Reflexões sobre e de Angola – inscrevendo saberes e pensamentos / Revista Transversos / 2019

A Revista Transversos em sua 15a edição embarca rumo às alteridades, compreensões, identidades e sensibilidades angolanas. O dossiê Reflexões sobre e de Angola – inscrevendo saberes e pensamentos é resultado de uma parceria da linha de pesquisa Áfricas e Diásporas Negras do Laboratório de Estudo das Diferenças e Desigualdades Sociais (LEDDES), do Programa de Pós-Graduação Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional da Universidade de Brasília e do Instituto Superior de Ciências de Educação da Huíla.

No âmbito do Projeto de cooperação entre o PPG-DSCI / UnB e o ISCED-Huíla nasceu a ideia de um dossiê dedicado a Angola, depois de longa conversa com a querida e saudosa editora da revista Transversos Marilene Rosa Nogueira da Silva. O projeto de cooperação tem por intenção consolidar as relações de parcerias acadêmicas entre Lubango e Namibe, região Sul de Angola e com isso a formação da rede de universidades brasileiras entre UFRJ, UnB e UERJ. A partir de intercâmbios de pesquisadores, professores e discentes com experiências Sul-Sul nas diferentes áreas do conhecimento, como investigações antropológicas, históricas, sociológicas, dentre outras, a relação entre aquelas universidades têm se intensificado. Um pouco dessa prática interdisciplinar pode ser vista, em alguns dos textos que se seguem neste dossiê, de professores oriundos das respectivas instituições acima citadas.

Contudo, de maneira mais concreta já algumas visitas e co-orientações de trabalhos de mestrado foram realizadas e trocas de experiências institucionais foram formalizadas com protocolos e projetamos o aprofundamento desse intercâmbio para os próximos anos. Do lado brasileiro, mais do que nunca as parcerias Sul-Sul, hoje se tornaram oportunas considerando o momento que vivemos de grande retrocesso, por forças truculentas na tentativa de banimento de nossa memória e História nas relações com o continente africano.

Em relação ao contexto angolano, o projeto de cooperação com as universidades supracitadas corresponde a um processo de partilha interdisciplinar em termos de conhecimentos no sentido de relançamento da pesquisa ao nível do sudoeste que, após a independência e no período da guerra civil conheceu um hiato bastante preocupante que introduziu alguma letargia em termos de investigação ao nível das universidades aí destacadas. Assim, partindo de uma base bastante robusta de pesquisa colonial, existe um conjunto de estudos, maioritariamente organizados pela Junta das Missões Geográficas e de Investigação Coloniais que, retomados e reorganizados pelo extinto Instituto de Investigação Científica Tropical, uma vez reanalisados do ponto de vista crítico, podem constituir o chamariz para o renascimento de estudos no sudoeste angolano e, neste particular, o ISCED-HUÍLA possui responsabilidades acrescidas como vanguarda deste processo.

Os estudos ora propostos por esta parceria sul-sul, constituem uma oportunidade singular para a releitura e crítica da produção anterior e reposicionamento de todo o processo numa lógica de valorização do Outro que se pode consubstanciar no estudo da História Local e outras dinâmicas que permitam a consolidação e harmonização dos saberes endógenos às realidades locais.

Nesse sentido, o Dossiê Angola nos apresenta vários textos de ambos lados do Atlântico cruzando os respectivos interesses sobre Angola e nas respectivas interações, passada e presente. Nesse Dossiê optamos por não delimitar uma temática, somente o objeto bem amplo: Angola. O resultado, longe do tradicional número temático, mas um conjunto de textos de estudantes, professores, de instituições diferenciadas não só de autores de Angola e Brasil, mas predominantemente abordaram aspectos tão diferenciados e de ricos olhares, com vieses particulares e gerais. Acreditamos que será um ponto de partida para estimular caminhos de pesquisas.

Nessa edição, procura-se um compromisso em estudar as particularidades do pensamento angolano por olhares transversais. Reunindo-se pesquisadores e pesquisadoras de distintas instituições e áreas de conhecimento como: Biologia, História, Literatura, Moda, Patrimônio Cultural e Relações Internacionais.

