Notas

1 MATA-MACHADO, Bernardo Novais da. História do sertão noroeste de Minas Gerais (1690-1930). Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1991.

2 ANASTASIA, Carla M. J. A geografia do crime: violência nas minas setecentistas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.

3 Ambos os documentos foram citados por RUSSELL-WOOD. Manuel Nunes Viana: paragon or parasite of Empire? The Americas, April 1988, v.37, p.488-489, n.4.

Adriana Romeiro – Professora do Programa de Pós-graduação da UFMG. E-mail:  [email protected]

Acessar publicação original

[DR]

 

História da América: ensino, poder e identidade / Maria de Fátima Sabino

No momento em que a ANPUH (Associação Nacional de História) elege como tema para a edição nº 48/2004 a “Produção e divulgação dos saberes históricos e pedagógicos” e a ANPHLAC (Associação Nacional de Pesquisadores de História Latino-Americana e Caribenha) dedica a edição nº 4/ 2005 de sua revista à questão do ensino de História da América, o livro organizado por Maria de Fátima Sabino Dias oferece uma relevante discussão sobre o ensino de História e, particularmente, o ensino de História da América Latina.

O livro é o resultado de pesquisas realizadas a partir do intercâmbio de professores e alunos da Universidade Federal de Santa Catarina/Colégio de Aplicação e da Universidad Nacional de Córdoba/ Escola Superior de Comércio Manuel Belgrano, no âmbito de um acordo de cooperação Brasil-Argentina.

Com apresentação de Maria Lígia Coelho Prado, os sete artigos apresentados discutem, a partir da ótica de professores brasileiros e argentinos, temáticas que tomam como pano de fundo a maneira como nos olhamos e, ao mesmo tempo, representamos o outro.

Preocupados com as discussões acerca das “semelhanças e diferenças” entre o ensino de História da América Latina no Brasil e na Argentina, os autores entrecruzam temáticas como material didático e organização curricular nos dois países; intercâmbio discente; Mercosul; formas da história nacional ser contada e o processo de militarização presente na história recente dos dois países.

As semelhanças observadas pelos autores, entretanto, não nos une, pelo contrário, contribuem de maneira decisiva para o nosso distanciamento. Uma delas é a nossa dificuldade em nos reconhecermos como latino-americanos.

No artigo “Trilhando caminhos diferentes…”, Maria Sílvia Cristofoli toma como base a historiografia argentina que discute o sentimento “pouco americanista” do argentino, uma identidade nacional construída a partir de Buenos Aires e que remonta a imagens forjadas anteriormente à criação do Estado Nacional. Juan Batista Alberdi, membro da geração de 1837, definia os argentinos como “europeus nascidos na América”. Num segundo momento, ao entrevistar professores argentinos, a autora descobre que, para pelo menos um deles, o latinoamericano é o índio. Para o mesmo professor, a maioria da população (com a qual ele se identifica) de Córdoba é composta por italianos vindos do Piemonte.

Essa Argentina branca, européia e civilizada, nos moldes imaginados pelo presidente Domingos Sarmiento no século XIX, tem implicações diretas sobre a forma como o argentino se vê e, a partir daí, se diferencia. No artigo intitulado “ Inclusiones y exclusiones em modos de contar la historia da Argentina”, Sílvia Finocchio salienta as narrativas didático-nacionais que negam a história de índios, afrodescendentes, mulheres e outros grupos marginalizados. Ao discutir a permanência da auto-imagem do “mais europeu entre os americanos”, também observa as mudanças advindas do final do regime militar, dentre elas, a descentralização dos currículos escolares que, segundo a autora, permitiu uma ampliação, ainda que tímida, das temáticas e abordagens, rumo à diversidade.

No caso do Brasil, o artigo “Nacionalismo e estereótipos”, de Maria de Fátima Sabino Dias, nos dá conta das semelhanças que nos distanciam. Analisando a História da América nos livros didáticos brasileiros dos anos 50, momento de inserção da História da América na estrutura curricular, a autora identificou, nas histórias contadas, as Guerras do Prata como o momento de nossa maior proximidade. Proximidade tensa, fruto dos “desvarios imperialistas de Solano Lopez” e de interesses comuns momentâneos. Sobra um passado précolonial comum, proveniente de uma visão eurocêntrica que elegeu Maias, Incas e Astecas como os povos mais importantes deste passado, e alguns heróis como Simon Bolívar e Francisco Miranda, representantes de um tempo de glória, porém morto.

Paralelamente a este olhar em direção aos latino-americanos, segundo Maria de Fátima Sabino Dias, construiu-se a idéia de americano como sinônimo de estadunidense. No desejo de incorporar-se rapidamente à marcha do progresso, “(…) o Brasil não reconheceu as outras nações latino-americanas como referência para a construção de uma auto-imagem positiva” (p.59).

Este não reconhecimento pode ser analisado a partir da experiência no ensino de História da América Latina, o que faz Ivonete da Silva Souza, no artigo “Estudos latino americanos”. O encontro professor-aluno ocorre em meio a experiências e idéias cristalizadas no senso comum (e na própria escola). A autora, também professora, ao narrar sua experiência na docência de História da América, no Ensino Básico, nos relata a dificuldade dos alunos em criar um “raciocínio específico” para a disciplina. Ainda segundo a professora, os alunos carregam o pré-concebimento de uma história que se equilibra entre o reflexo da Europa, e/ou, “a mesma coisa que história do Brasil, só que em outro lugar”.

Outra possibilidade viabilizada pelo livro a respeito da maneira como nos vemos, é a forma como nos estranhamos. No artigo “Interculturalismo e educação”, Maria José Reis recolheu depoimentos de alunos intercambistas brasileiros e argentinos. Chama a atenção, mais do que os relatos da experiência e as eventuais queixas, as surpresas positivas, já que elas se fundamentam numa expectativa que diverge do ocorrido.

Para alguns alunos argentinos, a surpresa foi perceber “que aqui é tudo normal”: “(…) Eu gostei do intercâmbio porque eu pensava que no Brasil não tinha nada sério” (p.83).

Esta imagem carnavalizada sobre o Brasil, “terra de samba, praia e futebol”, lugar de democracia racial, onde as pessoas trabalham pouco e são felizes, se contrapõe à surpresa dos alunos brasileiros ao constatarem “que os argentinos são amigáveis” (p.81-82).

Estas expectativas mutuamente estereotipadas guardam uma relação direta com tensões militares do passado (o Brasil como grande ameaça imperialista) e rivalidades esportivas do presente, mas também com a busca histórica por um referencial externo a nós, capaz de nos afastar da pecha de “latino-americanos”.

Quanto à história recente dos dois países, o período de militarização/desmilitarização é compreendido como ponto de aproximação para compreendermos as relações mantidas com o capital internacional, as reações aos regimes e a ação das políticas de repressão sobre o ensino de história.

Embora não seja possível mensurar a barbárie apenas pelo número de mortes que ela deixa, é possível afirmar que a ditadura na Argentina deixou marcas mais profundas na sociedade. O número de mortos e desaparecidos, a força das Mães da Plaza de Mayo, a Guerra das Malvinas e as sucessivas crises econômicas, sem precedentes na história nacional, compõem um ambiente de mobilização nacional recorrente. Este “patriotismo” foi observado por alunos brasileiros e discutido no artigo já citado sobre “Interculturalismo e educação”: “(…) Outro aspecto lindo é que é (o povo argentino) um povo que luta pelos seus direitos. Claro, aqui nós também fizemos passeatas e manifestações, mas lá é diferente. Sinceramente, não sei bem o que me faz ter essa impressão” (p. 82) No artigo “Ensenanza de História de América”, Nancy Aquino, Dante Bertone e Susana Ferreyra observam a recorrência daquilo que foi denominado como “nova história política” nos currículos das escolas argentinas após 1985. Esta nova postura permitiu uma aproximação em relação aos países vizinhos, que sofreram agruras similares, e uma espécie de identidade construída a partir do sofrimento. Ainda que esta visão de “veias abertas” possa ser criticada como passiva e redutora de uma realidade dinâmica, neste caso ela permite o reconhecimento como latino-americano a partir de uma postura identitária articulada à noção de independência política e econômica, com raízes compartilhadas por um passado diverso em sua dinâmica, mas com similitudes políticas, culturais e econômicas.

Ainda em relação aos militares, o artigo “América Latina – Ensino e Poder”, de Marise da Silveira Veríssimo, toma como base documentos expedidos por governos militares no Brasil e na Argentina com o intuito de intervir no ensino de História.

Documentos nacionais, como o que tornou o ensino de Educação Moral e Cívica obrigatório ou o Decreto Lei 660 de 30/06/1969 que aprovou a Convenção sobre o ensino de História, são articulados à documentos interamericanos, como o Estatuto do Instituto para o Ensino de História das Repúblicas Americanas, com o propósito de discutir uma preocupação transnacional em relação à forma como a história deveria ser ensinada. O Instituto tinha como função primeira, segundo o artigo 1º, “Efetuar a revisão dos textos adotados para o ensino em seus respectivos, a fim de depurá-los de tudo quanto possa excitar, no ânimo desprevenido da juventude, a aversão a qualquer povo americano” (p.104). A autora enfatiza ainda a dimensão interamericana do documento que “(…) propõe ensinar aos alunos americanos que, apesar de suas identidades nacionais, eles fazem parte de um grande continente no qual está arraigada a paz, o reconhecimento e o respeito à alteridade..” (p.112) Estas preocupações das ditaduras argentina e brasileira com relação ao ensino de História dão a dimensão de sua potencialidade, em regimes de exceção ou não. Entretanto, a partir destas considerações, Marise da Silveira Veríssimo força um paralelo entre “interamericanismo militar para a educação” e as formas de integração educacional, no contexto do Mercosul.

A partir do documento “O Ensino de História e Geografia no Contexto do Mercosul” (1997), a autora discute as formas diversas em que, em tempos também diversos, essa integração pode ocorrer. Contudo, seria melhor evitarmos comparações que coloquem num mesmo espectro o militarismo brasileiro e argentino e períodos posteriores, ainda que estes sejam passíveis de duras críticas.

Por fim, é importante frisar que as discussões que perpassam o livro articulam-se à construção do Mercosul, já que uma área de livre comércio pode/deve ser uma área de livre circulação de pessoas, espaço de aproximação, reconhecimento e formulação de uma identidade regional a partir do que nos une.

Marcelo Cheche Galves – Mestre em História Social pela Universidade Estadual Paulista. Professor Assistente do Departamento de História e Geografia da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) [email protected].


DIAS, Maria de Fátima Sabino (org). História da América: ensino, poder e identidade. Florianópolis: Editora Letras Contemporâneas, 2004. 126p. Resenha de: Outros Tempos, São Luís, v.3, p.229-233, 2006. Acessar publicação original. [IF].

Identidades, discurso e poder: estudos da arqueologia contemporânea | Pedro Paulo Abreu Funari, Charles E. Orser Júnior e Solange Nunes de Oliveira Shiavetto

Pensar as múltiplas identidades possíveis ao homem implica refletir sobre a interação conceitual entre identidade, discurso e poder no estudo da formação e da organização social. Nesse quadro de interdependência, verificam-se, ao longo da história, práticas políticas direcionadas à construção de discursos normativos e mantenedores do poder pela edificação de identidades, cujas definições interagem com a distribuição dos espaços sociais e geográficos. Tal diversidade espacial retrata a heterogeneidade da ocupação do solo, demonstrando que essa variável deve ser considerada no labor de arqueólogos e historiadores. Sob essa perspectiva, o livro Identidades, discurso e poder: estudos da arqueologia contemporânea, organizado por Pedro Paulo Abreu Funari, Charles E. Orsen Jr. e Solange Nunes de Oliveira Schiavetto, fomenta o debate a respeito dos usos das fontes materiais e literárias para o entendimento das ações humanas situadas no passado, revelando descompassos entre escritos e espaços, e estimula o repensar dos modelos teóricos acatados por arqueólogos e historiadores.

A primeira parte do livro, intitulada “Identidades e conflitos”, principia com o capítulo “A mulher aborígine nas Antilhas no início do século XVI”, de Lourdes S. Domingues. A autora tece reflexões sobre os anos de 1492 a 1542, período com escassa documentação primária e, por esse motivo, fonte de polêmica entre os estudiosos. O recorte da autora contempla a época em que a Coroa Espanhola promulgou as Leyes Nuevas, as quais, segundo Domingues, influenciaram sobremaneira o processo de construção das identidades das mulheres aborígines do Caribe. Leia Mais

The history of lessons: power and rule in imperial formations – SAADA (RIHGB)

SAADA, Emanuelle. “The history of lessons: power and rule in imperial formations”. Items & Issues. New York. Social Science Council. V.4, n.4, Fall/Winter, 2003/2004. Resenha de: BOCHAT, Lêda Rodrigues. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v.165, n.422, p.265-266, jan./mar., 2004.

Lêda Boechat Rodrigues – Sócia emérita do IHGB.

Acesso apenas pelo link original

[IF]

The Cash Nexus: Money and Power in the Modern World, 1700-2000 – FERGUSON (CSS0

FERGUSON, Niall. The Cash Nexus: Money and Power in the Modern World, 1700-2000. New York: Basic Books, 2001. 552p. Resenha de: SENGER, Elizabeth. Canadian Social Studies, v.38, n.2, p., 2004.

The Cash Nexus is an indepth study of the complex relationship between economics and politics from 1700 to 2000. Niall Ferguson, a professor at Oxford and New York Universities, analyzes this connection in North and South America, Europe, the Middle East, and to a lesser extent, Asia and Africa. This makes it a valuable resource for scholars all around the world. Further, Ferguson’s detailed notes for each chapter, and the extensive bibliography at the end of the book provide more than sufficient means to verify the validity of his evidence, and an avenue for further research on the part of the reader.

The book presumes an extremely broad base of knowledge on the part of the reader, literally from classical Greece Rome to 20th century pop culture. The Cash Nexus would be most appropriately utilized at a university level, perhaps even more suitably in postgraduate work. It would be an excellent resource for economics professors, and to a lesser degree for history professors. It is clearly a highly academic work, best suited as an instructor resource.

There are numerous charts, diagrams, graphs, tables, and a few cartoons. Most of the visuals are easily understandable, but there are a couple of problems. First, some of the graphs are so crowded with information as to be almost unusable. For example, Ferguson offers a comparison between the real national product indices of European democracies and dictatorships between 1919 and 1939 (pp. 366-7). A conglomeration of countries is presented in each graph, and because each is represented by a slightly different shade of grey the graphs are difficult to follow. Use of color and/or making these graphs bigger would enhance their readability and usefulness. Second, there are a number of historical political cartoons presented throughout the book. The quality of reproduction on a number of these is, regrettably, quite poor, hence their impact is diminished. Better reproductions, as well as some explanation of what we are seeing would add greatly to their value.

Ferguson’s major themes include government spending, taxation, debt, interest policies and the role of social classes. He also discusses political corruption, financial globalization, the boom and bust cycles of economies, the relationship of democracy and development, and global fragmentation. All in all, the book makes for fascinating and informative reading. His sense of humor lightens an admittedly heavy topic, and his insightful analysis of a very complex topic offers some innovative views. The Cash Nexus encourages and challenges the reader to consider economics in a variety of ways, and to seek solutions to the problems presented by twenty-first century world development.

Elizabeth Senger – Henry Wise Wood High School. Calgary, Alberta.

Acessar publicação original

[IF]

Power, Knowledge and Anti-Racism Education: A Critical Reader – SEFA DEI; CALLISTE (CSS)

SEFA DEI, George J. ; CALLISTE, Agnes (Eds.), with the assistance of Margarida Aguiar. Power, Knowledge and Anti-Racism Education: A Critical Reader. Fernwood Publishing, 2000. 188p. Resenha de: BECKETT, Gulbahar H. Canadian Social Studies, v.38, n.3, p., 2004.

Power, Knowledge and Anti-Racism Education: A Critical Reader is a volume edited by George J. Sefa Dei and Agnes Calliste. As the title suggests, this book is indeed a critical, informative, and thought provoking reader on power, race, gender, and education. The book includes eight chapters plus an introduction and conclusion that address questions of racism and schooling practices in a variety of educational settings in Canada, a country that practices multiculturalism and is considered to value and promote diversity. Most Canadians believe that the country’s multicultural policy was established with good intentions and has served the country and its people well. As such, we rarely ask ourselves questions such as: Who is benefiting from the policy and who is not? Why and why not? What are the strengths and limitations of the multicultural policy in empowering people of all origins? What more can be done to ensure equality in education and the larger society? This very well written book asks and answers these and many other very important questions.

Specifically, Power, Knowledge and Anti-Racism Education addresses critical issues such as multiculturalism, racism, equality, exclusion, and gender issues from theoretical as well as practical perspectives. It calls for a critical examination of and going beyond multiculturalism by challenging the status quo with critical anti-racist education. In Chapter 1, Dei contextualizes the book through his discussion of a critical anti-racist discursive theoretical framework that deals foremost with equity: the qualitative value of justice (p. 17). He is critical of multiculturalism arguing that it creates a public discourse of a colour-blind society and he calls for an acknowledgement of and confrontation with differences. According to Dei, confronting the dynamics and relational aspects of race, class, ethnic, and gender differences is essential to power sharing in colour-coded Euro-Canadian contexts.

In Chapter 2, Bedard continues the discussion of multiculturalism and anti-racist education through a deconstruction of Whiteness in relation to historical colonialism, imperialism, and capitalism. He reminds readers of the complexity of the race issue as we still live with the legacy of colonialism. He asserts that through their ideological and intellectual ruling of Canada, as well as many other parts of the world (e.g., Africa and Asia), white people enjoy more privileges that are not afforded to people from other racial backgrounds. In Chapter 3, Ibrahim revisits tensions surrounding curriculum relevance and demonstrates how popular culture, especially Black popular culture (e.g., Hip Hop and Rap), can be utilized to carry out anti-racism education as it relates to students identity formation, cultural and linguistics practices, and sense of alienation from or relation to everyday classroom practice. In Chapter 4, James and Mannette address issues related to visible minority students’ access to publicly funded post-secondary education. Through rich personal accounts from students, they illustrate how these students mediate systemic barriers, gain entry, and experience post-secondary education in Canada.

In Chapter 5, Henry presents a brief reflection of black teachers’ positionality in Canadian universities and schools through three vignettes: her personal experience, two teacher candidates’ experiences, and a veteran teacher’s experience. Through these vignettes, Henry makes a case that black women in Canadian universities and schools were isolated and bore the responsibility of raising the awareness and consciousness of the White people in their work environment (p. 97). She calls on all of us to reflect on every day acts of power and subordination and to use them to develop theories and workable strategies to end inequality (p. 97). In Chapter 6, Tastsoglou discusses various types of borders and the challenges and rewards of cultural, political, and pedagogical border crossing. As a transnational person who crosses various borders daily, I found the discussion to be particularly interesting. Among others, I like the points Tastsoglou makes about otherness (i.e., how all of us can be othered sometime or another) and the detailed illustration of border pedagogy (Giroux, 1991) that can enable us to engage in socially and historically constructed multiple cultural experiences.

In Chapter 7, Wright addresses issues of exclusion and engages in an anti-racist critique of progressive academic discourse in general rather than Canadian multiculturalism per se, using post-modernist, post-structuralist, post-colonialist, feminist, and Afrocentricist discourses. What I found particularly informative in this chapter is Wright’s discussion of what Afrocentricism and feminism are and how they can contribute to our understanding of inclusion and exclusion. In Chapter 8, Calliste presents and discusses some research studies on racism in Canadian universities. This chapter shows racism does exist in Canadian universities overtly as well as through hidden curriculum. As such, it supports Dei’s argument that Canada is a colour-coded society where racism and inequality exist and need to be addressed.

In summary, Power, Knowledge and Anti-Racism Education: A Critical Reader is a book that challenges us to be critical of the multiculturalism that has become part of Canadian social and public discourse. It reminds us that multiculturalism works with the notion of a basic humanness. As such, it downplays inequalities and differences by accentuating shared commonalities among peoples of various backgrounds. It advocates empathy for minorities on the basis of a common humanity, envisions a future assured by goodwill, tolerance, and understanding among all, but it also breeds complacency, creating the illusion that we live in a raceless, classless, and genderless society. For example, Dei points out that, while a raceless, classless, and genderless society is an ideal that we all aspire to and work towards, we must remember that, at present, such a society is a luxury that is only possible for people from a certain racial background, namely white people. He, therefore, urges us to acknowledge that while multiculturalism is an important first step in building an ideal nation, it is anti-racist education that seeks to challenge the status quo and aspires to excellence. According to Dei and Calliste, anti-racism education practice must lead to an understanding that excellence is equity and equity is excellence (p.164). I would recommend this book as a required text for undergraduate and graduate level sociology and educational foundations related courses.

References

Giroux, H. (1991). Post-modernism as border pedagogy: Redefining the boundaries of
race and ethnicity. In H. Giroux (Ed.). Postmodernism, feminism, and cultural
politics: Redrawing educational boundaries
 (pp. 217-56). Albany: State University of New York Press.

Gulbahar H. Beckett – College of Education, Criminal Justice, and Human Services. University of Cincinnati, Cincinnati, OH, USA.

Acessar publicação original

[IF]

 

Relações internacionais: visões do Brasil e da América Latina | Estevão Chaves de Rezende Martins || A construção da Europa: a última utopia das relações internacionais | Antônio Carlos Lessa || Relações internacionais: economia política e globalização | Carlos Pio || Relações internacionais: teorias e agendas  | Antônio Jorge Ramalho da Rocha || Cooperação/ integração e processo negociador: a construção do Mercosul | Alcides Costa Vaz || Relações internacionais: cultura e poder | Estevão Chaves de Rezende Martins || Relações internacionais da América Latina: velhos e novos paradigmas | Amado Luiz Cervo || Relações internacionais e temas sociais: a década das conferências | José Augusto Lindgren Alves || Relações internacionais: dois séculos de história | José Flávio Sobra Saraiva

Com a publicação de mais quatro volumes, completa-se a coleção “Relações Internacionais”, do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (Ibri), organizada pelo diretor desse, José Flávio Sombra Saraiva. Com o apoio da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) e o patrocínio da Petrobrás, a coleção vem ao encontro e confirma, ao mesmo tempo, a maturidade que tem alcançado a produção acadêmica brasileira na área de relações internacionais.

