África/margens e oceanos: perspectivas de história social | Lucilene Reginaldo, Roquinaldo Ferreira
Resenhar coletâneas é sempre uma tarefa difícil devido à multiplicidade de temáticas e argumentos, e ainda mais quando a obra em questão se insere em um campo fora da especialidade do resenhista. A importância do livro África, margens e oceanos me impôs, porém, o abandono da cautela, justificada pelo fato de que ele não interessa apenas aos africanistas. Publicada como parte da coleção Várias Histórias ― uma das mais tradicionais da historiografia brasileira ― e inserida na renomada tradição da história social da Unicamp, esta obra oferece ao leitor uma saborosa seleção da produção brasileira sobre a história da África entre os séculos XVI e XX, com participação ainda de estudiosos dos EUA e de Portugal.
A confluência da necessidade historiográfica de entender de onde vieram e quem eram os africanos transportados à força pelo Atlântico e o Índico para compreender a escravidão no Brasil (salientada por Silvia Lara em seu capítulo na coletânea) e os impactos de longo curso da luta do movimento negro pelo reconhecimento da importância da herança africana na formação do país (destacada no texto de Fernanda Tomaz) produziu três décadas de avanço revolucionário no conhecimento histórico sobre a África no Brasil, especialmente desde a lei n. 10.639/2003. Esse volume é, assim, um retrato deste desenvolvimento que também aponta caminhos futuros para um campo que ― ainda bem! ― só faz crescer.
Os organizadores Lucilene Reginaldo e Roquinaldo Ferreira estão entre os mais influentes pesquisadores brasileiros na área, tendo produzido não só uma coletânea com solidez e coerência temática, como também uma introdução que oferece um panorama claro e erudito da historiografia africanista brasileira em conexão com os desenvolvimentos da produção internacional. É um tour de force que fica em pé por si mesmo (o que nem sempre é verdade para introduções), podendo ser utilizado em cursos de história atlântica ou como uma entrada no campo para não especialistas.
Uma contribuição importante do livro é sua opção consciente pela inclusão do Índico, negligenciado em razão do predomínio de uma perspectiva atlântica no Brasil, que nos parece mais obviamente relevante, ainda que cerca de 279 mil africanos orientais também tenham desembarcado no Brasil, 95% deles no século XIX, segundo as estimativas disponíveis. O capítulo de Edward Alpers resume em apenas 25 páginas seu livro de síntese sobre este oceano, resultado de meio século de reflexão, ensino e pesquisa.1 Seu texto ilustra a importância da interdisciplinaridade, recorrendo à arqueologia e à linguística, especialmente na análise dos períodos mais recuados. Inaugurando um tema presente em diversos outros capítulos, destaca que a África Oriental estava há muito integrada a sofisticadas redes comerciais, não devendo ser pensada como isolada ou atrasada. A escravidão fazia parte dessas rotas, mas o estatuto dos cativos era mais flexível do que viria a ser nas Américas ― muitos chegaram a ser soldados e alguns até governantes ― e o principal produto eram os têxteis indianos, centrais na região muito antes de se tornarem importantes no Atlântico durante a época moderna. Outros produtos que ampliaram seu alcance no mesmo período foram os cauris (conchas que serviam como moeda de pequeno valor e adorno, advindas sobretudo das Maldivas) e marfim, analisado por Jorge Lúzio no capítulo seguinte, que destaca sua valorização no Estado da Índia.
