Artesanato intelectual: moldagens e construções de saberes/Das Amazônias/2022

Progressivamente voltando à normalidade, ainda sob as consequências e reflexos da pandemia do COVID-19, diante de um momento em que, por efeitos dos resultados legítimos das eleições presidenciais, a esperança torna a alcançar os corações dos(as) pesquisadores(as) brasileiros(as) engajados(as) na defesa do ensino, pesquisa e extensão, a Revista Discente da Área de História, Das Amazônias, e toda sua equipe tem a honra de conceber mais uma edição: V.5, N.2 (2022) – Artesanato intelectual: moldagens e construções de saberes. Leia Mais

Africanidades, Artes e Saberes / Tempo Amazônico / 2020

Esta edição da Revista Tempo Amazônico é composta pelo dossiê Africanidades, Artes e Saberes, organizado pelos professores Marcos Vinicius de Freitas Reis, Sérgio Junqueira e David Junior de Souza Silva.

O objetivo deste dossiê é reunir trabalhos que versem sobre as interfaces entre as religiões afro-brasileiras e a produção de saberes, considerando a arte como um campo de saberes ao lado dos saberes medicinais e científicos. O dossiê convocou trabalhos que fizessem a reflexão sobre como as religiões afro-brasileiras são retratadas no campo científico e como são representadas nas modernas e tradicionais linguagens artísticas – como o grafite e o artesanato.

Ao mesmo tempo, o dossiê convocou reflexões que tratem dos conflitos epistemológicos entre a matriz de visão de mundo africana e afro-brasileira, expressas em suas muitas expressões religiosas, e a visão de mundo eurocêntrica, conflitos que quase nunca tomam forma na dimensão epistemológica, mas na dimensão religiosa, configurando os fenômenos que chamamos racismo religioso e intolerância religiosa.

O texto de Taissa Tavernard de Luca, professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião (UEPA) e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (UFPA), e de Valter dos Santos Vieira, mestre em Ciência da Religião, Arte e expressão religiosa no Amapá: um olhar a partir do grafismo, investiga o uso da arte como expressão religiosa dentro de um terreiro de candomblé, em Macapá. O respectivo terreiro, templo religioso da Nação Angola, usa imagens feitas pela técnica artística do grafite como meio de representação do sagrado. As imagens representam divindades do panteão africano, santos católicos e caboclos do tambor e mina maranhense.

Quatro textos do dossiê dedicam-se a compreender o fenômeno do racismo religioso. O primeiro, Repensando os ataques às Religiões Afro: uma breve discussão sobre o conceito de racismo religioso no Candomblé, de Ozaias da Silva Rodrigues, Doutorando em Antropologia Social, reflete sobre os usos científicos dos conceitos de racismo religioso e de intolerância religiosa em relação aos religiosos candomblecistas, e tipifica diferentes sentidos com que o conceito racismo religioso aparece nas falas dos candomblecistas para se referir à discriminação que a religião sofre.

O segundo, Tipos de Racismo Religioso: Padrões Comportamentais do Racismo Religioso, de Roberto José Nery Moraes, professor do curso de Direito Unifap, visa discutir a teoria geral do racismo religioso, como forma de comportamento aprendido que enseja na intolerância religiosa. A realidade empírica em qual se baseia a discussão teórica do autor é a das comunidades tradicionais de terreiro do Amapá, expressão religiosa, conforme o autor, de grande contribuição para a formação da identidade étnico-ambiental-religiosa do povo amapaense.

O texto de Pedro Henrique de Oliveira Germano de Lima, doutorando em Antropologia pela UFPE, O campo das religiões afrobrasileiras visto pelas teorias: balanço e crítica de normatizações, tem como objetivo a compreensão de como os cientistas sociais se debruçam sobre o fenômeno religioso, examinado a troca e circulação de conceitos entre os campos colocados em interação nesta tarefa científica: o campo das ciências sociais e o campo das religiões indo-afro-brasileiras. O texto defende o postulado de que as religiões eventualmente podem ser legitimadas pelo binômio autenticidade-falsidade, a ciência social não deve adotar este binômio como recurso heurístico. A ciência social deve afastar-se desta discussão sobre autenticidade, e investigar como as tradições religiosas são criadas pelos devotos.

O texto Catalogação dos Remédios Naturais Amazônicos – Santana AP, de autoria de Rodrigo Reis Lastra Cid, Afrânio Patrocínio de Andrade, ambos professores da licenciatura em Filosofia da Unifap, e Marlon Viana de Almeida Junior, graduando em Filosofia, trata-se pesquisa realizada com curandeiros da cidade de Santana, objetivando catalogar suas práticas e receitas, e suas crenças com relação à mística de suas garrafadas.

Concluindo o dossiê, o texto A tradição ceramista como guarda do Mistério Amazônico, de autoria da mestra em Ciência da Religião Roseane Barbosa Ferreira, realiza pesquisa de campo com cinco oleiros, que renovam a tradição da confecção das peças em cerâmicas no bairro do Paracuri, no município de Icoaraci, no Pará. A pesquisa conclui que mesmo na produção artesanal contemporânea dos artefatos cerâmicos a mediação principal ser um sentido econômico para a atividade, a religiosidade se faz presente na atividade, da qual não se esquece ser herança dos mitos e encantarias da região.

A seção artigos livres começa com a compreensão histórica da dinâmica da economia capitalista no período de vigência do Welfare State, no artigo intitulado Acumulação Capitalista, Welfare State e Taxa de Mais Valor, de autoria de Ednéia Alves De Oliveira e Gustavo Giovanny Dos Reis Apóstolos. O texto examina as relações que existem entre as políticas de aumento de renda aos trabalhadores, da matriz econômica keynesiana, e a extração ampliada da mais valia possibilitada pelo modo de organização da produção taylorista.

O texto Sociologia e Modernidade: entre o mundo pré-moderno e o póstradicional, de David Junior de Souza Silva também tematiza processos de longa duração, como os que foram a passagem do sistema feudal para a sociedade moderna industrial. Este artigo investiga as relações recíprocas entre Sociologia e Modernidade.

Outra contribuição sociológica a este número é o texto A recepção de José Carlos Mariátegui no brasil: ausência e presença de Glaucia Maria Tinoco Barbosa. Este texto é uma reflexão no campo da Sociologia Latino-americana, investigando as características específicas da nacionalização da teoria social de Mariátegui no Brasil e sua aplicação a compreensão da sociedade brasileira.

