Njinga of Angola: Africa’s Warrior Queen | Linda M. Heywood

Uma vasta literatura tem abordado a vida e os feitos de Njinga (também grafada Jinga, Nzinga etc) desde 1668, quando sua primeira biografia foi publicada.1 Mais de três séculos após sua morte, ela ganha sua primeira biografia em língua inglesa, que vem se juntar aos esforços de outros historiadores americanos, no sentido de resgatar a sua história.2 Linda M. Heywood, professora da Universidade de Boston, nos Estados Unidos, é estudiosa do passado angolano e possui uma vasta gama de publicações acerca da presença centro-africana na diáspora e da formação de uma sociedade crioula em Angola. Para escrever o presente livro, Heywood acessou um extenso acervo documental espalhado por arquivos e bibliotecas na Europa, Angola e Brasil. Além de revisitar fontes já exploradas, a autora usa registros inéditos, tais como documentação da Companhia das Índias Ocidentais e cartas escritas por missionários capuchinhos e pelos secretários de Njinga, os quais adicionam novas informações acerca da trajetória da personagem. Apesar de ter conduzido entrevistas em Luanda e Malange, as fontes orais foram pouco exploradas pela autora ao longo da obra. Neste livro, Heywood apresenta a história de Njinga desde o período que antecede ao seu nascimento até sua morte e finaliza com um epílogo que trata da construção da memória em torno da figura da rainha do Ndongo. O livro se insere no campo da biografia; no entanto, apesar de sua importância para a história das mulheres e de gênero, a autora não faz uso dos aportes teóricos dessas disciplinas em sua análise.

Njinga nasceu em 1582 como uma das descendentes da família real do Ndongo, um dos estados vassalos do Reino do Congo, localizado a leste de Luanda entre os rios Cuanza e Lucala. De acordo com Heywood, Kengela, a mãe de Njinga, era de família nobre e, como de costume, foi oferecida como presente ao rei de Ndongo, Mbande a Ngola Kiluanje, se tornando sua principal concubina. Todavia, existem divergências na historiografia quanto à origem da mãe de Njinga. Segundo Joseph C. Miller, ela seria uma “lineageless dependant” (dependente sem linhagem) ou escrava, fator relevante para entender as discussões acerca do direito de Njinga ao trono do Ndongo.3 Com Kengela, Mbande a Ngola Kiluanje teve quatro filhos, incluindo Njinga. Sua família testemunhou a chegada da missão portuguesa, em 1560, e a invasão das tropas de Paulo Dias de Novais, em 1575. Nos anos seguintes, ataques de inimigos internos e externos marcariam a infância de Njinga.

Em sua narrativa, Heywood explica que, inicialmente, as relações entre os soberanos de Ndongo e os conquistadores portugueses eram amistosas, marcadas pela troca de presentes e livre acesso de comerciantes às feiras de escravos no território africano. Porém, a situação modificou-se quando Novais se apossou de terras que pertenciam ao Ndongo, despertando a ira do rei Kasenda, avô de Njinga, que ordenou o assassinato de quarenta portugueses no seu território. A investida dos portugueses, contudo, não se limitava apenas a expandir o território sob seu controle, mas também visava adquirir cativos. Como resultado dessas incursões militares, muitos membros da etnia ambundo foram escravizados e enviados para as propriedades agrícolas estabelecidas pelos jesuítas e colonos, enquanto outros foram vendidos ao tráfico transatlântico com destino às Américas. Com base nos relatos de cronistas que viveram na corte de Njinga, a autora sugere que, entre 1575 e a década de 1590, os portugueses exportaram cerca de 50 mil ambundos para o Brasil como resultado das guerras contra o Ndongo (p. 27). Para aqueles que sobreviviam aos ataques e conseguiam evitar a captura, restavam apenas os campos destruídos, causando crises alimentares que forçavam populações inteiras a migrarem para recomeçarem suas vidas alhures.

Foi durante o reinado de seu irmão, Ngola Mbande (1617-1624), que Njinga ganhou notoriedade política. Em seu reinado, Ngola Mbande enfrentou ataques dos portugueses, sendo que, em duas ocasiões (1617 e 1621), teve que fugir para garantir a segurança de sua família. Em 1622, Ngola Mbande nomeou sua irmã Njinga como líder de uma delegação enviada a Luanda para negociar a paz com os portugueses. Com esse feito, Njinga se tornou o primeiro membro da família real do Ndongo a ser recebido em Luanda.