Já o texto da historiadora portuguesa Eugénia Rodrigues é especialmente importante para demonstrar o caráter trans-imperial das trocas culturais no Índico. Por meio de pesquisa em arquivos portugueses, indianos e franceses, a autora procura demonstrar o interesse nos saberes africanos por parte de europeus, goeses e seus descendentes em Moçambique, resultado da necessidade de sobreviver em um ambiente tropical com doenças desconhecidas. No final do Setecentos, a obtenção sistemática de informações sobre a natureza (inclusive plantas medicinais) tornou-se uma política da Coroa através da ação dos naturalistas discípulos do italiano Domenico Vandelli e das demandas feitas por Lisboa aos governadores ultramarinos, como múltiplos estudos já demonstraram.2
Entretanto, a autora inova ao enfocar os não-europeus, como os médicos goeses que tinham acesso aos saberes europeu e hindu, mas ainda assim demonstravam curiosidade pelos usos dos africanos em Goa ― a exemplo da cannabis, usada tanto para fins recreativos quanto medicinais. Os escravizados chegavam a atender a elite goesa, como ocorria em outros espaços do império português ― não só Luanda, mencionada pela autora, mas também a América Portuguesa e até Lisboa.3 Depois de Goa, Rodrigues parte para a ilha Maurício (ou ilha de França), onde a escravidão era muito mais importante do que na Índia lusitana. A autora demonstra que o “imperialismo ecológico”, através da adaptação de plantas a novos habitats, foi parte crucial do colonialismo francês, complementando a ênfase de Alfred Crosby nas “Neoeuropas” das Américas e Oceania.4 Também se diferencia do historiador norte- -americano ao enfatizar a agência cativa nesse processo, mas o uso frequente no texto de qualificativos como “devem”, “provavelmente” e “é possível” indica o silenciamento produzido pelas relações de poder inscritas nas fontes e que reverberam pelos séculos, sempre um desafio para a história social dos grupos subalternos.5 Mesmo assim, seu trabalho é bem-sucedido em demonstrar como “os europeus tendiam a valorizar os conhecimentos locais” (p. 124) e em levantar questões sobre como esse conhecimento era transmitido ― esforço corajoso e com frequência mais importante para o desenvolvimento do debate do que oferecer respostas a problemas muito circunscritos.
O erudito capítulo de Cristina Wissenbach move-se para a África Central, fecha a parte I do livro, “Histórias Conectadas, Trocas e Contatos”, tema que, em verdade, perpassa quase todos os capítulos. Seu estudo enfoca uma área com conexões tanto com a África Centro-Ocidental, quanto com a parte oriental do continente, em um período de transição entre o final do tráfico transatlântico e o avanço do imperialismo europeu baseado no trabalho compulsório, extraindo recursos naturais em vez de humanos. O capítulo estabelece, portanto, uma ponte entre a primeira parte sobre a África no Índico e a maior parte dos trabalhos, que focam em sua porção atlântica, e o faz enfatizando personagens africanos, como comerciantes e senhores da guerra.
Se mercadores muçulmanos na segunda metade do Oitocentos são parte central do capítulo de Wissenbach, Thiago Mota recua três séculos para entender a islamização na África Ocidental a partir da “tensão entre elementos universais e locais e na interação constante entre eles” (p. 184). Seu trabalho é interessante para estudiosos da religião ao historicizar uma manifestação particular de uma religião universalista, enfatizando que esta não pode ser compreendida a partir de uma ortodoxia imutável. Partindo principalmente de fontes portuguesas (como relatos de viagem e, em menor escala, processos inquisitoriais), Mota aponta a “efetividade da fé muçulmana professada na região” (p. 192) e a existência de instituições comunitárias de transmissão da religião. O reverso da moeda foi a incorporação de elementos pré-islâmicos nas práticas espirituais da região, como as bolsas de mandiga, cuja proteção se fazia ainda mais necessária em contextos de intensificação das tensões produzidas pelo aumento do tráfico atlântico de africanos escravizados. Mais do que imposição, portanto, a fé muçulmana teria se espalhado através da “capacidade da religião de tornar-se desejável, realizando seu potencial universalista” (p. 205). Flexibilidade e interação eram, portanto, a marca da experiência religiosa na região, e essas características devem ter conformado a ação dos que foram transportados à força para as ilhas atlânticas, a Península Ibérica e as Américas.
