Zoológicos humanos: gente em exibição na era do imperialismo | Sandra S. M. Koutsoukos

O livro aqui resenhado apresenta como protagonistas Eko, Iko, Hilda, Kurt, Elly, Stephan, Krao, Schlitzie, Peter, Bunny, Violetta, Mungo, William, Charles, Lavinia, George, Minnie, Sarah, Betty, Byrne, Ella, Lazzaro, Giovanni, Millie, Christine, Violet, Daisy, Chang, Eng, Maria, Rosalina, Liou-Seng, Liou-Tang, Joseph, Fanny, Quacke, “Manuel”, “Marie”, Abal, Nancy, Ota, Bomushubba, Shamba, Kondola, Lumbango, Latuna, Kalamma, Malengu, Lumo, Antonio, Ibag, Singwa, Johnny, entre outros tantos. Eles compõem um enorme grupo de seres humanos que foram desumanizados a partir da prática, consolidada no século XIX, de exibir seres humanos considerados exóticos, selvagens ou monstruosos em museus, teatros, circos, zoológicos, feiras e instituições científicas, tendo-se como base o discurso que se convencionou chamar “racismo científico” no mundo ocidental, um dos esteios fundamentais dos Estados imperialistas europeus.

Desse grupo de protagonistas do livro, alguns são mais evidentes que outros; ou, pelo menos, foi possível encontrar dados mais numerosos sobre a biografia deles e delas, o que proporcionou a construção de narrativas mais desenvolvidas sobre suas trajetórias, a exemplo de Ota Benga, Sarah Bartmann e Ella Grigsby. A possibilidade de narrar tão detalhadamente tais trajetórias é uma exceção, considerando que, no registro fotográfico e de maneira geral, essas pessoas foram situadas como representantes de “tipos humanos”, objetos da ciência e do entretenimento, o que as destituiu de subjetividade e, assim, restaram poucas informações sobre elas. Por vezes, nem mesmo seus nomes são conhecidos. Como consequência, restou pouco da perspectiva desses seres humanos sobre serem exibidos como se fossem animais ou objetos, atitude amplamente justificada em várias sociedades do Ocidente.

Além desses protagonistas, o livro apresenta outros cujos nomes já são mais conhecidos – aqueles que produziram a objetificação de seres humanos considerados diferentes, ou seja, empresários, cientistas, fotógrafos, entre outros. Alguns são apresentados com narrativas biográficas mais desenvolvidas (são os casos dos fotógrafos Cristiano Junior e Marc Ferrez), mas estes não são situados no lugar de protagonistas das histórias contadas pela autora, que preferiu destacar as pessoas que foram vítimas, não necessariamente passivas, do processo que ela trata no livro.

Além delas, apenas os dois fotógrafos citados são destacados em seções específicas dos capítulos. Nenhum médico, antropólogo ou empresário, ou mesmo figuras históricas amplamente discutidas – como o rei Leopoldo II da Bélgica ou o imperador do Brasil, dom Pedro II – receberam uma apresentação detalhada e específica. Essas foram escolhas que indicam muito do interesse da autora, que inverte a lógica tradicional, constituindo uma narrativa prioritariamente organizada a partir das histórias das pessoas que não foram ouvidas ou sobre as quais não foram produzidos registros numerosos e detalhados de suas subjetividades.

A estrutura da obra contempla temas organizados em uma narrativa cronológica, abordando um fenômeno que se apresenta desde o início do século XIX, quando a prática de exibir pessoas começou timidamente; passa por sua massificação, verificada em termos do número de pessoas expostas em eventos (que envolveram milhares de representantes de culturas consideradas exóticas) e de público (que podia alcançar milhões de visitantes); e termina com o arrefecimento desse fenômeno a partir da década de 1930, mas com sobrevivência claramente identificada até a década de 1950 e desdobramentos identificáveis até hoje.

A obra aborda o tema a partir do registro fotográfico, prioritária, mas não exclusivamente. O conjunto de fontes mobilizado é amplo e variado: além das fotografias, a autora considerou charges, panfletos, relatos, notícias da imprensa da época e até material audiovisual accessível a partir de código QR. Dessa forma, é importante dizer que não se trata apenas de uma “história da fotografia”, mas de uma história que, digamos, tem como base principal a documentação fotográfica.