O volume organizado por Estevão Chaves de Rezende Martins, Relações internacionais: visões do Brasil e da América Latina, reúne uma série de trabalhos sobre diversos temas importantes, escritos por especialistas brasileiros, argentinos e europeus. O livro é uma bela e mais do que merecida homenagem a Amado Luiz Cervo, editor desta Revista, que tem uma produção acadêmica notável no âmbito da história das relações internacionais, particularmente da política externa brasileira. Leia Mais

Relações internacionais: dois séculos de história | Entre a preponderância européia e a emergência americano-soviética | Entre a ordem bipolar e o policentrismo (1947 a nossos dias)| José Flávio Sobra Saraiva || Relações internacionais e temas sociais: a década das conferências | José Augusto Lindgren Alves || Relações internacionais da América Latina: velhos e novos paradigmas | Amado Luiz Cervo || Relações internacionais: cultura e poder | Estevão Chaves de Rezende Martins || Cooperação/ integração e processo negociador: a construção do Mercosul | Alcides Costa Vaz

Foram lançados em 2002 mais dois títulos da coleção “Relações Internacionais”, que se juntam aos quatro levados a público no segundo semestre de 2001. A coleção é publicada pelo Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI) e organizada por José Flávio Sombra Saraiva, diretor-geral do Instituto, com o apoio da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) e o patrocínio da Petrobras. O IBRI cumpre, assim, uma das importantes missões a que se propôs, que é a de difundir os estudos desenvolvidos no Brasil sobre as relações internacionais e sobre a inserção do país no cenário internacional. A coleção, distinta de outras que recentemente incorporaram-se ao mercado editorial do país, volta-se, com efeito, à exposição do atual pensamento brasileiro em relações internacionais.

Os dois volumes de “Relações internacionais: dois séculos de história”, organizados por José Flávio Sombra Saraiva, são, não por acaso, os dois primeiros títulos da coleção “Relações internacionais”. Trata-se de uma versão ampliada e revista de “Relações internacionais: da construção do mundo liberal à globalização (1815 a nossos dias)”, lançado em 1997, rapidamente esgotado. O primeiro volume intitula-se Entre a preponderância européia e a emergência americano-soviética (1815-1947) e o segundo Entre a ordem bipolar e o policentrismo (de 1947 a nossos dias). O leitor encontra nos dois caprichados volumes uma excelente síntese de quase dois séculos da história das relações internacionais, escrita de maneira acessível e instigante por quatro especialistas: além do organizador, José Flávio Sombra Saraiva, Amado Luiz Cervo, Wolfgang Döpcke e Paulo Roberto de Almeida. Os autores utilizaram bibliografia atualizada e da mais alta qualidade, trazida ao final de cada capítulo, o que permite ao leitor prosseguir facilmente no aprofundamento de temas que são de seu maior interesse. Leia Mais

Les Princes de la Protohistoire et l’Émergence de l’État | Pascal Ruby

Les Princes de la Protohistoire et l’émergence de l’État vem nos trazer o resultado da Table Ronde Internationale de Naples, organizada pelo Centro Jean Bérard e pela Escola Francesa de Roma em 1994, com o intuito de reunir arqueólogos e historiadores interessados em debater a questão do “poder” e da formação de “Estados” na pré-história, demonstrando que tais questões não são exclusividade das sociedades modernas e que as sociedades pré-históricas tampouco podem ser consideradas como “sociedades sem história”.

Os debates aqui apresentados fundamentam-se, sobretudo, na estreita relação entre a arqueologia e as ciências sociais para o estudo dos fenômenos evidenciados a partir da cultura material, tendo como preocupação central a emergência de “Estados tradicionais” e as desigualdades sociais, econômicas e políticas encontradas em tais sociedades. Não se trata, tão somente, de centralizar-se as discussões em torno do aumento de complexidade social, da mudança de “estágios”, como muitas vezes tem sido abordada essa questão, mas, em especial, de apontar outras possibilidades de interpretação dessas questões, indo além da dicotomia “sociedades de chefia” versus “Estados”. Mais do que explorar “… a validade (…) de um modelo evolucionista único, que faria dos ‘príncipes’ uma etapa necessária e suficiente, que, inevitavelmente, precede a emergência do Estado…” (p.7) ou do que avaliar o modelo de “sistema mundial”, visava-se aprofundar o diálogo acerca do “fenômeno principesco”, destacando outras perspectivas e formas de abordagem.

Contudo, isso não significa que tais questionamentos tenham sido abandonados (haja vista o acalorado debate que perdura entre Patrice Brun e Michael Dietler sobre as chefias celtas da Europa central durante a Idade do Ferro (1)), mas sim que esteja buscando outras teorias, a fim de diversificar o debate, afastando os pesquisadores da hegemonia de um modelo teórico. Assim, os trabalhos contidos neste livro priorizam três pontos: o reconhecimento do fenômeno principesco; a articulação das dimensões simbólicas, imaginárias e reais deste fenômeno principesco e a instabilidade característica deste fenômeno e suas possíveis relações com a formação dos Estados, apontando questões teóricas e sua aplicação ao caso das sociedades da Península Ibérica, helênica, etrusca, hallstattianas, cita, africanas e polinésias, destacando a diversidade do fenômeno principesco e as singularidades regionais.

Esse encontro veio, então, contribuir, por um lado, para a contenda acerca das categorias conceituais usualmente empregadas para o estudo das sociedades ditas “pré-históricas” (mormente aquelas da Idade do Ferro) e sua disparidade ou imprecisão com relação às especificidades históricas de cada uma dessas sociedades e, por outro, para indicar outras vias de análise, que abarquem quer o conflito e a instabilidade no seio dessas sociedades (pouco abordado até então), quer a dimensão simbólica do poder, sua relação com o sagrado, os rituais e a construção da coesão social (fundamentais para alicerçar o poder político).

No que tange aos Estudos Célticos, tal discussão se revela assaz importante, uma vez que a maior parte dos estudos tem sido norteada pelo debate acerca dos processos de hierarquização e de institucionalização da chefia e de emergência de Estado, havendo uma hegemonia, até hoje pouco questionada, do modelo de “sistema mundial”; o qual é defendido, neste livro, por Patrice Brun, no capítulo A gênese do Estado: as contribuições da arqueologia e por Jean-Paul Demoule, em A sociedade contra os príncipes. Este último, no entanto, apesar de se manter vinculado ao modelo de “sistema mundial” e à concepção de que as mudanças verificadas nas sociedades hallstattianas se devem ao contato com o Mediterrâneo e ao controle do acesso aos bens de prestígio importados, ao levantar temas como “conflito”, “manipulações ideológicas”, “monopólios do imaginário”, “violência do poder” e “resistência ao poder”, contribui para ampliar os questionamentos a propósito do poder nas sociedades celtas da Idade do Ferro, principalmente sobre a institucionalização da chefia nas tribos hallstattianas e a emergência de Estados em fins do período lateniano na Europa centro-ocidental.

Por outro lado, consideramos de suma relevância nos afastarmos da supremacia desse modelo, trazendo para este debate o âmbito do simbólico e do sagrado a fim de que possamos ampliar nosso conhecimento sobre essas sociedades, tal como no caso dos capítulos de Michael Dietler, Rituais de comensalidade e a política de formação do Estado nas sociedades “princiescas” do início da Idade do Ferro, e Michael Rowlands, A economia cultural do poder sagrado. O primeiro, centra-se no estudo da “dimensão política dos rituais de comensalidade” marcados nos achados dos assentamentos da zona ocidental de Hallstatt, estabelecendo a relação entre as práticas rituais e o processo de hierarquização e fortalecimento da chefia nas tribos hallstattianas, demonstrando serem elas instrumentos fundamentais para o desenvolvimento de tais processos. O segundo, apesar de trabalhar com as regiões ocidentais de Camarões, renova o debate acerca do “poder sagrado” com sua proposta de “economia sacrificial”, de modo a nos permitir alargar a reflexão a respeito da relação entre o poder e as práticas rituais, enfocando a necessidade de se enveredar por uma abordagem que não ignore a dimensão ritual/ simbólica, nem tampouco se limite a reproduzir categorias ocidentais/ não-ocidentais.

De modo geral, a questão do simbólico permeia a maior parte dos trabalhos apresentados neste encontro de Nápoles, destacando-se como um dos aspectos centrais para a análise do poder, das práticas políticas e da própria formação dos Estados nas sociedades pré-históricas, mostrando ser necessário abarcarmos não somente aspectos sociais, políticos e econômicos, mas, também, culturais, sem os quais não nos será possível aprofundar o debate acerca do fenômeno principesco nessas sociedades.

Nota

1. Sobre este debate, além dos trabalhos de Dietler e Brun presentes neste livro, ver: ARNOLD, B. and GIBSON, D.B. (eds.) Celtic Chiefdom, Celtic State. Cambridge: Cambridge University Press, New Directions in Archaeology, 1995; BRUN, Patrice. Contacts entre colons et indigènes au milieu du Ier millénaire av. J-C. en Europe. Journal of European Archaeology, 3 (2), 1995: 113-123; DIETLER, Michael. The Cup of Gyptis: rethinking the colonial encounter in early-Iron-Age western Europe and the relevance of world-systems models. Journal of European Archaeology 3(2), 1995: 89-111.

Adriene Baron Tacla – Probationer Research Student Institute of Archaeology, University of Oxford. E-mail: [email protected]


RUBY, Pascal (Dir.) Les Princes de la Protohistoire et l’Émergence de l’État. Naples-Rome: Centre Jean Bérard/École Française de Rome, 1999. Resenha de: TACLA, Adriene Baron. O Fenômeno Principesco e a Emergência do Estado. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.1, n.1, p.75-76, 2001. Acessar publicação original [DR]

La política en las calles: entre el voto y la movilización (Buenos Aires, 1862-1880) | Hilda Sabato

Após a publicação de alguns artigos acerca das práticas políticas portenhas nos anos da chamada formação nacional Argentina, Hilda Sabato apresenta-nos agora os resultados finais de sua pesquisa. (Sabato, 1992, 1993) Nesse projeto, a historiadora tem se preocupado em perceber como a população de Buenos Aires se relacionou com o poder e quais foram os canais de comunicação legítimos entre Estado e sociedade.

Essa preocupação historiográfica pelas relações governantes-governados não tem sido exclusividade de pesquisadores da Argentina. Tanto lá como aqui, o fim do regime militar e a retomada do processo democrático têm colocado para as ciências sociais a necessidade de perceber as forma como a sociedade estabelece pressão política sobre o Estado. Ou seja, quais as formas possíveis de se exercer a cidadania. Nesse sentido, essa obra sobre o caso portenho é um belo contraponto para o estudo de José Murilo de Carvalho sobre Os bestializados do Rio de Janeiro nos primeiros anos da República (Carvalho, 1987, 1990, 1997). Leia Mais

A Legitimidade e outras Questões Internacionais: Poder e Ética entre as Nações | Gelson Fonseca Júnior

Em seu livro A legitimidade e outras questões internacionais: poder e ética entre as nações, Gelson Fonseca Jr apresenta artigos resultantes de sua experiência ao longo dos últimos quinze anos como professor de Teoria de Relações Internacionais no Instituto Rio Branco. Sendo assim, o que se pode esperar do livro, e o que o livro realmente trás, é um conjunto de ensaios bastante intrigantes a respeito dos mais variados temas, tendo, contudo, na questão da legitimidade internacional seu ponto central (a ela, Fonseca Jr dedica dois artigos específicos).

Sendo fruto de sua experiência como professor, nada mais natural do que o fato de os textos contidos em A legitimidade assumirem um tom fortemente didático, mantendo Fonseca Jr um estilo que beira a conversação informal da sala de aula, sem, no entanto, perder o ar sério e professoral que marca os seus escritos. Leia Mais

Poder e saúde: as epidemias e a formação dos serviços de saúde em São Paulo | Rodolpho Telarolli Júnior

Nas duas últimas décadas no Brasil, foram produzidos vários estudos históricos e sociológicos sobre o tema da saúde pública na Primeira República. Esses trabalhos tiveram fundamental importância no desenvolvimento da história da saúde e da ciência no país. Algumas dessas obras constituem leituras obrigatórias para este período de nossa história: os modelos econômicos e políticos, os movimentos pela reforma da saúde e seus líderes, as ideologias da ordem ou de mudança, os diferentes níveis de centralização ou descentralização do poder político, o processo político decisório que produziu instituições de saúde pública no Brasil. Por abordar alguns desses tópicos, Poder e saúde constitui, sem dúvida, uma contribuição importante à literatura republicana.

Rodolpho Telarolli Junior apresenta um estudo sobre a história da saúde pública na Primeira República, em especial, sobre o processo de criação de políticas públicas na área de saúde e a formação das práticas sanitárias no estado de São Paulo, no contexto mais amplo da organização política, econômica e social. Leia Mais

In pursuit of honor and power, Noblemen of the southern in Nineteenth-Century Brazil | Eul-Soo Pang

PANG, Eul-Soo. In pursuit of honor and power, Noblemen of the southern in Nineteenth-Century Brazil. Tuscalooza and London Press: University of Alabama Press, 1988. Resenha de: CARVALHO, Marcus J.M. de. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.13, n.1, p.151-152, jan./dez. 1990.

Acesso apenas pelo link original [DR]

CHALHOUB Sidney (Aut), Visões da liberdade/ uma história das últimas décadas da escravidão na Corte (T), Companhia das Letras (E), MONTEIRO Marília Pessoa (Res), Clio – UFPE (CRPHr), Escravidão, Liberadade, América – Brasil, Séc. 19

CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade, uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. Resenha de: MONTEIRO, Marília Pessoa. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.14, n.1, p.245-246, jan./dez. 1993.

Acesso apenas pelo link original [DR]

JANOTTI Aldo (Aut), O Marquês de Paraná: inícios de uma carreira política num momento crítico da história da nacionalidade (T), Itatiaia (E), Editora da Universidade de São Paulo (E), BARBOSA Bartira Ferraz (Res), Clio – UFPE (CRPHr), Marquês de Paraná, Biografia, Honório Hermeto Carneiro de Leão, América – Brasil, Séc. 19

JANOTTI, Aldo. O Marquês de Paraná: inícios de uma carreira política num momento crítico da história da nacionalidade. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1990. Coleção reconquista do Brasil. 2.série, v.159. Resenha de: BARBOSA, Bartira Ferraz. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.15, n.1, p.225-227, jan./dez. 1994.

Acesso apenas pelo link original [DR]

WEYRAUCH Cléia Schiavo (Org-introd), ZETTEL Jaime (Org-introd), Memória/ cidade/ cultura (T), WEYRAUCH Cléia Schiavo (Res), Clio – UFPE (CRPHr),, Memória, Cidade, Cultura, Europa -, América -, Ásia, Séc. 19-20

WEYRAUCH, Cléia Schiavo; ZETTEL, Jaime. Organização e introdução. Memória, cidade, cultura. Resenha de: WEYRAUCH, Cléia Schiavo. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.16, n.1, p.159-165, jan./dez. 1996.

Acesso apenas pelo link original [DR]

Engenheiros do tempo e as visões de Agamenon: História e Memória (T), VANDERLEI Kalina (Res), Clio – UFPE (CRPHr), Agamenon Magalhães, Engenheiros, Memórias, Estado de Pernambuco, América – Brasil, Séc. 20

Engenheiros do tempo e as visões de Agamenon: História e Memória. Resenha de: VANDERLEI, Kalina. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.16, n.1, p. 167-173, jan./dez. 1996.

Acesso apenas pelo link original [DR]

FUNARI Pedro Paulo A. (Aut), Antiguidade Clássica. A história e a cultura a partir dos documentos (T), Editora da UNICAMP (E), MARTIN Gabriela (Res), Clio – UFPE (CRPHr), Antiguidade Clássica, Europa – Itália, Europa – Grécia, Séc. (a.C) 08-01, Séc. 01-05

FUNARI, Pedro Paulo A. Antiguidade Clássica. A história e a cultura a partir dos documentos. Campinas: Editora da UNICAMP, 1995. Resenha de: MARTIN, Gabriela. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.16, n.1, p. 175-176, jan./dez. 1996.

Acesso apenas pelo link original [DR]

DRESSEL Heinz F. (Aut), Brasil de Getúlio a Itamar: quatro décadas de história vivida (T), Editora Unijuí (E), SANTOS Ana Maria Barros dos (Res), Clio – UFPE (CRPHr), Getúlio Vargas, Itamar Franco, História do Brasil, Séc. 20, América – Brasil

DRESSEL, Heinz F. Brasil de Getúlio a Itamar: quatro décadas de história vivida. Ijuí: Editora Unijuí, 1997. Resenha de: SANTOS, Ana Maria Barros dos. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.17, n.1, p.201-202, jan./dez. 1998.

Acesso apenas pelo link original [DR]

FERRAZ Socorro (Aut), Liberais e Liberais: guerras civis em Pernambuco no século XIX (T), Editora Universitária da UFPE (E), ALVES Tarcísio Marcos (Res), Clio – UFPE (CRPHr), Liberais, Guerras Civis, Província de Pernambuco, Séc. 19, América – Brasil

FERRAZ, Socorro. Liberais e Liberais: guerras civis em Pernambuco no século XIX. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1996. Resenha de: ALVES, Tarcísio Marcos. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.18, n.1, p.195-199, jan./dez. 1998.

Acesso apenas pelo link original [DR]

ACIOLI Vera Lúcia Costa (Aut), Jurisdição e conflitos: aspectos da administração colonial (T), ASSIS Virgínia Maria Almoêdo de (Res), Clio – UFPE (CRPHr), Administração Colonial, América – Brasil, Séc. 16-18

ACIOLI, Vera Lúcia Costa. Jurisdição e conflitos: aspectos da administração colonial. Resenha de: ASSIS, Virgínia Maria Almoêdo de. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.18, n.1, p.201-203, jan./dez. 1998.

Acesso apenas pelo link original [DR]

GEBARA Ivone (Aut), Rompendo o silêncio: uma fenomenologia feminista do mal (T), Vozes (E), GUIMARÃES Maria de Fátima (Res), Clio – UFPE (CRPHr), História Social das Mulheres, Feminismo, Teologia, América – México, América – Brasil, Séc. 17, Séc. 20

Quero em primeiro lugar saudar Ivone Gebara por sua coragem de Romper o Silêncio sobre a história social das mulheres e, sobretudo, destacar a inovação de uma teóloga mulher que se contrapõe de forma contundente às injustiças e às desigualdades. Quero destacar, sobretudo, o papel político desta obra.

Ao situar as mulheres no mundo da história da teologia, a autora estabelece uma relação fundamental entre a teologia e a vida social, na medida em que a teologia reflete as contradições do mundo social, onde a malignidade, muitas vezes, aparece, como coloca Gebara, como destino, desígnio de Deus, ou castigo pelos pecados ocultos, ou ainda, pelos pecados não purgados.

A fenomenologia do mal feminino aparece na dialética das malignidades identificadas pela autora como quatro formas do mal: o mal de não ter, não poder, não saber, não valer. Estes males atingem as mulheres e se manifestam com maior ou menor intensidade de acordo com suas inserções sociais.

O feminino como mal de não ter. Como satisfazer às suas necessidades e, sobretudo, efetivar as atividades de produção e reprodução da vida; como gerar e criar os filhos e filhas, administrar a vida doméstica e familiar em toda sua complexidade, papéis estes designados às mulheres. Como diz Gebara: “A vida das mulheres parece estar ligada a este aspecto primordial ou primário da manutenção da vida. Por conseguinte, o mal de não ter ou a falta do essencial para viver as atinge de modo particular”(p. 49).

O feminino como mal do não poder. Representado através da experiência de Violeta Parra, (p.60) que vivencia o seu não poder ao se filiar a um partido político de esquerda para participar do movimento de libertação do seu país e, paradoxalmente, vivencia sua luta pela liberdade às custas de sua própria liberdade. Isto nos remete a refletir sobre a saída das mulheres do mundo privado (do doméstico) para o mundo público (da política) que, no caso de Violeta Parra e de grande parte das mulheres que fazem este percurso via partidos políticos ou movimentos sociais, não experimentam uma mudança significativa no exercício dos papéis designados a elas, o que faz com que passem a exercer nesses novos espaços as mesmas atividades caracterizadas como femininas – de organização, manutenção entre outras – não conseguindo, na maioria das vezes, uma posição de igualdade na distribuição dos poderes com seus companheiros homens. Sendo reproduzidas no espaço público as situações de desigualdades e subordinações das mulheres nos espaços privados.

O feminino como mal de não saber. Gebara ilustra muito bem esse mal apoiando-se no exemplo da Irmã Joana Inês da Cruz, (p.62) do convento de São Jerônimo, no México, no século XVII. Qual o grande pecado dessa freira? Imiscuir-se no mundo das letras, querer provar das fontes do conhecimento – lugar eminentemente masculino, dirigido pela eclesiástica patriarcal romana, cuja divisão social do trabalho, sempre colocou para a mulher, o servir, a abnegação e a renuncia à capacidade de pensar. Pois bem, a Irmã Joana Inês da Cruz obteve como redenção o exílio do estudo e do conhecimento, com a sua adequação ao papel de serva, cuidando das atividades domésticas e das irmãs enfermas atingidas pela peste.

O feminino como mal de não valer. O valor é um lugar de dor para as mulheres. Mulheres valem como objetos, de prazer ou de ódio. A sociedade hierarquiza os seres humanos e multiplamente pune as mulheres, e as pune por sua condição de gênero, por sua condição de classe e pela cor de sua pele. As mulheres interiorizam esta hierarquização, onde elas estão em uma posição inferior, e purgam o seu sofrimento na malignidade de suas condições. É necessário que se leve em conta a extensão destas desigualdades entre os seres humanos e também as diferenças existentes entre as mulheres em suas vivências cotidianas. Deste modo, em diferentes classes sociais, em diferentes lugares e situações geracionais e étnicas, vivenciam-se diferentes situações de exploração da mulher.

