Catolicismos e conservadorismos nos séculos XIX e XX / Revista Brasileira de História das Religiões / 2019

A presente Chamada Temática faz parte dos esforços da Rede de Pesquisa História e Catolicismo no Mundo Contemporâneo (RHC) em agregar estudos que tragam contribuições sobre as diversas expressões históricas do catolicismo. Nestes termos, os objetos estudados se voltam para a reflexão sobre problemáticas concernentes à instituição Igreja Católica, à atuação de grupos, movimentos, partidos, ideias, agentes, que por algum meio estejam ligados à visão de mundo do catolicismo no Brasil.

Os textos reunidos revelam, em suas singularidades e, ao mesmo tempo, em suas articulações na perspectiva histórica, o que alguns autores identificam como processos tidos alguns como rejeição e outros enquanto integração do catolicismo a uma modernidade que se pretendia, teoricamente, secularizada. E, demonstram um processo mais amplo dentro do qual comunidades religiosas desenvolvem estratégias de permanência e reflorescimento em face aos desafios de um mundo em transformação.

No tocante à Igreja Católica, se inicialmente as suas posturas foram de rejeição aos elementos que entendera serem parte de uma modernidade, mais adiante houve a virada na direção de uma relativa harmonia ou aggiornamento com o mundo moderno, fazendo emprego progressivo de muitos dos seus instrumentos. É o que argumenta Peter Berger (2001) ao lançar também a tese de que a cena religiosa internacional contemporânea se revelou amplamente contraditória no tocante à associação do binômio modernização e secularização. A complexidade revestiu-se de especial importância a se considerar igualmente que dentro deste cenário várias expressões do sagrado continuaram a ser reveladas em instituições, movimentos, grupos e ou mesmo singularidades, sejam aqueles de natureza conservadora ou mesmo progressista. Houve, ao mesmo tempo, refluxos e novas reconfigurações das religiões, o que se observa, por exemplo, nas permanências e fortalecimentos dos integrismos concomitantemente à pluralidade de visões e adesões religiosos e composições pessoais. O adensamento se amplia ao considerarmos as implicações da busca por certezas, bem como ao nos depararmos com as inseguranças de um tempo fragmentado e relativo. Merece destaque igualmente o peso dos fenômenos na História e os processos de historicização nas escalas espaço-temporais, entre o regional, o nacional e o internacional.

Como já se disse há tempos, os fenômenos religiosos, do ponto de vista temporal, pertencem ao longo prazo e as suas transformações são lentas no que se referem “aos hábitos adquiridos e à visão de mundo” (DUPRONT, 1976). O interesse da História está também neste ponto. Como diria o clássico estudo de Dominique Julia “há uma continuidade de ida e de volta, uma infinidade de reações entre os fenômenos religiosos, a posição dos indivíduos no interior da sociedade e os sistemas religiosos desses indivíduos” (JULIA, 1976).

Não é demais chamar a atenção para as discussões, não tão recentes, sobre as regiões fronteiriças, por exemplo, entre religião e política, porquanto restam poucas dúvidas de que “a escolha dos modos de expressão religiosa é reveladora em si de atitudes políticas pois os modos de expressão são portadores seja de autonomia e de liberdade individual, seja de submissão e de fidelidade” (DONEGANI, 1998). E, no tocante ao catolicismo, nunca é demais lembrar que eu seu seio há uma pluralidade de correntes religiosas com visões de mundo tão diferentes como, por vezes, opostas.

Os textos que compõem o dossiê trabalham objetos que relevam a referida pluralidade de correntes ligadas direta ou indiretamente à Igreja Católica e às múltiplas expressões do catolicismo. Em ‘A cruzada ultramontana contra os erros da modernidade’, Ana Rosa Cloclet da Silva e Thais da Rocha Carvalho investigam o discurso do jornal O Apóstolo, por elas classificado como ultramontano, diante do debate sobre modernidade e secularização, com o objetivo de demonstrar como as práticas discursivas do referido periódico propugnavam um lugar central da religião na sociedade brasileira.

O texto ‘Tem festa de negro em Belo Horizonte: a proibição do Reinado pela Igreja Católica no início do século XX’, é de autoria de Wanessa Pires Lot. Nele a autora procura problematizar a relação entre a Igreja Católica e o poder civil local na recém-criada cidade de Belo Horizonte, tomando como objeto de estudo a proibição à manifestação do Reinado na capital mineira.

O artigo seguinte, de Ipojucan Dias Campos, tem como título ‘A fabricação do medo: catolicismo, casamento civil e divórcio (Belém-PA, 1915)’, toma como ponto de análise o debate em torno de alguns dos temas de grande impacto e complexidade no cenário histórico de princípios do século XX, tendo como estudo de caso a cidade de Belém. Na visão do autor, para manter a sua hegemonia na sociedade local os dirigentes católicos usaram o medo como forma para a desqualificação das funções da união cartorial.