Abrimos com o artigo Em Angola o ensino bilíngue pode contribuir para a Educação e manutenção da Paz Nacional de autoria de Teresa Almeida Patatas e Joana Quintas. As autoras discutem como a escola angolana pode ser uma instrumento de socialização, formação de identidades e como a Educação Bilíngue – o português e os outros idiomas falados em Angola – podem favorecer a manutenção da Paz numa Angola pós-independência. Em A formação de professores em Angola: reflexões pós-coloniais, um estudo realizado por Joana Quintas, José Gregório Viegas Brás e Maria Neves Gonçalves, reúnem-se reflexões sobre as intersecção entre o regime colonial e o pós-colonial em Angola. Em linhas gerais, o texto instiga o leitor a reflexão de dois problemas: analisar se o novo imaginário saído da pós-independência teve repercussão na formação de professores em Angola e a discutir a formação de professores nas reformas educativas subsequente ao pós-colonialismo.

Escolhas escolares dos estudantes do Ensino Superior: perfis e diferenciação social segue a propostas de estudo na linha das Ciências da Educação em Angola. Nele, o autor Edgar Essuvi de Oliveira Jacob estuda as escolhas escolares dos / as estudantes angolanos / as que ingressaram no Ensino Superior, especificamente, a estudantes de licenciatura do 1º ano distribuídos por 4 instituições de ensino superior localizadas nas províncias da Huíla e Luanda.

Por outro lado, Ermelinda Liberato, em Reformar a reforma: percurso do Ensino Superior em Angola, discute como nos últimos anos há uma crescente crítica à estrutura do Ensino Superior em Angola. Em suma, a autora estudará o período de criação e implantação das diferentes reformas educacionais do Ensino Superior em Angola.

Na onda de uma educação tecnológica e das novas tecnologias, Bernardo Chicuma Uhongo em Implementação de um Sistema b-Learning na Escola Secundária do Nambambe – Lubango descreve a implentação do Sistema b na Escola Secundária do Nambambi em Lubango e os aportes necessárias para combater a vulnerabilidade digital na localidade.

No campo da Literatura, como fonte, essa edição apresenta artigos plurais e transversais. Deslocamentos narrativos em Uanhenga Xitu e Moisés Mbambi: um contributo à cultura, língua, história e literatura angolana de autoria de Alexandre Lucas Selombo Sukukuma traz uma densa investigação a respeito do campo da Literatura Angolana como um processo de emancipação. Seu artigo abarca um diálogo transdisciplinar dos textos Uanhenga Xitu em “Mestre Tamoda e outros contos” e Moisés Mbambi em “Cenas do Feitiço”.

Heloisa Tramontim de Oliveira e Cristine Görski Severo, em Intelectuais, lutas de resistência e línguas em Angola, estudam o papel desempenhado pelos intelectuais nas lutas angolanas contra o colonialismo português, em defesa da independência de Angola, o papel das línguas e na construção de um nacionalismo angolano, entre a segunda metade do século XIX e os anos 1970.

O escritor angolano Luandino Vieira emerge nesse dossiê por um conjunto de autores e autoras. Alexandre da Silva Santos e Keith Barbosa no artigo Os mussuques de José Luandino Vieira e a História da ocupação dos espaços urbanos traz a reflexão sobre os bairros pobres de Luanda enquanto repositório de histórias e memórias sobre cenários de mobilidades e deslocamentos na capital angolana. Enquanto, Edvaldo Aparecido Bergamo e Rogério Max Canedo Silva apresentam em Nós, os Makulusu, romance de Guerra, combate, violência e libertação na narrativa de Luandino Vieira como a obra do autor é um instrumento analítico sobre os impasses étnico-culturais e socioeconômicos gerados por um conflito bélico num país em processo de descolonização, que logo deixaria de ser domínio luso e se tornaria uma nação independente.

Anibal João Ribeiro Simões no artigo Uma revisão sistemática dos textos coloniais sobre a Província do Namibe (ex-Moçâmedes) de 1800-1920 faz um mapeamento sistemáticos dos textos coloniais sobre a antiga região de Namibe, atual Moçâmedes. A pesquisa foi realizada a partir das fontes do Banco Nacional de Dados de Portugal e do Portal das Memórias da África e Oriente.