Se o trabalho de Mota se destaca por seu relativo ineditismo temático na historiografia brasileira, Carlos da Silva Jr. segue os caminhos arquivísticos abertos por Pierre Verger6 para lançar um novo olhar sobre relação da Bahia com a Costa da Mina, resultado de ampla pesquisa em fontes manuscritas depositadas no Brasil, Portugal, Reino Unido e França (para além de documentação holandesa publicada e traduzida para inglês) e diálogo com a historiografia africanista internacional. Trata-se de uma necessidade imposta pelo seu objeto de estudo, pois o comércio na Costa da Mina era necessariamente trans-imperial, caracterizado por disputas e alianças entre negreiros de diferentes impérios e com as elites locais, num complicado tabuleiro multidimensional de xadrez. De forma ainda mais marcada do que os capítulos de Rodrigues e Wissenbach, Silva Jr. demonstra como o nacionalismo metodológico é enganoso.
As muitas fontes utilizadas estão, claro, preocupadas com dinâmicas comerciais e políticas, mas Silva Jr. também busca nelas pistas para entender quem foram os africanos transportados à força para a América Portuguesa. Os objetivos do capítulo são um reflexo desse duplo enfoque: por um lado, demonstrar que o diferencial dos negreiros baianos que permitiriam seu sucesso na Costa da Mina se transformaria ao longo do século XVIII ― primeiro o ouro, e só na segunda metade do Setecentos, o tabaco, enfatizado na narrativa de Verger. Essa interessante linha de argumentação teria se beneficiado do diálogo com estudos recentes que investigaram as dinâmicas da circulação do ouro dentro do Estado do Brasil e em direção a Portugal, pois a diminuição da disponibilidade do metal dourado não se deveu apenas à exaustão da produção aurífera, mas também ao crescente predomínio do Rio de Janeiro, sobretudo a partir da década de 1740.7 Seja como for, exatamente a capacidade de escolher os escravizados de “primeira reputação” (homens, jovens e de boa saúde, preferencialmente falantes de uma língua do tronco gbe, portanto capazes de se comunicar e trabalhar juntos) desejados pelos escravocratas do outro lado do Atlântico fez com que certas etnias fossem visadas, pois era preciso adequar-se às preferências luso-brasileiras para obter acesso às cobiçadas mercadorias que os traficantes traziam.
Por sua vez, Alexsander Gebara sai do litoral para entender a penetração britânica no interior no contexto do combate ao tráfico transatlântico. Se Eugénia Rodrigues havia destacado a importância do saber medicinal e botânico autóctone para a sobrevivência dos colonos na África Oriental, Gebara salienta a centralidade do conhecimento dos guias nativos para a exploração do outro lado do continente. Os guias eram “crioulos atlânticos” (na expressão de Ira Berlin)8 que serviam como intermediários graças ao aprendizado de línguas e culturas europeias, amiúde obtido durante períodos de escravização e liberdade do outro lado do oceano, como o “intérprete Johnson― um liberto que havia sido escravo na Jamaica e vivera na Inglaterra por anos” (p. 256). Apesar da multiplicação destes homens com o tempo, nunca deixaram de ser um grupo reduzido, tanto que se repetiam no auxílio às expedições. A ignorância europeia sobre a língua e a geografia locais, assim como sobre as movediças alianças políticas e as dinâmicas rotas comerciais regionais, tornava esse tipo de auxílio indispensável, sobretudo nas primeiras décadas do Oitocentos, antes da adoção da navegação a vapor e do crescimento das expedições, que gradualmente passaram a incorporar mais membros e levar consigo mais armas e mercadorias. O texto investiga, então, um momento de lenta mudança do equilíbrio de poder na região, mas ainda longe do auge da dominação imperialista, e destaca a importância do protagonismo africano nesse processo.