O ensino de história é tema do artigo intitulado Heavy Metal em sala de aula: a Inquisição Católica nas músicas do Iron Maiden de Diogo Tomaz Pereira, Mestre em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora. O texto, colocando-se o objetivo de elaborar inovações metodológicas para o ensino de história, trabalha a possibilidade da utilização de composições musicais do gênero heavy metal como ferramentas nas aulas de história.

Concluindo este número, o texto de Eliane Vasquez, intitulado Movimento de reforma das prisões e ciência penitenciária no século XIX, reflete sobre o processo institucionalização da ciência penitenciária na segunda metade do século XIX compreendido a partir da perspectiva da história da ciência e em suas relações com o movimento de reforma penitenciaria, que emergia como questão social no período.

David Junior de Souza Silva (Unifap)

Marcos Vinicius de Freitas Reis (Unifap)

Sérgio Junqueira (IPFER)


SILVA, David Junior de Souza; REIS, Marcos Vinicius de Freitas; JUNQUEIRA, Sérgio. Apresentação. Tempo Amazônico, Macapá, v.8, n.1, 2020. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

Cultura Material em História(s): Artefatos Escolares e Saberes | Educar em Revista | 2019

“… o passado não é um lugar estável, e sim precário, permanentemente alterado pelo futuro, e… portanto nada do que já ocorreu é irreversível”.

Javier Cercas1

Através das palavras extraídas da refinada literatura de Javier Cercas, expressamos a inquietação que nos move no sentido de buscar e fortalecer formas de ler e compreender a oficialização2 da escola e do aluno e sua difusão. Num leque de possibilidades elegemos algumas formas, como diz Heloisa Rocha (2019)3, de “interrogar o passado educacional por meio do exame dos artefatos e dos modos de fabricação inventados por diferentes sujeitos e grupos, para responder às demandas da escolarização”, evidenciando também “dimensões envolvidas na cadeia de produção e circulação dos artefatos escolares”. Isto significa dizer que nos ocupamos particularmente da dimensão material da escolarização da infância em diferentes lugares, de formas de organização e provimento material da escola primária e de modos de circulação das ideias que conformam (no sentido mesmo de dar forma) esta materialidade. Nesta esteira, identificar discursos que advogam um desenho material para a escola, formas de operacionalização e modos de uso ajudam a compor um cenário que explicita sentidos que esta materialidade porta. Leia Mais

Parto e nascimento: saberes, reflexões e diferentes perspectivas / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2018

Este dossiê coloca em foco o processo de medicalização do parto e suas consequências. A partir das últimas décadas do século XIX, o parto ingressou no âmbito da medicina e, aos poucos, foi se transformando em um evento completamente medicalizado. Esse processo histórico se ampliou fortemente no decorrer do século XX, em diversas regiões do globo, trazendo consigo importantes vantagens relacionadas, principalmente, à diminuição dos índices de mortalidade materna e neonatal. No entanto, a intensificação da medicalização dos nascimentos também aponta para problemas, à medida que a excessiva tecnologização tem gerado críticas e insatisfações principalmente no que concerne às consequências clínicas, físicas e emocionais do excesso de intervenções.

No Brasil, desde o final do século XIX, quando a medicina deu início à escalada de medicalização dos nascimentos, um dos principais problemas relacionados ao parto se inscreveu nos diferentes tipos de cuidados ministrados às gestantes pobres e às mais abastadas. As primeiras, na maior parte das vezes, tiveram pouco acesso a cuidados médicos e hospitalares; as últimas tinham seus filhos no conforto de suas casas com médicos e serviçais, a quem era confiado o cuidado. Tal problema persiste até os dias de hoje, apesar da descomunal ampliação do acesso aos serviços médicos e das políticas públicas direcionadas a garantir às mulheres direitos reprodutivos e cuidados humanizados.

A medicalização também se traduziu em tensões e controvérsias no que tange às técnicas e tecnologias que aos poucos passaram a fazer parte da cena do parto. O uso inadequado ou desnecessário de diversos procedimentos cada vez mais é discutido por profissionais de saúde e mulheres na busca de um equilíbrio na utilização de intervenções e tecnologias no processo de nascimento. A cesariana é o maior exemplo desse problema. Desde 2013, mais da metade dos nascimentos no país foram feitos por meio dessa cirurgia. Embora a Organização Mundial de Saúde postule que a cesárea deva ser empregada em índices entre 10 e 15% da totalidade dos nascimentos (Betrán et al., 2015WHO, 2018), a espantosa incidência da cirurgia no Brasil tem inquietado diversos setores da sociedade, gerando múltiplos posicionamentos entre atores de diferentes campos profissionais e de usuários do sistema de saúde.

Não só a cesariana tem se mostrado como problema em relação ao parto medicalizado. O excesso de intervenções, tão criticado por diversos grupos de mulheres, é a contraface da falta de assistência adequada às mulheres mais pobres. Se as mulheres de classe média discutem a forma mais confortável ou “humanizada” de terem suas crianças, as mais pobres muitas vezes ainda têm dificuldades de acesso a analgésicos e anestésicos que diminuiriam seu sofrimento na hora de parir.

A organização do sistema de saúde, das práticas profissionais e dos movimentos sociais, bem como a forma de incorporação de tecnologias médicas pelos sujeitos são algumas das dimensões do processo de medicalização do parto no Brasil. Essa complexidade requisita olhares de diferentes disciplinas e metodologias para explorar a questão. Tais aspectos vêm sendo cobertos por diferentes estudos direcionados às práticas de parto, aos usos e abusos da cesariana, às questões referentes à escolha da via de parto e à violência obstétrica. Entre elas destaca-se a pesquisa “Nascer no Brasil: inquérito nacional sobre parto e nascimento”, realizada pela Fiocruz, com o objetivo de conhecer os determinantes, a magnitude e os efeitos das intervenções obstétricas no parto.1 O estudo trouxe à luz o complexo quadro de iniquidades relacionadas à medicalização do parto no Brasil, sendo crucial para a reflexão sobre as transformações nas práticas de parto e sobre a utilização cada vez mais intensa de intervenções.

Compartilhando as inquietações acima observadas, e buscando se integrar ao esforço de trazer novas perspectivas para a questão do parto e de seu processo de medicalização,2 o grupo interdisciplinar de pesquisadores do projeto Medicalização dos Nascimentos no Brasil (COC / Fiocruz) lançou a chamada para os artigos que compõem este número especial. Agradecemos aos autores que responderam e compartilham conosco o objetivo de subsidiar reflexões múltiplas sobre o assunto.