Christian Rodrigues Fischgold, em Ruy Duarte de Carvalho e o paradoxo moderno Estado-nação angolano, parte de dois textos publicados pelo autor angolano Ruy Duarte de Carvalho a saber: “Tempo de ouvir o ‘outro’ enquanto o “outro” ainda existe, antes que haja só o outro… (2008), e Da Angola Diversa (2009). A partir deles, o autor apresenta uma visão da problemática da representação da diversidade e propõem uma cartografia das alteridades contemporâneas inseridas nas estruturas do Estado angolano.

Na aposta de diálogo entre Angola e outros territórios, Frederico Antonio Ferreira no artigo Augustus Archer, entre o passado e o futuro das relações entre o Império do Brasil e a África Portuguesa analisa a trajetória do braso-americano Augustus Archer Silva, negociante com diversas áreas de atuação em Luanda e de como tornou-se vice-cônsul do Império do Brasil em Angola entre os anos de 1865 a 1877.

Valorizar a tradição como uma das vias para a moralização da sociedade angolana: o caso da Ombala Ekovongo de António Guebe mostra como a Ombala Ekovongo é detentora de normas seculares que, no passado, jogaram e podem continuar a jogar um papel importante nesta ingente tarefa na Angola contemporânea. Angola (não é) para principiantes: estereótipos, interpelações e aprendizados em trabalho de campo de Paulo Ricardo Muller traz a experiência de trabalho de campo em Angola. O artigo apresenta a compreensão de estereótipos através dos quais atores reconhecem e são reconhecidos nas interações pessoais no cotidiano da sociedade angolana.

Helder Pedro Alicerces Bahu em “Povoamento” da Mapunda. Encontros e desencontros num espaço iminentemente colonial apresenta os desdobramentos simbólicos do bairro da Mapunda, marcadamente habitado por madeirenses durante a grande odisseia de desenvolvimento da antiga colónia de Sá da Bandeira. Pedro Figueiredo Neto no artigo Rumo à cidade: deslocamento forçado e urbanização em Angola discute os problemas da urbanização em Angola. Seu texto propõe-se a questionar que o tipos de urbanização, em Angola, não significaram melhores condições de moradia e acesso as estruturas básicas da cidade ou o direito à cidade.

Luanda, Moscou, Pretória e Washington: os discursos presidenciais em Angola sobre as relações internacionais e o conflito com a UNITA (1975-1991) de Kelly Cristina Oliveira de Araújo entrelaça diferentes discursos presidenciais e a construção dos inimigos de Angola. O artigo estuda a instituição de que o antagonista do povo angolano não estava entre ele mesmo, mas sim nas chamadas forças imperialistas.

Santos Garcia Simão em Visão holística dos museus e arquivos de Angola: uma abordagem histórica faz um estudo a partir da museologia e da arquivística em Angola em relação à criação de um Museu em Angola, em paralelo aos arquivos, surge na década de 1936 com a criação do Museu do Dundo e do Museu de Angola, a 8 de Setembro de 1938.

Paulino Soma Adriano em Omissão da marca de plural / s / : uma realidade no Português falado em Angola analisa a omissão da função plural em sintagmas lexicais e nos determinantes no português falado em Angola. O autor apresenta, portanto, como a Língua Portuguesa, em Angola, tem especificidades comparado a norma-padrão europeia.

Em notas de pesquisa, Selma Alves Pantoja descreve em Viagem a Angola: de quando comecei a “frequentar o sul” as três viagens ao sudoeste de Angola e de como nasceu a ideia de um projeto de pesquisa, os momentos de reconhecimento do terreno, do nascimento e formação da equipe e a fase inicial da pesquisa. Enquanto, Solange Maria Luis e Carla Black em O Perfil do Formador do Professor Primário e o Desafio do Programa Educar Angola 2030 – pontuam sobre uma reflexão relativa sobre o perfil do professor formador na modalidade do primário no contexto de Huíla, em Angola.

Yuri Manuel Francisco Agostinho no artigo Marcas da ação colonial em Angola: a luz das memórias e narrativas de escritores angolanos é um exercício de análise de entrevistas com literatos publicadas em dois volumes por Michel Laban, com o objetivo de compreender o colonialismo e a situação colonial, assim como as relações raciais vigentes então no país. As plantas – usos e costumes dos povos da província da Huíla, um estudo exploratório com Securidaca longipedunculata e Uapaca kirkiana de José João Tchamba e José Camonga Luís é uma texto entre Biologia e História. A nota de pesquisa traz um ensaio na compreensão e aprofundamento dos conhecimentos sobre os costumes dos povos da província da Huíla em relação a utilização dos recursos fitológicos tanto na alimentação como na medicina.