Fechando a seção “Trânsitos e Deslocamentos”, Lisa Earl Castillo atravessa o oceano mais uma vez para investigar o papel dos subgrupos iorubás na formação do candomblé na Bahia. Seu capítulo é um dos que melhor demonstra como as duas margens do Atlântico precisam ser compreendidas em seu conjunto. Ao investigar a origem da “nação ketu” nos terreiros de Salvador, Castillo sugere que essa forma de identificação “parece ser uma metáfora para um estilo ritual específico, talvez relacionado ao legado da convivência de diversas origens étnicas nos primórdios do candomblé” (p. 283). Através de um bem documentado estudo biográfico e da atenção ao contexto específico da Iorubalândia na primeira metade do Oitocentos, a autora enfatiza como alguns africanos dali oriundos construíram uma “comunidade imaginada” na Bahia oitocentista, ainda que por caminhos muito distintos do que o “capitalismo editorial” imaginado por Benedict Anderson.9
A terceira parte, “Protagonismos Africanos”, é, aos olhos deste resenhista, a mais forte do livro, sendo composta por quatro capítulos baseados em pesquisa de arquivo que privilegiam a experiência africana, do Senegal a Moçambique. Juliana Barreto Farias utiliza, por exemplo, ampla documentação dos Archives Nationales d’Outre-mer e dos Archives Nationales du Senégal para investigar as discussões sobre a emancipação em Saint-Louis na década de 1840, quando a cidade de população majoritariamente muçulmana já era um importante centro comercial baseado no comércio de goma arábica, uma resina natural muito valorizada nos países em processo de industrialização, mas cujo mercado enfrentava uma crise por esses anos. Suas personagens principais são o laptot ― marinheiro cativo ― Amaly e sua proprietária, a rica negociante Marie Louise Labouré. Barreto Farias salienta a oposição dessas poderosas signares― cuja influência era reconhecida pelo governo colonial ― ao projeto abolicionista. Para estas “femmes de couleur propriétaires”, o fim da escravidão representaria ruína pessoal e a perdição dos escravizados, cuja vida seria ― de acordo com as escravocratas ― idílica: “existe escravidão em uma condição em que se encontra tudo o que o homem procura?”, perguntavam elas (p. 337). Tratava-se de uma defesa da escravidão como um “bem positivo”, não muito diferente dos discursos proferidos pelo infame John C. Calhoun no Senado dos EUA, em 1837, ou pelo militar Raimundo José Cunha Matos na Câmara dos Deputados do Império do Brasil, dez anos antes.10
A dominação senhorial podia produzir reações similares em espaços muito distantes e sociedades escravistas bastante distintas: os laptots gozavam de significativa autonomia e conseguiam comprar sua alforria em larga escala, em boa medida graças a uma lei de 1836 que havia regulamentado o direito de comprar a liberdade mesmo contra a vontade senhorial. Assim como os rumores e notícias sobre a emancipação circulavam nas Américas,11 o mesmo ocorria na África, como se vê pela declaração de Amaly de “que, com a emancipação, os cativos das terras vizinhas acreditariam que também ficariam livres ao tocarem o solo de Saint-Louis” (360) ― o que se confirmou com a promulgação da lei de abolição após a Revolução republicana de 1848.
Mariana Cândido também investiga a participação econômica das africanas, desta vez em Benguela. O Estado colonial lusitano parece ter sido mais refratário a reconhecer a importância delas do que o francês, enxergando-as “somente como sócias de seus maridos, pais ou filhos” (p. 401), mas, como as signares senegalesas, as donas angolanas foram capazes de controlar mão de obra, obter lucros e acumular capital no contexto de transição econômica em meados do Oitocentos, quando a progressiva restrição ao tráfico transatlântico, a partir de 1836, e a expansão da agricultura comercial favoreceram a ampliação da escravização no próprio território. Da mesma maneira, elas também resistiram contra esforços de emancipação individuais ou coletivos.