No mesmo esforço de reunir variadas perspectivas sobre a temática, realizamos, nos dias 22 e 23 de outubro de 2018, no auditório do Museu da Vida (Fiocruz, Rio de Janeiro), o seminário internacional “Medicalização do Parto”. O seminário contou com a participação de pesquisadoras de diferentes cidades do Brasil e do mundo e com a presença de diferentes profissionais da assistência e representantes de movimentos de mulheres, que debateram a situação atual da assistência ao parto no Brasil. Em breve os temas discutidos no seminário serão organizados na forma de livro.

Para relembrar a historiadora Maria Lúcia Mott – homenageada em nosso dossiê –, “o nascimento não se restringe a um ato fisiológico, mas testemunha por uma sociedade, naquilo que ela tem de melhor e de pior” (Mott, 2002, p.399). A medicalização dos partos, dos nascimentos e da vida é parte da nossa sociedade, e olhar para essas questões é uma das formas de transformá-la.

Notas

1 Ver <http: / / www6.ensp.fiocruz.br / nascerbrasil / >.

2 Outros periódicos dedicaram números especiais ou dossiês à temática do parto, entre eles Civitas: Revista de Ciências Sociais (v.15, n.2, 2015; disponível em: <http: / / revistaseletronicas.pucrs.br / ojs / index.php / civitas / issue / view / 974>) e Revista Estudos Feministas (v.10, n.2, 2002; disponível em: <https: / / periodicos.ufsc.br / index.php / ref / issue / view / 318 / showToc>). Darwin et l’après-Darwin. Paris: Kimé. 1992.

Referências

BETRAN, Ana Pilar et al. What is the optimal rate of caesarean section at population level? A systematic review of ecologic studies. Reproductive Health, v.12. Disponível em: <http: / / reproductive-health-journal.biomedcentral.com / articles / 10.1186 / s12978-015-0043-6>. Acesso em: 19 nov. 2018. 2015. [ Links ]

MOTT, Maria Lucia. Parto. Revista Estudos Feministas, n.2, p.399-401. 2002. [ Links ]

WHO. World Health Organization. WHO recommendations: intrapartum care for a positive childbirth experience. Geneva: World Health Organization. 2018. [ Links ]

Luiz Antônio Teixeira – Pesquisador, Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz; Brasil. Professor, Universidade Estácio de Sá. Rio de Janeiro – RJ – Brasil. E-mail: [email protected]

Andreza Rodrigues Nakano – Professora, Escola de Enfermagem Anna Nery / Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro – RJ – Brasil. E-mail: [email protected]

Marina Fisher Nucci – Pós-doutoranda, Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz. Rio de Janeiro – RJ – Brasil. E-mail: [email protected]


TEIXEIRA, Luiz Antônio; NAKANO, Andreza Rodrigues; NUCCI, Marina Fisher. Apresentação. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.25, n.4, out. / Dez., 2018. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

Reflexões sobre e de Angola – inscrevendo saberes e pensamentos / Revista Transversos / 2019

A Revista Transversos em sua 15a edição embarca rumo às alteridades, compreensões, identidades e sensibilidades angolanas. O dossiê Reflexões sobre e de Angola – inscrevendo saberes e pensamentos é resultado de uma parceria da linha de pesquisa Áfricas e Diásporas Negras do Laboratório de Estudo das Diferenças e Desigualdades Sociais (LEDDES), do Programa de Pós-Graduação Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional da Universidade de Brasília e do Instituto Superior de Ciências de Educação da Huíla.

No âmbito do Projeto de cooperação entre o PPG-DSCI / UnB e o ISCED-Huíla nasceu a ideia de um dossiê dedicado a Angola, depois de longa conversa com a querida e saudosa editora da revista Transversos Marilene Rosa Nogueira da Silva. O projeto de cooperação tem por intenção consolidar as relações de parcerias acadêmicas entre Lubango e Namibe, região Sul de Angola e com isso a formação da rede de universidades brasileiras entre UFRJ, UnB e UERJ. A partir de intercâmbios de pesquisadores, professores e discentes com experiências Sul-Sul nas diferentes áreas do conhecimento, como investigações antropológicas, históricas, sociológicas, dentre outras, a relação entre aquelas universidades têm se intensificado. Um pouco dessa prática interdisciplinar pode ser vista, em alguns dos textos que se seguem neste dossiê, de professores oriundos das respectivas instituições acima citadas.

Contudo, de maneira mais concreta já algumas visitas e co-orientações de trabalhos de mestrado foram realizadas e trocas de experiências institucionais foram formalizadas com protocolos e projetamos o aprofundamento desse intercâmbio para os próximos anos. Do lado brasileiro, mais do que nunca as parcerias Sul-Sul, hoje se tornaram oportunas considerando o momento que vivemos de grande retrocesso, por forças truculentas na tentativa de banimento de nossa memória e História nas relações com o continente africano.

Em relação ao contexto angolano, o projeto de cooperação com as universidades supracitadas corresponde a um processo de partilha interdisciplinar em termos de conhecimentos no sentido de relançamento da pesquisa ao nível do sudoeste que, após a independência e no período da guerra civil conheceu um hiato bastante preocupante que introduziu alguma letargia em termos de investigação ao nível das universidades aí destacadas. Assim, partindo de uma base bastante robusta de pesquisa colonial, existe um conjunto de estudos, maioritariamente organizados pela Junta das Missões Geográficas e de Investigação Coloniais que, retomados e reorganizados pelo extinto Instituto de Investigação Científica Tropical, uma vez reanalisados do ponto de vista crítico, podem constituir o chamariz para o renascimento de estudos no sudoeste angolano e, neste particular, o ISCED-HUÍLA possui responsabilidades acrescidas como vanguarda deste processo.

Os estudos ora propostos por esta parceria sul-sul, constituem uma oportunidade singular para a releitura e crítica da produção anterior e reposicionamento de todo o processo numa lógica de valorização do Outro que se pode consubstanciar no estudo da História Local e outras dinâmicas que permitam a consolidação e harmonização dos saberes endógenos às realidades locais.

Nesse sentido, o Dossiê Angola nos apresenta vários textos de ambos lados do Atlântico cruzando os respectivos interesses sobre Angola e nas respectivas interações, passada e presente. Nesse Dossiê optamos por não delimitar uma temática, somente o objeto bem amplo: Angola. O resultado, longe do tradicional número temático, mas um conjunto de textos de estudantes, professores, de instituições diferenciadas não só de autores de Angola e Brasil, mas predominantemente abordaram aspectos tão diferenciados e de ricos olhares, com vieses particulares e gerais. Acreditamos que será um ponto de partida para estimular caminhos de pesquisas.

Nessa edição, procura-se um compromisso em estudar as particularidades do pensamento angolano por olhares transversais. Reunindo-se pesquisadores e pesquisadoras de distintas instituições e áreas de conhecimento como: Biologia, História, Literatura, Moda, Patrimônio Cultural e Relações Internacionais.