Da realidade que coloca Gebara, existe uma tensão dialética que perpassa a construção da humanidade. Uma construção que decorre da consciência que cada ser tem do seu valor. Nos termos da autora “Quando o valor faz falta, as pessoas vivem um mal. “(p. 81) Existe uma confusão permanente entre as pessoas quanto à extensão e às possibilidades de afirmação do seu valor. Os carecimentos, as debilidades quanto ao acesso ao poder, o desconhecimento, a falta de reconhecimento e de pertencimento, fazem com que o mal se confunda com o bem e, como a autora coloca: ”No cotidiano de sua vida, o mal para elas parece ser a ausência de possibilidades de vida, a violência com a qual elas são tratadas, a insegurança à qual estão sujeitas, as faltas de calor e de afeição que caracterizam sua existência”. (p. 81/82)

Desde esta realidade, é necessário compreender o lugar das mulheres e as incompreensões que povoam o seu pensar e o seu agir, que dizem respeito ao bem e ao mal. Neste sentido, esta obra de Gebara é uma grata surpresa, pois só o olhar de uma teóloga feminista é capaz de discernir o mal travestido de bem, porque o mal de que Gebara nos fala, é um mal que anula as mulheres, impossibilitando a sua plenitude enquanto ser, quando nos deixa sem poder em nome do poder, quando nos deixa sem saber em nome do conhecimento, quando nos desvaloriza para gerar valor.

Esta leitura teológica feminista, considerando a mediação de gênero, revela o lugar subordinado das mulheres numa hierarquia social produzida por preconceitos que mesmo num discurso de igualdade de princípios como é o caso das teologias, mantiveram uma visão que desqualifica as mulheres.

Gebara cita, entre outras teóricas feministas, Joan Scott. A definição de gênero que faz Scott, constitui-se de duas partes e várias sub-partes, cujo núcleo essencial da definição baseia-se na conexão de duas proposições: “o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primária de significar as relações de poder”.1 Prosseguindo a definição de Scott, o gênero se constitui num contexto simbólico de múltiplas representações, tem efeitos normativos, fixa relações binárias e produz noções de subjetividade.

Neste sentido o homem e a mulher são construídos socialmente, desde uma cultura historicamente situada no tempo e dentro das circunstâncias possíveis, determinadas por essa temporalidade. Sujeitos de seu tempo, imersos em um conjunto específico de relações sociais historicamente situadas, cada ser mulher e homem, tem um grupo originário e está submetido às regras de comportamento que se firmam desde a ética hegemônica. Se em geral é assim, desde o ponto de vista da construção de sua especificidade de homem e mulher, são determinantes sua classe, raça, religião e a forma de inserção social na sociedade. Deste modo, a partir dessas variáveis fundamentais, constroem-se o ser mulher e o ser homem.

Na história do feminismo, principalmente a partir dos anos 60, houve uma busca sistemática de uma identidade coletiva das mulheres, tentando forçar sua legitimidade política. Neste curso, a busca por uma identidade coletiva única não respondia às cismas e dissidências dentro do movimento. Assim, as especificidades que transversalizaram a vida cotidiana das mulheres (por exemplo, etnia, classe, gênero, sexualidade, religião, etc.,) colocaram em dúvida a possibilidade de um sujeito universal desprovido de suas vivências específicas. Coube ao movimento repensar o novo sujeito contextualizado historicamente e, portando, diferenciado internamente.

Essa situação suscitou polêmicas no seio do feminismo. Sem embargo, em nossa compreensão, unir as mulheres em uma identidade de gênero única, crendo que todas as mulheres vivem as mesmas situações é ocultar a existência de distintas formas de vivenciar a opressão e, ao mesmo tempo, negar a existência de hierarquias existentes nas relações de poder entre mulheres que pertencem a diferentes classes sociais, grupos étnicos distintos e culturas diversas.

Um acontecimento importante dos anos oitenta, no nível da teorização, foi a constatação de que categorias como mulher, homem, masculino, feminino, possuem conteúdos históricos específicos e se toma analiticamente problemático tentar aplicar a estas categorias uma universalidade, sob pena de cometermos os mesmos erros que temos criticado. Estas preocupações são as mesmas trazidas por Gebara e suscitam o debate que se encontra na ordem dia do pensar feminista.

Considerando estas preocupações, nas quais a autora chama a atenção quanto ao uso da categoria gênero, que é não absolutizar a opressão das mulheres e o receio de se cair em construções utópicas universalizantes, que se mostraram incapazes de dar conta desta múltipla realidade, levando-nos a uma revisão de práticas e teorias.

Rompendo o silêncio. Uma fenomenologia feminista do mal é uma leitura instigante do início ao fim, possibilitando novas reflexões sobre o mal humano, particularmente o mal que atinge as mulheres.

Nota

1SCOTI, Joan, Gênero: uma categoria útil para a análise histórica, Tradução: Christine Rufino Dabat, Maria Betânia Ávila, Recife, SOS Corpo, 1996, p. 11.

Maria de Fátima Guimarães – Professora Visitante do Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco UFPE.

GEBARA, Ivone. Rompendo o silêncio: uma fenomenologia feminista do mal. Petrópolis: Vozes, 2000. Resenha de: GUIMARÃES, Maria de Fátima. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.19, n.1, p.221-224, jan./dez. 2001. Acessar publicação original [DR]

ELIAS Nobert (Aut), Sobre o Tempo (T), Jorge Zahar Editora (E), REZENDE Antônio Paulo (Res), Clio – UFPE (CRPHr), Tempo, Duração, Passado

A concepção de tempo acompanha, sempre, a reflexão do historiador. No cotidiano, muitas vezes, não percebemos o quanto ela é valiosa, para que se possa organizar a vida e estruturar as possíveis identidades culturais da sociedade. O livro de Nobert Elias é um ensaio que traz subsídios importantes para se pensar o tempo como uma construção social. A dimensão simbólica do tempo é ressaltada o que ajuda a ver os objetos da cultura permeados pelas mudanças e permanências que marcam a construção da história. Elias critica a perspectiva newtoniana, mostrando que o tempo não é dado objetivo, mas também não embarca na perspectiva kantiana que vê o tempo como uma estrutura a priori do espírito. Seus encaminhamentos teórico-metodológicos levam a estabelecer um rico diálogo da história com a sociologia do conhecimento.

Nobert Elias tem uma obra vasta. Muitos dos seus livros já foram publicados no Brasil, entre eles A Sociedade dos Indivíduos, Os Alemães e dois volumes do consagrado O Processo Civilizador. É inegável a erudição de Elias e suas contribuições para se compreender a modernidade. Suas reflexões têm esse propósito básico de investigar os rumos históricos da cultura, nas suas buscas por um sentido que a entrelaçasse. Nesse livro, ele não foge dessa perspectiva, destacando a complexidade social e lógica que está conectada com a invenção da concepção de tempo, predominante na sociedade contemporânea. Para isso, traça comparações com culturas de formações diferentes, inclusive de sociedades indígenas da América. Seu foco privilegiado é a cultura ocidental.

Pensar o tempo como uma relação social permite relativizar o discurso que estimulou a apologia do progresso, empobrecendo as interpretações do iluminismo, preocupado em demonstrar a riqueza social a partir da produção de mercadorias. A concepção de tempo não está dissociada das relações de poder que, inclusive, procuram naturalizá-Ia. As conquistas culturais não são feitas sem conflitos e têm fortes ligações com os interesses de cada grupo. Elias ressalta que o conceito tempo pressupõe um nível elevado de síntese e capacidade criadora dos indivíduos. Ele não é o resultado, apenas, da imaginação genial de algum pensador, mas resultado de um patrimônio cultural sofisticado, sobretudo se o relacionamos com a modernização ocorrida na chamada civilização ocidental.

“Todo indivíduo, por maior que seja sua contribuição criadora constrói a partir de um patrimônio de saber já adquirido, o qual ele contribui para aumentar”, essa é uma afirmativa que sustenta o alicerce do ensaio de Elias. Mas ele não deixa de destacar a importância da coerção social. Diz ele: ” A transformação da coerção exerci da de fora para dentro pela instituição social do tempo num sistema de autodisciplina que abarque toda existência do indivíduo ilustra, explicitamente, a maneira como processo civilizador para formar os hábitos sociais que são partes integrantes de qualquer estrutura de personalidade”. É inegável que Elias dialoga com maestria com a obra de Freud. A cultura não é o território exclusivo da construção do prazer, do fluxo contínuo do desejo. Sem repressão, sem controle e regra social seria impossível se pensar a convivência entre os seres humanos. Eles buscam um equilíbrio que nunca alcançam na sua plenitude.

Mesmo com o projeto vitorioso da modernidade ocidental, as temporalidades continuam existindo na multiplicidade. Quem lê O Labirinto da Solidão, do escritor Octavio Paz, verifica como as diversas as maneiras de conceber o tempo são importantes para construção de identidade social de um povo. As marcas da magia e da religiosidade estarão, sempre, presentes no cotidiano, por mais que se racionalizem as práticas sociais. Elias mostra, com vários exemplos, como o conflito entre a objetividade e a subjetividade deve ser compreendido para que as estruturas temporais de uma sociedade possam ser interpretadas. Dentro da sua perspectiva evolucionista, as instituições vão ganhando complexidade e a concepção de tempo hegemônica, na sociedade ocidental, é resultado dessa relação dinâmica.

A rica análise de Elias apresenta, porém, já no seu final, um comentário interessante. Diz o autor: ”Nada é mais freqüente do que ver historiadores erigirem-se em juízes dos homens do passado, que já não têm como se defender, tomando por norma os valores de sua própria época”(p. 148). Realmente, não se pode negar a existência dos julgamentos, dos juízos de valor presente em obras de historiadores. Não são apenas os historiadores que cometem esse tipo de pecado. Elias, no seu argumento mais geral, fortalece a idéia que sua análise está mais próxima da verdade, pois consegue captar as mudanças e permanências, percebendo com mais clareza o desenvolvimento das instituições sociais. Acrescenta: “Em suma a história dos historiadores é a história a curto prazo” (p.148). Sua afirmação é equivocada. Nem todos os historiadores dedicam-se a estudos localizados e privilegiam a curta duração. Esquece de toda contribuição trazida pela Escola dos Annales e das reflexões teóricas de Braudel e sua obra centrada na longa duração.

As conclusões críticas de Elias parecem retomar a polêmica entre Sociologia e História. A questão da produção da verdade ainda está presente na elaboração das pesquisas. Ela continua fundamental, mas não podemos isolá-Ia em determinados campos do saber. Cabe ao historiador não abandonar o diálogo entre passado e presente, com critérios definidos. Não há verdades definitivas. Ela é sempre relativa, mas isso não impede que se indiquem os caminhos da sua formulação e seus limites. As críticas ao positivismo não significam o fim dos critérios científicos, mas uma maneira diferente de se pensar a ciência.

Há, atualmente, uma troca de informações e teorias nas diversas áreas de produção do conhecimento, sem a adoção de hierarquias. O próprio ensaio de Elias revela essa dimensão, como também toda a trajetória da pesquisa história mais recente. Tanto o sociólogo quanto o historiador vivem dificuldades na articulação dos seus saberes. Não há como nomeá-Ios de maneira homogênea, pois as trilhas de cada um exigem também invenção e criatividade. Na História, a Escola dos Annales ressaltou a necessidade de procurar diálogo com os outros saberes para poder desvendar a complexidade do social.

Existe muita generalização, por parte de Elias, quando enfatiza: “Que a maioria dos historiadores, até o momento, deixe de levar em conta os processos sociais a longo prazo parece-me decorrer, em parte, de uma falta de reflexão sistemática sobre os problemas com que grupos humanos se confrontaram no passado e continuam a se confrontar no presente”(p.157). Mesmo quando se preocupa com a curta duração ou a micro-história, o trabalho do historiador não perde de vista uma reflexão sobre o tempo, as diferenças entre as suas dimensões. O perigo de uniformizar as experiências não é só do historiador mas de qualquer intérprete do social. O historiador não é apenas um sistematizador de fontes. Sua reflexão sobre a experiência humana está presente na construção da metodologia e nas conclusões da sua pesquisa.

É importante assinalar que “Sobre o Tempo” é melhor entendido quando o atrelamos a uma compreensão da modernidade, enquanto projeto civilizatório. Não podemos esquecer, porém, que esse projeto é construído sob o signo de confrontos. Existe um projeto que conseguiu se tornar vencedor, mas as resistências continuam, apesar da presença da cultura de massas. Outros projetos também buscam seus espaços, defendem a liberdade e autonomia, não desprezam a crítica e a dúvida como bases para fundação do conhecimento, no entanto se recusam a aceitar o mundo instalado pelo capitalismo, também ele herdeiro das aventuras da modernidade. A concepção de tempo hegemônica diz muito desses choques e dessas diferenças e nos leva a refletir sobre algumas conclusões otimistas de Elias, dentro de uma perspectiva evolucionista, de aperfeiçoamento das instituições sociais. Uma delas merece, com certeza, que o leitor retome suas peregrinações pela história, sem desprezar a complexidade que a envolve. Diz Elias: “Passo a passo, ao longo de uma evolução milenar, o problema do calendário, outrora irritante, foi mais ou menos resolvido. E como atualmente, os calendários já não criam muitas dificuldades, as pessoas esvaziam da memória as antigas épocas em que ainda causavam problemas”. Nem tudo está tão resolvido com parece entender Elias.

Os tempos históricos terminam por se condensar no presente, segundo reflexões de Santo Agostinho. O presente é síntese, mas também memória, utopia, sonho, resistência. As leituras do contemporâneo nos permitem constatar a diversidade de vivências temporais. Não é apenas o tempo dos calendários que nos domina. Lembramos, outra vez, o ensaio O Labirinto da Solidão que faz uma construção preciosa sobre as aventuras da modernidade, a partir da sociedade mexicana, trazendo também uma reflexão sobre tempo e sua dimensão mítica ainda presente. Se a linearidade dos calendários ajuda a modernizar as relações sociais, ela também revela toda uma estruturação de poder, que silencia as diferenças e busca o homogêneo. Esse tempo da produção das mercadorias, da eficiência técnica se confronta com outras maneiras de querer viver a vida e desfazer o peso de cultura tecnicista. O próprio exemplo dado por Elias de um ritual dos Índios americanos acena para a força das singularidades de cada cultura. O projeto civilizador continua sem esmagar todas as diferenças. Ainda bem, pois garante a possibilidade de reinventar a história e traçar travessias não muito previsíveis.

Antônio Paulo Rezende – Professor do Departamento de História da UFPE.

ELIAS, Nobert. Sobre o Tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1998. Resenha de: REZENDE, Antônio Paulo. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.19, n.1, p. 225-228, jan./dez. 2001. Acessar publicação original [DR]

NARO Nancy Priscilla (Aut), A Slaves Place/a Master’s World: Fashioning Dependency in Rural Brazil (T), Continuum (E), HOFFNAGEL Marc Jay (Res), Clio – UFPE (CRPHr), Escravidão, Abolição da Escravidão, América – Brasil, Rio de Janeiro, Séc. 19

NARO, Nancy Priscilla. A Slaves Place, a Master’s World: Fashioning Dependency in Rural Brazil. London: Continuum, 2000. Resenha de: HOFFNAGEL, Marc Jay. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.20, n.1, p.301-304, jan./dez. 2002.

Acesso apenas pelo link original [DR]

CASTORIADIS Cornelius (Aut), Figuras do Pensável – As Encruzilhadas do Labirinto VI (T), Civilização Brasileira (E), REZENDE Antônio Paulo (Res), Clio – UFPE (CRPHr), História da Sociedade, Conceito de Imaginário, Conceito de Autonomia, Séc. (a.C) 05-01, Séc. 01-20

CASTORIADIS, Cornelius. Figuras do Pensável – As Encruzilhadas do Labirinto VI. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. Resenha de: REZENDE, Antônio Paulo. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.21, n.1, p.327-331, jan./dez. 2003.

Acesso apenas pelo link original [DR]

LINDOSO Dirceu (Aut), A Utopia Arpada – rebeliões de pobres nas matas do Tombo Real (1832-1850) (T), Paz e Terra (E), FERRAZ Maria do Socorro (Res), Clio – UFPE (CRPHr), Rebelições, Pobres, Matas do Tombo Real, Séc. 19, Guerra dos Cabanos, Província de Pernambuco, América – Brasil

LINDOSO, Dirceu. A Utopia Arpada – rebeliões de pobres nas matas do Tombo Real (1832-1850). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. Resenha de: FERRAZ, Maria do Socorro. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.21, n.1, p. 333-336, jan./dez. 2003.

Acesso apenas pelo link original [DR]

MINTZ Sidney W. (Aut), O poder amargo do açúcar: produtores escravizados/ consumidores proletarizados (T), Editora Universitária da UFPE (E), MACIEL Caio Augusto Amorim (Res), Clio – UFPE (CRPHr), Produtores de Açúcar, Consumidores de Açúcar, América – Brasil, América – São Domingos, América – Haiti, América – Jamaica, América – Caribe, América – Antilhas, Proletário, Conceito de Plantation, Séc. 16-19

MINTZ, Sidney W. O poder amargo do açúcar: produtores escravizados, consumidores proletarizados. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2003. Resenha de: MACIEL, Caio Augusto Amorim. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.22, n.1, p.363-366, jan./dez. 2004.

Acesso apenas pelo link original [DR]

ECO Umberto (Aut), A misteriosa chama da Rainha Loana (T), Record (E), NEVES Lucilia de Almeida (Res), Clio – UFPE (CRPHr), Umberto Eco, Romance, Autobiografia, Séc. 20, Europa – Itália

ECO, Umberto. A misteriosa chama da Rainha Loana. Romance ilustrado. Rio de Janeiro: Record, 2005. Resenha de: NEVES, Lucilia de Almeida. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.24, n.1, p.307-311, jan./jun. 2006.

Acesso apenas pelo link original [DR]

FERREIRA Marieta de Moraes (Coord), João Goulart: entre a memória e a história (T), Editora FGV (E), MONTENEGRO Antônio Torres (Res), Clio – UFPE (CRPHr), João Goulart, Memória, Séc. 20, América – Brasil

FERREIRA, Marieta de Moraes (Coord.). João Goulart: entre a memória e a história. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. Resenha de: MONTENEGRO, Antônio Torres. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.24, n.1, p. 313-317, jan./jun. 2006.

Acesso apenas pelo link original [DR]

BUCHET Christian (Dir), VERGÉ-FRANCESCHI Michel (Dir), La Mer/ la france et l´Amérique Latine (T), PUPS (E), RIBEIRO Marília de Azambuja (Res), Clio – UFPE (CRPHr), Marinha, Diplomacia, Economia, Europa – França, Séc. 16-19

BUCHET, Christian; VERGÉ-FRANCESCHI, Michel (Dir.). La Mer, la france et l´Amérique Latine. Paris: PUPS, 2006. Resenha de: RIBEIRO, Marília de Azambuja. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.24, n.2, p.333-336, jul./dez. 2006.

Acesso apenas pelo link original [DR]

ALVES Tarcísio Marcos de (Aut), A Santa Cruz do deserto: a comunidade igualitária do Caldeirão: 1920 – 1937 (T), Néctar (E), SILVA Edson (Res), Clio – UFPE (CRPHr), Comunidade do Caldeirão, Santa Cruz do Deserto, Séc. 20, Estado do Ceará, América – Brasil

ALVES, Tarcísio Marcos de. A Santa Cruz do deserto: a comunidade igualitária do Caldeirão: 1920 – 1937. Recife: Néctar, 2008. Resenha de: SILVA, Edson. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.25, n.2, p.349-354, jul./dez. 2007.

Acesso apenas pelo link original [DR]

DABAT Christine Rufino (Aut), Moradores de Engenho: relações de trabalho e condições de vida dos trabalhadores rurais na zona canavieira de Pernambuco segundo a literatura/ a academia e os próprios atores sociais (T), Editora Universitária da UFPE (E), Clio – UFPE (CRPHr), Relações de Trabalho, Condições de Vida, Trabalhadores Rurais, Zona Canavieira, Estado de Pernambuco, América – Brasil,

O objetivo de uma resenha é despertar o desejo de ler uma obra, destacando seus aspectos principais e traços originais que possam propiciar aos leitores descoberta, enriquecimento, reflexão, revisão das idéias já consolidadas, num processo de diálogo com o (a) autor (a), possibilitando utilidade e prazer intelectual associados. Tratando-se de “Moradores de Engenho”, de Christine Rufino Dabat, lançado pela Editora Universitária da UFPE em 2007, o principal desafio a ser superado reside na dimensão do livro (800 páginas) numa época cibernética durante a qual se acostumou os leitores a breves e sucessivas leituras de materiais eletrônicos consoantes com a aceleração e a fragmentação do tempo; por se tratar de uma tese de doutoramento em História, pode enfrentar também uma desconfiança face ao caráter especializado e técnico-acadêmico da obra, dificultando a ampla divulgação do livro. Em face desses dois freios iniciais, proponho-me mostrar que o leitor, que superar esse costume e essa desconfiança, terá a fruição do prazer e da utilidade ao ler a muito bem cuidada edição da tese de doutoramento de Christine Rufino Dabat: Moradores de Engenho: relações de trabalho e condições de vida dos trabalhadores rurais na zona canavieira de Pernambuco segundo a literatura, a academia e os próprios atores sociais.

Inicialmente, destaco algumas facilidades que a qualidade da edição propicia ao leitor: o sumário é extremamente detalhado, permitindo acompanhar o encadeamento e o conteúdo de cada um dos oito capítulos distribuídos em três partes. No texto, encontram-se notas de rodapé referenciais, explicativas e complementares que permitem uma leitura fluente do conteúdo central enriquecido aqui, acolá por quadros. A bibliografia estende-se sobre 40 laudas e constitui-se num acervo extraordinário para estudiosos da sociedade da cana-de-açúcar.