No prólogo, a autora apresenta alguns aspectos de sua metodologia ― contar histórias de vida a partir do registro fotográfico, considerando, além deste, elementos do extracampo (“o que ficou de fora”, “o que aconteceu antes e depois, o que foi deixado de fora, mas que estava ali em volta”) (pp. 27-8, 329), as seleções e a contextualização histórica ― e uma apresentação geral do conteúdo do livro: um percurso da narrativa orientado cronologicamente, desde os primeiros capítulos que tratam mais diretamente da lógica de exibição de pessoas com corpos diferentes – portadoras de doenças como microcefalia, hipertricose, elefantíase etc. –, que despertaram o interesse de empresários do entretenimento, além de estudiosos da ciência médica, até a forte atuação de antropólogos na realização de exibições de pessoas de culturas consideradas primitivas em feiras universais.

Ainda no prólogo, Koutsoukos apresenta uma importante reflexão sobre as teorias científicas que, na transição entre os séculos XVIII e XIX, estabeleciam hierarquias raciais entre os povos conhecidos que situavam o homem branco ocidental no topo de uma espécie de esquema civilizatório. A autora pontua a importância da fotografia a partir do século XIX, como uma das formas de registro mais importantes dos tipos humanos, que oferecia, dessa forma, base para os estudos da antropologia e da ciência médica.

Na sequência, o primeiro e o segundo capítulos (“Entretenimento ou objeto de estudo?” e “Homens com elefantíase”) podem ser pensados como um conjunto que discute a origem e consolidação desse procedimento a partir de exemplos que mostram a constituição de uma visão do exótico a partir de dois elementos fundamentais: a associação entre o estudo científico e o espetáculo de entretenimento, de um lado, e a associação entre exotismo cultural e a monstruosidade corpórea, de outro.

As trajetórias que orientam a narrativa são as da sul-africana Sarah Baartman (a chamada “Vênus Negra”), da afro-americana Ella Grigsby (a Mme. Abomah, chamada de “gigante africana”), das gêmeas xipófagas brasileiras Maria e Rosalinda, e do inglês Joseph Merrick (chamado de “Homem Elefante”), além de muitos outros em condições similares, que permitem contextualizar a exibição de pessoas consideradas aberrações devido à constituição física, associando-se, em alguns casos, o exotismo cultural.

Nesses capítulos, observa-se que mesmo aqueles que compunham o chamado mundo branco ocidental poderiam ser profundamente objetificados e situados como alvo da ciência e do entretenimento (o exótico, nesse caso, é mais diretamente ligado à noção de aberração típica dos freak shows), mas que, amiúde, havia uma interseção entre o elemento racial e a “aberração” física. São os casos de Sarah Baartman e de Ella Grigsby.

A ideia de exotismo a partir dessa dupla referência (o selvagismo e a aberração) também pode ser observada quanto ao afro-americano William Johnson, portador de microcefalia, e Krao, a garota de origem oriental portadora de hipertricose. Ambos foram apresentados como “elos perdidos” da evolução humana, respondendo à demanda que começava a se estabelecer a partir das teses darwinianas no meio científico ou fora dele.

Há, ainda, outra pessoa cuja história é narrada: trata-se do fotógrafo português Cristiano Junior, que atuou na criação de um consistente registro fotográfico de negros escravizados no Brasil, alguns dos quais portadores de elefantíase. Observa-se, nesse caso, novamente, a interseção de características da construção do exotismo a partir da dupla referência citada – o selvagismo e a monstruosidade.

O terceiro capítulo, “Botocudos do Brasil, 1882”, introduz a tônica do restante do livro: a exibição de pessoas em exposições antropológicas, tendo como base a relação entre o entretenimento e o estudo científico. Nele, a autora apresenta o engajamento brasileiro na prática de exibição de pessoas a partir de dois elementos. O primeiro deles é o registro de indígenas, negros e mestiços a partir da lógica etnográfica (ou seja, os retratados eram mais representantes de tipos raciais do que da sua própria individualidade). Para entender esse processo, ela nos apresenta outro fotógrafo: o carioca de ascendência francesa, Marc Ferrez.

Ferrez parece desempenhar dois papeis nesse capítulo: o primeiro é, a partir do desenvolvimento da narrativa mais aprofundada sobre ele especificamente, sintetizar uma prática comum entre fotógrafos brasileiros ou que atuavam no Brasil no século XIX; o segundo é estabelecer uma conexão entre essa prática e um evento específico ― o registro de um grupo de indígenas na primeira exposição antropológica brasileira, que ocorreu no Museu Nacional em 1882.