Abrimos com o artigo Em Angola o ensino bilíngue pode contribuir para a Educação e manutenção da Paz Nacional de autoria de Teresa Almeida Patatas e Joana Quintas. As autoras discutem como a escola angolana pode ser uma instrumento de socialização, formação de identidades e como a Educação Bilíngue – o português e os outros idiomas falados em Angola – podem favorecer a manutenção da Paz numa Angola pós-independência. Em A formação de professores em Angola: reflexões pós-coloniais, um estudo realizado por Joana Quintas, José Gregório Viegas Brás e Maria Neves Gonçalves, reúnem-se reflexões sobre as intersecção entre o regime colonial e o pós-colonial em Angola. Em linhas gerais, o texto instiga o leitor a reflexão de dois problemas: analisar se o novo imaginário saído da pós-independência teve repercussão na formação de professores em Angola e a discutir a formação de professores nas reformas educativas subsequente ao pós-colonialismo.

Escolhas escolares dos estudantes do Ensino Superior: perfis e diferenciação social segue a propostas de estudo na linha das Ciências da Educação em Angola. Nele, o autor Edgar Essuvi de Oliveira Jacob estuda as escolhas escolares dos / as estudantes angolanos / as que ingressaram no Ensino Superior, especificamente, a estudantes de licenciatura do 1º ano distribuídos por 4 instituições de ensino superior localizadas nas províncias da Huíla e Luanda.

Por outro lado, Ermelinda Liberato, em Reformar a reforma: percurso do Ensino Superior em Angola, discute como nos últimos anos há uma crescente crítica à estrutura do Ensino Superior em Angola. Em suma, a autora estudará o período de criação e implantação das diferentes reformas educacionais do Ensino Superior em Angola.

Na onda de uma educação tecnológica e das novas tecnologias, Bernardo Chicuma Uhongo em Implementação de um Sistema b-Learning na Escola Secundária do Nambambe – Lubango descreve a implentação do Sistema b na Escola Secundária do Nambambi em Lubango e os aportes necessárias para combater a vulnerabilidade digital na localidade.

No campo da Literatura, como fonte, essa edição apresenta artigos plurais e transversais. Deslocamentos narrativos em Uanhenga Xitu e Moisés Mbambi: um contributo à cultura, língua, história e literatura angolana de autoria de Alexandre Lucas Selombo Sukukuma traz uma densa investigação a respeito do campo da Literatura Angolana como um processo de emancipação. Seu artigo abarca um diálogo transdisciplinar dos textos Uanhenga Xitu em “Mestre Tamoda e outros contos” e Moisés Mbambi em “Cenas do Feitiço”.

Heloisa Tramontim de Oliveira e Cristine Görski Severo, em Intelectuais, lutas de resistência e línguas em Angola, estudam o papel desempenhado pelos intelectuais nas lutas angolanas contra o colonialismo português, em defesa da independência de Angola, o papel das línguas e na construção de um nacionalismo angolano, entre a segunda metade do século XIX e os anos 1970.

O escritor angolano Luandino Vieira emerge nesse dossiê por um conjunto de autores e autoras. Alexandre da Silva Santos e Keith Barbosa no artigo Os mussuques de José Luandino Vieira e a História da ocupação dos espaços urbanos traz a reflexão sobre os bairros pobres de Luanda enquanto repositório de histórias e memórias sobre cenários de mobilidades e deslocamentos na capital angolana. Enquanto, Edvaldo Aparecido Bergamo e Rogério Max Canedo Silva apresentam em Nós, os Makulusu, romance de Guerra, combate, violência e libertação na narrativa de Luandino Vieira como a obra do autor é um instrumento analítico sobre os impasses étnico-culturais e socioeconômicos gerados por um conflito bélico num país em processo de descolonização, que logo deixaria de ser domínio luso e se tornaria uma nação independente.

Anibal João Ribeiro Simões no artigo Uma revisão sistemática dos textos coloniais sobre a Província do Namibe (ex-Moçâmedes) de 1800-1920 faz um mapeamento sistemáticos dos textos coloniais sobre a antiga região de Namibe, atual Moçâmedes. A pesquisa foi realizada a partir das fontes do Banco Nacional de Dados de Portugal e do Portal das Memórias da África e Oriente.

Christian Rodrigues Fischgold, em Ruy Duarte de Carvalho e o paradoxo moderno Estado-nação angolano, parte de dois textos publicados pelo autor angolano Ruy Duarte de Carvalho a saber: “Tempo de ouvir o ‘outro’ enquanto o “outro” ainda existe, antes que haja só o outro… (2008), e Da Angola Diversa (2009). A partir deles, o autor apresenta uma visão da problemática da representação da diversidade e propõem uma cartografia das alteridades contemporâneas inseridas nas estruturas do Estado angolano.

Na aposta de diálogo entre Angola e outros territórios, Frederico Antonio Ferreira no artigo Augustus Archer, entre o passado e o futuro das relações entre o Império do Brasil e a África Portuguesa analisa a trajetória do braso-americano Augustus Archer Silva, negociante com diversas áreas de atuação em Luanda e de como tornou-se vice-cônsul do Império do Brasil em Angola entre os anos de 1865 a 1877.

Valorizar a tradição como uma das vias para a moralização da sociedade angolana: o caso da Ombala Ekovongo de António Guebe mostra como a Ombala Ekovongo é detentora de normas seculares que, no passado, jogaram e podem continuar a jogar um papel importante nesta ingente tarefa na Angola contemporânea. Angola (não é) para principiantes: estereótipos, interpelações e aprendizados em trabalho de campo de Paulo Ricardo Muller traz a experiência de trabalho de campo em Angola. O artigo apresenta a compreensão de estereótipos através dos quais atores reconhecem e são reconhecidos nas interações pessoais no cotidiano da sociedade angolana.

Helder Pedro Alicerces Bahu em “Povoamento” da Mapunda. Encontros e desencontros num espaço iminentemente colonial apresenta os desdobramentos simbólicos do bairro da Mapunda, marcadamente habitado por madeirenses durante a grande odisseia de desenvolvimento da antiga colónia de Sá da Bandeira. Pedro Figueiredo Neto no artigo Rumo à cidade: deslocamento forçado e urbanização em Angola discute os problemas da urbanização em Angola. Seu texto propõe-se a questionar que o tipos de urbanização, em Angola, não significaram melhores condições de moradia e acesso as estruturas básicas da cidade ou o direito à cidade.