Por sua vez, Crislayne Alfagali parte de trabalhos como os de John Thornton, sobre o reino do Kongo, e de sua orientadora Silvia Lara, sobre Palmares, para realçar a centralidade das alianças com os potentados locais (sobas) angolanos com vistas à conquista do Ndongo, em razão de sua importância militar e aos limites da administração da Coroa na periferia angolana. Mesmo que muitos sobados tenham se desagregado ao longo da era do tráfico transatlântico, outros foram bem-sucedidos em manter sua autonomia graças a estratégias diplomáticas baseadas na “preservação de uma memória dos acordos e privilégios conquistados ao longo da história das relações que travaram com os representantes da Coroa portuguesa” (p. 381). A autora demonstra, desta forma, a possibilidade de alianças, apesar da violência da situação colonial em construção ao longo da época moderna, assim como a importância de levar em conta a perspectiva africana para entendê-las.12 Apesar dos limites documentais, é um dos apelos mais claros no livro a uma “história em partes iguais” para se opor ao eurocentrismo e construir uma antropologia positiva da pluralidade de experiências na época moderna.13
Matheus Serva Pereira fecha essa seção ao retornar ao Índico e Moçambique no único capítulo do volume sobre o século XX, mas que mantém a preocupação geral com a interação entre projetos coloniais de dominação e protagonismo africano, vista, neste caso, a partir do prisma cultural.
O livro termina no Brasil ao refletir sobre o significado da história da África para a pesquisa e o ensino de história nacional. Silvia Lara propicia o capítulo mais interessante desta seção a partir da experiência de pesquisa e escrita do seu recente e há muito esperado livro.14 Sua trajetória espelha características mais amplas da produção brasileira sobre escravidão: inicialmente ignorante dos estudos africanistas, só venceu esta deficiência quando percebeu que o estudo das raízes socioculturais dos africanos transportados à força para as Américas era essencial para restituir-lhes sua plena humanidade e compreender suas ações no Novo Mundo. A partir dessa percepção, Lara esforçou-se para demonstrar que “os escravizados partilhavam uma sintaxe política africana ― centro-africana, no caso de Palmares e dos governantes do Ndongo” (p. 477). A produção africanista é essencial, portanto, não só para a história social do Brasil, mas para sua própria história política, ao menos até o século XIX. Em sentido inverso, a autora se pergunta se trabalhos como o dela e de Castillo não poderiam “ajudar a iluminar a leitura das fontes normalmente utilizadas para a história da África?” (p. 480).
Movendo-se da pesquisa histórica para a formação de historiadores, Raquel Gomes discute a presença da África nas universidades brasileiras. Seu crescimento desde a lei n. 10.639/2003 é evidente, mas a autora destaca que ainda é preciso vencer alguns desafios, como ampliar as investigações para além da África lusófona (para o que muitos dos autores da coletânea têm contribuído) e repensar o eurocentrismo de currículos que ainda enxergam a Europa como matriz universal a partir da qual se deve julgar a experiência do restante da humanidade. Já Fernanda Tomaz relata a experiência de um curso de especialização para professores, salientando a importância de pensar a África para além da escravidão e do tráfico atlântico, em razão do valor de entender o continente por si mesmo, não apenas por sua relevância para a compreensão do Brasil. A crítica de Ynaê Lopes dos Santos à maneira como os livros didáticos trabalham o tráfico transatlântico desde 1919 vai no mesmo sentido, destacando a necessidade, ainda irrealizada, de pensá-lo de forma global num continente africano plural.
Em termos gerais, essa coletânea evidencia o amadurecimento da historiografia africanista brasileira, profundamente inserida nos debates internacionais ― decerto mais que boa parte da produção nacional sobre o Brasil, por vezes ainda paroquial em demasia. Para tal, a área beneficiou-se de duas vantagens comparativas: o domínio da língua portuguesa ― que permite o acesso aos acervos lusos, indispensáveis para a compreensão da África nos últimos cinco séculos ― e a imensa presença de africanos escravizados por aqui, que possibilitam novos ângulos para examinar a África a partir de fontes e problemas específicos do Brasil.
Embora seja possível aprofundar essa inserção através dos esforços de pesquisadores atuantes no país para publicar no exterior e do incremento da investigação empírica em arquivos estrangeiros (dificultada, é verdade, pela diminuição do orçamento das instituições federais de promoção à pesquisa), é inegável, portanto, que o livro coroa a trajetória do campo que conheceu um desenvolvimento dos mais impressionantes nessas décadas de profissionalização e expansão da historiografia brasileira.