O autor dessa resenha não é historiador, mas geógrafo; participou como examinador externo da banca de Doutorado, que, sob a presidência da Profª Maria do Socorro Ferraz Barbosa – orientadora, examinou o trabalho acadêmico e foi unânime em destacar a originalidade e a contribuição que essa tese trouxe para a reinterpretação radical da zona canavieira de Pernambuco, objeto de inúmeros estudos anteriores. Para historiadores há muitas possibilidades de abordar as múltiplas técnicas de fazer história presentes na obra: relações com fontes literárias, organização e tratamento da historiografia, uso de arquivos, incursões no campo da antropologia, coleta e repasse da memória viva dos trabalhadores rurais, cada um desses diversos passos sendo objeto de muitas e debatidas polêmicas metodológicas no âmbito da História. Nada disso, portanto, será tema dessa resenha, pelo simples fato da identidade disciplinar do seu autor.

Mas, além das tecnicalidades disciplinares, a autora propõe uma tese: destaca um evento, “um episódio identificado como singular na evolução das relações de trabalho no campo”, isto é, a saída dos moradores dos engenhos para as “pontas de rua” das cidades da zona canavieira de Pernambuco, para afirmar que se trata de uma inflexão na longa história da exploração dos trabalhadores da cana-de-açúcar, inflexão que foi interpretada pelos setores dominantes da sociedade, através da literatura e da produção acadêmica, como uma mudança dificultando a identificação do “continuum” da incrível exploração do trabalho, desde a escravidão até nossos dias, que caracteriza a zona canavieira de Pernambuco entre as poucas regiões do mundo sem rupturas. É na memória viva das vitimas dessa exploração, que a autora encontra uma interpretação histórica capaz de recuperar esse “continuum”, e de situar o evento na longa duração da exploração e nas lutas políticas, sindicais e culturais do presente. A quais interesses afinal servem os recortes históricos e a afirmação da sucessão de mudanças senão àqueles que se beneficiaram dessa exploração contínua?

A obra de Christine Rufino Dabat não é de um pesquisador iniciante, como o é, hoje em dia, comum, tratando-se de tese de doutoramento. Longamente amadurecida, resulta de um itinerário afetivo, intelectual e militante de cerca de trinta anos. Entre idas e vindas na problemática das relações de trabalho vinculadas à “plantation” canavieira destaca-se a descoberta da obra de Sidney W. Mintz, disponibilizada em português numa coletânea organizada pela autora e publicada em 2003 pela Editora Universitária da UFPE, sob o título “O poder amargo do açúcar. Produtores escravizados, consumidores proletarizados.” Nesse autor, “involuntário farol intelectual de uma jornada acadêmica em forma de labirinto”, Christine Rufino Dabat encontrou o fio de Ariadne para debater e superar os entendimentos consagrados na historiografia nacional acerca da “Morada”; em “Moradores de Engenho” reinsere essa condição no contexto da “economia mundo” de Immanuel Wallerstein e mostra como as relações de trabalho e produção de açúcar são desde o início marcadas pela “modernidade precoce” (p. 388 a 434) relativizando e interpretando, à luz do eurocentrismo, o longo percurso historiográfico nacional do feudal ao capitalismo mercantil e ao capitalismo industrial.

Essa análise historiográfica desenvolvida no capítulo 5 constitui, junto com o capítulo anterior, a 2ª parte do livro. Em “Interpretações da morada”, a autora, após ter situado numa 1ª parte o contexto histórico do episódio que é objeto do trabalho, reserva cerca de 110 páginas a um estudo das visões da morada em José Lins do Rego e Gilberto Freyre, mostrando como a produção cultural foi capaz de criar representações duráveis e fundas, além dos debates acadêmicos norteados pelo evolucionismo cultural. Ao jovem leitor, além da releitura das obras de Lins do Rego e Freyre guiada pela desconstrução empreendida por Christine Rufino Dabat, aconselha-se assistir ao filme de Cláudio Assis “O Baixio das Bestas” que, filmado na zona canavieira de Pernambuco, assume também um caráter universal ao representar a total e brutal desumanização e instrumentalização das relações no período atual da “economia mundo”.

A 3ª parte de “Moradores de Engenho”, estende-se sobre mais da metade do livro e propõe uma reconstrução da história sob o título “A morada na experiência dos moradores”. São abordadas sucessivamente, as condições de vida dos trabalhadores rurais na época da morada, as condições de trabalho e as condições políticas denominadas “violência e cidadania”. Os textos resgatam falas dos trabalhadores e interpretações da autora remetendo sempre a outros estudiosos que se dedicaram ao estudo da vida, das relações de trabalho e da política na zona canavieira. Trata-se de uma minuciosa reconstituição, ficando claro o intuito da autora de dar prioridade à memória viva dos trabalhadores de modo a romper com a “lei do silêncio”, que afeta essa parte dos agentes da região em contraste com a abundância das produções culturais e acadêmicas recuperadas na parte anterior. Christine Rufino Dabat constrói respeitosamente, com os trabalhadores, uma história renovada pela empatia que sustenta a longa militância com os entrevistados, que revelam não ter saudade do passado mesmo se o presente continua marcado pela exploração. Reexamina assim, junto com eles, “a interpretação dada ao desenvolvimento histórico da região”.

Ao ler essa parte, lembrei de um texto do escritor nascido na Martinica, também terra de plantações criadas na “modernidade precoce”, Edouard Glissant, que procuro traduzir aqui:

O significado (a “história”) da paisagem ou da Natureza é a clareza revelada do processo através do qual uma comunidade cortada dos seus laços ou de suas raízes (e, talvez mesmo desde o início, de quaisquer possibilidades de enraizamento) pouco a pouco vem sofrendo a paisagem, merecendo sua natureza e conhecendo seu país” (…) ”Aprofundar esse significado é levar essa clareza à consciência. O esforço teimoso em direção à terra é um esforço para a história. (GLISSANT E., L’intention poétique. Paris: Gallimard, 1997).

Tradução livre de:

La signification (l’”histoire”) du paysage ou de La Nature, c’est La clarté révelée du processus par quoi une communauté coupée de ses liens et de see racines (et, peut-être même au départ, de toutes possibilités d’enracinement) peu à peu souffre le paysage, merite sa nature, connaît son pays. » (…) Approfondir la signification c’est porter cette clarté à la consciência. L’effort ardu vers la terre est un effort vers l’histoire. »

Jan Bitoun – Professor do Departamento de Ciências Geográficas da UFPE.

DABAT, Christine Rufino. Moradores de Engenho: relações de trabalho e condições de vida dos trabalhadores rurais na zona canavieira de Pernambuco segundo a literatura, a academia e os próprios atores sociais. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2007. Resenha de: BITOUN, Jan. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.26, n.1, p.257-261, jan./jun. 2008. Acessar publicação original [DR]

CARDOSO Ciro Flamario (Aut), Um historiador fala de teoria e metodologia/ Ensaios (T), Edusp (E), SILVA Severino Vicente da (Res), Clio – UFPE (CRPHr), Teoria da História, Filosofia da História, Epistemologia Historia, Metodologia da História, História da Historiografia

São poucos os historiadores brasileiros que podem apresentar uma produção tão rica e diversificada quanto o professor Ciro Flamarion Cardoso. Parte de sua vida foi vivida fora do Brasil, à época da ditadura militar e, contudo a sua presença foi marcante na formação de uma geração que leu e refletiu o Métodos da História, seus escritos sobre o trabalho escravo na antiguidade e Uma Teoria da História. Em suas obras nota-se uma constante critica à pequena importância que o estudo da filosofia tem recebido na formação dos historiadores no Brasil. Essa preocupação teórica o levou a refletir, com outros autores, em Caminhos da História.

Após os eventos do final dos anos oitenta, ocorreu a debandada dos historiadores para fora dos caminhos da interpretação marxista da história. Ciro Flamarion é um dos raros que mantém a sua adesão àquele método de estudo, àquela filosofia explicativa da história. Assim, não surpreende a edição desses ensaios, produzido ao longo de doze anos, resultado de suas reflexões e perplexidades, advindas de sua prática docente.

Pouco avesso aos salameques e ao culto das novidades por serem novidades, o autor de Um Historiador fala de teoria e metodologia, continua fiel ao viés fundamental de sua obra. Ciro nos mostra como ele continua capaz de dialogar com o mundo e apresenta o marxismo como ainda capaz de dar conta da complexidade que estudos setoriais não conseguem, segundo ele, enfrentar plenamente.

Dividido em quatro partes, o livro organiza didaticamente os grandes temas que estudos históricos enfrentam atualmente. Na primeira parte, composta por dois capítulos, o Autor dedica-se a debater as novas perspectivas e compreensão do Tempo e do Espaço para a História, dedicando um capítulo para o debate sobre a construção do espaço, nesses novos tempos em que as realidades parecem estar cada vez compressas e em que os limites geográficos, definidos matemática e geometricamente no final do século XIX, mostram-se ineficazes para a compreensão das políticas atuais dos países e estados.

A segunda parte é dedicada ao acompanhamento do debate epistemológico atual, com destaque especial ao anti-realismo do pensamento histórico contemporâneo e sobre a influência negativa que o Autor entende que as teorias do conhecimento exercem na atual produção histórica no Brasil. Talvez seja a sua adesão incondicional ao marxismo que o impeça de olhar com maior simpatia a atual produção vinda dos programas de pós-graduação das universidades, talvez muito ávidas por aceitar as novidades conseqüentes das contradições européias, aceitas sem o respaldo de um estudo filosófico que seja capaz de assumir as novas tendências sem superar simples macaqueação própria do novidadeirismo.

A terceira parte é dedicada à reflexão do pensamento histórico e ao debate historiográfico contemporâneo. Embora instigante, essa parte pode ser apontada como frustrante por limitar esse debate apenas até os anos trinta. Esperava-se mais, na reflexão sobre a atual produção, essa que vem desde a segunda metade do século. Mas, talvez, com esse enorme hiato, o autor queira nos dizer que não ocorreu ainda uma real e nova interpretação da história brasileira, nem universal, além daquelas que foram apresentadas nas primeiras décadas do século XX, pouco importando que seja uma história produzida nos limites do Brasil ou além deles. Seria isso produzido pela quebra dos paradigmas, pela queda física, antes da metáfora, do muro que separavam as duas maiores experiências políticas ideológicas do século findo há quase uma década, ou a duas décadas, como quer um outro historiador marxista, Eric Hobsbawm. Interessante capítulo, desta parte, é quando nosso Autor quase se transforma em perscrutador do futuro ao discorrer sobre “que história convirá ao século 21” e reflete sobre como a crise dos paradigmas, o cultivo quase niilista da dúvida permanente e da certeza de que só a dúvida existe pode levar os historiadores a perder a perspectiva, atolando-se nos mais diversos solipsismos.

A parte quarta desse livro é dedicada a debater questões mais setorizadas tanto quanto à teoria quanto ao método histórico. No nono capítulo estão abordadas questões atuais no debate sociológico, político e histórico, referindo-se mais diretamente às questões étnicas, tão pungentes e atraentes numa globalização na qual para não se tornarem massas liquidas, voltam-se a paradigmas pré-modernos vestidos em vistosas roupagens pós-modernosas, escondendo nas colorações cintilantes, ranços de racismos que podem fazer retornar com mais tragicidade situações aparentemente vencidas em meados do século XIX. Capítulo muito interessante é o dedicado à chamada História das Religiões, uma quase ciência e uma quase teologia, ou uma teologia que não quer dizer-se como tal. Para ele muitos dos que se dizem historiadores das religiões, deixaram-se seduzir pelos mistérios que atraem os crentes, esquecendo-se dos problemas que são os verdadeiros interesses do historiador, do cientista. Ao crente basta a admiração e contemplação da verdade religiosa, ao historiador a admiração serve apenas de pretexto para iniciar a busca do entendimento de porque homens e mulheres, em determinados tempos e lugares, criaram sistemas e necessitaram afirmar que esses sistemas foram doados gratuitamente por alguma entidade não humana, mas superior aos homens e mulheres Tais adesões à pseudociência História das religiões só é possível pela negativa em abordar os problemas humanos a partir de sua materialidade.

A leitura dos Ensaios contidos em Um historiador fala de teoria e metodologia é interessante àquele que já se encontra na militância da história, seja como professor apenas, seja como professor, pesquisador e historiador. Para os que estão iniciando-se nos afazeres do historiador, essa é uma leitura obrigatória. Nela ocorrerá o encontro com um permanente estudioso da história, e um constante enamorado pelas criações dos homens que vivem as contradições das sociedades que criam e na qual vivem.

Severino Vicente da Silva – Professor adjunto, atuante no programa de pós-graduação do Departamento de História da UFPE.

CARDOSO, Ciro Flamario. Um historiador fala de teoria e metodologia, Ensaios. Bauru, SP: Edusp, 2005. Resenha de: SILVA, Severino Vicente da. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.26, n.1, p. 262-265, jan./jun. 2008. Acessar publicação original [DR]

LIAUZU Claude (Dir), Dictionnaire de la colonisation française (T), TOPOR Hélène d’Almeida (Cons-cient), BROCHEUX Pierre (Cons-cient), COTTIAS Myriam (Cons-cient), REGNAULT Jean-Marc (Cons-cient), Larousse (E), DABAT Christine Rufino (Res), Clio – UFPE (CRPHr), Dicionário, Colonização Francesa, Europa – França, Séc. 19-20, Ásia – Vietnam, África – Argélia, África – Margreb, América, África, Ásia – Oriente Próximo

Entre as muitas obras recentes que tratam do passado colonial da França, o Dicionário da colonização francesa destaca-se pela abrangência das temáticas e análises, numa época de grandes debates no campo desta história. Falecido no ano da publicação deste dicionário, o grande historiador Claude Liauzu o organizou com a preocupação central de valorizar a seriedade na determinação dos fatos e respeitar a pluralidade das interpretações. Ele introduz o volume « A colonização em questões » (p. 9-25) expondo suas ambições e limites.

Os grandes embates que ocupam a fábrica da história colonial na França dos séculos XIX e XX, e sua eventual instrumentalização pelos poderes políticos, torna o assunto atual. Claude Liauzu e sua equipe de dezenas de colaboradores (entre os quais pesquisadores oriundos dos países antigamentes colonizados) decidiram encarar o desafio, afirmando a necessidade de oferecer aos leitores pontos de referência seguros a partir dos quais eles possam definir uma opinião informada no fogo cruzado das « guerras de memória ». Daí a forma de dicionário. São setecentos e setenta e cinco entradas que dizem respeito a pessoas, eventos, mas também categorias de análise histórica. « Tempos fortes », que antecedem sequência alfabética, estabelecem a periodização do assunto. Dezoito mapas e uma bibliografia (dividida tematicamente), no fim da obra, além de diversos índices (de pessoas, lugares e temas, disponíveis na internet) ajudam o leitor a se situar. Os nomes que, nos textos, remetem a artigos próprios são assinalados por asterisco e setas associam outros relacionados.

São tratados aspectos variados, destacando-se a definição do próprio título « colonização » com vários desdobramentos: etimológicos (« colônia », p. 200-201, e « colônia penal » p. 201) ; sociais e políticos como o dossiê « colonos – brancos pobres e ´franceses majorados » (p. 202-210) com várias seções, inclusive o « colono visto pelo colonizado » ; geográficos, mostrando as dimensões políticas, em cada região em que atuou, América, África, Ásia, Próximo Oriente ; culturais, revelando os diversos olhares sobre o fenômeno, « escola colonial » (p. 258), « a escola do colonizado » (p. 259-263), « professores primários » (p. 381), « estudantes colonizados » (p. 280), e mesmo as prestigiosas instituições acadêmicas como a « Escola francesa do Extremo Oriente » (p. 263), focada em aspectos tocando diretamente à historiografia. « As colônias na escola » (p. 265) complementada pelo dossiê « criança e propaganda colonial – Convencer os jovens da metrópole » (p. 269) e o artigo « Propaganda colonial oficial » (p. 538-539), expõe a maneira como a colonização foi ensinada pelos manuais e outros meios de divulgação, desde a criação da escola pública, laica, gratuita e obrigatória, pelos próprios governos da IIIa. República, que promoviam ambas.

« Escritores e colonização » trata da literatura acerca deste fenômeno, seguindo uma entrada rápida sobre o papel de editoras como as Éditions de Minuit, que publicaram grandes textos de combate contra a colonização, em particular A questão, de Henri Alleg, denunciando a tortura utilizada pelo exército francês durante a guerra – que não dizia seu nome – da Argélia. Enfim, « palavras e colonização », (p. 482), « migrações e colonização » (p. 470). « República e colonização – Relações ambíguas » (p. 552-557), faz objeto de um dos numerosos dossiês analíticos que pontuam a obra, com um subtítulo « colonização e civilização », onde são tratados os grandes traços do discurso dominante a respeito do assunto. Outro dossiê, « Capitalismo e colonização. Um debate » (p. 168-172), mostra como se articulam império e prosperidade na metrópole, ao longo dos séculos. « Cristianismo, missões e colonização » (p. 185-191) seguido de « Cristianismo e descolonização » (p. 191-193) focam no papel dos religiosos, numa empresa estatal cuja fase republicana foi marcada pelo anti-clericalismo.

Outros conjuntos de artigos poderiam assim ser singularizados, particularmente em torno dos artigos-dossiês que propõem uma síntese sobre dado assunto, tentando equilibrar o tratamento dos diversos espaços geográficos que, através de quatro continentes, sofreram a marca da empresa colonial francesa : por exemplo, a Nova Caledônia (p. 501-505), complementada por outros artigos como « religiões da Oceânia », (p. 551) « Oceânia » (p. 506-507) « Novas Hébridas Vanuatu » (p. 505) e assuntos, às vezes esquecidos, como o de Moruroa, atol onde os franceses efetuaram seus experimentos nucleares (p. 481).

Em « Raça » incluindo « a política das raças », « racismo » (p. 545-548), Liauzu, autor do maior número de entradas, evoca um campo que detalhou no seu notável estudo Raça e civilização. O outro na civilização ocidental (Paris: Syros, 1992). Ao lado dos artigos esperados sobre a « escravidão – quatro séculos de história da colonização » (p.272-277) e sua abrogação, com a figura emblemática de Victor Schoelcher (p. 579), os autores não se furtam a mencionar eventos recentes, como a Lei Taubira (2001), que confere ao tráfico negreiro o estatuto de crime contra a humanidade (« Comitê para a memória da escravidão » p. 210) e a mal afamada lei de 2005, posteriormente abrogada sob pressão dos meios acadêmicos e mais amplamente cidadãos, que pretendia obrigar ao ensino dos « aspectos positivos » da colonização francesa (p. 533).

Os autores utilizam conceitos atuais como os « lugares de memória » (p. 409-413), complementado em « imaginário e espaços » (p. 364-366), e lugares, simplesmente, inclusive presídios famosos (« Poulo Condor », no Vietnam, p. 536) ou manifestações físicas importantes como o « Mediterrâneo » (p. 460), ou ainda espaços situados no tempo como o artigo « O Magreb na véspera da colonização – Blocagens e tentativas de reforma ». (p. 437-440), ou « o grande deserto do Sahara » (p. 568).

Entre os assuntos tratados em si podem ser citados como exemplos as grandes temáticas do « povoamento » (p. 527), « campesinato » (p. 524), « industrialização » (p. 379), assim como conceitos: « negritude » (p. 495), « nacionalismos » (p. 488). As posições das grandes forças políticas são detalhadas (« Internacional Comunista » (p. 383); « OAS » (p. 506) « FLN » (p. 299) com seus desdobramentos: « chefes históricos », « Federação de França do FLN »; « Pan-africanismo » (p. 514). Personalidades de destaque como Ahmed Messali Hadj, nacionalista argelino do século XX, Ho Chi Minh (p. 359) ou Solitude (p. 586) heroina da resistência ao restabelecimento da escravidão nas Antilhas são tratados com particular cuidado assim como as « resistências à conquista » (p. 557) e grandes rebeliões, como a Kanak, em 1878 (p. 393) ou a insurreição em Madagascar de 1947 (p. 435) e as diversas organizações (partidos e movimentos armados, mas também confrarias e outras) de resistência dos povos colonizados pela França. Entre os personagens mencionados, pode-se destacar os resistentes à colonização, inclusive franceses como Camille Pelletan que denunciava no seu jornal, A justiça, a maneira como as autoridades republicanas francesas impunham sua civilização « por meio de canhões » (p. 526). Em obra póstuma de Claude Liauzu, História do anti-colonialismo na França do século XVI a nossos dias (Paris: Colin, 2007), este aspecto ganha vulto.

Obviamente, aspectos econômicos da empresa colonial estão presentes : as companhias que recebiam concessões da potência colonial (p. 213-216), « cultura de seringueira na Indochina » (p. 358) etc. Também é tratada a dimensão propriamente militar, os métodos de conquista e administração – « governo colonial » (p. 315-319) ; « ministério das colônias » (p. 472-473) – de vastos espaços e populações numerosas em âmbitos geográficos diversos e longínquos, embora nenhuma predominância seja dedicada a estes assuntos clássicos. No entanto, menciona-se aspectos peculiares como, sob o título « Marinha, Marinheiros – o seu papel na expansão colonial » (p. 444), evocando a situação difícil destes, muitas vezes oriundos de territórios colonizados. O maior destaque é dedicado aos conflitos de descolonização, sobretudo na Argélia, que se desdobra em dois dossiês: « guerra de Argélia – Uma guerra que não diz seu nome » (p. 321-335) e « guerra de Argélia e liberdades – Estado de sítio e poderes especiais » (p. 340); para garantir o equilíbrio no tratamento, há também : « Guerra de Indochina – A primeira guerra de descolonização» (p. 341-350).