Os portugueses também tinham interesse em negociar a paz com Ngola Mbande, visto que manter uma relação amigável com o soberano do Ndongo era condição importante para garantir o fluxo de cativos que alimentava o tráfico negreiro e financiava a conquista portuguesa. Como parte das negociações, Njinga aceitou ser batizada, sendo essa ação, muito provavelmente, uma estratégia política. Graças à sua habilidade diplomática, ao deixar Luanda ela tinha assegurado um acordo entre os portugueses e o Ndongo que dependia da conversão de Ngola Mbande ao cristianismo. As negociações prosseguiram após o retorno de Njinga ao Ndongo, culminando com a recusa de seu irmão ao batismo. Heywood observa que, em sua decisão, Ngola Mbande levou em consideração as consequências políticas da conversão ao cristianismo: ele temia que ao aceitar o bastimo acabaria por colocar em risco a fidelidade de muitos dos seus súditos, que o admiravam justamente por sua resistência aos portugueses e sua cultura (pp. 53-4).

Com a “misteriosa” morte de Ngola Mbande em 1624, Njinga, que tinha então 42 anos, assumiu o trono, se tornando a primeira mulher a governar o Ndongo. Heywood enfatiza que antes de sua morte, Mbande já havia indicado que Njinga o sucederia (p. 64). Neste ponto da narrativa, a autora se abstém de discutir um dos aspectos mais importantes da trajetória de Njinga: sua legitimidade como rainha, talvez por acreditar que o assunto tenha sido suficientemente debatido por outros autores, a exemplo de Joseph C. Miller, Adriano Parreira e John K. Thornton.4 De qualquer modo, seria válido apresentar a discussão historiográfica sobre o tema para informar aos leitores menos familiarizados. O fato é que Njinga enfrentou oposição mesmo entre os ambundos devido à sua origem e ao seu sexo. A historiografia explica essa situação: Miller, por exemplo, argumenta que a mãe de Njinga era uma escrava, o que a excluiria da linha de sucessão ao trono. Além disso, de acordo com o autor, ela não era descendente da linhagem principal, mas, sim, meia -irmã de Ngola Mbande. Por outro lado, a tradição ambundo excluía mulheres de cargos políticos, especialmente o de ngola a kiluange, ou soberano.5 Conforme enfatizado por Thornton, Njinga assumiu o trono como regente no lugar de seu sobrinho, herdeiro legítimo, que à época era ainda criança e vivia sob a proteção de Kasa, chefe de um dos bandos de guerreiros mercenários nômades, conhecidos como imbangalas.6

O fato é que, após a morte de Ngola Mbande, talvez arquitetada por Njinga, esta enfrentou a tarefa de consolidar seu poder contra os inimigos internos e externos. Logo ela se empenhou em eliminar possíveis opositores, não hesitando em assassinar o próprio sobrinho e legítimo herdeiro do trono, além de outros parentes, na celebração de sua união (casamento?) com o imbangala Kasa. Entre os anos de 1624 e 1663, Njinga lutaria incansavelmente para legitimar sua posição como rainha, reestabelecer a hegemonia do Ndongo e limitar o poderio português na região.

Heywood evidencia que em vários momentos do seu reinado, Njinga e os portugueses usaram da diplomacia para tentar chegar a um acordo. As condições impostas por ambas as partes, contudo, pareciam irreconciliáveis. Enquanto Njinga exigia que os portugueses reconhecessem seu direito de governar o Ndongo, os portugueses esperavam que ela jurasse vassalagem ao rei de Portugal, assim como faziam os sobas (líderanças africanas) aliados (p. 66). Vários destes assinaram tratados de vassalagem com os portugueses em troca de proteção contra rivais ou, então, por medo de represálias. Uma vez assinado o tratado, os sobas vassalos eram obrigados a pagar tributos em escravos, fornecer tropas e alimentos e dar livre acesso a comerciantes e soldados portugueses aos seus territórios.

Convencidos de que era impossível negociar com Njinga, as autoridades portuguesas em Luanda e Lisboa passaram a questionar o direito dela ao trono com base na sua condição de mulher. Em 1626, o governador de Angola Fernão de Sousa escreveu ao rei de Portugal Felipe III (Felipe IV da Espanha) argumentando que “uma mulher nunca tinha governado esse reino” (p. 71). Sousa, certamente, tinha conhecimento das regras de sucessão entre os ambundos. O governador, os membros da câmara de Luanda e os jesuítas concordavam que uma guerra contra Njinga era necessária e justa, bem como sua substituição por um líder africano aliado aos portugueses.