Os relatos indicam que os botocudos que a compuseram teriam sido enganados para que aceitassem participar da exposição, onde foi criada uma cenografia que tentava reconstituir as habitações desses indígenas. Entretanto, antes da exposição, eles vinham sendo estudados pelos especialistas, emagreceram bastante devido à alimentação a eles oferecida e se mostraram arredios.

Entre contratempos (como certo tumulto na inauguração da exposição e tentativas de fuga dos indígenas) e mudanças de local da exposição, o registro fotográfico com os próprios botocudos não foi feito. Eles tinham sido fotografados anteriormente; e, da exposição, Ferrez, por exemplo, registrou apenas a cenografia composta por moldes de gesso e papel machê. Koutsoukos pergunta: por quê? Teria ele relutado em fotografar novamente o que já havia registrado antes ou teria percebido que, se o fizesse durante a própria exposição, apresentaria um grupo de pessoas emagrecidas, abatidas e maltratadas?

Os próximos capítulos (“Daomeanos em Chicago, 1893” e “Ota Benga em St. Louis, 1904”) também, parece-me, podem ser observados como um conjunto. Tratam prioritariamente da exibição de diferentes grupos africanos em exposições universais nos Estados Unidos da América na transição do século XIX para o XX, quando o fenômeno de exibição de povos considerados selvagens, de amplo interesse antropológico, estava no seu auge. Ambos capítulos apresentam o acontecimento observado em uma perspectiva mais geral e a trajetória de uma pessoa: o congolês Ota Benga.

Nas duas exposições universais tratadas, ambas nos Estados Unidos, os números de visitantes impressionam: a feira de Chicago recebeu cerca de 27,5 milhões de visitantes; e a de St. Louis, 20 milhões. Até exposições universais menores poderiam alcançar uma grande quantidade de visitantes, como aquela que ocorreu em Bruxelas, em 1897, que recebeu cerca de 8 milhões de visitantes. Nela foram exibidas pessoas das regiões dominadas pelo império belga controlado por Leopoldo II.

As exposições universais, que foram iniciadas em Londres em 1851, exibiam o desenvolvimento tecnológico das várias nações e, nesse sentido, marcavam um claro contraste entre as conquistas da civilização ocidental, por um lado, e o atraso dos povos “primitivos”, por outro. Estes eram apresentados sobretudo a partir de cenários compostos por esculturas, desenhos, fotografias, pinturas e itens de sua cultura material. Esse aparato foi sendo consistentemente substituído pela presença dos próprios representados, ou seja, por seres humanos.

No capítulo devotado à exposição de Chicago, em 1893, são desenvolvidas algumas reflexões sobre a lógica de exibição das pessoas no contexto das exposições universais, agora observadas detalhadamente. Nelas, o interesse variava entre entretenimento e conhecimento científico, notadamente o antropológico. Destaca-se a exibição de africanos zulus, mas sobretudo de 67 daomeanos que foram reunidos em uma das regiões da feira, uma vila que emulava tipos de moradias. Ali, os daomeanos foram submetidos aos piores tratamentos pelos exibidores, como, por exemplo, a manutenção da indumentária leve e “típica” da África tropical em pleno e rigoroso inverno de Chicago.

Na exposição, que durou seis meses, o grupo de daomeanos, que havia sido levado por um comerciante de marfim, era apresentado como o mais primitivo da feira, uma das estratégias de atração da exposição. Características como seu estado primitivo, feiura, semelhança a animais como macacos, entre outros, foram divulgados em folhetos relacionados ao evento, charges e no noticiário da imprensa, consolidando-se, assim, as noções hierárquicas pautadas pelo racismo científico, o que era reforçado pela própria forma de organização do espaço na exposição, distinguindo claramente os feitos da civilização, situados principalmente na chamada Cidade Branca, das práticas de grupos considerados inferiores nas vilas selvagens. E, é digno de nota, o evento contou também com a participação de centros de antropologia física estadunidenses.

O próximo capítulo, devotado à narrativa individual, mas circunstanciada historicamente, do congolês Ota Benga, indica-nos como o imperialismo foi fundamental para a constituição de uma rede de exibição de pessoas de culturas consideradas inferiores, geralmente supostas representantes de povos dominados por impérios europeus. É o caso da sanguinária dominação belga sobre o Congo, que também promoveu, em 1897, a exibição de 267 congoleses na Exposição Internacional de Bruxelas.