Aspectos culturais têm, em compensação, muito destaque, desde « festas » (p. 297), « canção » (p. 179), como testemunho da cultura popular, refletindo preconceitos sob os apetrechos do exotismo, mas também nas dimensões de resistência como o anti-militarismo. Famosos artistas são retratados, como Josephine Baker (p. 130-131), cujo sucesso revelou visões metropolitanas da coisa tropical, por assim dizer, e influenciou numa mudança, surpreendentemente recente, nas mentalidades. « Fotografia – a colocação em imagens das colônias » (p. 529), « pintura orientalista » (p. 510) e « Cinema » (p. 194-200), tratam tanto de documentos fotografados encenados ou não, documentários e ficções, mostrando também os esforços de alguns autores para romper com os clichês coloniais, como o premiado « Indígenas », de Rachid Bouchareb (Cannes 2006). A literatura abrange as representações, inclusive populares, como a personagem bretã « Bécassine e suas aventuras coloniais » (p. 140) mas também as produções de criadores de horizontes diversos : literatura da África negra, magrebina, da Nova Caledônia, da Polinésia, « Indochina : edição e literatura » (p. 374) e enfim, « literatura e colonização » (p. 421), seguida de um artigo curioso : « literatura, romance policial e descolonização » (p. 422), mencionando sobretudo obras recentes que tratam de episódios de repressão na própria metrópole contra pessoas oriundas das (ex)colônias.

Muitos atores da descolonização, em várias áreas, literatura e política em particular, fazem parte do elenco biografado: como Leopoldo Sedar Senghor (p. 584), Albert Memmi (p. 461-462), Aimé Césaire (p. 176), desaparecido recentemente. Eles dividem páginas com autores franceses cuja obra e engajamento lhes estão ligados ou opostos: SaintJohn Perse (p. 572), Jean Paul Sartre (p. 578), Céline (p. 174), Camus (p. 163-164), André Malraux (p. 441). Outros autores, cuja obra fez evoluir consideravelmente os instrumentos do pensar da coisa colonial, são mencionados, por exemplo, Marcel Mauss (p. 458), Jean Dresch (251), Cheikh Anta Diop (p. 183), Frantz Fanon (286) e Maxime Rodinson (p. 565), além de revistas como « Presença africana », que marcou as gerações da descolonização fazendo « a ligação com os intelectuais franceses » (p. 538), bem como editores como François Maspéro (p. 455) que abasteceu os militantes anti-colonialistas com obras de Castro, Ho Chi Minh, Basil Davidson e tantos outros.

Entre as dimensões culturais, poderia se singularizar a questão das línguas criadas pela própria colonização « pidgin » (p. 532), « petit nègre » (p. 527) , « pataouète » (p. 523) e « sabir » (p. 568), assim como seu impacto sobre o francês : termos próprios à história colonial ou por ela gerados como « força negra » (p. 302) « spahis » (p. 587) « méharistes », os policiais do deserto (p. 461); ou ainda « bled » palavra oriunda do árabe falado na Argélia que passsou na língua francesa para designar o campo ; « bidonville » (clássica tradução de favela), cuja origem é marroquina ; « béké », termo das Antilhas, até hoje empregado para os descendentes de plantadores ; « cafre » termo utilizado na ilha da Réunion para designar as populações mestiças (p. 160).

O artigo « folie et psychiatrie » (p. 302) evoca a obra pioneira de Frantz Fanon e a recém formada sociedade franco-argelina de psiquiatria, cujo primeiro congresso (2003) consagrou o reconhecimento científico dos traumas resultantes da colonização e guerras de libertação. O dossiê « Saúde » (p. 575-577) trata da epidemiologia, mas sobretudo do imaginário e da justificação da exploração colonial apresentada como compensada pela assistência primária à saúde das populações colonizadas:« Institutos Pasteur » (p. 381) ; « Médicos » (p. 459) « quinine » (p. 544). Os autores do Dicionário não hesitam em abordar assuntos difíceis como o dossiê sobre « mestiçagens e uniões mistas – Da marginalidade à pluralidade incontornável » (p. 465-470); « homossexualidade » (p. 361); « corpos – realidades e imaginários » (p. 223-227) « prostitutas » (p. 539), ao qual corresponde o artigo «masculinidade colonial » (p. 454-455). Embora haja um dossiê importante « mulheres – elas também têm uma história » (p. 287- 295) associado ao artigo « moças – Um novo tipo social nascido da colonização » (p. 387-389), sua presença, esparsa em outras entradas, inclusive biográficas (poucas), é discreta.

Em suma, Dicionário da colonização francesa é uma obra que prima pela coragem dos autores, abrangência e atualidade dos assuntos e sobriedade benvinda no tratamento.

Christine Rufino Dabat – Professora do Departamento de História da UFPE.

LIAUZU, Claude (Dir.). Dictionnaire de la colonisation française. Conselho científico: Hélène d’Almeida Topor, Pierre Brocheux, Myriam Cottias, Jean-Marc Regnault. Paris: Larousse, 2007. Resenha de: DABAT, Christine Rufino. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.26, n.1, p. 266-271, jan./jun. 2008. Acessar publicação original [DR]

GOMES Edvânia Torres Aguiar (Aut), Recortes de Paisagens na Cidade do Recife. Uma Abordagem Geográfica (T), Massangana (E), SERNA Aura González (Res), Clio – UFPE (CRPHr), Natureza, Paisagem Cidade do Recife, Séc. 20, América – Brasil

Este trabalho produzido originariamente sob a forma de tese em 1997 pode ser considerado de vanguarda em diversas acepções, analisando o seu conteúdo e suas advertências no plano das novidades que cercam a discussão contemporânea sobre Paisagem. Pode-se argumentar que se trata de um trabalho clássico na revisão dos conceitos mais primevos dos primeiros entendimentos sobre paisagem, desde a escola alemã, passando por alguns desdobramentos disciplinares inclusive para além da Geografia. Por outro lado, pode ser considerado crítico na perspectiva sócio-ambiental, ao se utilizar este trabalho no âmbito do urbanismo. Verifica-se o efeito denúncia que marca os embates entre o idealizado e o realizado, entre a cidade e o meio. A voz de distintos segmentos da sociedade se expressa através dos 600 questionários trabalhados, capturando as vertentes da representação da cidade no final do século passado. Através dessas falas são reveladas as idealizações e representações da cidade, podendo subsidiar o urbanismo e a gestão dos espaços públicos na metrópole recifense. Essa mescla guarda nexos marcados pelo esforço transversal, enunciando que não existe novidade na feitura das práticas e interesses – principalmente quando se trata de um mundo confeccionado colonialmente, que se busca num jogo de espelhos – e sim, que o mundo é permanentemente (re)criado. Este trabalho é uma excelente maneira de afirmar que não é por natureza que se compreendem e se estabelecem múltiplas aproximações ao objeto do saber. É preciso sentir, estar apaixonado, em conexão com referentes que historicamente constituem elos estruturadores da cidade, mas, e, principalmente, priorizar na escolha por tornar visíveis experiências vividas, na fala de seus usuários, identificando sentimentos profundos do povo na relação com trechos da cidade, para descobrir neles os elementos, mesmo confusos, que podem impulsionar relações de respeito por representações culturais fundamentais que reflitam, na paisagem, as necessidades humanas que a reproduzem. Trata-se de uma pesquisa instigante, qualitativa, e quantitativa de corte teórico e empírico, que passando pela apropriação fenomenológica, subsidiada por um rico elenco de fotografias, mapas, gráficos e gravuras conseguiu preservar a coerência entre o método de pesquisa e a apresentação da realidade estudada. A autora partindo das contribuições da geografia alemã leva-nos de passeio, pela trajetória da paisagem, aproveitando aportes de diversas disciplinas, em legados de historiadores, psicólogos, antropólogos, poetas, filósofos para analisar a composição da paisagem: o meio físico e o meio social, em estreito nexo com as percepções, o imaginário, a atividade humana constituída por atos, com os quais visa algo. A pesquisa tem como campo empírico o dilema na perspectiva das coexistências do planejador, do artista, do político, do cientista, do simples habitantes em uma cidade anfíbia, marcada por atributos da natureza e engenharia humana. As águas dos rios e dos manguezais que configuram o sítio da cidade são enfatizadas a luz desses diferentes segmentos da sociedade em suas práticas. No contemporâneo, até olhares menos atentos registram evidentes provas de agressão como negação a presença das águas na cidade, subestimando a sua morfologia genuína. Através de uma linguagem simples e dialogando com imagens, letras de músicas, poesias, o trabalho nos ajuda a entender que em função da subordinação à lógica da acumulação de riqueza, este processo de construir os espaços vividos se faz à custa de uma decadente condição da sociedade, singularizando alguns resultados que impactam os modos vida dos seus habitantes. Nesse campo, a autora dialoga com reflexões realizadas por renomados geógrafos como Josué de Castro, Milton Santos, Manoel Correia de Andrade, Rachel Caldas Lins e Jan Bitoun, bem como com poetas como Bento Teixeira, Augusto dos Anjos, João Cabral de Melo Neto, Chico Science, consegue ilustrar faces desses impactos no sítio urbano natural do Recife. Os historiadores, urbanistas, engenheiros pesquisados em suas obras propiciam apoio para firmar a posição da autora em suas críticas aos processos de planejamentos da cidade, com a adoção de mudanças que priorizam a técnica aplicada a demandas pseudo uníssonas, tornadas homogeneizantes na leitura de escala global. Como através de um painel, passando pelos primeiros esboços da cidade Mauricia até os dias atuais, com base nos trabalhos comparativos, Edvânia propicia uma revisão da concepção da paisagem idealizada para a cidade e refletida na estrutura do planejamento e suas práticas ao longo da história. O trabalho utiliza três eixos espaciais como referências para cotejar Recife à luz de algumas questões urbanas significativas e que dizem respeito ao cotidiano daqueles que animam a cidade do Recife. As variáveis eleitas espelham a história do presente e do futuro, revelando aproximações entre as representações das paisagens instituídas e divulgadas do Recife e as representações contidas nas falas e depoimentos de alguns usuários de seus espaços. As inquietações da autora são marcas indeléveis que saltam nas páginas deste livro realizando um arco interdisciplinar no sentido acadêmico, mas também no sentido da vivência. De um lado essas inquietações remontam as vivências cotidianas de lembranças primordiais de vida familiar percorrendo a cidade, mas também as interpelações da vida profissional na passagem como técnica em Órgãos de Planejamento Urbano Ambiental na cidade do Recife e, continuando como intelectual, no ideário Gramsciano que inspira as conexões entre intelectuais e o povo-nação. Evidencia-se, assim, a novidade do trabalho, no movimento que incorpora e o inspira, como uma importante contribuição da autora, que se tornará cada vez mais necessária para nos ajudar a recolocar na ordem do dia a agenda do meio físico e do meio ambiental nos espaços da vida urbana, numa cidade de referência histórica para a reprodução das culturas. Edvânia o manifesta nas inquietações finais: “Afinal o que é natureza? Esta pergunta aparentemente tão simples de responder não encontra eco plausível na história da confecção de Paisagens de nossas cidades. Os pilares sobre os quais foram edificados os espaços urbanos não contemplam entendimentos nítidos acerca da existência da natureza possível. No “mundo da engenharia e da técnica” ideologicamente os elementos físico-naturais são convertidos em acessórios subliminares até o surgimento de protótipos que os substituam”. A obra finaliza como se estivesse iniciando pela carga de provocações que evoca e pelas inquietações que ultrapassam a leitura e fazem vagar o pensamento. Nesse sentido, cabe concluir essa resenha retomando mais um importante atributo desse trabalho que é a forma como ele se encontra estruturado em seqüência ascendente partindo da teoria, história e a parte empírica. Dividido em blocos que podem ser lidos de forma solta, enfim degustados, o livro é uma referência sem dúvidas para aqueles que querem aprender a paisagem e apreender as paisagens e a história da cidade do Recife enquanto registro e nova metodologia.

Aura González Serna – Doutora em Serviço Social pela UFPE, (2005). Docente Pesquisadora, na direção do Grupo Território na “Universidad Pontificia Bolivarianam-UPB”. Campus de Laureles. Medellín, Colômbia. E-mail: [email protected]

GOMES, Edvânia Torres Aguiar. Recortes de Paisagens na Cidade do Recife. Uma Abordagem Geográfica. Recife: Massangana, 2007. Resenha de: SERNA, Aura González. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.26, n.2, p.375-378, jul./dez. 2008. Acessar publicação original [DR]

ELLIOTT John H. (Aut), Impérios del mundo atlántico: España y Gran Bretaña en América (1492-1830) (T), Taurus (E), SOUZA George F. Cabral de (Res), Clio – UFPE (CRPHr), Império Inglês, Império Espanhol, América, Séc. 16-19

Ao longo de muitas décadas de minuciosa pesquisa, John Elliott, autor de El Conde-Duque de Olivares e La España Imperial, entre outras importantes obras, se destacou como um dos mais renomados especialistas na história da Espanha. Mais recentemente seu interesse deslocou-se também para os cenários coloniais da monarquia hispânica. O leitor brasileiro em geral conhece de John Elliot apenas os excelentes textos presentes na monumental História da América Latina da Universidade de Cambridge, organizada por Leslie Bethell e publicada no Brasil no final da década de 90. No seu último livro, Imperios del Mundo Atlántico, que como o restante da obra de Elliott ainda não teve tradução brasileira, realiza uma abordagem comparativa da história do continente americano.

O método comparativo em história não é prática inédita no Brasil, mas devido a sua alta complexidade, infelizmente não logrou reunir muitos adeptos. O exemplo mais conhecido é o da obra clássica de Sérgio Buarque de Hollanda (Raízes do Brasil), na qual ele ensaiou algumas comparações entre os diferentes colonizadores do continente americano, concretamente entre portugueses, espanhóis e holandeses, atribuindo de forma um tanto intuitiva, características de fundo psicológico a cada um deles. Em 1939, Herbert Bolton lançava a questão: as Américas têm um história comum? A pergunta, proposta a modo de desafio, provocou reações, embora as dificuldades subjacentes a este tipo de análise tenham desanimado os historiadores. Realizar estudos comparativos expõe o historiador ao duro dilema de ter que escolher entre trabalhar dados secundários para ampliar o universo de análise ou reduzi-lo a patamares bastante limitados, se deseja trabalhar com fontes primárias. Uma obra clássica na qual se utilizou o método comparativo surgiu nos anos 70, quando James Lang advogava em Conquest and Commerce que a principal diferença entre os dois impérios seria o perfil de conquista do colonizador espanhol, ao passo que o inglês se inclinaria, sobretudo, pela tentativa de estabelecer redes comerciais em suas novas possessões.

Em Impérios del Mundo Atlántico, Elliot empreende a difícil tarefa de estabelecer comparações entre os impérios espanhol e inglês na América. O hispanista inglês consegue em seu trabalho (fruto de anos de experiência como pesquisador e professor em várias universidades européias), equacionar bem o problema da abordagem comparativa, embora tenha que esquivar o desafio de incluir também o Império Português. Este aparece apenas em algumas passagens específicas, quando a menção às suas características ajuda a esclarecer aspectos concretos, como por exemplo, o da utilização da mão-de-obra escrava africana. O autor reconhece que incluir a América portuguesa no espectro de análise agigantaria a tarefa de forma a torná-la por demais ampla para os limites de um volume. Não obstante, a opção por centrar-se nas áreas de colonização espanhola e britânica não desmerece a obra. O livro foi estruturado em três partes (La ocupación, La consolidación e La emancipación) formadas por quatro capítulos cada. Ao longo de suas mais de 800 páginas, o autor trabalha com uma ampla gama de eixos temáticos. Sua abordagem se interessa pelos aspectos relacionados com a adaptação do colonizador aos recursos alimentícios disponíveis no novo mundo, a postura do europeu frente aos nativos, os posicionamentos frente à mestiçagem em suas várias facetas, as variantes na organização da produção e da utilização da mão-de-obra, as práticas político-administrativas e os processos de desagregação dos vínculos coloniais. Elliott, graças aos seus amplos conhecimentos de história moderna, transcende os aspectos propriamente locais na sua abordagem, conectando as manifestações da experiência colonial no novo mundo com as estruturas mentais e as práticas políticas e culturais de origem dos colonizadores. Na opinião do autor, são as experiências européias destes colonizadores que fizeram com que os espanhóis recorressem freqüentemente à figura do mouro para caracterizar os indígenas (sobretudo os das áreas de maior desenvolvimento civilizacional) ao passo que ingleses os relacionassem com os irlandeses. É através deste olhar mais amplo, que o autor pode, por exemplo, tecer esclarecedores comentários acerca das formas como colonizadores britânicos e espanhóis entendiam a questão da cristianização dos nativos. No caso britânico, o esforço missionário, tão característico da colonização espanhola no Novo Mundo, se viu embaraçado seja pela falta de uma política estatal de catequese pungente, seja pela concepção da predestinação que regia a cultura religiosa de muitos dos colonos puritanos. Entre os colonizadores espanhóis, Elliott detecta o envolvimento direto da coroa no mister de cristianizar os nativos. A instituição do padroado régio, se por um lado dava ao monarca espanhol amplos poderes em matéria eclesiástica no Novo Mundo, por outro o obrigava a empenhar-se na salvação das almas dos indígenas, sob pena de ter sua consciência maculada. Também nesse caso o cenário europeu interfere diretamente nas realidades construídas no além-mar: os missionários católicos chegados ao continente depois das reformas tridentinas entendiam o objeto de sua atuação de forma bastante diferente dos primeiros missionários da “fase heróica” da catequese. Em relação aos aspectos políticos, Elliott esquadrinha inteligentemente de que formas os conflitos políticos seiscentistas da Inglaterra influenciaram a cultura política dos colonos britânicos, traçando um interessante paralelo entre estes e os colonos espanhóis durante o processo de desagregação dos respectivos vínculos coloniais.

A mais recente obra de Elliott disponibiliza ainda uma longa lista de bibliografia que inclui contribuições monográficas sobre a história da América colonial publicadas após o ano 2000. O primoroso estilo do autor e a excelente tradução (monitorada pelo próprio Elliott, profundo conhecedor do idioma castelhano) garantem uma leitura agradável, ao passo que um bem elaborado índice analítico facilita as consultas mais pontuais. A tradução ao português desta e de outras obras suas representaria inegavelmente um poderoso estímulo aos estudiosos do período colonial da América portuguesa para romper as tradicionais barreiras que atualmente setorizam o estudo das experiências coloniais no Novo Mundo.

George F. Cabral de Souza – Professor no Departamento de História da UFPE. Pesquisador financiado pela FACEPE. Membro do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano.

ELLIOTT, John H. Impérios del mundo atlántico: España y Gran Bretaña en América (1492-1830). Madrid: Taurus, 2006. Resenha de: SOUZA, George F. Cabral de. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.26, n.2, p. 379-382, jul./dez. 2008. Acessar publicação original [DR]

MARZAL Manuel (Ed), BACIGALUPO Luis (Ed), Los jesuitas y la modernidad en Iberoamérica (1549-1773) (T), Fondo Editorial de la Pontificia Universidad Católica del Perú (E), Universidad del Pacífico (E), Instituto Francés de Estudios Andinos (IFEA) (E),DIAS Camila Loureiro (Res), Clio – UFPE (CRPHr), Jesuítas, Modernidade, América Ibérica, América Latina, América -, Sec. 16-18

Desde a renovação historiográfica de que a Companhia de Jesus foi objeto − agora há mais de vinte anos −, sua história esteve especialmente relacionada à questão da modernidade. Isso porque o movimento que consistiu no désenclavement1 da história da Ordem (até então controlada quase exclusivamente por seus membros e limitada a um enquadramento nacional de cunho apologético) resultou em sua apropriação por historiadores leigos, na qualidade de um “observatório” do período moderno. O que se procura, desde então, não é mensurar a contribuição dos jesuítas, mas antes questionar a modernidade por meio da história da Companhia de Jesus. Instituição essa que, de fato, se apresenta como campo privilegiado de observação, por uma dupla razão: seu apostolado universalista, e a sua organização institucional responsável pela formação de um corpus documental contínuo, capaz de trazer elementos de resposta a muitas das questões sobre o período moderno2.

Esse renovamento atendeu em parte ao anseio de abordar a história moderna da Europa a partir de um espaço supranacional, correspondendo à identidade e forma de operação da Ordem inaciana3. Contudo, se teve ares programáticos primordialmente na França e Itália, rapidamente o debate adquiriu uma dimensão internacional e, dos vários campos em que se desenvolveu, sem dúvida o da história da ciência e educação e o das missões e evangelização confirmaram-se os mais dinâmicos4.

Assim, a pergunta que de imediato se coloca a respeito de uma publicação que leva o nome de “Los jesuitas y la modernidad en iberoamérica” é a de saber qual a sua relação com esse contexto de renovação historiográfica. O livro foi publicado em 2007, e traz a lume as atas de um colóquio internacional de mesmo nome realizado no Peru, em 2003. A proposta dos organizadores − um dos quais ele próprio jesuíta5 − aos participantes do encontro era a de avaliar a contribuição da Companhia de Jesus para o desenvolvimento da modernidade na América. Em outras palavras, solicitou-se aos colaboradores a tarefa de delinear algumas características da modernidade na tradição cultural americana, a partir dos diferentes âmbitos em que atuaram os jesuítas, partindo da hipótese inicial segundo a qual a produção intelectual e a atividade educacional e missionária de “alguns padres” da Companhia de Jesus teriam representado o “primeiro e decisivo resplendor da cultura moderna no mundo católico”6. Colocada nesses termos, a questão de fato não parece atender ao novo delineamento metodológico acima referido. Porém, como se explicita na própria introdução, ela foi superada pelas contribuições que, em muitos casos, fizeram realmente valer os ganhos da, ainda recente, renovação. Optou-se então por uma organização da publicação em função das questões levantadas no encontro, e é justamente esse o aspecto mais interessante do livro a se observar.