As negociações diplomáticas e as batalhas armadas se revesaram nas interações com os portugueses durante os 39 anos em que Njinga esteve no poder. Em 1629 Njinga conseguiu escapar de uma invasão das forças portuguesas ao seu kilombo (base militar) graças a sua habilidade guerreira e ao conhecimento privilegiado do território local. Contudo, durante essa invasão, os portugueses capturaram membros de sua corte, incluindo suas irmãs Kambu e Funji. De acordo com Heywood, essa captura foi seguida por momentos de grande humilhação, quando os prisioneiros seguiram para Luanda despidos (p. 109). Durante os anos de cativeiro em Luanda, Kambu e Funji “aceitaram” o batismo e receberam os nomes cristãos de Bárbara e Graça, respectivamente. Kambu foi libertada em 1632, mas Funji permaneceu cativa dos portugueses em Luanda.

Outro fator importante para o qual Heywood chama atenção é que Njinga buscou o apoio de outros líderes africanos em sua luta contra os portugueses e, eu acrescentaria, para legitimar o seu poder. Em 1631, ela se casou com o líder imbangala Kasanje, que, em troca, se juntou à resistência contra os portugueses. A união abriria um novo capítulo na trajetória de Njinga através de sua transformação em uma guerreira imbangala. Essa transição foi parte de sua estratégia para libertar as irmãs e lutar contra Ngola Hari, o rei do Ndongo nomeado pelos portugueses. Heywood se refere à transformação de Njinga em uma imbangala como um momento chave na vida da rainha, responsável por lhe conferir notoriedade além das fronteiras da África Centro-Ocidental (p. 119). Após passar pelo ritual de iniciação, que incluía o sacrifício de uma criança, Njinga tomou posse do longa (tambor militar) usado pelos líderes imbangalas (p. 124). Foi durante sua fase imbangala que Njinga decidiu que queria ser considerada como um homem e não como uma mulher. Os portugueses em Luanda receberam a notícia da adesão de Njinga aos imbangalas com preocupação: eles já conheciam de perto os guerreiros imbangalas, famosos por sua violência, com os quais haviam colaborado em batalhas entres os anos de 1612 e 1619.

Entre 1631 e 1635, Njinga conquistou a região de Matamba, que, ao contrário do Ndongo, tinha tradição de lideranças femininas. Além disso, Matamba era um dos principais fornecedores de escravos para os portugueses e, a partir da década de 1640, também serviu como fonte de cativos para os holandeses. Graças ao tráfico de escravos, Matamba se tornou um dos mais importantes estados da região. Durante esse período, o controle de Njinga sobre Matamba foi essencial para garantir os meios necessários para organizar a resistência e atrair aliados.

Na década de 1640, a chegada dos holandeses ameaçou a conquista portuguesa na região. Os holandeses invadiram Luanda, em 1641, com o objetivo de controlar as zonas fornecedoras de escravos para o nordeste brasileiro que eles haviam conquistado dos portugueses em 1630, um dos desdobramentos da Guerra dos Oitenta Anos (1568-1648). Njinga enviou uma embaixada a Luanda propondo uma aliança com os holandeses contra os portugueses. O representante da Companhia das Índias Ocidentais, Pieter Moortamer, concluiu que um acordo com Njinga traria beneficios comerciais para a empresa, visto que lhes daria acesso aos mercados de escravos de Matamba. Formava-se, assim, a aliança entre Njinga e os holandanses que contaria, ainda com a adesão de outros líderes africanos, incluindo os sobas da região dos Dembos.

Em 1646, os portugueses conseguiram chegar ao kilombo de Njinga mesmo com a resistência montada pelas forças imbangalas, comandadas por ela, em aliança com as tropas holandesas. As forças portuguesas encontraram no local cerca de 500 armas de fogo, grande quantidade de tecidos importados e joias, além de cartas escritas pelos aliados de Njinga, incluindo sua irmã Funji e Garcia II do Congo. As cartas de Funji eram de particular interesse, pois informavam sobre as estratégias militares dos portugueses. Com a chegada destes muitos indivíduos que não conseguiram fugir foram mortos ou capturados. Entre os prisioneiros estava a irmã mais nova de Njinga, Kambu. Segundo relatos das fontes analisadas por Heywood, Kambu sofreu abuso sexual por parte dos soldados que a capturaram (p. 148). Funji, por sua vez, pagou caro pelas informações passadas a Njinga ao longo dos anos: como punição por espionagem, em 1647 ela foi morta pelos portugueses em Luanda e seu corpo arremessado no Rio Cuanza.

