Poder, Representação e Imaginários na Idade Média/Mythos – Revista de História Antiga e Medieval/2022

O Dossiê temático “Poder, Representação e Imaginários na Idade Média” apresenta artigos que abordam a diversidade das formas de poder, políticas, relações culturais, representações, imaginários e a construção de memórias acerca do Medievo. Os textos que compõem o dossiê objetivam instigar reflexões sobre a historiografia produzida no âmbito dos estudos medievais, discutindo suas singularidades, confrontando-as com questionamentos sobre os usos do passado; buscando compreender como esse passado tem sido revisitado, interpretado (e reinterpretado) pelos historiadores.

As estruturas do poder passam pelas relações entre as práticas, representações e os imaginários sociais. Nesse sentido, Roger Chartier (1987) entende que as representações são determinadas pelos interesses dos grupos que as forjam, consistindo em um instrumento do conhecimento, que representa um objetivo ausente por meio da sua substituição por uma imagem capaz de evocar memória. O exercício do poder passa pelo imaginário coletivo e é por ele reforçado e multiplicado através da conjugação das relações de sentido, e pela apropriação de símbolos. As categorias conceituais de Poder, Representação e Imaginários na Idade Média, aliadas às possibilidades interdisciplinares dos estudos medievais em diálogo com a Antropologia, a Sociologia e a Psicologia, são os temas privilegiados pelo Dossiê Temático proposto pela Revista Mythos. Desse modo, apresentamos artigos que abordam temas plurais acerca da Idade Média, passando por estudos que analisam as relações entre a História e o Poder, História e Memória, História Pública e os usos do passado, as representações da Arte Medieval, assim como trabalhos que problematizam temas como Narrativas, Discursos, Gênero, Direito, Sacralidades e Religiosidades.

O artigo A (Des) Africanização do Egito Antigo: legados do Imaginário Medieval na Contemporaneidade, que abre este dossiê, discute o apagamento dos sujeitos históricos. Tendo por eixo de análise o embranquecimento do Egito Antigo, as autoras Mikayla Grace Werneck e Denise da Silva Menezes do Nascimento, analisam o imaginário eurocentrado presente nos manuscritos ilustrados, e na maioria das pinturas medievais que se referem ao passado egípcio. Este embranquecimento discursivo e imagético, solidificado e de longo alcance, ignora a noção de pluralismo histórico, construindo um Egito (des) africanizado.

Procurando discutir como se constrói a autoridade intelectual de Christine de Pizan, Joseane Passos Ferreira e Carolina Gual da Silva, observam a presença de uma rede de contato, estabelecida pela autora em seu tempo. Em Christine de Pizan e a construção da autoridade feminina na Querelle de la Rose, as autoras analisam um conjunto de epístolas sendo possível conferir as relações de poder aí existentes, oriundas especialmente de um círculo social cortesão.

As relações entre história, memória, poder e gênero são as temáticas abordadas por Thaís do Rosário no artigo Sucessão Régia Feminina em Castela e Leão (Ss. XII – XIII). Analisando os casos das rainhas Dona Urraca I (1081-1126) e Dona Berenguela I (1180-1256) de Castela e Leão, a autora problematiza a construção de narrativas sobre a atuação política, a governabilidade e a imagem das monarcas na produção cronística castelhana, objetivando entender como o contexto social e as relações de poder na época, cristalizaram memórias e representações acerca do ideal de rainha representado nas figuras das duas soberanas.

O artigo de Hugo Rincon Azevedo, retoma o tema da sacralização monárquica. Em a morte do infante e o nascimento do santo: narrativas sobre a morte em martírio de D. Fernando (1402- 1443), o autor discute a centralidade do martírio nos discursos construídos pelos cronistas, que tinham por função promover um santo dinástico, fortalecendo seu culto. Os santos dinásticos eram associados e representados como protetores da casa real.