A obra tem dois volumes: o primeiro, um impresso de portentosas dimensões (pouco mais de quinhentas páginas), conta com uma introdução e vinte e dois artigos. O segundo, em suporte eletrônico (mini-cd) que acompanha o volume impresso, conta com dezessete artigos, além de um apêndice onde foram publicados dois documentos de interesse para os estudiosos da Companhia de Jesus na América Latina: uma apresentação do projeto de reconstituição do acervo histórico da Universidade Javeriana de Bogotá e uma extensa bibliografia sobre os jesuítas na história do Peru. Em ambos os tomos, os artigos foram distribuídos em três seções. A primeira pretende ser uma relação dos textos que tratam dos aspectos teológicos e filosóficos da contribuição jesuíta à construção da modernidade (Los jesuitas y la razón moderna). A segunda reúne os artigos que tratam, em seus múltiplos âmbitos de atuação − ciências naturais e humanas, educação, missão, tecnologia, economia, arte, arquitetura etc. −, a inserção “multifacetada” dos jesuítas no contexto histórico e cultural das colônias americanas (Los jesuitas y la patria criolla). Por fim, a terceira seção agrupa artigos que abordam temas relacionados à expulsão dos jesuítas das colônias americanas, englobando aspectos econômicos, políticos e culturais (Los jesuitas y la crisis de la expulsión).

É compreensível que numa obra que traz a contribuição de quase quarenta autores, de várias áreas e relações diversas com a instituição objeto do debate, as visões sobre a mesma questão sejam defasadas, e revelem a presença tanto de autores que se vêem diretamente engajados nessa renovação historiográfica quanto de outros que lhe são visivelmente alheios. Com efeito, é difícil encontrar nesse livro um eixo que dê realmente conta de todas as contribuições. Mas o fato é que, independentemente da qualidade desigual dos artigos, essa publicação permite-nos esboçar algumas tendências na maneira como a história da Companhia de Jesus vem sendo emprestada pelos pesquisadores interessados na modernidade, especificamente ibero-americana.

Modernidade é, pois, o conceito-chave deste livro. A partir daí, dois problemas de definição se apresentam: um relativo à sua cronologia, e outro, ao delineamento dos seus principais traços característicos. Cada autor opera com uma concepção distinta da modernidade, ora associando-a ao Renascimento, ora à Ilustração, e às vezes ao século XVII. Alguns não consideram o problema, outros o colocam claramente, explicitando seu posicionamento, outros, ainda, o tomam como principal objeto de reflexão. Porém, para Luis Bacigalupo, autor da introdução, o termo moderno abarca menos o sentido do período que se inicia no fim da Idade Média e termina com a Revolução Francesa do que aquilo que representa o pensamento questionador do consuetudinário, sendo que a modernidade se caracteriza, então, como uma era da “cultura em crise” (p. 24). Ainda segundo o organizador, um dos seus principais traços característicos é o fato de ser expansiva, isto é, de tender a aplicar os êxitos da razão a todos os campos do conhecimento e das atividades humanas; a ciência e a educação revelando-se, pois, âmbitos importantes de sua definição e veiculação. Assim, o eixo escolhido no livro para caracterizá-la é o da tensa relação entre princípios de ações divergentes: se por um lado, a razão moderna impele o homem a se emancipar das irracionalidades que o “escravizavam”, por outro, estimula o Estado a ações que visam o seu fortalecimento, pela expansão comercial, industrial e burocrática, gerando forças paradoxais entre a liberdade do indivíduo e a soberania do Estado.

Nessa encruzilhada, a Companhia de Jesus que, justamente por conta do seu apostolado universal, sempre ocupou um lugar central, do ponto de vista social, político e cultural, no processo de expansão do velho mundo e de formação das novas sociedades americanas7, desempenhou um papel importante, tanto na sistematização de estruturas do colonialismo quanto na formação dos quadros que posteriormente foram responsáveis pela emancipação das colônias. Entendida nesses termos, a atuação da Companhia de Jesus na América revela uma contradição crucial para a modernidade americana, na sua relação com a Europa, e parece ser esse paradoxismo do sistema colonial o eixo em torno do qual se reúnem as questões colocadas pelas diversas, e heterogêneas, contribuições.

Em uma apreciação alheia à distribuição dos artigos nas seções definidas pelos organizadores, é possível notar a presença marcante de duas classes de contribuições: artigos que aproximam o tema da modernidade ao da formação das sociedades coloniais, e outros que determinam ênfase na construção da “pátria criolla”. Quanto a esta última, duas questões são nomeadamente abordadas: a responsabilidade dos jesuítas na educação da elite nativa e seu papel na construção de uma identidade nacional.

Assim, o debate teológico-jurídico, que por uma reavaliação do aristotelismo, procurou justificar moralmente a escravidão, é explorado nos artigos de Josep Ignasi Saranyana e de Francisco Moreno Rejón. No que concerne à formulação de um modelo e aos aspectos relacionados à empresa missionária propriamente dita há que se conferir, por exemplo, as contribuições de Jeffrey Klaiber, S.J., Javier Baptista, S.J., Ignacio del Río e Norberto Levinton. Já o texto de Antonella Romano − que se destaca por chamar a atenção para a missão como espaço de produção de ciência, por conta da mobilização de técnicas e saberes que visavam ao domínio territorial − submete a relação entre centro e periferia a uma perspectiva mais ampla, mostrando que a América não somente importou e mestiçou, mas também foi protagonista na construção da cultura moderna. Nesse mesmo sentido vai o argumento de Carmen Salazar-Soler, em seu artigo sobre o desenvolvimento de técnicas mineradoras no Peru nos séculos XVI e XVII.

O tema das atividades educativas dos colégios administrados pelos jesuítas é especialmente mobilizado pelos autores desse livro, e responde a interrogações de enquadramento nacional, desde a abordagem da educação dos caciques, por Monique Alaperrine-Bouyer, até a organização e consolidação de uma estrutura de ensino e formação dos espanhóis e filhos de espanhóis. Nesse sentido, para Maria Cristina Torales Pacheco, os jesuítas teriam assentado na Nova Espanha as bases de uma “esfera pública burguesa”8, na qual se teria formado a geração que posteriormente foi responsável pela emancipação política “e construção do México como país independente” (p. 158).

Porém, adverte Pacheco, não foi apenas na formação de uma classe social que a Companhia de Jesus desempenhou um papel importante: os jesuítas também se implicaram diretamente na construção da identidade nacional. É o que procuram revelar, por exemplo, os estudos sobre os conflitos no seio da própria Ordem, entre os jesuítas nativos e aqueles oriundos da Europa. Bernard Lavallé demonstra que, embora tenha tentado, a cúria generalícia romana não conseguiu coibir a entrada, na instituição, de membros americanos, que acabaram se impondo: pouco tempo depois da chegada dos jesuítas, conclui o autor, os criollos instruídos em seus colégios chegaram a dominar os postos do clero secular em suas respectivas dioceses, gerando conflitos. Pedro Guibovich Pérez identifica no Poema hispano-latino, do jesuíta peruano Rodrigo de Valdés (1619-1682), uma exaltação nacionalista: evidenciando as disputas entre nativos e estrangeiros dentro da própria Companhia, segundo o autor, Valdés mostrava erudição como estratégia de defesa da capacidade intelectual dos criollos, e fazia uso do gênero corográfico como instrumento de exaltação da “pátria chica”.

Também Clavijero (1731-1787) é apresentado, por Beatriz Domingues, como um dos construtores do “patriotismo” mexicano. Como ele, outros jesuítas exilados na Itália, após as expulsões de 1767, contribuíram à construção de uma identidade nacional ao contradizer as teorias de Buffon e De Pauw sobre a degenerescência da natureza americana. Este mesmo assunto passa por vários outros artigos, um dos quais trata especificamente do jesuíta Juan de Velasco, com relação à história equatoriana (Carmen-José Alejos Grau). Quanto a isso, é de se notar as referências obrigatórias aos estudos de Antonello Gerbi e Miguel Batlori9.

A questão dos nacionalismos levantada pela análise da “literatura de exílio” aproxima-nos então de outro importante tema tratado em artigos que também lhe fazem referência, e que acabou originando uma seção à parte: os contextos das expulsões (José del Rey Fajardo, S.J., Francisco de Borja Medina, S.J., Manuel Marzal, S.J., Sandra Negro). Porém, não só essa literatura do exílio, como igualmente aspectos econômicos da expulsão (Guillermo Bravo Acevedo e Kendall W. Brown), relativos aos conflitos no Paraguai (Martín Maria Morales, S.J. e Barbara Ganso) e à definição das fronteiras amazônicas (Fernando Rosas Moscoso) são assuntos levantados, deixando patente a predominância da questão nacional no tratamento da história da Companhia de Jesus na América.

Ora, a correspondência dos marcos cronológicos da história do período moderno e da colonização da América com os da história dos jesuítas (1540-1773) não é fruto de mera coincidência. Se a história da Companhia de Jesus nos momentos de sua fundação e consolidação institucional possibilita questionar o período moderno por um enquadramento supranacional, entretanto, no contexto da sua supressão, a história da Ordem proporciona fecundo campo de análise da questão nacional. E, se o debate franco-italiano privilegiou os séculos XVI e XVII − de construção da identidade jesuíta e definição do apostolado universalista e missionário −, abrindo espaço para a análise da atuação dos padres no âmbito das ciências e das missões, nos meios acadêmicos hispano-americanos (onde aliás a presença de jesuítas historiadores se faz notar de maneira mais evidente), os temas permanecem associados sobretudo ao século XVIII, contexto em que se encadeou uma série de fenômenos que desembocaram na expulsão dos jesuítas dos domínios imperiais europeus e, por fim, na supressão da Ordem. Sob o aspecto historiográfico, então, o livro “Los jesuitas y la modernidad en iberoamérica”, parece confirmar uma tendência própria ao debate hispânico, em que as circunstâncias, causas e conseqüências das expulsões constituem objetos privilegiados de estudo10.

Não é de pouco interesse notar, quanto a isso, um desequilíbrio na publicação que, se reúne na sua maior parte textos referentes à história do México e Peru, conta apenas com a colaboração de Rafael Chambouleyron no que diz respeito aos jesuítas na América portuguesa (embora a baliza cronológica da publicação se inicie em 1549, ano da fundação, no Brasil, da primeira missão jesuíta americana). Se incorporasse a vertente brasileira desse debate, o livro talvez apresentasse um outro tom − contudo ainda em vias de se delinear11.

Notas

1 Termo que, em francês, significa desenclausuração; foi cunhado por Luce Giard, curadora de um volume considerado marco desse novo significado conferido aos estudos jesuítas. Les jésuites à la Renaissance. Système éducatif et production du savoir, dir. Luce GIARD, Paris: Presses universitaires de France, 1995.

2 ROMANO, Antonella & FABRE Pierre-Antoine, Présentation, in Revue de Synthèse. Les jésuites dans le monde moderne. Nouvelles approches. T. 20, n. 2-3, avril-septembre 1999, pp. 247-260.

3 CANTÚ, Francesca. I gesuiti tra vecchio e nuovo mondo. Note sulla recente storiografia, in Carlo OSSOLA, Marcello VERGA & Maria Antonietta VISCEGLIA (eds.), Religione cultura e política nell’Europa dell’età moderna. Studi offerti a Mario Rosa dagli amici, Firenze: Leo S. Olschki, 2003, pp.173-187.

4 FABRE, Pierre-Antoine. L’histoire des jésuites hors les murs. L’état de la recherche em France. Annali di storia dell’esegesi. Anatomia di un corpo religioso: l’identità dei gesuiti in età moderna, 19/2, 2002, pp. 357-367. Citamos apenas algumas das publicações coletivas mais recentes sobre missão, ensino e ciência: CAROLINO, Luis Miguel & CAMENIETZKI, Carlos Ziller (coord.), Jesuítas, Ensino e Ciência. Séculos XVI-XVIII, Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2007. CHINCHILLA, Perla & ROMANO, Antonella (coord.), Escrituras de la modernidad. Los jesuitas entre cultura retórica y cultura científica, Cidade do México: Universidad Iberoamericana, 2008; FABRE, Pierre-Antoine & VINCENT, Bernard (comp.), Missions religieuses modernes. “Notre lieu est le monde”, Roma: École française de Rome, 2007. Não se pode deixar de mencionar a contribuição dos Estados Unidos a esse renovamento historiográfico, da qual podemos citar, ainda restringindo-nos a publicações coletivas, O’MALLEY, J., BAUILEY, G.A., HARRIS, S.J. & KENNEDY, T.F. (eds.), The Jesuits: Cultures, Sciences and the Arts, 1540-1773, Toronto/Buffalo/London: University of Toronto Press, 1999 e, dos mesmos organizadores, The Jesuits II: Cultures, Sciences and the Arts, 1540-1773, Toronto/Buffalo/London: University of Toronto Press, 2006. Também na relação entre poder e religião, a Companhia de Jesus inspirou sólidas pesquisas, como se pode conferir em MOLINIÉ, Annie, MERLE, Alexandra & GUILLAUMEALONSO, Aracelo (dir.), Les jésuites en Espagne et en Amérique. Jeux et enjeux du pouvoir (XVIe-XVIIIe siècles), Paris: PUPS, 2007.

5 Esse colóquio foi organizado pela Universidade Católica do Peru, por Luis Bacigalupo e Manuel Marzal Fuentes, S.J. († 2005).

6 “La hipótesis general que motivó la convocatoria a este coloquio es que la producción intelectual y la obra educativa y misionera de algunos padres da Compañía de Jesús habrían sido el primer y decisivo resplandor de la cultura moderna en el mundo católico. Para explorar esa hipótesis, la comisión organizadora del coloquio invitó a académicos de prestigio, quienes aceptaron delinear algunas características de la modernidad en la tradición cultural iberoamericana, partiendo de los diferentes ámbitos en que actuaron los jesuitas entre 1549 y1773”, BACIGALUPO, Luis E. Introducción, in Los jesuitas y la modernidad en Iberoamérica. 1549 y 1773, p.15.

7 ROMANO, Antonella & FABRE Pierre-Antoine, “Présentation”, in Revue de Synthèse. Les jésuites dans le monde moderne. Nouvelles approches. T. 20, n. 2-3, avril-septembre 1999, p. 255.

8 No seu artigo intitulado “Los jesuítas novohispanos, la modernidad y el espacio público ilustrado”, a autora se diz tributária dos estudos de Roger Chartier e Jürgen Habermas.

9 BATLORI, Miguel. La cultura hispano-italiana de los jesuítas expulsos, Madrid: Biblioteca Românica Hispánica 1966. GERBI, Antonello. La disputa del Nuovo Mondo. Storia de una polemica. 1750-1900, Milano-Napoli, Ricciardi, 1955.

10 De fato, os organizadores do livro Les jésuites en Espagne et en Amérique (cf. supra n. 4) notam que temas relacionados ao destino dos jesuítas no século XVIII ou as missões do Paraguai constituem uma parte importante dos estudos referentes à influência da Companhia de Jesus no mundo ibero-americano. Alguns trabalhos recentemente têm procurado outros caminhos: além do livro em questão, ver, por exemplo, Julian J. LOZANO NAVARRO. La Compañía de Jesús y el poder en la España de los Austrias, Madrid: Cátedra, 2005.

11 Embora pesquisadores brasileiros se dediquem aos estudos jesuítas há vários anos, os empreendimentos coletivos são bastante recentes. Em 2007, também foram publicadas no Brasil as atas de um colóquio referente à Companhia de Jesus, por iniciativa dos próprios jesuítas: BINGEMER, M. C. L., MAC DOWEL, J. A. & NEUTZLING, I. (orgs.), A Globalização e os Jesuítas: origens, história e impactos. Anais do Seminário Internacional realizado entre 25 e 29 de setembro de 2006 na PUC-RJ, Unisinos-RS e na Faculdade Jesuítica de Filosofia e Teologia (FAGE), de Belo Horizonte, São Paulo: Loyola, 2007. Apesar de o próprio título da publicação expressar uma diferença importante com relação ao debate hispano-americano, não é suficiente para definir o tom das discussões brasileiras. Acompanhado deste presente volume e da edição, que deve sair em breve, das atas do colóquio internacional realizado em 2007 na Universidade de São Paulo, “Contextos missionários: religião e poder no Império português”, seus contornos se tornarão mais claros. Este último colóquio, embora não estivesse centrado especificamente nos jesuítas, contou com a colaboração de alguns importantes especialistas em história da Companhia de Jesus. De todo modo, importa aqui salientar o recorte imperial atribuído ao objeto, como indicado no próprio título do encontro.

Camila Loureiro Dias – Doutoranda EHESS, Paris.

MARZAL, Manuel; BACIGALUPO, Luis (Eds.) Los jesuitas y la modernidad en Iberoamérica (1549-1773). Lima: Fondo Editorial de la Pontificia Universidad Católica del Perú; Universidad del Pacífico; Instituto Francés de Estudios Andinos (IFEA), 2007. Resenha de: DIAS, Camila Loureiro. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.27, n.1, p. 417-425, jan./jun. 2009. Acessar publicação original [DR]

RICUPERO Rodrigo (Aut), A formação da elite colonial. Brasil (c. 1530 – c. 1630) (T), Alameda (E), SOUZA George Félix Cabral de (Res), Clio – UFPE (CRPHr), Elite Colonial, Séc. 16-17, América – Brasil

Os momentos iniciais da efetiva conquista e ocupação dos territórios americanos do império português são de fundamental importância para todo o posterior desenvolvimento histórico do Brasil. Durante estes anos se desenharam os traços básicos da distribuição espacial da América portuguesa, traços que repercutem até hoje nas dinâmicas do país. Vem dessa época também algumas das principais feições sociais do país, bem como uma parcela importante do caldo sociológico que compõe suas culturas políticas. Apesar de sua importância, poucos são os historiadores que ousam mergulhar nestas águas profundas, nesta fase ao mesmo tempo tão longínqua e tão presente de nossa história. As razões para isso em geral giram em torno do problema das fontes. Essa é uma questão que se repete para outros objetos do período colonial, o que faz desta fase a menos conhecida de nossa história, pese seu caráter fundante.

A obra em tela enfrenta estas limitações e ousa incursionar no primeiro século de colonização. Sua baliza cronológica inicial é 1530, momento em que a política da coroa em relação às terras que lhe cabiam pelo Tratado de Tordesilhas “dá um salto de qualidade, com a iniciativa do povoamento das terras da costa do Brasil”. O fechamento do período do estudo é a invasão de Pernambuco pela West Indische Compagnie, em 1630, fase em que a conjuntura externa foi sacudida pela entrada em cena de novas potências e pela crise geral do século XVII. Do ponto de vista geográfico, o estudo abrange toda a área costeira da colônia, salientando o autor, que a repartição do estado do Maranhão somente se efetivou a partir de 1626.

As fontes foram magistralmente reunidas por Ricupero, que revisitou um vasto material transcrito e publicado em vários veículos como os Anais e a Coleção de Documentos da Biblioteca Nacional, as revistas de vários Institutos Históricos, inúmeras crônicas, relatórios, descrições, sumários, memórias e compêndios publicados no Brasil e em Portugal. As fontes manuscritas consultadas também foram variadas e numerosas. Ricupero utilizou-se de cartas régias, consultas, processos de disputa de terras, registros de chancelaria régia e das ordens militares, processos inquisitoriais e códices diversos depositados em Lisboa, no Porto e em Évora. No Brasil, consultou fundos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. A relação das fontes e bibliografia ocupa sessenta e sete páginas e se constitui por si só num importante guia de pesquisa.

O trabalho se divide em três partes: “Honras e mercês”, “Conquista e Governo” e “Terra, Trabalho e Poder”. Ao longo destas três seções estão distribuídos nove capítulos. Os primeiros dois capítulos, inseridos na seção “Honras e Mercês” discutem como, a partir da concepção de que a principal tarefa da realeza é a distribuição da justiça, as práticas de recompensas por serviços prestados desempenharam um papel importante na atração de colonizadores e no pagamento de suas ações em prol da consolidação dos primeiros núcleos de colonização. O autor elenca um farto rol de exemplos de como a pressa em recompensar e a vagareza em castigar eram elementos indispensáveis no trato com os primeiros colonizadores.

Três capítulos formam a segunda parte do trabalho. Nela o autor esquadrinha as ações iniciais de ocupação efetiva do território, afrontando a presença cada vez mais intensa de outros europeus, sobretudo franceses. Os aspectos legais, militares, econômicos e administrativos são abordados. Destaca-se a necessidade de mais estudos sobre a administração colonial e dos ocupantes dos cargos nesse período. A montagem do Estado colonial nesta fase é analisada sob o prisma da legislação da época e dos provimentos passados aos designados para os cargos da governança. Não se descuida, entretanto, do papel que as redes familiares e clientelares tiveram na formação de uma elite de poder, na qual as principais figuras incrementavam seu raio de influência exatamente pelo controle das indicações e nomeações para os postos de mando.

A terceira e última parte, “Terra, trabalho e poder”, referência direta ao texto da Profa. Vera Lúcia Amaral Ferlini, orientadora do trabalho, é a mais extensa do livro, contendo quatro capítulos. Nesta seção o autor analisa como a ocupação dos cargos de governo permitia um acesso direto aos mecanismos de distribuição de terras e, conseqüentemente, na formação de dilatados patrimônios. Em paralelo, especialmente nos primeiros anos do período em estudo, o acesso privilegiado a outros bens explorados na imensa costa atlântica do continente representava uma considerável possibilidade de ganhos para aqueles que ocupavam posições cimeiras na administração local ou para seus apaniguados. Freqüentemente, esses ganhos e vantagens eram conseguidos ao arrepio da lei. Seja pelo trato ilícito, seja pelo açambarcamento de determinadas atividades, vários são os exemplos de como as autoridades se valiam dos poderes que lhe foram investidos para sacar proveito próprio de recursos que deveriam ser exclusivos do monarca ou que poderiam beneficiar um maior número de colonizadores.

Entra nesta questão, além da terra, o indispensável aporte de mão-de-obra. Neste campo, o autor demonstra como os dilatados poderes concedidos aos representantes do poder real na colônia acabaram permitindo que os mesmos consolidassem suas redes clientelares através do controle da divisão do contingente humano indígena entre as propriedades de parentes ou achegados. Coloca-se em relevo a atuação dos jesuítas na arregimentação de indígenas, bem como as reações dos colonizadores as interferências inacianas e à legislação regulamentadora emanada de Lisboa e Madri.