A batalha em Angola parecia perdida para as tropas portuguesas frente às forças imbangala-holandesas. No entanto, a chegada do Rio de Janeiro de Salvador Correia de Sá e Benevides a Luanda, em 1647, com uma armada composta de 14 navios e 900 homens, daria outro rumo aos acontecimentos. Imediatamente após seu desembarque, Correia de Sá bombardeou Luanda e enviou uma embaixada para negociar a rendição dos holandeses. Quando as forças de Njinga se aproximaram de Luanda para socorrer seus aliados, o pacto já estava selado e as autoridades holandesas haviam deixado a capital.

Com os aliados holandeses fora de cena, entre os anos de 1648 e 1656 Njinga buscou uma solução pacífica para o conflito com os portugueses. Dessa feita, ela usou um novo recurso em sua política diplomática: buscar um acordo intermediado por padres e missionários capuchinhos capturados nas batalhas contra os portugueses e que viviam em relativa liberdade na sua corte. Através dos capuchinhos, Njinga esperava não apenas convencer os portugueses, mas também sensibilizar o Vaticano em seu favor. Como parte desse esforço, Njinga escreveu cartas ao Papa Alexandre VII e ao Palazzo di Propaganda Fide, em Roma, nas quais prometia retornar ao cristianismo e solicitava missionários (p. 169). Mais uma vez Njinga mostrava sua habilidade política ao buscar apoio da maior autoridade do cristianismo. Após anos de espera por uma resposta, em 1654 o Vaticano, finalmente, aprovou o pedido de Njinga e enviou missionários a Matamba, dentre os quais estavam os padres António da Gaeta e Giovanni António Cavazzi. Como enfatizado por Heywood, ambos se tornaram figuras importantes na estratégia diplomática de Njinga e na sua conversão religiosa.

Em 1654, Njinga enviou uma embaixada a Luanda pedindo a libertação de Bárbara (Kambu), sua irmã, e propondo pagar pelo seu resgate. Ademais, prometia retornar para a fé cristã e abandonar as práticas imbangalas, duas condições que ela havia se negado a aceitar em negociações anteriores (p. 175). As promessas de Njinga demonstravam certa vulnerabilidade, provavelmente, devido à sua idade avançada e ao receio pela vida de Bárbara. Njinga tinha então 74 anos e era seu desejo que sua irmã fosse sua sucessora. Mesmo diante de protestos dos jesuítas e da câmara de Luanda, que desconfiavam das intenções de Njinga, o governador Chichorro deu ordens para que Bárbara fosse libertada em abril de 1656. Com base no tratado de paz, que foi negociado com o auxílio do Padre Gaeta, Njinga se comprometeu a retornar à fé cristã, permitir o acesso de comerciantes ao seu território e pagar 130 escravos pelo resgate de sua irmã. Os portugueses, por sua vez, concordaram em devolver as terras pertencentes ao Ndongo e os súditos de Njinga capturados por Kasanje e Ngola Hari (pp.190-1). Durante os 32 anos de conflitos com os portugueses em torno de sua legitimidade, Njinga nunca desistiu da ideia de que ela era descendente legítima da família real e que tinha o direito de governar Ndongo.

A narrativa de Heywood mostra que Njinga passou os últimos sete anos de sua vida numa jornada política e espiritual, preparando sua sucessão e a transformação de Ndongo-Matamba em um reino cristão. Nesse processo, ela ordenou a construção de igrejas e se desfez dos objetos rituais das tradições ambundo-imbanga, incluindo os restos mortais do seu irmão por ela guardados como botim político. Além disso, Njinga perseguiu líderes religiosos tradicionais (ngangas e xingalas), muitos dos quais foram vendidos como escravos para as Américas (pp. 219-20). Apesar das medidas radicais tomadas por Njinga, em 1659 apenas 4 mil indivíduos tinham sido batizados numa população de cerca de 200 mil (p. 217). Em parte, isso se devia ao número reduzido de padres na região e à oposição dos líderes religiosos ambundos.

Apesar dos esforços de Njinga e dos capuchinhos, elementos da tradição ambundo-imbangala continuaram a coexistir com o cristianismo no Ndongo. Como revelado por Heywood, a própria Njinga não deixou de recorrer à medicina tradiconal em seus últimos momentos de vida. Quando adoeceu, em 1663, Njinga foi acompanhada por padres católicos e curandeiros tradicionais. Ela faleceu na manhã de 17 de dezembro de 1663, logo após receber do padre Cavazzi os últimos sacramentos (pp. 235-6).