No caso específico de Ota Benga, ele foi comprado em um mercado de escravos no Congo em 1903 e, em 1904, passou a compor um grupo de congoleses apresentados como pigmeus na Exposição Universal de St. Louis. Os pigmeus teriam um papel especial, já que eram considerados pelos antropólogos envolvidos na organização da exibição como o grupo menos desenvolvido entre todos os habitantes da África colonizada.

Esse tratamento racista baseado nos pressupostos científicos da época indica claramente a distância entre ciência e fantasia colonial: os congoleses, que não eram pigmeus, foram apresentados como tais, criando-se uma ficção em lugar de um fato antropológico; e, além disso, algumas características de integrantes do grupo, como os dentes limados em “V”, que indicavam coragem naquela cultura, foram apresentadas como prova da prática de canibalismo pelo grupo, o que culminava a mentira criada pelos antropólogos envolvidos.

Essas informações são importantes porque permitem observar como o procedimento caracterizado como científico podia ser clara e conscientemente baseado em deturpações que tinham como objetivo único confirmar as teorias racistas da época e não necessariamente esclarecer o público sobre culturas diferentes. Mas dessa forma legitimava-se a colonização ocidental do continente africano de outros territórios ocupados. Além disso, esse caso permite-nos refletir sobre a própria lógica da exposição de St. Louis em 1904, que esteve profundamente influenciada pelo protagonismo dos antropólogos, exibindo cerca de 2000 pessoas tratadas conforme um discurso etnográfico mas sem abandonar o modelo dos shows de “aberrações”.

A trajetória de Ota Benga não terminou em St. Louis. Logo depois, em 1906, ele seria exibido ao lado de macacos no zoológico do Bronx, em Nova York; e, depois de manifestações contrárias de grupos negros organizados, que contrastavam com a ampla aceitação da sociedade e da imprensa locais, que justificavam a presença de Ota no lugar, ele foi retirado dali, recolhido em lares, asilos, orfanatos etc., até seu suicídio em 1916, na Virgínia, onde seria sepultado e onde seus restos mortais permanecem até hoje; ou seja, ele nunca retornou ao Congo. Além disso, durante muito tempo, a própria exibição de Ota no zoológico do Bronx foi relativizada e mesmo negada.

O epílogo do livro nos coloca diante de algumas questões apresentadas pela autora como um exercício de imaginação sobre a perspectiva daqueles que foram vítimas de um procedimento tão violento de desumanização. Para além de uma ideia geral sobre o assunto, qual seria sua visão diante do equipamento fotográfico? Como reagiriam a essa forma de registro? Além disso, a autora mostra que essa prática avançou até a década de 1950 e que ainda pode ser observada, em alguns aspectos, em programas de entretenimento que expõem seres humanos “diferentes”. Com efeito, uma visão crítica sobre o assunto só começou a ser desenvolvida recentemente.

O livro de Sandra Koutsoukos nos apresenta uma série de debates importantes, lançando mão, sobretudo, de um material iconográfico bastante relevante. O seu estilo narrativo transita entre um texto de leitura por vezes confessional e mais acessível ao grande público. Essa forma menos acadêmica de apresentar as histórias de vida, diz a autora, tem o objetivo de diminuir o peso e a dureza do tema. Já no início, ela nos avisa que o tema do livro é importante, mas difícil; e que foi difícil para ela mesma lidar com aquelas histórias.

Em Zoológicos humanos, alguns debates atravessam todas as histórias contadas, tais como a lógica do discurso científico sobre aqueles considerados selvagens, exóticos e aberrações, discurso que se travestia de esclarecimento sobre esses “outros”, mas que, de fato, buscava confirmar ideias preestabelecidas sobre hierarquias entre grupos humanos. A autora mostra que tal discurso foi uma ferramenta fundamental da ação imperialista de vários Estados europeus e de outros que buscavam inspiração neles: havia, assim, uma justificativa para dispor do território e do trabalho dos povos conquistados na medida que eles eram caracterizados como inferiores. A obra de Koutsoukos é uma crítica consistente à prática imperialista entre os séculos XIX e XX e suas consequências, a partir da observação aprofundada de um aspecto dela. Há, no entanto, dois debates que não foram desenvolvidos na obra para os quais gostaria de chamar a atenção.