Os dois últimos capítulos, “O patrimônio fundiário I e II” oferecem abundante informação sobre o processo de ocupação das terras pelas unidades produtivas nas capitanias, iniciando-se pela Bahia, seguida pelas capitanias do centro-sul, Pernambuco e Itamaracá, Paraíba e Sergipe e finalmente a costa leste-oeste. Nestes capítulos figuram cinco interessantes tabelas que reúnem e sistematizam dados sobre os senhores de engenho do Recôncavo Baiano e de Pernambuco e Itamaracá, apontando informações sobre sua participação na governança colonial e seu estatuto social.

Ao longo de todo o texto, Ricupero dá ao poder central um papel de relevo e de controle sobre o processo de ocupação da nova colônia. Esta inclinação deriva diretamente da opção que faz pela idéia de que a colonização se realiza dentro dos quadros do Antigo Sistema Colonial. Daí também o seu empenho em tentar afirmar a existência de um senso de unidade territorial e centralidade administrativa e a sua crítica à idéia de “América Portuguesa”, alegando sua ausência na documentação consultada. O autor faz questão, entretanto, de expressar sua negação à vinculação automática retroativa ao Estado que se formaria a posteriori.

Apesar deste posicionamento, no decorrer do seu trabalho, o autor menciona dezenas de exemplos de como as brechas da autoridade régia permitiam que os componentes das primeiras gerações da “elite brasileira” lograssem, em direto afrontamento às normais emanadas do centro, sacar vantagens para interesses próprios. Pese as afirmações do autor no sentido de dar um papel de relevo à coroa – como cabeça e impulsionadora do aparelho de dominação sobre a colônia através de seus representantes, máxime o Governador-geral – a impressão que fica do livro é de que ao contrário de defender os interesses da coroa, os seus oficiais instrumentalizam os poderes que lhe eram delegados para beneficiar a si próprios e a suas redes clientelares. O desvirtuamento das normativas sobre os indígenas é um bom exemplo disso.

Os mecanismos de formação das elites no eixo centro-sul, descritos por Fragoso e outros autores em trabalhos recentes, emergem claramente dos casos estudados por Ricupero, apesar de algumas discordâncias do autor em relação à interpretação da formas e intenções das concessões de mercês régias. Na própria referência ao que entende por elite (nota 43, página 22), o autor se remete às discussões propostas por Bicalho. Por isso soa “estranha” a defesa feita pelo autor, diretamente em duas ocasiões (na introdução e nas considerações finais) e indiretamente em algumas passagens ao longo do texto, da concepção do Antigo Sistema Colonial como chave interpretativa para a formação de uma elite brasileira.

A abordagem do autor sobre as esparsas fontes do período inicial da colonização lança indagações atuais sobre um material que se revela extremamente rico em informações históricas. O laborioso trabalho de pesquisa vem apresentado em um texto claro e de agradável leitura, e se beneficia ainda de um primoroso trabalho de edição. Os capítulos finais seriam ainda mais informativos se acompanhados de mapas para orientação espacial do leitor. Ricupero apresenta assim uma sólida contribuição para a crescente produção científica sobre o período colonial e nos oferece interessantes elementos para o salutar debate historiográfico em torno à suas interpretações. Seu livro integra, indiscutivelmente, o rol de obras obrigatórias para o estudo do nosso período fundacional.

George Félix Cabral de Souza – Universidade Federal de Pernambuco.

RICUPERO, Rodrigo. A formação da elite colonial. Brasil (c. 1530 – c. 1630). São Paulo: Alameda, 2009. Resenha de: SOUZA, George Félix Cabral de. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.27, n.2, p.329-333, jul./dez. 2009. Acessar publicação original [DR]

SERRERA Ramón María (Aut), La América de los Habsburgo (1517-1700) (T), Universidad de Sevilla (E), Fundación Real Maestranza de Caballería de Sevilla (E), SÁNCHEZ Carlos Alberto González (Res), Clio – UFPE (CRPHr), Dinastia dos Habsburgo, Europa -, América -, Europa – Espanha, Séc. 15-17

Reseñar un libro no en pocas ocasiones puede llegar a ser una labor aburrida y tediosa, sobre todo cuando no es el fruto de una decisión personal sino de una obligación editorial, un compromiso o cualquier otra de las componendas propias de la vida académica. La tarea puede complicarse aun más si la obra no es del gusto del reseñador; o su temática no cuadra con sus aficiones y preocupaciones científicas, ni su calidad alcanza un mínimo de solvencia. Bien saben los implicados en estas lides los sinsabores e ingratitudes que puede plantear la redacción de una crítica negativa, aunque fuere constructiva, sobre trabajos en los que, en el peor de los casos, siquiera se ha vertido tiempo, alguna ilusión y esfuerzo. Por ello soy de la opinión, como Cervantes, de que todo libro merece respeto, pues algo bueno siempre guardan. No en vano don Miguel leía hasta los papeles tirados en las calles.

No es éste el pleito del que ahora me ocupa, todo un alarde de reposado saber, rigor y sutileza historiográfica. Resultado de muchos y calmos años de investigación y reflexión; de una vida dada al empeño de comprender y hacer saber a los demás acerca del impacto de América en el devenir histórico de la España, y Europa en general, del Antiguo Régimen. Ya decía Erasmo que es el mejor sabio-profesor quien se da con fruición al estudio para a la postre regalar el provecho a sus alumnos y a todo aquel con deseos de aprender. Créanme si les digo que semejante cometido siempre ha sido la meta de don Ramón María Serrera, catedrático de Historia de América de la Universidad de Sevilla. Basta con interrogar al numeroso y premiado alumnado que ha tenido la suerte de disfrutar de su minerva durante su ya dilatada carrera profesional. A ellos va dedicado el libro al que ahora doy la bienvenida y enhorabuena; ¿quieren mejor refrendo de lo dicho, mayor prueba de generosidad docente y personal? Alguno, resuelto en desconfianza y recelos, podría atribuir mi juicio, por interesado y subjetivo, a la admiración y amistad que, desde hace largo tiempo, profeso al autor. Cierto es, pero les aseguro que ambos estados anímicos son una agradecida consecuencia de lo mucho y bueno que me ha enseñado de viva voz o en letra impresa; no solo de historia, también de arte y música, de ética y honradez, humana e intelectual. De la cultura en definitiva. Decían los clásicos que el cariño, el trato, la conversación y los hechos conservan las amistades.

Pues bien, el libro en cierne, La América de los Habsburgo (1517-1700) –título acertado por lo inusual de Habsburgo en otros de cariz similar-, está concebido como un manual universitario, un útil de consulta para el estudio de una de las asignaturas que el Profesor Serrera viene impartiendo desde tiempo atrás (América en la Edad Moderna). De ahí que para la dilatada elaboración del texto se haya servido de las fuentes documentales, manuscritas e impresas, antiguas y modernas, actualizadas y repensadas, que distinguen su diverso cúmulo de saberes, maná indispensable al adecuado conocimiento de una materia tratada e interpretada con rigurosos criterios científicoacadémicos. Por ello no es uno más de los manuales al uso que suelen exhibir una suma informativa sin apenas introspección del historiador, es decir, la casi simple secuencia de los hechos y personajes, de variopinta naturaleza, correspondientes a la época de referencia, con frecuencia realizada a partir de los manuales precedentes. No olvidemos que estas iniciativas suelen tener su origen en propuestas editoriales, cuyas miras con frecuencia giran en torno a la oportunidad de un determinado producto en el mercado. Así, los autores se ven apremiados por una ajustada programación empresarial, la que, a su vez, delimita de forma precisa la ejecución de la obra en la forma prevista y en un tiempo determinado.

La de don Ramón, en cambio, fue una decisión personal, tomada, hace 20 años, sin otro ánimo crematístico que poner a prueba sus conocimientos y capacidad comunicativa –de sobra magistral- en la confección de un texto, a modo de guía de estudio y alta divulgación, capaz de ofertar a propios y extraños un panorama analítico de la América Española en los siglos XVI y XVII, desde una perspectiva total e integradora, o sea, afrontando cada una de las manifestaciones que definen una época y su humanidad (geografía, economía, sociedad, política, cultura y civilización). Porque abomina la actual especialización de la historiografía en temáticas acotadas y exclusivistas fuera de las cuales no se sabe nada: el virus mortal de las humanidades. De ahí la importancia que concede, entre otras muchas variables, al arte, y a la cultura en última instancia; parámetros que le ayudan a definir mejor sus objetos de estudio, exquisitamente plasmados en las cuantiosas imágenes que ilustran las páginas del libro. Una especie de treta afortunada con la que nos quiere delatar la importancia de la imagen como documento histórico, vestigios del pasado en el presente, no mudos sino elocuentes, a la par que los escritos, dotados de una preciosa información esencial para la mejor comprensión de la época en la que surgen y se expresan.

El cometido del libro, por tanto, requirió atención esmerada y trabajo pausado; no menos, audacia, ingenio y, sobre todo, sapiencia acrecentada. A la larga, como se ha demostrado, llegaría la hora de la cuestión editorial. Esta manera de proceder y de buen hacer ha dado a luz una magnífica síntesis interpretativa en la que quedan virtuosamente equilibradas la información factual y la reflexión crítica, la profundidad y la difusión; al mejor estilo de don Antonio Domínguez Ortiz y don Guillermo Céspedes, próvidos historiadores a los que nuestro autor profesa una inteligente consideración. Si a ello le unimos el alarde de exquisitez plasmado en su prosa, sencilla y elegante a la vez, colorista y expresiva sin necesidad de artificios retóricos, las mercedes del libro están servidas por doquier en el texto.

Una de sus mejores cualidades, sin duda, es la pericia historiográfica del autor, arraigada en la mesura y el sentido común, el tiento y la prudencia. Garantes de una aproximación a los procesos históricos tratados al margen de juicios y evaluaciones éticos, una manera de ejercer el oficio que él mismo estima antihistórica y propensa a descontextualizar los fenómenos en estudio, o lo que es igual, a abordarlos fuera de las coordenadas culturales y mentales dentro de las cuales se desarrollan. No por casualidad su relato se distancia de aquella historiografía, en tiempos dominante, presa de una concepción eurocéntrica, y chovinista por defecto, en la que adquiere un exagerado protagonismo el hombre blanco a costa de las civilizaciones autóctonas. La de don Ramón en cambio enfatiza en el desarrollo de una trayectoria histórica resultado de las grandes migraciones atlánticas y del contacto multicultural entre europeos, indígenas y africanos, dentro de un orden colonial -un sistema de dominio- desplegado a través de una red intercontinental de circuitos comerciales, intelectuales, culturales y políticos. Ello tampoco le impide ignorar la diversidad ni las grandes diferencias de estructura y experiencia histórica entre Europa y el Mundo Atlántico, o admitir que la cultura americana no fue una réplica exacta de la europea. Del mismo modo huye de teorías totalizadoras en la interpretación del pasado, consciente del determinismo y relativismo que propician, dejando escaso margen de acción a la irracionalidad y libertad del hombre, factores en nada incompatibles con los estructurales.

La forma de hacer historia del profesor Serrera, obvio es, facilita la reflexión y el debate mediante el despliegue de problemas y líneas de investigación de cara a los posibles interesados en este menester. Más aun cuando aborda cuestiones controvertidas o desfiguradas por tópicos carentes de escrúpulos científicos, sea el caso de los distintos episodios que tienen que ver con la leyenda negra todavía vigente y, lo que es peor, a menudo encorsetados en discursos oficiales a este y el otro lado del Atlántico. Cuita que, a la par, no le predispone hacia una leyenda rosa o dorada, sino hacia otra gris claro, el color que nos ayude a asumir nuestra historia tal como fue, sin complejos de madrastra ni sentimientos de culpa descontextualizados y al albur de quienes los manipulan depositando en ellos fines espurios e interesados.

Este gran libro en todos los órdenes, como fuere, transita por una silva de conocimientos -auxiliada de un encomiable y auxiliar piélago de gráficos y mapas-, entre 1517, año de la llegada al trono de Carlos I, y 1700, fecha del óbito de Carlos II sin herederos y del fin de la dinastía de los Austrias en España. He aquí una cronología que precipita la razón principal del título de una obra cuyo argumento se divide en tres grandes apartados. El primero cubre una etapa crucial de la historia de las Indias españolas (1517-1542), correspondiente al ciclo de la conquista de aquel Nuevo Mundo, en el que se dirimen con maestría cuestiones tan trascendentes como el “choque cultural”, concepto que, dados los efectos desestructuradores de la acción conquistadora, el autor aprecia más coherente que los de “aculturación”, “occidentalización” o “transculturación”. También el proceso de dominación militar y su justificación teológica, la resistencia, activa y pasiva, de la población indígena, para terminar con un precioso capítulo de historia cultural imbuido en las novedades, y su asimilación por los europeos, que empezaron a exhibir unas tierras demasiado lejanas y extrañas: la dietética, la flora, la fauna, el medio ambiente y un sinfín de otras albricias que empezaron a transmitir las plumas de los primeros pobladores españoles. Gentes a la ventura que, conforme a su utillaje mental y referente simbólico, solían ver lo que escriben y no al contrario.

El segundo bloque temático afronta el periodo coincidente con la reorganización del sistema colonial, que nuestro historiador extiende de 1542 a 1598. Casi medio siglo en el que América va dejando de ser el espacio ideal del conquistador, el fraile y el encomendero para convertirse en el ecumene del colono, el funcionario y el cura. Porque es la época del nacimiento de una población multicultural y, como consecuencia inmediata, del impacto de los mestizajes a causa de un continuo tránsito, además de humano, de conocimientos, prácticas e imaginarios, germen del enfrentamiento de modos de vida, tradiciones y sistemas de pensamientos diferentes que la apertura de los nuevos mundos provocó. Son los años de la emergencia de un nuevo orden social, de un método de explotación de los recursos, con los metales preciosos y la Carrera de Indias como ejes, catalizador de una economía-mundo que algunos ven cual principios de la globalización actual; del despliegue del poder real y su centralizadora maquinaria burocrática-institucional. Atrás no queda, en medio de la Contrarreforma, la formación de la Iglesia Indiana, expresión de un catolicismo militante que tendrá en la misión y el control de las conciencias (la Inquisición y la extirpación de idolatrías) una de sus principales señas de identidad, patente de igual manera en un arte y una cultura concebidos como retórica cristiana.

Llegamos así a la última de las partes del libro, dedicada a poner de relieve la consolidación de la personalidad continental de América durante el Seiscientos, un siglo de crisis en Europa que exhala una coyuntura opuesta, o diferente (reajustes, cambios, transformaciones), en unas Indias atlánticas que empiezan a afianzar su autoidentidad. Es por ello que el profesor Serrera nos aperciba aquí, con esmero y agudeza, de los riesgos que conlleva ensayar la historia de América desde una perspectiva exclusivamente metropolitana; pues podemos caer en una visión reduccionista, alejada de la realidad y, peor aun, muy cercana a los postulados ideológicos del gobernante peninsular del XVII. Con este presupuesto metodológico se incide en la autonomía y autosuficiencia, en parte consecuencia de la postración de la Metrópoli, que irá desarrollando el Nuevo Continente. El fenómeno, como bien pone de manifiesto el autor, se dejará sentir en las diferentes facetas de la vida colonial, ya sea a través del progresivo protagonismo de la economía rural (la hacienda) frente a la minería y el tráfico oceánico; de las tensiones de una sociedad multiétnica, del auge de la Iglesia Nacional (la expansión conventual), del incremento del poder criollo y las lacras de la política colonial (corrupción, clientelismo, venalidad). Todo ello enmarcado en una cultura barroca cuya criollización le presta un perfil sincrético y sui generis.

En fin, creo que no es poco el abismo de sugerentes ideas, hechos y especulaciones que el libro sometido a mi opinión nos ofrece. Confío que en poco tiempo nos referiremos a él como “el Serrera”, cual se alude al “Elliott” o al “Domínguez Ortiz”, una simbiosis entre autor y título que sin más denota calidad, fama, familiaridad y asiduidad de uso. Pero hora ya va siendo de dar la palabra, escrita o hablada, a los posibles y agraciados lectores, a quienes don Ramón les ha dado en breve la cosecha que ha sudado en muchos años. Espero que sus opiniones mejoren la mía, según dije, quizás sesgada por el afecto y la admiración. En cualquier caso nadie quedará defraudado de internarse en semejante copia de aciertos y bonanzas. Si falta hallaren, súplanla con discreción, porque ha de ser leve y sobre asunto muy dudoso, más dadas las muchas generalidades y particularidades, de tan varios sucesos, labradas. O traigan a la memoria al Inca Garcilaso, quien en uno de sus prefacios pide al lector el aprecio de una su traducción haciéndole saber, que hasta que no tuviere hijos de esta talla y no supiere lo que cuesta criarlos y ponerlos en tal estado, no desdeñase su trabajo. A buen seguro no caeremos en trampa tan ingrata delante de un historiador, don Ramón María Serrera, en el que coinciden grandeza de persona, ingenio y saber. Arte es saber buscar a estos hombres, y suerte topar con ellos.

Carlos Alberto González Sánchez – Universidad de Sevilla.

SERRERA, Ramón María. La América de los Habsburgo (1517-1700). Sevilla: Universidad de Sevilla; Fundación Real Maestranza de Caballería de Sevilla, 2011. Resenha de: SÁNCHEZ, Carlos Alberto González. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.29, n.1, jan./jun. 2011. Acessar publicação original [DR]

SILVEIRA Marcus Marciano Gonçalves da (Aut), Templos modernos/ templos ao chão: a trajetória da arquitetura religiosa modernista e a demolição de antigos templos católicos no Brasil (T), Autêntica Editora (E), RIBEIRO Marília de Azambuja (Res), BOTELHO Angélica Cristina de Paula (Res), Clio – UFPE (CRPHr), Arquitetura Religiosa, Modernismo, Demolição de Templos, Catolicismo, América – Brasil, Séc. 20

Desde a independência política do Brasil, já durante o período monárquico, surgiu a preocupação com a criação de uma identidade artístico-arquitetônica para o novo estado em vias de formação. Foi no contexto da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, por exemplo, que Manuel José Araújo de Porto Alegre encetou os primeiros debates acerca de um estilo arquitetônico nacional.

Entretanto, é somente a partir do movimento modernista e da institucionalização de uma política patrimonial para o país, com a criação do Sphan (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), durante o Estado Novo, que estratégias mais incisivas em torno da criação de um modelo artístico identitário nacional começaram a ser colocadas em prática.

Na verdade, seriam os mesmos arquitetos promotores do movimento modernista aqueles que a parir do final da década de 1930, ajudariam o governo Vargas a forjar a política patrimonial do Sphan e a elaborar a “versão oficial” da memória patrimonial e artística do Brasil.

O paradoxo que caracterizou a trajetória desse grupo de arquitetos-intelectuais, marcada pelo seu envolvimento direto tanto nas políticas de preservação do “Barroco Colonial” – em especial o “Barroco Mineiro” – elevado por eles à condição de símbolo da identidade artística nacional, quanto no projeto de criação de novo “estilo brasileiro”, o moderno, também por eles legitimado, é o ponto de partida do estudo de Marcus Marciano Gonçalves da Silveira.

O livro consiste na publicação da Dissertação de Mestrado em História e Culturas Políticas do autor, junto a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Nele, a partir do caso da cidade de Ferros (MG) – cuja Igreja Matriz dedicada a Santa Ana, originariamente em estilo colonial, foi demolida, na década de 1960, para a construção de um edifício em estilo modernista –, o autor procura estabelecer relações entre o processo de difusão da arquitetura religiosa modernista no Brasil, nas décadas de 1940 a 1960, com uma ideologia estatal de cunho desenvolvimentista e a escolha de políticas “modernizantes” por parte de determinados setores da Igreja Católica.

Diante do silêncio das principais narrativas sobre a história da arquitetura modernista no Brasil que, centradas na arquitetura civil, geralmente, só mencionam duas obras de arquitetura eclesiástica: a Capela da Pampulha e a Catedral de Brasília de Oscar Niemeyer, o autor se propõe a tirar da obscuridade outros projetos arquitetônicos modernistas para edifícios religiosos.

Para tanto, faz um levantamento dos projetos de igrejas em estilo modernista publicados nas principais revistas brasileiras de arquitetura entre as décadas de 40 e 60 (leia-se: Acrópole; Habitat; Arquitetura e Engenharia; Arquitetura; e, Arquitetura, Engenharia e Belas Artes).

Todavia, apesar do título do primeiro capítulo “A trajetória da arquitetura religiosa modernista e a demolição de antigos templos católicos no Brasil” somente ao seu final (pp. 88-97) encontraremos uma lista e algumas imagens de projetos e de igrejas efetivamente construídas. Mesmo somando-se a esses, os projetos colocados – sem razão evidente – no Anexo A, o autor está longe de fazer um levantamento sistemático sobre o assunto: os exemplos mencionados, praticamente, só dizem respeito ao sudeste e, em número menor, ao sul do país e, além disso, o autor não se preocupa em destacar quais projetos efetivamente saíram do papel.

A primeira parte do livro, na verdade, se ocupa muito mais dos fatores ideológicos e políticos que legitimaram a destruição dos edifícios antigos e sua substituição por templos modernos.

O autor procura investigar de que forma o modernismo conseguiu fomentar a associação entre passado e atraso, e entre modernidade e progresso. O modernismo coloca-se como alternativa a um passado atrasado, não pelo seu valor histórico e estilístico, mas por ser carregado de estrangeirismos.

Neste sentido, “o projeto modernista” vincularia a idéia de retrógrado, de ultrapassado, sobretudo, aos chamados “estilos históricos”, a partir de uma construção discursiva que também reverberaria na política do próprio Sphan, uma vez que houve pouquíssimos tombamentos de edifícios em estilo eclético neste período.