Luanda, Moscou, Pretória e Washington: os discursos presidenciais em Angola sobre as relações internacionais e o conflito com a UNITA (1975-1991) de Kelly Cristina Oliveira de Araújo entrelaça diferentes discursos presidenciais e a construção dos inimigos de Angola. O artigo estuda a instituição de que o antagonista do povo angolano não estava entre ele mesmo, mas sim nas chamadas forças imperialistas.

Santos Garcia Simão em Visão holística dos museus e arquivos de Angola: uma abordagem histórica faz um estudo a partir da museologia e da arquivística em Angola em relação à criação de um Museu em Angola, em paralelo aos arquivos, surge na década de 1936 com a criação do Museu do Dundo e do Museu de Angola, a 8 de Setembro de 1938.

Paulino Soma Adriano em Omissão da marca de plural / s / : uma realidade no Português falado em Angola analisa a omissão da função plural em sintagmas lexicais e nos determinantes no português falado em Angola. O autor apresenta, portanto, como a Língua Portuguesa, em Angola, tem especificidades comparado a norma-padrão europeia.

Em notas de pesquisa, Selma Alves Pantoja descreve em Viagem a Angola: de quando comecei a “frequentar o sul” as três viagens ao sudoeste de Angola e de como nasceu a ideia de um projeto de pesquisa, os momentos de reconhecimento do terreno, do nascimento e formação da equipe e a fase inicial da pesquisa. Enquanto, Solange Maria Luis e Carla Black em O Perfil do Formador do Professor Primário e o Desafio do Programa Educar Angola 2030 – pontuam sobre uma reflexão relativa sobre o perfil do professor formador na modalidade do primário no contexto de Huíla, em Angola.

Yuri Manuel Francisco Agostinho no artigo Marcas da ação colonial em Angola: a luz das memórias e narrativas de escritores angolanos é um exercício de análise de entrevistas com literatos publicadas em dois volumes por Michel Laban, com o objetivo de compreender o colonialismo e a situação colonial, assim como as relações raciais vigentes então no país. As plantas – usos e costumes dos povos da província da Huíla, um estudo exploratório com Securidaca longipedunculata e Uapaca kirkiana de José João Tchamba e José Camonga Luís é uma texto entre Biologia e História. A nota de pesquisa traz um ensaio na compreensão e aprofundamento dos conhecimentos sobre os costumes dos povos da província da Huíla em relação a utilização dos recursos fitológicos tanto na alimentação como na medicina.

Soraia Santos em A coleção arqueológica do ISCED-Huíla: um projeto de investigação tem como proposta identificar os sítios arqueológicos levantados na região Sul de Angola, assim como, faz um trabalho de inventários, catalogação e estudo das coleções para a criação do Museu arqueológico vinculado ao ISCED-Huíla.

Em Experimentadores Marissa Moorman em Bonga´s transatlantic examina como o álbum Angola 74 produzido por Bonga contribuiu para invenção de uma angolanidade a partir das experiências de vida nos musseques de Luanda. O artigo faz uma interrelação entre música angolana e rotas urbanas transatlânticas.

Esta 15a edição traz também dois depoimentos. A moda como objeto de estudo em Luanda de Michelle Medrado e suas anotações de pesquisa, em agosto de 2018, em Angola. O depoimento evidencia a trajetória do figurino de telenovela como um objeto que nasce na narrativa ficcional e tem organizado trocas comerciais e culturais e como isso desdobrou um processo de situações e questionamentos sobre o fluxo temático da pesquisa. Peixes no deserto de Rodrigo Pires de Campos apresenta notas preliminares referentes a registros e reflexões feitos a partir da experiência do autor em sua primeira viagem à província do Namibe, Sul de Angola e a busca de conhecer mercados, principalmente, do comércio do peixe.

Encerrando o dossiê – Reflexões sobre e de Angola – inscrevendo saberes e pensamentos – temos duas entrevistas. Carmen Lucia Tindó Secco faz um diálogo com o escritor angolano Boaventura Cardoso. Enquanto, Aida Freudenthal apresenta-nos uma prosa com o engenheiro e político Fernando Pacheco.

A Revista Transversos tem nessa edição três artigos livres. Será Mbôngi’a ñgîndu a escola das Ciências políticas no antigo Kôngo? de Patrício Batsikama que discute o Mbôngi’a ñgîndu terá sido uma Escola onde se ensinava as Ciências Políticas. Laurindo Lussimo Rufino no texto Miwene-Kongo: a Instituição Teocráticoabsolutista do Reino do Kongo, no seu primeiro século de vida que discute a Instituição Miwene-Kongo e seus aspectos políticos-religiosos na fundação do Reino do Congo.

E o trabalho de Paulo José Assumpção dos Santos, Silvio de Almeida Carvalho Filho e Celeste Azulay Kelman no artigo Desafios do Ensino de História para alunos surdos em uma escola inclusive da Baixada Fluminense. No texto, os autores fazem um diagnóstico de como ocorre a inclusão escolar de alunos surdos a partir da perspectiva de professores de História de uma escola polo localizada no município de Duque de Caxias (RJ).

Convidamos a seguir os leitores e leitoras a descortinarem as próximas páginas. Esperamos, que os artigos inquietem, provoquem e sejam compartilhados. Boa leitura!

Helder Bahu (ISCED- Huíla)

Selma Pantoja (UNB)

Gustavo Sousa (INES)

Silvio Carvalho (UFRJ / UERJ)


BAHU, Helder; PANTOJA, Selma; SOUZA, Gustavo; CARVALHO, Silvio. Apresentação. Revista Transversos, Rio de Janeiro, n. 15, jan. / abr., 2019. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Minorias, poder, saberes e trocas culturais: do Império Romano ao medievo / Dimensões / 2019

Com imensa satisfação fazemos a apresentação desta coletânea internacional de artigos que constituem este dossiê em homenagem a uma musa dos medievalistas brasileiros e latino americanos – Adeline Rucquoi (França). A apresentação da pesquisadora ficou a cargo de dois colegas, e não seremos redundante. Seu brilho, sua obra e seu caráter justificariam uma terceira homenagem, mas a modéstia dela não nos permite este exagero.