Em Mártires, Santos, Eremitas: experiências religiosas na pintura cristã flamenga de Hieronymus Bosch, temos como eixo de análise as criações artísticas- religiosas que contribuem para o estudo da santidade enquanto fenômeno histórico. Seja na solidão do deserto, nos claustros e mosteiros a busca da perfeição inspirou a produção cristã. Radamés de Sousa propõe em especial uma discussão sobre representações iconográficas nas pinturas de Bosch, destacando o tríptico “As Tentações de Santo Antão”, localizado no Museu Nacional de Arte Antiga de Lisboa.

Heverton Rodrigues de Oliveira em O Monacato no noroeste da Península Ibérica e a hagiografia de Santa Senhorinha de Basto, revisita a hagiografia medieval como fonte para o estudo da História. Conforme a tradição historiográfica mais recente, no final do século VI o monacato já estava consolidado no noroeste peninsular, sendo nos séculos seguintes que as comunidades monásticas femininas tornaram -se também locais de preservação da cultura, e espaço educacional para as jovens de origem nobre. No relato hagiográfico Vita Beatae Senorinae Virginis (século XII), é possível conhecer um pouco sobre a forma de vida feminina na Galiza medieval, em sua face política, religiosa e cultural.

No artigo Do ideal ao real: a representação dos funcionários da Justiça (séc. XV – XVI) nas peças de Gil Vicente, Andreia Karine Duarte propõe analisar as representações do aparato burocrático lusitano no século XVI nos escritos do dramaturgo Gil Vicente (1465-1533). Com ênfase na obra “Auto da Barca do Inferno” (1517), a autora estabelece um estudo interdisciplinar que relaciona História, Literatura e Direito, para a compreensão dos ideais atribuídos aos funcionários da Justiça da Coroa portuguesa entre os reinados de D. Manuel I (1469-1521) e D. João III (1502-1557).

No texto O Império Universal de Dante Alighieri (1265-1321): a política em Monarchia e Divina Comédia, Ricardo Marques de Jesus analisa a construção do ideal político de um “Império Cristão como regedor da Cristandade” em duas obras clássicas do poeta florentino Dante Alighieri, o tratado político De Monarchia e o poema Divina Comédia. O autor nos apresenta como a biografia e os ideais políticos do poeta, assim como a sua postura crítica à Igreja Católica e ao papado, manifestaram-se nas obras como uma problematização das relações conflituosas entre os poderes seculares e espirituais.

As representações do alquimista medieval entre narrativas, imaginários, história e historiografia é a proposta de Bruno Sousa Silva Godinho no artigo A representação do Alquimista na Poesia Alquímica de George Ripley (c. 1415-1490). No texto, o autor propõe ir além da estudos tradicionais sobre a alquimia medieval proposto pela Historiografia e a Sociologia da Ciência. Godinho problematiza as obras de alquimistas e as fontes históricas que versam sobre a temática a partir da análise da retórica e da construção discursiva, como também do imaginário e das representações, abordagem que forneceria ao historiador uma maior compreensão acerca da prática da alquimia no medievo.

A Idade Média e a História Pública são as temáticas exploradas por Guilherme Claudino, Bruno da Costa e Ygor Belchior no texto Os mitos da Idade Média em Game of Thrones. Tema de grande de interesse da historiografia contemporânea, os usos e as representações do passado na mídia e nos meios digitais, é abordado ao analisar as representações do medievo no seriado Game of Thrones. Os autores nos apresentam elementos presentes na narrativa da produção televisiva como construções preconceituosas em relação ao medievo, especialmente na retratação das cidades medievais, que consideram, a partir do suporte teórico de Régine Pernoud, “os mitos da Idade Média”.

Excelente leitura!


Organizadores

Renata Cristina de Sousa Nascimento – UFJ/UEG/PUC Goiás.  Lattes: http://lattes.cnpq.br/5151454949796711  E-mail: [email protected]

Hugo Rincon Azevedo – UFG/PUC Goiás. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0122707652462743  E-mail: [email protected]


Referências desta apresentação

NASCIMENTO, Renata Cristina de Sousa; AZEVEDO, Hugo Rincon. Editorial. Mythos – Revista de História Antiga e Medieval, v. 16, n. 4, p. 6-10, dez. 2022.  Acessar publicação original [DR/JF]

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