Segue-se uma reconstrução da rede de interesses que uniu os arquitetos modernistas e alguns setores da Igreja. A Igreja buscava fugir de sua “identidade museológica”, a partir da retirada dos elementos decorativos que preenchiam todo o corpo do templo, tirando a atenção do altar. Assim, a ânsia de alguns setores do clero por uma renovação litúrgica que adequasse os templos à sua funcionalidade ajudou nessa aproximação.

No que tange, por exemplo, o caso da Matriz de Ferros, segundo o autor, a preocupação com o estado deplorável do templo era muito mais centrada na sua falta de funcionalidade do que no seu valor enquanto patrimônio histórico.

Neste sentido, a ausência de posicionamento do Sphan em relação à proposta de demolição da Matriz de Sant’Ana, ratifica a afirmação do autor de que o estilo “Barroco Nacional” legitimado pelos modernistas, foi praticamente o único padrão artístico que despertava o interesse da instituição, a qual deixava na mão da Igreja a responsabilidade absoluta sobre aqueles templos que “fugiam da norma”, incluídos aqueles em estilo colonial tardio.

Desta forma, a aproximação entre religiosos e arquitetos e a inércia/desinteresse dos órgãos institucionais, segundo o autor, teriam ajudado o modernismo a se colocar como a possibilidade arquitetônica capaz de atender aos desejos do clero por novas formas litúrgicas, mais adequadas ao espírito desenvolvimentista no qual o país estava mergulhado.

Na segunda parte do livro, o autor desenvolve seu estudo de caso, reconstruindo, com rica documentação, todo o processo que conduziu a demolição da antiga e a ereção da nova Matriz.

Ele destrincha toda a polêmica acerca da demolição, o Movimento Verde – pró- modernismo –, seus antagonistas, os pontos de vista, os discursos, o papel da imprensa, a decisão por meio de plebiscito, a atuação da Igreja – mais especificamente do Movimento Litúrgico –, o desinteresse dos órgãos de salvaguarda do Estado, etc.. As imagens colocadas no Anexo B muito enriquecem a percepção do leitor acerca da importância e do impacto que todo o processo teve para a cidade.

Assim, partindo de um plano mais geral, o da consolidação do modernismo como proposta mais conveniente a um Estado cujo programa político estava voltado para a “modernização” do país, o autor chega às conseqüências – a seu ver, nefastas – que a colocação em prática desta política de renovação teve para a pequena cidade de Ferros, no interior de Minas Gerais.

Destaca-se, nesta parte, a força narrativa com a qual o autor constrói seu discurso acerca da falência do projeto “modernizador” dos modernistas. Tocante é seu relato acerca de como o contraste entre o fórum – em estilo colonial – e a nova igreja representavam a memória de um arrependimento coletivo.

A imagem da estrutura arquitetônica modernista – hoje já não mais “moderna” – transformou-se assim no vestígio vivo de uma “modernidade” que não veio. A crença na eficácia da inferência arquitetônica como propulsora do progresso mostrou-se vã.

O estudo da dissolução da “paisagem tradicional mineira” na cidade de Ferros, deste modo, torna-se uma importante reflexão sobre a ausência de preocupação com o restante da paisagem urbana que caracterizou o “projeto modernista”, bem como uma lição para aqueles que fazem e implantam políticas patrimoniais neste país.

A eleição de uma ou outra forma patrimonial como mais “legítima”, em detrimento de outras, consideradas retrógradas, via de regra, acaba por retirar das gerações vindouras o direito de conhecer o seu próprio passado.

Marília de Azambuja Ribeiro – Departamento de História, UFPE.

Angélica Cristina de Paula Botelho – Bolsista PIBIC (Propesq/UFPE) do Projeto Espaço urbano, arquitetura eclesiástica e cultura tridentina da Professora Doutora Marília de Azambuja Ribeiro (Departamento de História, UFPE).

SILVEIRA, Marcus Marciano Gonçalves da. Templos modernos, templos ao chão: a trajetória da arquitetura religiosa modernista e a demolição de antigos templos católicos no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. Resenha de: RIBEIRO, Marília de Azambuja; BOTELHO, Angélica Cristina de Paula. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.29, n.1, jan./jun. 2011. Acessar publicação original [DR]

ZANETTI Valéria (Aut), Calabouço urbano. Escravos e libertos em Porto Alegre. (1840-1860), (T), MAESTRI Mário (Apres), Editora Universitária (E), Universidade de Passo Fundo (E), BERNARDES Denis Antônio de Mendonça (Res), Clio – UFPE (CRPHr), Escravos, Libertos, Cidade de Porto Alegre, Séc. 19, América – Brasil

Em nossa formação como nação, como povo e como Estado a colonização e a escravidão foram fundamentais e sob muitos aspectos ainda estão presentes em seus prolongamentos. A escravidão permanecendo bem além da constituição do Estado nacional e do surgimento de um novo ente político, cultural, social e econômico: a Nação brasileira.

Sob as mais diversas visões interpretativas e com maior ou menor solidez de pesquisa documental, ambas – colonização e escravidão – foram desde logo objeto de estudos históricos muitos dos quais se tornaram referências obrigatórias na historiografia brasileira. Não podia ser diferente, mesmo de um ponto de vista teoricamente pouco ambicioso, devido, entre outros fatores, a união intrínseca entre colonização e escravidão e a longa duração de ambas por mais de quatro séculos para a primeira e quase cinco séculos para a segunda. A escravidão sobreviveu ao fim do Antigo Sistema Colonial e continuou sendo o fundamento das relações sociais de produção do Império do Brasil. Todas as tentativas iniciais feitas para desvincular a nova Nação da escravidão fracassaram sob a força avassaladora da herança colonial escravista. Assim o Império do Brasil assentou sua modernidade na manutenção de uma estrutura econômica e social arcaica. Conheceu uma nova inserção na economia internacional absorvendo várias das inovações tecnológicas oriundas da revolução industrial: navegação a vapor, estradas de ferro, cabo submarino para a comunicação com a Europa e a América do Norte, fotografia, telefone, imprensa de massa. No plano político nasceu como uma nação constitucional, com divisão de poderes, limitações ao poder imperial, declaração de direitos de cidadania, liberdade de imprensa, vida social e cultural burguesa. Mas, convivendo com tudo isto no plano das estruturas materiais e das estruturas da política e da cultura, lá estava presente a escravidão. Não é, naturalmente, fortuito, que o final do Império tenha se dado pouco depois do fim da escravidão, embora esta quase coincidência não possa e não deva ser vista como uma causalidade mecânica. A relação entre os dois acontecimentos é mais profunda e, sob muitos aspectos, não deve ser tomada em desfavor das realizações reformistas do Império. Mas esta questão nos levaria longe do objeto e do objetivo desta resenha: a escravidão urbana em Porto Alegre e, por extensão no Brasil, a partir do livro de Valéria Zanetti, aqui examinado.

A grande teia das relações escravistas que cobriu, com intensidade diversa, todo o território colonial e nacional até sua extinção tinha duas grandes expressões espaciais: a rural e a urbana. A primeira numericamente mais importante propiciou a inserção da colônia e depois do Império independente, na economia mundial. Foi, em sua fase colonial, essencial para o enriquecimento da metrópole e de suas camadas mercantis, burocráticas clericais e fradescas e do Estado monárquico português. Foi, ainda, fundamental no processo de acumulação primitiva que está na base da formação do capitalismo e da eclosão da revolução industrial do século XVIII. A escravidão urbana, mais voltada para a acumulação interna, foi, sobretudo, a escravidão dos indispensáveis serviços domésticos quando a tecnologia do cotidiano dependia em larga medida da força física: abastecimento de água e lenha, limpeza dos excrementos humanos, limpeza do lixo, transporte de alimentos, de diversas mercadorias, de móveis e mesmo de pessoas. Mas ela esteve, também, presente, no comércio urbano de miudezas, de alimentos, de bebidas. No transporte costeiro e fluvial. Produtores de renda para seus senhores, escravos e escravas urbanos foram utilizados sob a dupla forma de escravos de aluguel e de escravos de ganho. Vista no longo prazo percebemos que, ao contrário de arrefecer com a Independência e com o crescimento de uma vida urbana de recorte mais burguês, ela se intensificou. O auge da escravidão urbana no Brasil corresponde justamente aos anos de consolidação do Império e ao seu apogeu.

Durante anos, mais ou menos ignorada pela historiografia ou mitificada como mais suave, a escravidão urbana no Brasil tem sido objeto de novos e importantes estudos, que tem promovido uma verdadeira renovação do conhecimento da história brasileira em seu conjunto. Neste processo de renovação muitos são os autores e livros a serem citados. Para não cometer injustiças e omissões deixamos de mencioná-los aqui, mas o leitor encontrará boa parte deles nas referências presentes no livro de Valéria Zanetti. Que passaremos agora a examinar mais detidamente. Situando-se com originalidade na renovadora historiografia da escravidão no Brasil Valéria Zanetti nos deu um livro vigoroso, solidamente fundamentado em pesquisas de ricas fontes primárias e utilizando o melhor das referências então disponíveis. Com pleno domínio da boa escrita histórica. O que significa que a leitura é feita com agrado, além de proveito, tanto por especialistas quanto por não especialistas, o que não é pouco.

Com este livro tomamos conhecimento da escravidão urbana na Porto Alegre e arredores entre os anos 1840-1860. A autora reforça a revisão de um equívoco por vezes ainda corrente: a da pouca presença do escravo no Rio Grande do Sul. Para tanto os dados quantitativos são, naturalmente, essenciais. Ficamos assim sabendo que mesmo após o fim do tráfico a partir de 1850, o número de escravos no Rio Grande do Sul aumentou. Informação importante que significa a existência de um dinamismo econômico que necessitava do aporte de mão de obra escrava através do comércio interprovincial de escravos. Mas, os essenciais dados quantitativos são aqui a base de uma trama qualitativa de grande riqueza. Para tanto contribui em muito o uso de depoimentos de viajantes e observadores locais, do noticiário dos jornais e dos processos judiciais. As ilustrações foram escolhidas com critério, enriquecem o texto, complementando-o.

Acomodação, negociação, alimentação, vestuário, doenças, folguedos, ofícios e ocupações de escravos e escravas, feitiçarias, estupros prostituição, devoção, controle, traições, atração erótica da mulher negra, assassinatos, conflito violência, criminalidade, roubos, suicídios, resistência, sob as mais diversas formas, (in) justiça senhorial, são algumas expressões e temas estudados ao longo do livro e que registram com acuidade a presença e o modo da presença de escravos e escravas no meio urbano de Porto Alegre de meados do século XIX. Expressões e temas que podem ser aplicados às principais cidades brasileiras do período, o que situa este livro não apenas como uma valiosa contribuição para a história de Porto Alegre, mas para a história do Brasil. A enunciação dos títulos dos seus vários capítulos dará ao leitor uma idéia dos diversos aspectos da escravidão em Porto Alegre no período estudado por Valéria Zanetti: 1. O gado, a terra e o homem, 2. Porto Alegre: origem e povoamento, 3. Violência no passado, amenidades no presente: as visões da historiografia acerca do escravo urbano, 4. Crimes de escravos e libertos em Porto Alegre, 5. Vivendo em conflito e em solidariedade, 6. Vida amorosa, familiar e manifestações culturais de escravos e libertos em Porto Alegre, 7. Poder e contrapoder: resistência do escravo urbano.

Finalizemos esta breve resenha com um trecho do livro para que o leitor tenha a vontade, da qual não se arrependerá, de conhecer o livro em sua inteireza:

“A visão de que os cativos urbanos eram bem alimentados, vestiam-se adequadamente e viviam em harmonia com os senhores não combina com a informação documental. Involuntariamente, os anúncios sobre fugas na imprensa denunciam a verdadeira condição de existência civil. Arsène Isabelle esteve na província e não partilhou da visão otimista, registrando em seu diário as violências cometidas pelos senhores. Segundo Isabelle, os senhores gaúchos tratavam seus cativos como se tratavam os cães: ‘Começam por insultá-los. Se não vêm imediatamente, recebem duas ou três bofetadas da mão delicada de sua senhora […] ou ainda um rude soco, um brutal pontapé de seu grosseiro amo. Se resmungam, são ligados ao primeiro poste e então o senhor e senhora vêm com grande alegria no coração, para ver como são flagelados, até verterem sangue aqueles que não têm, muitas vezes, outro erro que a inocência de não ter sabido adivinhar os caprichos de seus senhores e patrões’.

Ao percorrer as páginas deste livro, sob muitos aspectos fascinantes, não podemos deixar de pensar que muitos dos antigos males da escravidão não compõe apenas o nosso passado. Renovam-se cotidianamente em nossa (in) justiça de classe, ainda senhorial, na precariedade das diversas formas de trabalho nas áreas rurais e urbanas, na precariedade dos direitos, nas discriminações de gênero, na exploração do trabalho infantil, em renovadas formas de trabalho escravo, na violência a que está submetida a população pobre do campo e das cidades, especialmente dos descendentes diretos dos antigos escravos, nos privilégios incrustados no Estado, na sua captura pelos interesses privados.

Livros como este mostram como a boa história é sempre libertadora e não faz uma limitada e equivocada separação entre o passado e o presente. Por isso a grande mídia conservadora a ignora, promovendo best sellers que veiculam uma visão pitoresca e caricatural do nosso passado. Visão que serve apenas para acomodar os leitores na visão de que nada mudou e nada mudará.

Nota

1 Home Page: www.upf.tche.br/editora. E-mail: [email protected]

Denis Antônio de Mendonça Bernardes – Universidade Federal de Pernambuco.

ZANETTI, Valéria. Calabouço urbano. Escravos e libertos em Porto Alegre. (1840-1860). Apresentação de Mário Maestri. Passo Fundo: Editora Universitária; Universidade de Passo Fundo1, 2002. (Coleção Malungo, 6). Resenha de: BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.29, n.2, jul./dez. 2011. Acessar publicação original [DR]

VAREJÃO Marcela da Silva (Aut), Il positivismo dall’Italia al Brasile: sociologia giuridica/ giuristi e legislazione (1822 – 1935) (T), Giuffrè (E), DANTAS Laércio Albuquerque (Res), Clio – UFPE (CRPHr), Positivismo, América – Brasil, Europa – Itália, Séc. 19-20

A geração de 1870 é um dos temas de grande interesse e relevância para muitos dos intelectuais que se propõem ou propuseram a estudar a história das idéias no Brasil. A essa geração deve-se, parafraseando Sílvio Romero, o “surto de idéias novas” que passou a contestar as estruturas do Estado monárquico brasileiro. A chamada Escola do Recife, muito contribuiu, de acordo com essa mesma historiografia das idéias, para a recepção do positivismo e evolucionismo europeus e suas manifestações críticas em campos diversos como filosofia, direito, política e sociologia.

Essa autoproclamada escola, pois foi nomeada por um de seus membros, Sílvio Romero, e outros a perpetuaram, definia-se como uma orientação filosófica progressiva e que permitia a cada um ter suas idéias e investigações. Seus membros se formaram na mesma Faculdade, a de Direito do Recife, e compartilharam o mesmo ambiente acadêmico.

Entretanto, não existe unanimidade entre aqueles que enveredaram pelo estudo desse grupo de intelectuais quanto à formação de uma escola de pensamento, nem tão pouco dos membros que faziam parte desse grupo. Por outro lado, mesmo que se questione a existência de uma escola ou quem são seus membros, é inegável que eles tiveram um papel importante nos diversos campos pelos quais a chamada Escola enveredou.

O livro de Marcela Varejão, Il positivismo dall’Italia al Brasile: sociologia Del diritto, giuristi e legislazione (1822 – 1935), tem como tema mais circunscrito a relação entre os membros da Escola do Recife e os intelectuais italianos através da recepção, por parte dos primeiros, do pensamento positivista elaborado pelos segundos. O livro é o resultado da pesquisa de doutorado da autora, defendida no ano de 1999 em Milão, mas foi publicado em forma de livro apenas em 2005. A distância entre a conclusão da escrita e a publicação do livro pode deixar o leitor com a sensação de que a bibliografia utilizada é desatualizada, mas, com essa distância em mente, a leitura se torna mais indulgente nesse quesito.

O trabalho da autora consiste em rastrear a recepção do positivismo no Brasil focando na Escola do Recife através, principalmente, de sua faceta jurídica. Nesse sentido, o trabalho de Varejão se preocupa em fazer uma história das idéias sóciojurídicas com pouco ou quase nenhum contato destas com o ambiente político-social no qual elas, as idéias, e aqueles que as recepcionam e reelaboram, os intelectuais, estão inseridos.

O livro, por ser escrito e publicado na Itália e por ter os italianos como público alvo, procura nos dois primeiros capítulos inserir o leitor no contexto da recepção das idéias positivistas na América do Sul. A primeira parte do livro é dedicada a todas as nações sul-americanas. A Argentina é tomada como principal receptora e divulgadora, já os demais países, com exceção do Brasil, são tratados em separado e com pouca atenção. Nesse momento a autora se utilizou de uma bibliografia da história das idéias para a América Latina pouco atual (o livro mais recente é de 1987) e poucos trabalhos da historiografia dos países por ela trabalhados.

Já no Brasil são destacados os intelectuais que tiveram contato com o positivismo dedicando-se atenção especial ao positivismo ortodoxo capitaneado pela Igreja Positivista sediada no Rio de janeiro. A primeira parte funciona apenas como uma introdução confusa ao pensamento positivista sul-americano, o que, de qualquer maneira, se aproxima do que pareceu ser a intenção da autora.

A partir da segunda parte do livro, após mais de um terço do mesmo, Varejão inicia a sua pesquisa com profundidade. É nesse momento que ela passa a trabalhar com os membros da Escola do Recife como Tobias Barreto, Silvio Romero, Clóvis Beviláqua, Artur Orlando e João Vieira de Araújo, além de dedicar um capítulo especial à relação entre Nina Rodrigues, a Antropologia Criminal, Lombroso e sua filha, Gina Lombroso.

Daí em diante o trabalho ganha em riqueza com a análise das discussões, apropriações e rejeições das idéias de um sem número de intelectuais, principalmente os italianos. A análise da autora começa de uma dimensão mais ampla, ou seja, a introdução das idéias positivistas na Escola do Recife, em especial com Tobias Barreto, passando pelo nascimento de uma sociologia jurídica no Brasil, onde além de Barreto Varejão inclui Silvio Romero e Artur Orlando, terminando em Vieira de Araújo e sua relação entre as reformas da legislação penal de 1890 e o pensamento jurídico penal positivista italiano.

O trabalho de pesquisa de fontes realizado por Varejão é muito bem feito, entendendo-se como fontes aquelas que têm relevância dentro de uma história do pensamento jurídico-penal feita por uma jurista. Em capítulos como o último que trata de João Vieira de Araújo, por exemplo, encontra-se o ante projecto de nova edição do código criminal e o parecer de Assis Martins, exemplar raro, e até os estudos italianos do mesmo autor, também raríssimo. Entretanto, fontes de outros tipos, como jornais ou opúsculos, por exemplo, apesar de figurarem no texto são pouco explorados.

Não é à toa que a autora não se preocupa muito com esse tipo de fonte. As leituras que Varejão fez estão ligadas a uma tradição de história das idéias no Brasil associada a filósofos e juristas de renome que já trabalharam com a mesma temática, como Antônio Paim, Machado Neto, Vamireh Chacon, Nelson Saldanha, entre outros. A proposta e interesse da autora se alinham com os deles.

É a partir dessa tradição que na segunda parte ao trabalhar com Tobias Barreto é mostrado ao leitor como o próprio Barreto concebia o direito: como uma luta da humanidade contra a natureza que produziria a cultura na qual o direito estaria incluso. Essa visão de direito, por sua vez, seria derivada da leitura e refutação ou aceitação do pensamento de intelectuais italianos. Um exemplo disso foi a negação da teoria do atavismo de Lombroso por ser biologizante demais e negar a luta humana pela cultura.

Exemplos dessa relação não faltam durante todo o trabalho. Na quarta parte, quando Varejão passa a se dedicar a Artur Orlando, a autora mostrará que a concepção de direito dele estava intimamente ligada à sua percepção da sociedade. Para Orlando a Antropologia era a ciência por excelência para conhecer o homem, e o direito seria uma espécie de antropo-técnica que não poderia prescindir da Antropologia. Criticava Lombroso pelos seus exageros de querer submeter uma, o direito, à outra, a Antropologia.

O que fica claro na tese da autora é que a visão de sociedade de cada um dos membros da Escola do Recife influenciou profundamente na forma como recepcionaram as idéias positivistas italianas. Estas, por sua vez, eram em sua maioria ligadas às novas discussões jurídico-penais presentes em terreno europeu, como a Antropologia Criminal, a Sociologia Criminal e a Terceira Escola de Direito Penal. Mas não há explicação do porquê destas teorias terem despertado tanto interesse a ponto de serem abordadas por vários dos intelectuais mais importantes daquele período ligados ao direito no Brasil. É certo que a autora assinala o pertencimento destes intelectuais a uma linha evolucionista positivista em pelo menos algum momento de suas vidas, mas fora do mundo das idéias não há explicação para tal fenômeno na pesquisa proposta.

O trabalho de Marcela Varejão possui todos os méritos por se propor a fazer uma pesquisa inovadora de rastrear a recepção das idéias sócio-jurídicas nos integrantes da Escola do Recife e por dar continuidade à tradição de pesquisa de autores importantes como Antonio Paim e Miguel Reale. Acredito que cumpre muito bem com seu objetivo, como a própria banca da sua tese registrou. A autora deixou, no entanto, para outro pesquisador a tarefa de enveredar pelos caminhos ainda pouco explorados da recepção das idéias sócio-jurídicas e suas relações com o mundo social ou político.

Laércio Albuquerque Dantas – Universidade Federal de Pernambuco.

VAREJÃO, Marcela da Silva. Il positivismo dall’Italia al Brasile: sociologia giuridica, giuristi e legislazione (1822 – 1935). Milão: Giuffrè, 2005. Resenha de: DANTAS, Laércio Albuquerque. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.29, n.2, jul./dez. 2011. Acessar publicação original [DR]