Tudo começou no pós-doutorado do professor Sérgio Alberto Feldman no EHESS entre 2012 e 2013, em que foi tratado com carinho e imenso respeito e apresentado a pesquisadores diversos. Assim nos juntamos, Sérgio Alberto Feldman e Leni Ribeiro Leite, para homenageá-la nesta obra coletiva, e este é produto. Agradecemos a Dra. Patrícia Merlo, editora incansável da Revista Dimensões, ter aberto este nobre espaço de divulgação. Leia Mais

A produção dos saberes em língua portuguesa / História e Cultura / 2018

A relação entre a história e os diversos saberes e práticas científicas produzidos em cada época tem se tornado cada vez mais foco da atenção do historiador contemporâneo. Pensar os saberes científicos não apenas como meio de expressão da experiência humana, mas como objeto incontornável para entendermos a própria historicidade das formas de conhecimento e construção do passado, só se tornou possível a partir de uma redefinição dos rumos do conhecimento histórico. Este redimensionamento ampliou as possibilidades de se contar o passado e abriu o caminho para novas abordagens. Assim, o presente dossiê A produção dos saberes em língua portuguesa reúne trabalhos que exploram desde saberes que trataram das diversas doenças e tratamentos corpóreos, passando pela análise das formas pelas quais os homens atuaram no seu meio natural transformando-o, até trabalhos cujo enfoque foi justamente interrogar a historicidade do conhecimento, ou melhor, dos modos de conhecer as terras, os mares e até mesmo os céus.

Desde os séculos XI e XII, momento em que os saberes ganham um espaço institucional habitado por mestres ou pares, a preocupação com a definição de arte e ciência passa a ser matéria corrente para aqueles homens que se propuseram a registrar o passado, ou seja, a construção de novos parâmetros definidores dos domínios teóricos e práticos das diversas matérias torna-se peça-chave para pensar a produção do conhecimento. As ciências, nessa altura, fixaram-se ligadas ao conhecimento de caráter especulativo, que partia da crença na racionalidade e constância divina para deduzir as leis que regulavam a experiência terrena. Do mesmo modo, as artes foram concebidas como sinônimo de bem fazer e estiveram relacionadas à noção de execução de uma técnica, de uma ação que, em conformidade com a natureza, gerava ou restabelecia a harmonia dos corpos. Muito embora tais noções tenham sido retomadas da antiguidade, estas concepções de ciência e arte foram redefinidas em um ambiente outro, já que todo e qualquer conhecimento na Idade Média era proveniente de Deus, um Deus que os antigos desconheciam. É significativo dizer, inclusive, que a apropriação e difusão das noções de arte e ciência, apesar de não serem percebidas como uma unidade, estiveram no cerne da proposta dos letrados – ligada, por vezes, aos “estudos gerais” – de pensar a natureza dos saberes, suas relações, oposições e seu grau de participação na busca da verdade. Desse modo, tal interrogação foi muito significativa para definição de campos de estudo como a astronomia e a astrologia que, ainda no tempo das navegações, pendiam entre a ciência e a superstição, como mostra a autora Simone Ferreira Gomes de Almeida no seu Escritos sobre o céu para homens ao mar. Considerações e estudos sobre a astrologia e astronomia dos séculos XV e XVI.

Tal binômio, até o século XVIII, parece não ter tido suas fronteiras recortadas com nitidez, malgrado o saber científico tenha buscado se afirmar sobre novos parâmetros no Setecentos, ao deslocar do centro da análise a figura de Deus, especialmente com Kant na virada do século – que estabeleceu, grosso modo, a morte epistemológica de Deus e a ascensão do homem como sujeito do conhecimento. O Dicionário da Língua Portugueza, de Morais Silva, de 1789, por exemplo, trazia a seguinte definição de ciência e arte: a primeira seria o “conhecimento certo e evidente das cousas por suas causas; v.g., a geometria é uma ciência”; e a segunda seria a “coleção de regras, ou métodos de fazer: v.g., a arte de falar corretamente; a arte de ourivesaria, da carpintaria”, podendo ser tomada como sinônimo de artífice e artista. Pouco antes, M. D`Alembert, no Discurso Preliminar da Enciclopédia, afirmava que “a especulação e a prática constituíam a principal diferença que distinguia as ciências das artes”, ou seja, os saberes práticos estavam relacionados à arte e os saberes teóricos à ciência. Essa falta de delimitação entre a ciência e arte é perceptível, por exemplo, nos escritos arquitetônicos do século XVIII, como foi explorado por Luiza da Silva no artigo “Tratado da arquitetônica, ou arquitetura militar, ou fortificação das praças”: linguagens de defesa, de uma dimensão celestial a vitrúvio. Outros campos do conhecimento, como não poderia deixar de ser, também careciam de contornos mais definidos para se legitimarem, é o caso, por exemplo, da preparação dos remédios, ou a botica, que até o início do século XIX no Brasil, como analisa Viviane Machado Caminha, foi uma atividade quase exclusiva da Companhia de Jesus.

O presente dossiê traz, ainda, dois artigos que se ocupam do ocaso do século XVIII e do século XIX, momento em que a distinção entre arte e ciência se dará com mais precisão. É nesse cenário, pois, que o discurso científico se estabelece, fixa fronteiras entre o que seria “ciência” e “pseudociência” e define normas para qualificar a atuação de diferentes homens de saber, tais como médicos e farmacêuticos. Os artigo Saberes ocultos no Brasil Império: a arte da cura pelo magnetismo animal e a busca pela legitimidade, de Danielle Christine Othon Lacerda, e A produção de conhecimentos de José Pinto de Azeredo, físico-mor de Angola e 1º professor da primera escola médica de Angola, de 1791, parte integrante da rede de conhecimento úteis do Império Ultramarino Português, de Fernanda Ribeiro Rocha Fagundes, levantam justamente essas questões, partindo, porém, de ângulos opostos: no primeiro, uma prática considerada como pseudociência, a do magnetismo animal, ganha evidência e permite questionar a própria historicidade das formas de curar; no segundo, o discurso médico como ciência é destacado por meio dos escritos elaborados pelo célebre físico-mor José Pinto de Azeredo, personagem, cabe mencionar, fundamental na criação de uma rede conhecimentos úteis ao Império Ultramarino.

O dossiê A produção dos saberes em língua portuguesa, para finalizar, reúne, como o leitor observará, textos que tratam de diferentes registros e modos de produção dos saberes científicos, ou com pretensão a científicos. Essa variedade de objetos aqui abordados traz à tona a seguinte questão: quais os contornos e nuances das áreas ou matérias constituintes da construção do saber em cada época? Se o leitor não encontrar uma resposta robusta para a questão, dada a impossibilidade de tal empreitada em um dossiê, defrontará, ao menos, com algumas pistas para discutir tal problemática.

Desejamos a todos uma boa leitura!

Michelle Souza e Silva – Doutora pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP / Franca). Realiza, atualmente, estágio pós-doutoral financiado na Fundação Biblioteca Nacional (FBN). Autora, entre outros, de Ler e ser virtuoso no século XV (Editora UNESP, 2012) e de estudos sobre a medicina e o corpo. Membro do grupo Escritos sobre os Novos Mundos.