Soraia Santos em A coleção arqueológica do ISCED-Huíla: um projeto de investigação tem como proposta identificar os sítios arqueológicos levantados na região Sul de Angola, assim como, faz um trabalho de inventários, catalogação e estudo das coleções para a criação do Museu arqueológico vinculado ao ISCED-Huíla.

Em Experimentadores Marissa Moorman em Bonga´s transatlantic examina como o álbum Angola 74 produzido por Bonga contribuiu para invenção de uma angolanidade a partir das experiências de vida nos musseques de Luanda. O artigo faz uma interrelação entre música angolana e rotas urbanas transatlânticas.

Esta 15a edição traz também dois depoimentos. A moda como objeto de estudo em Luanda de Michelle Medrado e suas anotações de pesquisa, em agosto de 2018, em Angola. O depoimento evidencia a trajetória do figurino de telenovela como um objeto que nasce na narrativa ficcional e tem organizado trocas comerciais e culturais e como isso desdobrou um processo de situações e questionamentos sobre o fluxo temático da pesquisa. Peixes no deserto de Rodrigo Pires de Campos apresenta notas preliminares referentes a registros e reflexões feitos a partir da experiência do autor em sua primeira viagem à província do Namibe, Sul de Angola e a busca de conhecer mercados, principalmente, do comércio do peixe.

Encerrando o dossiê – Reflexões sobre e de Angola – inscrevendo saberes e pensamentos – temos duas entrevistas. Carmen Lucia Tindó Secco faz um diálogo com o escritor angolano Boaventura Cardoso. Enquanto, Aida Freudenthal apresenta-nos uma prosa com o engenheiro e político Fernando Pacheco.

A Revista Transversos tem nessa edição três artigos livres. Será Mbôngi’a ñgîndu a escola das Ciências políticas no antigo Kôngo? de Patrício Batsikama que discute o Mbôngi’a ñgîndu terá sido uma Escola onde se ensinava as Ciências Políticas. Laurindo Lussimo Rufino no texto Miwene-Kongo: a Instituição Teocráticoabsolutista do Reino do Kongo, no seu primeiro século de vida que discute a Instituição Miwene-Kongo e seus aspectos políticos-religiosos na fundação do Reino do Congo.

E o trabalho de Paulo José Assumpção dos Santos, Silvio de Almeida Carvalho Filho e Celeste Azulay Kelman no artigo Desafios do Ensino de História para alunos surdos em uma escola inclusive da Baixada Fluminense. No texto, os autores fazem um diagnóstico de como ocorre a inclusão escolar de alunos surdos a partir da perspectiva de professores de História de uma escola polo localizada no município de Duque de Caxias (RJ).

Convidamos a seguir os leitores e leitoras a descortinarem as próximas páginas. Esperamos, que os artigos inquietem, provoquem e sejam compartilhados. Boa leitura!

Helder Bahu (ISCED- Huíla)

Selma Pantoja (UNB)

Gustavo Sousa (INES)

Silvio Carvalho (UFRJ / UERJ)


BAHU, Helder; PANTOJA, Selma; SOUZA, Gustavo; CARVALHO, Silvio. Apresentação. Revista Transversos, Rio de Janeiro, n. 15, jan. / abr., 2019. Acessar publicação original [DR]

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Brasil e Angola: redes de poder e governança / História – Debates e Tendências / 2015

Brasil e Angola são países que têm relações históricas e culturais comuns. Além de partilharem o mesmo idioma, o português, ambos os países tiveram o mesmo colonizador, Portugal. Muitos angolanos, em decorrência do processo de escravidão, vieram ao Brasil e aqui fizeram sua morada, constituíram família, miscigenaram-se, integrando-se ao grande “caldeirão cultural” que forma o povo brasileiro.

O Brasil foi o primeiro país a reconhecer a independência de Angola, em 11 de novembro de 1975. E a cada ano percebe-se o estreitamento das relações entre esse países, em especial na área econômica. Mas, a meta a que se pretende intensificar nos próximos anos é aproximar Brasil e Angola também na educação, nas ciências, na atividade investigativa e na pesquisa científica. Leia Mais