O relato sobre o funeral de Njinga evidencia a convivência, ainda que por vezes conflituosa, de elementos cristãos com a tradição ambundo-imbangala na sua corte. Heywood observa que, enquanto o ritual cristão era celebrado, o corpo de Njinga permaneceu coberto com tecidos coloridos vindos da Costa da Mina, ao mesmo tempo em que soldados dançavam alegremente ao som de instrumentos ambundos. Sua tumba foi preparada com objetos pessoais, incluindo tecidos importados e joias, como recomendado pela tradição ambundo (pp. 239-40). A convivência de diferentes culturas na corte de Njinga evidencia que elementos de uma sociedade luso -africana já estavam presentes no século XVII.

A autora encerra a obra com um epílogo que discute a construção da memória em torno da figura de Njinga. Heywood argumenta que as narrativas acerca de Njinga tomaram formas diferentes na Europa daquelas que se desenvolveram em Angola e nas Américas. Na literatura europeia, elementos “exóticos” na trajetória de Njinga ganharam destaque, tais como o canibalismo imbangala, sua sexualidade e barbárie. Os portugueses, por exemplo, usaram a imagem de Njinga em sua propaganda colonialista, apresentando-a como uma selvagem que foi conquistada pelo poderio militar luso e que, voluntariamente, se submeteu ao cristianismo. Em Angola, por outro lado, Njinga se tornou um símbolo de resistência contra o colonialismo. Desde a independência, conquistada em 1975, o governo do Movimento Popular de Libertação de Angola-MPLA tem promovido a imagem de Njinga como uma heroína da nação. No Brasil, destino de milhões de cativos provenientes da África Centro -Ocidental, as referências à rainha de Ndongo-Matamba continuam vivas nos lundus, cacumbis e congadas, nos movimentos da capoeira e nos enredos de escolas de samba.

A biografia de Njinga escrita por Heywood é uma importante contribuição para a história de Angola e do mundo Atlântico, especialmente no que concerne ao século XVII, ainda pouco estudado. Todavia, o livro diz pouco acerca dos indivíduos comuns que viviam na região de Ndongo-Matamba, ficando os questionamentos: como viviam os homens e mulheres livres que não eram parte da família real? Quem eram os escravos mantidos em Ndongo-Matamba? Quais cativos eram exportados? Outro fator que merecia uma análise mais detalhada é a participação das elites africanas, agentes portugueses e padres jesuítas no tráfico de escravos. Apesar de várias passagens evidenciarem o envolvimento direto desses indivíduos na captura e no comércio de cativos, a autora não se aprofunda nessa questão.

Essas críticas, no entato, não diminuem o brilhantismo do trabalho em foco. Como os estudos anteriores de Heywood, Njinga of Angola impressiona pela densidade da pequisa e capacidade narrativa da autora, constituindo, sem dúvida, um marco na historiografia sobre a África Centro-Ocidental.


Notas

1 Antonio Gaeta da Napoli, La Maravigliosa Conversione alla Santa Fe de DI Cristo della Regina Singa e del suo Regno di Matamba nell’Africa Merdionale, Nápoles: Francesco Maria Gioia da Napoli, 1668.

2 Joseph C. Miller, “Nzinga of Matamba in a New Perspective,” The Journal of African History, v. 16, n. 2 (1975), pp. 201-16; John K. Thornton, “Ideology and Political Power in Central Africa: The Case of Queen Njinga (1624-1663)”, Journal of African History, v. 32, n. 1 (1991), pp. 25-40.

3 Miller, “Nzinga of Matamba”, p. 205.

4 Miller, “Nzinga of Matamba”; Adriano Parreira, Economia e sociedade em Angola na época da rainha Jinga, Século XVII, Lisboa: Estampa, 1990; Thornton, “Ideology and Political Power”.

5 Miller, “Nzinga of Matamba”.

6 Thornton, “Ideology and Political Power”, p. 38


Resenhista

Vanessa S. Oliveira – Universidade de Toronto. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

HEYWOOD, Linda M. Njinga of Angola: Africa’s Warrior Queen. Cambridge: Harvard University Press, 2017. Resenha de: OLIVEIRA, Vanessa S. “Uma mulher nunca tinha governado esse reino”: rainha Njinga, biografia e memória. Afro-Ásia, n. 55, p. 295-302, 2017. Acessar publicação original [DR/JF]

Deixe um Comentário

Você precisa fazer login para publicar um comentário.