Milena da Silveira Pereira – Doutora em História pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) e professora do Programa de Pós-Graduação em História na mesma instituição. Realizou estágio pós-doutoral com financiamento do Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD / CAPES) na UNESP. Autora, entre outros, de A crítica que fez história: as associações literárias no Oitocentos (Editora UNESP, 2014), Insultos e Afagos: Sílvio Romero e os debates de seu tempo (Editora CRV, 2017) e organizadora, com Jean Marcel Carvalho França, de Por escrito: lições e relatos do mundo luso-brasileiro (EdUfscar, 2018). Membro da Association for Spanish and Portuguese Historical Studies (ASPHS) e do Grupo Escritos sobre os Novos Mundos.

As organizadoras.


SILVA, Michelle Souza e; PEREIRA, Milena da Silveira. Apresentação. História e Cultura. Franca, v.7, n.2, 2018. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

De las historias nacionales a las circulaciones globales: redes, prácticas y saberes entre América y Europa (siglos XIX y XX) | Claves – Revista de Historia | 2018

Como ha ocurrido con otros proclamados “giros” historiográficos, el enfoque global, en sus múltiples variantes, ha sido acompañado por una serie de declaraciones y manifiestos que remarcan su potencialidad ante otras escalas y formas de hacer Historia consideradas como arcaicas, provincianas o nacionalistas. Como sostuvo en un pasaje muy citado David Armitage, uno de los promotores más entusiastas de la llamada Historia Atlántica:

“[…] if you are not doing an explicitly transnational, international or global project, you now have to explain why you are not. There is now sufficient evidence from a sufficiently wide range of historiographies that these transnational connections have been determinative, influential and shaping throughout recorded human history, for about as long as we’ve known about it. The hegemony of national historiography is over”. 1 Leia Mais

Saberes na Idade Média Ibérica e no Ultramar / História Revista / 2013

Desde que iniciou suas atividades em 1996, a História Revista vem se destacando entre os periódicos científicos de História da região Centro-Oeste, obtendo conceito B1 na última avaliação do Qualis / CAPES. Continua com sua missão primeira que é constituir-se em um espaço plural de debates de idéias e de apresentação de novas pesquisas históricas.

Este número apresenta o Dossiê, Saberes na Idade Média Ibérica e no Ultramar, que reúne dez artigos resultantes das conferencias proferidas no VII Encontro LusoBrasileiro de Estudos Medievais, realizado entre 17 e 19 de outubro de 2012, na Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás. No contexto histórico medieval era quase impossível diferenciar claramente os limites entre as diversas esferas de saberes devido ao caráter integrado e relacional do conteúdo da cultura da Europa ocidental. Esste dossiê busca abranger alguns desses conhecimentos produzidos na Idade Média.

O saber educacional em suas diversas variantes agrupa cinco textos. O primeiro artigo, Saberes e sabedoria: a potencialidade das circunstancias num manual de educação do século XII, de autoria de Armando Martins, da Universidade de Lisboa, trata da análise de um manual de civilidade de Hugo de São Victor (séc. XII) adotado nos mosteiros crúzios urbanos de Lisboa e Coimbra nos século XII e XIII e depois na América portuguesa no século XVIII. As regras da boa educação eram também uma forma de perfeição da vida religiosa. O segundo, de Margarida Garcez Ventura, da Universidade de Lisboa, Espelhos de espelhos… D. Duarte na companhia de D. Afonso de Cartagena entre a cultura, a moral e a política, analisa a influencia do D. Afonso de Cartagena sobre o rei D. Duarte, seguindo a longa tradição dos Espelhos de Príncipes, manuais de educação virtuosa para os reis e seus filhos. O terceiro, O Espelho de Cristina (séc. XV) de Manuela Mendonça, da Academia Portuguesa de História e Iniversidade de Lisboa apresenta um manual de educação feminina do século XV, também conhecido como o Livro das Três Virtudes ou o Espelho de Cristina. Foi composto pela primeira mulher a exercer o ofício de escritora, Cristina de Pisano e mandado traduzir en lingoagen pela rainha D. Isabel, esposa de D. Afonso V para a leitura e formação moral das damas e princesas da sua corte. Continuou a ser lido pelas princesas e damas da corte de seu filho, o rei D. Duarte. O quarto artigo, Escrita e conversão na África central do século XVII: o Catecismo kikongo de 1624, de autoria de José Rivair Macedo, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, propõe-se a mostrar o impacto de um manual de catecismo em lingua kikongo, Doutrina Christam do Padre Marcos Jorge, traduzido e utilizado pelos jesuítas na evangelização e conversão dos povos do antigo reino do Congo no século XVII e depois irradiado para outros povos da África central. O quinto artigo, O saber e os saberes na legislação sinodal portuguesa na Idade Média, de Maria Alegria F. Marques, da Universidade de Coimbra, analisa as constituições sinodais portuguesas medievais e a maneira como elas foram articulando os diversos saberes relacionados ao múnus apostólico do clero. Mostra igualemnte as transigencias com algumas práticas que lhes eram interditas ou censuradas, tais como, a arte de advogar e o ofício de tabelião.

A seguir, outros saberes medievais são investigados e analisados. O sexto artigo do dossiê, Os saberes da medicina medieval, de Dulce Oliveira Amarante dos Santos, da Universidade Federal de Goiás apresenta a trajetória, ao longo da Idade Média, da medicina como uma arte prática para uma ciencia com reflexão teórica nos Estudos Gerais. Investiga suas relações contínuas com outros saberes da época, tais como a Filosofia natural, a Astrologia, a Teologia e a Alquimia. Localiza ainda os espaços do exercício da Medicina em Portugal: o mosteiro, a corte e a cidade. O sétimo artigo, Entre saberes e crenças: o mundo animal na Idade Média, de Maria Eurydice de Barros Ribeiro, da Universidade de Brasília pesquisa a construção dos saberes sobre o reino animal da natureza por intermédio da literatura dos bestiários. Esse gênero de texto com vasta iconografia reproduz com equilíbrio o saber e a crença acerca do universo “zoológico”. Os dois próximos artigos enfocam as fontes do saber histórico. Assim, o oitavo artigo, A seiva do passado no saber histórico português e castelhano (XIV-XV), de Susani Silveira Lemos França, da Universidade Estadual Paulista, UNESP-Franca centra-se na construção do saber histórico nas cronicas com o ordenamento do passado e suas experiencias como fonte de ensinamentos. No nono artigo, Fontes de “saber” nas crônicas medievais: Fernão Lopes, Julieta Araújo Esteves, da Universidade de Lisboa, procura desconstruir o saber histórico das cronicas de Fernão Lopes focalizando a diversidade de suas fontes antigas e medievais. O último artigo, Saberes guerreiros de índios e portugueses na formação do Brasil, de João Marinho dos Santos, da Universidade de Coimbra, constitui-se em uma investigação sobre os saberes práticos (tecnológicos) da guerra no ultramar americano, tanto dos colonizadores quanto dos indígenas. Ambos estavam submetidos aos desígnios da natureza do Novo Mundo e dependiam mais da propria observação e experiencia dos efeitos dos armamentos do que de uma ciencia teórica da guerra.