O primeiro é estender a crítica do imperialismo à crítica do conceito de civilização. A ideia de civilização – para além de sua formulação a partir de conceitos como a civitas romana e a polis grega diante de formas diferentes e consideradas inferiores descritas como “bárbaras” – foi amplamente conectada à compreensão dos Estados nacionais europeus, a partir de um claro esquema de hierarquização entre os grupos humanos no âmbito global. A civilização, já situada no século XIX em propostas como a do antropólogo Lewis H. Morgan, na obra evolucionista Ancient Society or Researches in the Lines of Human Progress from Savagery to Civilization (1877), é caracterizada como o auge do processo de desenvolvimento humano, se distinguindo de outras formas anteriores (a barbárie e o selvagismo).

Dessa forma, o conceito de civilização depende dessa hierarquia para a constituição de seu pleno significado. Ainda hoje, apesar de o próprio conceito ter sido ampliado e ressignificado em certa medida (ver obra de Norberto Elias), seu uso respeita construções hierárquicas, como, por exemplo, para distinguir as práticas ocidentais daquelas de vários Estados e povos orientais. Além disso, intuitivamente, pensamos em civilização ocidental, civilização greco-romana, civilização egípcia, dificilmente em civilização tupinambá ou bororo, grupos que continuam a ser caracterizados como etnias ou mesmo “tribos”. Assim, os zoológicos humanos (o fenômeno e suas consequências) são fruto do imperialismo e, além disso, foram fundamentais para a consolidação do conceito de civilização, ao expor situações variadas para reforçar as distinções e hierarquias entre grupos humanos.

Outro desdobramento possível estaria ligado à associação mais aprofundada entre os zoológicos humanos e os debates situados na teoria decolonial ou na pós-colonial. É preciso dizer que alguns ecos desse debate podem ser observados no livro de Koutsoukos, tais como as ideias de resistência e agência do explorado/dominado e de multivocalidade, que são conceitos importantes no debate decolonial. Há, inclusive, uma questão colocada pela autora quanto à ausência de reflexões sobre o fenômeno de exibir pessoas e sua conexão com a ação imperialista, que só começaram a ser desenvolvidas efetivamente a partir da década de 1990. Compreender a criação dos zoológicos humanos no interior dos estudos decoloniais poderia ajudar a compreensão desse processo.

Por exemplo, a noção de resistência, que é tratada por Koutsoukos a partir de relatos específicos, pode também ser observada em perspectiva integrada. Vários estudos decoloniais apresentam a resistência como um tópico importante, em situações diversificadas, tais como os domínios provinciais do império romano ou o exemplo dos quilombos no contexto da escravização no período colonial brasileiro. É possível, assim, além de observar tais resistências como um fenômeno mais amplo, estabelecer comparações entre elas e identificar seus diferentes níveis ou intensidades.

Por fim, parece adequado acentuar a importância da obra de Koutsoukos como uma das várias inciativas para revelar o fenômeno de exibir pessoas consideradas inferiores em um contexto mais amplo. Como a própria autora diz, o termo “zoológicos humanos”, com esse conteúdo crítico ao imperialismo, parece ter surgido em 2002 na publicação Zoos humains. De la Vénus hottentote aux reality shows. No mesmo ano, depois de um longo processo de negociação, os restos mortais de Sarah Baartman – a “Vênus negra”, a “Vênus Hotentote” – foram devolvidos para a África do Sul, sua terra natal, depois de ela ter sido amplamente explorada em vida e depois de sua morte, tanto pelo ramo do entretenimento como pelas instituições de ensino e ciências. A devolução de seus restos mortais e a cunhagem do termo “zoológicos humanos” como síntese de um debate crítico sobre as práticas racistas e imperialistas indicam uma nova forma de lidar com essa temática e a publicação de Koutsoukos participa desse movimento.


Resenhista

Gilberto da Silva Francisco – Universidade Federal de São Paulo. https://orcid.org/0000-0002-9615-4922


Referências desta Resenha

KOUTSOUKOS, Sandra S. M. Zoológicos humanos: gente em exibição na era do imperialismo. Campinas: Editora da Unicamp, 2020. Resenha de: FRANCISCO, Gilberto da Silva. A exibição de seres humanos, a prática imperialista e o registro fotográfico. Afro-Ásia, n. 65, p. 713-723, 2022. Acessar publicação original [DR/JF]

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