Notas
1 Edward Alpers, The Indian Ocean in World History, Nova York: Oxford University Press, 2013.
2 Veja-se, por todos, Ronald Raminelli, Viagens ultramarinas: monarcas, vassalos e governo a distância, São Paulo: Alameda, 2008.
3 Cf., dentre outros, Daniela Calainho, Metrópole das mandingas: religiosidade negra e inquisição portuguesa no antigo regime, Rio de Janeiro: Garamond, 2008, pp. 79-80 e 92-94; James Sweet, Domingos Álvares, African Healing and the Intellectual History of the Atlantic World, Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2011, pp. 143-144.
4 Alfred Crosby, Imperialismo ecológico: a expansão biológica da Europa, 900-1900, São Paulo: Companhia das Letras, 2011 [1986], pp. 155-180.
5 Michel-Rolph Trouillot, Silenciando o passado: poder e a produção da história, Curitiba: huya, 2016 [1995], pp. 19-62.
6 Pierre Verger, Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o golfo do Benim e a Bahia de Todos-os-Santos, do século XVII ao XIX, 2ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2021 [1968], pp. 35-331.
7 Cf., por todos, Leonor Freire Costa, Maria Manuela Rocha e Rita Martins de Sousa, O ouro do Brasil, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2013, principalmente pp. 59-70 e 86-87; e Carlos Kelmer Mathias, As múltiplas faces da escravidão: o espaço econômico do ouro e sua elite pluriocupacional na formação da sociedade mineira setecentista, c. 1711-1756, Rio de Janeiro: Mauad X/FAPERJ, 2012, pp. 53-229.
8 Ira Berlin, Gerações de cativeiro, Rio de Janeiro: Record, 2006, pp. 33-65.
9 Benedict Anderson, Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo, São Paulo: Companhia das Letras, 2008 [1983].
10 Thiago Krause e Rodrigo Goyena Soares, Império em disputa: Coroa, oligarquia e povo na formação do Estado brasileiro (1823-1870), Rio de Janeiro: FGV, 2022 (uma outra história do Brasil, v. II), p. 62.
11 Cf. o clássico de Julius Scott, The Common Wind: Afro-American Currents in the Age of the Haitian Revolution, Londres: Verso, 2018, e o recente trabalho de Isadora Mota, “Other Geographies of Struggle: Afro-Brazilians and the American Civil War”, The Hispanic American Historical Review, v. 100, n. 1, (2020), pp. 35-62 https://read.dukeupress.edu/hahr/article-abstract/100/1/35/151446/Other-Geographies-of-Struggle-Afro-Brazilians-and?redirectedFrom=fulltext
12 Ainda que partindo de referências historiográficas distintas, o livro de Roberto Guedes e Ariane Carvalho, Muxiluandas: memória política, escravidão perpétua, liberdade e parentesco (Luanda, século XVIII), Rio de Janeiro: Mauad X, 2021, aponta a importância da memória e o protagonismo africano de um grupo que guarda semelhanças com os laptots estudados por Barreto Farias.
13 Romain Bertrand, L’histoire à parts égales. Récits d’une rencontre Orient-Occident (XVIè-XVIIè siècles), Paris: Seuil, 2011.
14 Silvia Lara, Palmares & Cucaú: o aprendizado da dominação, São Paulo: EDUSP, 2021.
Resenhista
Thiago Krause – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. https://orcid.org/0000-0002-4346-6754
Referências desta Resenha
REGINALDO, Lucilene; FERREIRA, Roquinaldo (Orgs.). África, margens e oceanos: perspectivas de história social. Campinas: Editora Unicamp, 2021. Resenha de: KRAUSE, Thiago. A África em perspectiva africana, global e brasileira. Afro-Ásia, n. 65, p. 696-706, 2022. Acessar publicação original [DR/JF]