O presente número encerra-se com a seção de Resenha bibliográfica crítica com o texto de Philippe Delfino Sartin, mestre em História pela Universidade Federal de Goiás. Trata-se da análise da obra de autoria conjunta do antropólogo francês René Girard e do filósofo italiano Gianni Vattimo sobre os dilemas do cristianismo na pós-modernidade contemporânea.

Boa leitura a todos.

Dulce Oliveira Amarante dos Santos


SANTOS, Dulce Oliveira Amarante dos. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 18, n. 1, jan. / jun., 2013. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Historiografia em Perspectiva: Histórias, Projetos e Saberes / Revista de Teoria da História / 2012

Enquanto veículo de um pensamento histórico academicamente reconhecido – como discurso da disciplina da história – a historiografia é obrigada a lidar, sempre que se quer digna de crédito, com a postulação do seu próprio campo, justificando-se quanto a fundamentos, interesses e procedimentos, e fazendo-o conforme o seu ofício: fazendo história.

Em outras palavras: pari passo à incursão propriamente filosófica, e à análise oriunda de outros campos do saber – as contribuições da sociologia, da psicologia, da antropologia, da ciência política e da linguística, para nos atermos tão somente às humanidades – o empreendimento teórico, para os historiadores, inclui a perspectiva temporal: o levantamento de dados, a construção de um acervo, ou memória historiográfica, a genealogia e – talvez o exercício mais evidente – a história intelectual, dos saberes e das ideias. Leia Mais

História, Ciência e Saúde: práticas e saberes / Varia História / 2004

Estamos diante de um campo de pesquisa em expansão. A partir do cenário da História Cultural podemos identificar uma série de temas que se mesclam com as especificidades da História da Ciência. Desta fusão encontramos a história da ciência e suas interfaces culturais. Neste número da revista Varia História, no dossiê intitulado História, Ciência e Saúde: práticas e saberes apresentamos algumas das pesquisa que indicam as possibilidades analíticas na área.

A linha Ciência e Cultura na História, do Programa de Pós Graduação em História / UFMG, possui duas ênfases: a História Social da Ciência e a História das Idéias Científicas. Ao estabelecer essas duas ênfases de estruturação das pesquisas, não se busca conformá-las à tradicional dicotomia entre uma história interna da ciência e uma história externa da ciência. Pretende-se, através da mediação cultural, dissolver essa dicotomia, mudando o eixo do debate. Assim, a divisão dos trabalhos entre as duas ênfases complementares reflete muito mais uma dimensão metodológica do que propriamente uma perspectiva epistemológica.

As pesquisas em História Social da Ciência procuram analisar as diversas relações existentes entre a ciência e a sociedade. Os impasses entre a produção do conhecimento científico e a sociedade no seu contexto histórico é o objeto da análise. As investigações procuram refletir a construção social da ciência através de biografias, instituições, práticas, procedimentos, descobertas, rupturas.

As pesquisas em História das idéias Científicas procuram compreender, a partir das relações culturais, a formação dos conceitos e das idéias que caracterizam as teorias científicas em seus diversos contextos. Nesse sentido, não se trata de tomar idéias e conceitos científicos por eles mesmos, mas de compreender como os determinantes culturais desempenham um importante papel na formação dessas idéias e conceitos e na elaboração das teorias científicas.

Na linha de pesquisa Ciência e Cultura na História são realizados estudos que contemplam a formação e o desenvolvimento da ciência moderna, bem com, em particular, o surgimento e o desenvolvimento das ciências no Brasil.

O presente dossiê recortou como objeto a história da saúde e apresenta em seus 5 artigos um espectro bastante diversificado da produção na área.

O artigo de María Silvia Di Liscia aborda a intercessão entre a prática médica e a escola, a partir da discussão em torno da regeneração racial, no final do século XIX e primeiras décadas do século XX na Argentina. Além de apresentar a interface com a história da educação o artigo pode instigar análises comparativas entre Brasil e Argentina.

O artigo de Vera Marques Beltrão investiga um campo de análise inusitado: os manuais de divulgação de ciência, especificamente na área da saúde, no século XVIII. Está em discussão novamente a interface com a história da educação e a circulação de saberes na medida em que há uma apropriação do conhecimento acadêmico pela parcela da população distante dos espaços privilegiados de formação do saber.

A seguir o texto de Flávio Coelho Edler investiga a formação de conceitos na história da saúde, especialmente a sociologia de uma descoberta, em questão a ancilostomíase. O material de análise do autor são as publicações e os debates na área médica expressos entre os membros da Academia Imperial de Medicina e no periódico Gazeta Médica da Bahia. A investigação proposta por Edler permite vislumbrar um campo de análise promissor, mas ainda pouco explorado no Brasil.

Já o artigo de Yonissa Marmitt Wadi, de forma especial, discute o campo da psiquiatria fugindo da tradição das histórias institucionais ao privilegiar os paradoxos da vivência em uma instituição psiquiátrica. Os discursos e práticas médicas são abordados na medida que surgem não pela escrita médica (tratados, relatórios, compêndios, receituários), mas a partir da escrita da paciente que utiliza o pseudônimo de Pierina Cechini. O percurso que Yonissa Wadi nos apresenta é ao mesmo tempo fascinante e impressionante ao mesclar um relato pessoal que toca na temática das instituições asilares e suas repercussões sociais.

Encerra o dossiê o artigo de Henrique Carneiro “As plantas sagradas na história da América”. Nele o autor investiga as plantas sagradas das tradições indígenas de diferentes regiões das Américas.

História institucional, construção de conceitos na área da saúde, práticas médicas são alguns dos temas que apresentamos nesse dossiê. Como um campo em construção, novos dossiês deverão ser apresentados em breve com temáticas envolvendo a circulação do saber, a história das doenças e as concepções de corpo e saúde. Aguardamos sua colaboração.

Belo Horizonte, Julho / 2004

Betânia Gonçalves Figueiredo – Organizadora.


FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.20, n.32, jul., 2004. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê