A busca pela compreensão cósmica. São Carlos: EdUFSCar, 2010. Resenha de: VIEIRA, Rodrigo – OLIVEIRA (EPEC)

OLIVEIRA, Adilson J. A. A busca pela compreensão cósmica. São Carlos: EdUFSCar, 2010. Resenha de: VIEIRA, Rodrigo Drumond. A busca pela compreensão cósmica. Crônicas para despertar o interesse pela Física e a Ciência em geral. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v.13, n.02, p.189-192, mai./ago., 2011.

O livro em análise foi escrito por Adilson J. A. de Oliveira, professor do Departamento de Física da Universidade de São Carlos e responsável por vários projetos referentes à divulgação científica. O autor apresenta, logo nas primeiras páginas do prefácio, o fascínio que a Astronomia e a Ciência em geral lhe despertaram desde tenra idade. Carl Sagan, reconhecidamente um dos maiores divulgadores da Ciência do século XX, tem sua série para televisão “Cosmos” apontada como uma grande fonte de incentivo e estímulo para o autor na sua relação com o conhecimento científico.

Ainda no prefácio, o autor destaca que muitas vezes estamos sujeitos a um volume enorme de informações oriundas da mídia, internet, etc. O autor reconhece que a publicação deste livro de divulgação é importante pela possibilidade que oferece para uma leitura mais pausada e reflexiva sobre Ciência, favorecendo e complementando o entendimento das pessoas sobre o que é e para que serve este empreendimento humano, tão presente e necessário no cotidiano de todos.

A obra é composta por “crônicas” sobre diversos temas de Ciência, em especial sobre Astronomia e Física, que foram publicadas originalmente em sites do AOL, Web São-Carlos e ClickCiência. As “crônicas” foram publicadas e escritas em épocas diferentes e a sua organização neste livro segue um padrão recursivo, em que uma mesma ideia é abordada segundo diferentes contextualizações, como é o caso da Teoria da Relatividade Especial. Essa “recursividade contextualizada” facilita a compreensão do leitor das temáticas abordadas. As crônicas foram agrupadas segundo campos específicos, como em “Crônicas sobre o Saber”, “Crônicas sobre a Matéria”, “Crônicas sobre o Cosmos”, “Crônicas sobre o Espaço e Tempo” e “Crônicas sobre a Vida”. Apesar dessa estrutura, as crônicas são independentes e podem ser lidas em qualquer ordem.

Em “Crônicas sobre o Saber”, o autor inicialmente desenvolve argumentos a favor da importância do entendimento do conhecimento científico por todas as pessoas. O caráter essencialmente humano da Ciência é discutido com exemplos, inclusive de fraudes, as quais resultam de ambições pessoais dos cientistas.

O autor prossegue fazendo apologia ao conhecimento básico como forma de evitar engodos na navegação da web, em um momento em que temos a disposição uma vastidão de conhecimentos sem, entretanto, que todo esse conhecimento tenha compromisso com a sua confiabilidade. As mecânicas newtoniana, relativística e quântica são introduzidas segundo seus campos de aplicação e a teoria das supercordas é apresentada como uma possível síntese de “tudo”. O autor adverte ainda que, apesar da coerência interna dessa nova abordagem teórica, ela ainda carece de comprovação empírica. Com o exemplo da teoria heliocêntrica, o autor aborda a questão da temporalidade que uma ideia ou teoria necessita para ser aceita, tendo como obstáculos os dogmas da igreja e outras constrições. Esse conjunto de crônicas é finalizado com a opinião de que o conhecimento pode ser uma solução para medos, apesar de sempre lidarmos com incertezas, inclusive na Ciência, como é apontado para o caso do princípio da incerteza na mecânica quântica.

Em “Crônicas sobre a Matéria”, são abordados inicialmente temas como o papel da imaginação na Ciência, a revolução tecnológica atual com o advento da nanotecnologia e as supercordas como suposta teoria unificadora. O autor discute a importância do Sol para a manutenção do ciclo da vida na Terra, introduzindo elementos de conhecimento do campo da Biologia. A natureza dual da luz e a importância dos elétrons na vida contemporânea são alguns dos exemplos que o autor utiliza para introduzir elementos da Física do século XX.

O magnetismo e o spin são apresentados como promissores de novas tecnologias em processamento e armazenamento de dados. Na sequência o autor aborda a questão do aumento constante da entropia do universo, o que resulta em uma concepção sobre o seu destino. O histórico de descoberta dos planetas e seu batismo com nomes de deuses é traçado e a lenda de Ícaro é apresentada como metáfora para os riscos inerentes à conquista espacial, a qual é comparada com o advento das grandes navegações. Na sequência, o autor explica como as estrelas podem ser usadas como fontes de referência, além de apresentar os diversos estágios que as estrelas percorrem ao longo de sua vida. A origem do universo sob as perspectivas da mecânica newtoniana e relativística são discutidas e descobertas do século XX são apresentadas como evidência para a solução relativística. Finalizando essas crônicas, o autor apresenta a problemática do mistério da escuridão noturna, a qual é atribuída à finitude e inflação do universo.

Em “Crônicas sobre o Espaço e Tempo”, o autor mostra como as ideias de Newton foram influentes, posteriormente questionadas, e, não obstante o seu questionamento, é salientado que elas ainda possuem um amplo campo da aplicação na sociedade contemporânea. Os cinco artigos que Einstein publicou no início do século XX são introduzidos, e o autor dá ênfase à Teoria da Relatividade Especial e suas consequências para o nosso entendimento sobre espaço e tempo. Ainda referindo-se ao trabalho de Einstein, o autor apresenta as implicações da revolucionária equação E=mc2, e a sua aplicabilidade no entendimento dos processos de fusão e fissão nuclear. A seguir, são apresentados os princípios básicos da Teoria da Relatividade Geral, dando-se destaque ao princípio de equivalência. O autor explica que essa teoria foi validada em 1919 com observações de estrelas em uma situação de eclipse solar, as quais foram realizadas em Sobral, Ceará, e nas Ilhas Príncipe, África. Finalizando esse conjunto de crônicas, as incríveis velocidades atingidas por naves espaciais são comparadas com a intangível velocidade da luz; o tempo contínuo e a possibilidade de discretizá-lo são apresentados; a motivação para discretizar o tempo é traçada tendo em conta a tentativa de obter uma descrição mais completa dos fenômenos físicos, superando a incompatibilidade no nível microscópico entre mecânica quântica e relatividade.

Em “Crônicas sobre a Vida”, o autor foca inicialmente a Física das competições esportivas, explicando como o entendimento de Física ajuda a superar os limites humanos. Tais limites também são explorados quando o autor aborda a questão dos super-heróis e a implausibilidade física dos seus superpoderes no universo em que vivemos. A importância da água para a criação e manutenção da vida é abordada, juntamente com a necessidade de consumo de energia de alta qualidade. Finalizando esse conjunto de crônicas, a estrutura e função do DNA são apresentadas como condição para a emergência da vida tal como a conhecemos.

Em “Uma Última Crônica”, o autor reflete sobre os capítulos precedentes e advoga que o saber científico é um dos mais bem sucedidos empreendimentos da humanidade. O autor finaliza o livro reforçando a ideia de que o acesso ao conhecimento científico, mesmo que parcial, é importante para todas as pessoas.

O conjunto da obra é acessível ao público universitário iniciante e a pessoas que já têm inclinação e interesse por Ciências. Devido ao seu linguajar simples, à recursividade e à contextualização dos temas abordados, o livro permite também que professores do Ensino Médio o utilizem como fonte complementar de referência para suas aulas. Nesse sentido, o livro avança o campo de divulgação de ideias consideradas “contrasensuais” e de difícil entendimento, como os princípios da mecânica quântica e da relatividade, e suas consequências para o nosso entendimento do universo e da nossa relação com ele.

Resta questionar se o Ensino Fundamental e a Educação de Jovens e Adultos, devido às suas peculiaridades, podem também se favorecer com o livro.

Esse questionamento é relevante, já que os trabalhos de divulgação científica sempre pressupõem um público específico. Ideias como o “princípio da incerteza” e “dilatação do tempo” são desafiadoras e carecem de divulgação apropriada para o Ensino Fundamental e jovens e adultos que deixaram os estudos há muito tempo e estão novamente retomando sua formação básica.

Rodrigo Drumond Vieira – Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação (FaE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: [email protected]

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Astronomia em Camões – MOURÃO (EPEC)

MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. Astronomia em Camões. São Paulo: Lacerda Editores, 1998. 166 p. Resenha de: RIBEIRO, Juliana. Os vários céus de Camões. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v.12, n.02, p.281-286, mai./ago. 2010.

Abre parênteses: In(certezas) Tudo indica que tenha nascido em Portugal, entre 1517-1525. Alguns registros apontam, veementemente, que o ano exato do seu nascimento é 1524.

Sem muita clareza, acredita-se que tenha pertencido à pequena nobreza, que estudou Humanidades em Coimbra, que perdeu o olho direito em um combate – depois de ter ofendido certa dama da corte.

Foi preso, embarcou em uma expedição para a Índia e, ao tentar regressar, foi vítima de um naufrágio na foz do Rio Mecom. Sobreviveu às suas impetuosas correntezas, nadando com apenas um braço – já que o outro se manteve erguido, incansavelmente, velando pela ode que o imortalizou.

Viveu miseravelmente em Moçambique, até ser encontrado pelo amigo Diogo do Couto, que deixou registrado: “tão pobre, que vivia de amigos”.

Retornou a Lisboa e, após alguns contatos com o rei D. Sebastião, publicou Os Lusíadas, em 1572.

Faleceu em 1580, tornando-se o Príncipe dos Poetas.

Fecha parênteses: Veracidades Apesar do vasto imaginário que existe em torno da vida de Luís Vaz de Camões, com toda fidúcia, pode-se afirmar que sua obra transgride a égide de seu tempo.

Com linguagem prodigiosa e singular, o poeta estabelece uma relação indissociável entre as mais diferentes instâncias de sua época: o povo português, os amores, as misérias, as guerras, os desbravamentos, as descobertas científicas – tudo está intrínseco em seu discurso: ora heroico e extasiado, ora empolgante e profético, ora lastimoso e melancólico.

Ficção e realidade mesclam-se perfeitamente e, juntas, abrolham uma linguagem que reflete – acima de tudo – um recorte da história de uma estação, com todas as suas mazelas, conquistas e descobertas.

Sustentação: Camões e a Astronomia “O melhor método para conhecer a cultura científica de uma determinada época é estudar as obras literárias e/ou as publicações não especializadas que se utilizavam do conhecimento científico ensinado nas universidades daquele período”. Com essas palavras, o pesquisador e astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão inicia seu paralelo sobre os pormenores do principal poema épico da contemporaneidade – Os Lusíadas, em A astronomia em Camões –, e o conhecimento que especialistas daquele tempo detinham acerca do universo.

A epopeia, estruturada em dez cantos, apresenta uma linguagem vigorosamente metafórica, que reflete uma perspectiva bastante singular e embasada nas ideias astronômicas que vigoravam no século XVI.

Camões, assim como a maior parte dos cientistas daquele momento, possuía visão cosmogônica do mundo, que corroborava com a premissa de que a origem do universo estava associada às lendas, religiões, mitologias e teorias científicas. Talvez seja este o motivo que o levou a adotar, em sua principal obra, os preceitos instituídos pelo sistema proposto pelo astrônomo grego Ptolomeu – benquisto pela igreja, pelos teólogos e pela corte europeia renascentista, com seus 11 céus e o inseparável vínculo com a astrologia.

Ptolomeu propôs um sistema cosmológico, onde a Terra estaria no centro do universo e os outros corpos celestes descreveriam movimentos circulares uniformes ao seu redor. Esses movimentos eram perfeitos, sempre idênticos, fechados sobre si mesmos e, sobretudo, sem início e fim.

Tais movimentos – principalmente os realizados pelos planetas, que também eram chamados de estrelas – constituem objetos de estudo dos astrônomos.

Assim, eles instituíram os sistemas de círculos ou esferas, que compreendiam uma esfera principal, associada às secundárias. Era a esfera principal – ou céu, como Camões descreve em Os Lusíadas, a base para os movimentos dos círculos menores que compunham todo o universo.

Céus de Camões A morada do criador, dos espíritos virtuosos, dos justos, santos e anjos era chamada de Céu Empírio – o maior e mais distante. Impossível de ser visto da Terra, foi revelado ao ser humano pelos textos sagrados.

Referência contínua nas explanações dos poetas, teólogos e filósofos, este céu envolvia todos os outros. De maneira eloquente, é apresentado no Canto X do poema camoniano, como o destino dos merecedores da salvação eterna.

Este orbe que, primeiro, vai cercando Os outros mais pequenos que em si tem, Que está com luz tão clara radiando Que a vista cega e a mente vil também, Empíreo se nomeia, onde logrando Puras almas estão daquele Bem Tamanho, que Ele só se entende e alcança, De quem não há no mundo semelhança. (Lus., X)

Já o abrigo dos doze signos e do Zodíaco, chamado Primeiro Móvel, era grande, veloz e virtuoso. Capaz de mover todos os outros céus que estavam situados abaixo, ficou conhecido como a mais nobre de todas as esferas.

Enfim que o sumo Deus, que por segundas Causas obra no Mundo, tudo manda.

E, tornando a contar-te das profundas Obras da Mão Divina veneranda:

Debaixo deste círculo, onde as mundas Almas divinas gozam, que não anda, Outro corre, tão leve e tão ligeiro, Que não se enxerga: é o Móbile primeiro. (Lus., X)

Transparente e límpido era o Cristalino e, na maior distância onde os olhos alcançam, estava o Firmamento. Repleto de estrelas – fruto da dádiva divina.

A mais importante era o Sol – claro olho do céu e repleto de luz própria.

Debaixo deste grande Firmamento Vês o céu de Saturno, Deus antigo; Júpiter logo faz movimento, E Marte abaixo, bélico inimigo; O claro Olho do céu, no quarto assento, E Vênus, que os amores traz consigo; Mercúrio, de eloquência soberana; Com três rostos, debaixo vai Diana. (Lus., X 89).

Em contrapartida, havia a Lua. Há quem acredite, ainda hoje, que sobre uma grande colina, é possível tocá-la. Majestosa, tornou-se inspiração de poetas. Instigante, é símbolo de culto e adoração de diversos povos. Apesar de os avanços científicos terem-na reduzido a satélite – sem luz própria – a pujança de sua existência se entrelaça aos destinos humanos.

Em Os Lusíadas, a Lua media o intervalo de tempo. Suas fases apontavam, com precisão, a saga portuguesa a caminho das Índias. Seus intervalos elucidavam partidas e chegadas.

No Canto V, Camões narra a partida da armada no dia 8 de julho de 1947, em Lisboa, até o desembarque na Baía de Santa Helena, no dia 4 de novembro. Nos quatro meses decorridos, a Lua passou cinco vezes de quarto crescente à cheia – passando “de meio rosto para rosto inteiro”, e estabelecendo o tempo da viagem de Vasco da Gama.

Mas já o Planeta que no céu primeiro Habita, cinco vezes apressada, Agora meio rosto, agora meio inteiro, Mostrara, enquanto o mar cortava a armada, Quando da etérea gávea um marinheiro Pronta coa vista: “Terra! Terra!” brada: Salta no bordo alvoroçada a gente Cós olhos no Horizonte do Oriente (Lus., V) Entre os proeminentes estudiosos e admiradores da obra camoniana, o pesquisador e astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas destaca-se por essas e outras referências que apontam que o poeta quinhentista não poderia ter se baseado apenas em sua experiência e em leituras secundárias para associar – com tanta magnitude e acuidade – as descobertas astronômicas da época com sua narrativa.

A precisão com que construiu, no Canto X, a grande Máquina do Mundo aponta difíceis conceitos astronômicos. As constelações conhecidas – ainda hoje – já estavam presentes, de maneira magistral, na obra do poeta.

Olha por outras partes a pintura Que as Estrelas fulgentes vão fazendo: Olha a Carreta, atenta a Cinosura, Andrómeda e seu pai, e o Drago horrendo; Vê de Cassiopeia a formosura E do Oriente o gesto turbulento; Olha o Cisne morrendo que suspira, A Lebre e os Cães, a Nau e a doce Lira.

(Lus., X) Seria o Príncipe dos Poetas também um astrônomo? Esta pergunta, assim como tantas outras, irão complementar o imaginário que é traçado acerca da vida deste que foi, indiscutivelmente, um dos maiores escritores de todos os tempos.

Juliana RibeiroMestranda em Estudos de Linguagens pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET/MG).

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