Marcos Jovino Asturian, em ‘A influência dos postulados da Liga Eleitoral Católica (LEC) no processo eleitoral sul-rio-grandense (1946 / 1947)’, se dedica ao estudo da atuação da Liga Eleitoral Católica junto ao processo eleitoral para o governo estadual, particularmente no quadro político-partidário que opunha o PSD ao PTB. Suas fontes primárias, o Correio do Povo e o Diário de Notícias, lhe possibilitam um olhar atento acerca de parte importante das representações construídas por tais periódicos a respeito do referido processo.

No escrito que fecha o dossiê, ‘Frei Constantino Koser: uma face do conservadorismo católico na abertura do Concílio Vaticano II’, as historiadoras Patrícia Carla de Melo Martins e Rosângela Wosiack Zulian voltam os seus olhares para o que denominam de “compreensão teológica” levada à efeito pelo frei Contantino Koser durante o Concílio Vaticano II. Nesta perspectiva, as autoras compreendem os textos de frei Koser voltados para a educação e a ação social enquanto portadores de uma proposta de relação entre a Igreja e a Sociedade.

Com o dossiê em questão esperamos poder contribuir para o fortalecimento dos estudos sobre o catolicismo no Brasil, em suas múltiplas expressões, sempre atentos para o fato de que uma das tarefas do estudioso das religiões, em especial do historiador voltado a pensar o catolicismo, é analisá-lo nas durações, considerando os instrumentais oferecidos pelos campos disciplinares, e procurando dar densidade histórica e teórica às trocas, mediações e relações de interdependência (COUTROT, 2003).

A edição traz ainda artigos livres que versam sobre assuntos diversos, evidenciando a pluralidade dos estudos concernentes às religiões, bem como as opções teórico-metodológicas passíveis de mobilização para o estudo do religioso.

Referências

BERGER, Peter. A dessecularização do mundo: Uma visão global. In: Religião e Sociedade. Rio de Janeiro: n. 21 / 1, 2001. P. 9-23.

COUTROT, Aline. Religião e Política. In: RÉMOND, René (Org.) Por uma história política. 2.Ed. Rio de Janeiro: Ed.FGV, 2003. p.331-363.

DONEGANI, Jean-Marie. Réligion et politique: de la séparations des instances à l’indécision des frontières. In: BERSTEIN, Serge; MILZA, Pierre (dir.) Axes et methodes de l’histoire politique. Paris: PUF, 1998. P.73-89.

DUPRONT, Alphonse. A religião: Antropologia religiosa. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. (Dir.) História: novas abordagens. Rio de Janeiro: Francisco Alves,1976. P.83-105.

JULIA, Dominique. A religião: História religiosa. In: In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. (Dir.) História: novas abordagens. Trad. Henrique Mesquita. Rio de Janeiro: Francisco Alves,1976. P.106-131

Cândido Moreira Rodrigues

Renato Amado Peixoto

Rodrigo Coppe Caldeira


RODRIGUES, Cândido Moreira; PEIXOTO, Renato Amado; CALDEIRA, Rodrigo Coppe. Apresentação. Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, v.12, n.35, set. / dez. 2019. Acessar publicação original [DR]

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Catolicismo e Política nos séculos XX e XXI / Revista Brasileira de História das Religiões / 2016

Este dossiê é fruto dos esforços reunidos na Rede de Pesquisa História e Catolicismo no Mundo Contemporâneo (RHC), criada por Renato Amado Peixoto, Gizele Zanotto, Cândido Rodrigues e Rodrigo Coppe Caldeira em meados de 2015. Procuramos juntar aqui vários historiadores ligados à RHC que apresentam o resultado de suas pesquisas, levadas a cabo em instituições de diferentes regiões do Brasil, do Chile, da Argentina e da França.

Esta amostra revela não apenas uma riqueza de objetos de estudo, mas também de diferentes aproximações históricas no fazer teórico-metodológico dos artigos. Noutras palavras, pensamos que o presente dossiê traz contribuições interessantes ao campo de estudos do catolicismo no século XX ao mesmo tempo em que se constitui em mais um passo importante rumo à consolidação da RHC, na medida em que se integra ao esforço de produção das coletâneas “Catolicismos e sociabilidade intelectual no Brasil e na Argentina”, lançado em 2014 e “Manifestações do pensamento católico na América do Sul”, de 2015.

Os variados objetos de pesquisa aqui presentes, estudados em temporalidades e espacialidades históricas diversas, expressam a atualidade e a proficuidade das abordagens que se voltam para pensar as relações entre as formas de manifestação do catolicismo com a política e o político. Da leitura do conjunto dos textos o leitor poderá dialogar com temas, objetivos, fontes e abordagens as mais singulares, mas que guardam entre si os liames do pensar essa interface nos séculos XX e XXI.

Poder-se-á notar que as preocupações dos diferentes autores e objetos aqui tratados se voltam, em termos gerais, a pensar as relações entre a História das Religiões e a História Política, importante e controverso problema que interessa não apenas aos seus pesquisadores, mas também a todo o campo da História, uma vez que nos permite aventar aproximações, conceitos e métodos para a compreensão e explicação do tempo presente,

Nesse sentido, os integrantes do dossiê “Catolicismo e Política nos séculos XX e XXI” privilegiaram certos aspectos dessas interações, tais como o estudo das atuações de agentes importantes à hierarquia ou ao laicato da Igreja Católica no Brasil. Este é o foco do artigo de Milton Carlos Costa sobre Dom Antônio Macedo Costa e a sua “teologia do poder”; do estudo de Carlos André Silva de Moura a respeito de Dom Sebastião Leme e o seu projeto de “politização do clero”; das reflexões de Rogério Luiz de Souza e Edison Lucas Fabrício sobre Leonel Franca e as relações entre modernidade e totalitarismo; do artigo de Leandro Garcia Rodrigues acerca das trocas de missivas entre Frei Betto, Leonardo Boff e Alceu Amoroso Lima em tempos de ditadura e repressão política.

Um segundo conjunto de textos volta o seu olhar analítico para pensar as manifestações das relações entre catolicismo e política expressas em jornais, revistas e movimentos. Este é o caso do estudo de Rodrigo Coppe Caldeira e Albert Drummond acerca da questão da imoralidade nas páginas de O Diário Católico; da análise de Ianko Bett sobre a Revista Catolicismo e o anticomunismo; do artigo teórico-metodológico de Renato Amado Peixoto sobre o conceito de colusão e a sua aplicação no exame da relação entre o catolicismo e a extrema direita, no caso da criação da Ação Integralista norte-rio-grandense; do artigo de Omar Acha revelando as atividades da Ação Católica Argentina por meio da política associativa nas décadas de 1930-1970;

O último conjunto de artigos trabalha com as relações objetivas entre catolicismo e a política partidária. Isabelle Clavel aborda, a democracia-cristã na França através do exame do Movimento Republicano Popular (MRP) e das suas metamorfoses frente à realpolitik, à cultura política republicana e à laicidade. Por sua vez, Marcos Fernández Labbé analisa a democracia cristã chilena dando especial atenção ao desenvolvimento histórico do pensamento católico em torno da ação política e laica na década de 1960.

Desse conjunto de autores, textos e abordagens o leitor poderá extrair as linhas de contato, as singularidades, as rupturas e também as permanências entre as diversas expressões do catolicismo em suas relações com a política e o político.

Vale ressaltar que se aponta que o campo ainda se ressente da falta de novos investimentos, mesmo que a ‘Nova História Política’ já tenha sinalizado, há várias décadas, a abertura de possibilidades e sinalizado outros métodos, aproximações teóricas e enfoques, e que, mais recentemente, a ‘Critical Religion’ e, especialmente, a ‘virada pós-secularismo’ tenham apontado novas perspectivas para se ressituar as relações entre o religioso e o político. Finalizando a edição temos os artigos livres e uma resenha que tematizam relações entre as crenças e os discursos religiosos.

Maio de 2016

Cândido Rodrigues, Renato Amado Peixoto e Rodrigo Coppe Caldeira.


RODRIGUES, Cândido; PEIXOTO, Renato Amado; CALDEIRA, Rodrigo Coppe. Apresentação. Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, v.9, n.25, maio / ago., 2016. Acessar publicação original [DR]

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Facetas do Tradicionalismo Católico no Brasil / Revista Brasileira de História das Religiões / 2013

Há muito tempo o tema do tradicionalismo católico foi relegado pelos estudiosos ao segundo plano no Brasil. Personagens históricos como Geraldo de Proença Sigaud, Antônio de Castro Mayer, Antônio Mazzarotto, Gustavo Corção, Plínio Corrêa de Oliveira, entre outros, foram postos no ostracismo da história do catolicismo brasileiro. Contextualmente, os tradicionalismos católicos – também chamados de integrismos e conservadorismos – originaram-se no século XIX no interior de grupos clericais e leigos em reação à ascensão de um catolicismo progressista, calcado em premissas da Revolução Francesa e das perspectivas abertas pela ciência moderna.

Em geral, os tradicionalistas baseiam seu pensamento político-religioso em documentos do Concílio de Trento (1543-1563) e em documentos de santos, filósofos, teólogos e pontífices que se destacaram pela crítica ou mesmo pela recusa do mundo moderno, principalmente os pontificados antiliberais do século XIX. Dessa forma, tais grupos formaram-se em oposição a outros, defensores de mudanças expressivas na vivência da fé, na interpretação da mensagem revelada e na atuação mais engajada em assuntos político-sociais (os chamados catolicismos moderno, progressista ou social).

É mister indicar que essa tendência do catolicismo contemporâneo não foi estudada em sua profundidade, principalmente no Brasil. Preocupados com as novas formas de atuação política, que convidavam os cristãos a uma atitude prática frente à vida social do país e que levaram à proximidade com a esquerda política, muitos estudiosos viam nesses personagens a encarnação do que havia de mais retrógrado e reacionário, e, por isso, não mereciam nem mesmo o olhar da academia. Contudo, nesse átimo histórico, esses mesmos personagens tradicionalistas e o pensamento vinculado a eles retornam como fantasmas quando o então papa Bento XVI tomou atitudes como o moto proprio Summorum Pontificum Cura, fazendo emergir questões de fundo que muitos achavam esquecidas ou superadas: a presença do latim na liturgia, a busca de uma fidelidade mais profunda ao Sumo Pontífice e o questionamento a qualquer tipo de transigência com a modernidade e seus valores.

Para muitos a situação configura-se como a de um retorno a modos de vivência e expressão de fé tidas como incompatíveis com os “tempos modernos”, mas que, num olhar atento, evidenciam sua permanência – mesmo que às margens da teologia dominante – e, por que não, sua consistência teológica. Dessa forma, o dossiê Facetas do tradicionalismo católico no Brasil visa responder às necessidades historiográficas e conjunturais que, indubitavelmente, se impõem. Por iniciativa de um grupo de pesquisadores que estudam o tema mais detidamente, a obra visa demonstrar, sob várias perspectivas e olhares, alguns momentos importantes da história do tradicionalismo católico brasileiro.

O professor Ivan A. Manoel, no instigante texto que inicia esta coletânea, se propõe a discutir as origens do tradicionalismo católico, atentando para o fato de que as religiões – não somente a católica – são essencialmente tradicionalistas, no sentido de que a conservação da tradição está no fundamento de qualquer crença religiosa. O catolicismo é uma religião que está ancorada na tradição judaico-cristã e luta intensamente para preservar e reproduzir, especialmente quando se trata de conservar seu lugar destacado nas sociedades em que têm ou tiveram ascendência em dado contexto histórico. No ensaio “Origens do tradicionalismo católico: um ensaio de interpretação”, Manoel defenderá a tese de que o tradicionalismo católico, visando justamente manter e / ou forjar uma tradição, produziu uma concepção de história ancorada nos conceitos retilinear e pendular do processo histórico. A análise da doutrina elaborada pelo tradicionalismo bem como de suas implicações práticas e conceituais é o foco do texto em questão.

O vínculo intelectual entre o pensamento conservador tradicionalista ou conservador contrarrevolucionário e a Revolução Francesa é o mote de análise do texto “Expoentes do pensamento conservador: conservadores tradicionalistas e contrarrevolucionários”, de Cândido Moreira Rodrigues. Lançando luzes ao pensamento de Joseph de Maistre, Louis de Bonald, Juan Donoso-Cortés e Edmund Burke, o autor apresenta os elementos de condenação desses intelectuais à Revolução Francesa e aos seus desdobramentos, enfatizando como tais consequências afetaram o pensamento e a vivência católicos contemporâneos e sucessórios de forma indelével. Evidenciando que fora, sobretudo, a partir desses pensadores que se pautou o pensamento católico conservador dos séculos XIX e XX, Rodrigues finda o texto evidenciando a atualidade do debate mais pormenorizado sobre as próprias raízes do ideário do tradicionalismo católico contemporâneo.

Patrícia Carla de Melo Martins, por sua vez, atenta para a normatização religiosa pautada pelo ideário do tradicionalismo católico, com base na análise de regulamentos instaurados durante o bispado de Dom Antônio Joaquim de Melo (1831-1861) no contexto paulista. No artigo “Moralidade e tradicionalismo católico no século XIX: Códigos de conduta do Seminário Episcopal de São Paulo”, a autora destaca a importância das reformas efetivadas no Seminário Episcopal de São Paulo que, de certa forma, acabaram por refletir a própria reforma conservadora do clero paulistano.

A proposta da professora Tereza Malatian no ensaio “Tradicionalismo monarquista (1928-1945)” é discutir as relações existentes entre a doutrina católica conservadora e o contexto de renovação cristã vigente a partir dos anos 1920 com a formação e atuação dos membros da Ação Imperial Patrianovista Brasileira (AIPB), entidade que reuniu um grupo de intelectuais preocupados em analisar as relações entre Igreja e Estado, bem como em criticar as bases do regime republicano instaurado no país. Ao analisar os elementos basilares do patrianovismo, entre eles a eleição da religião como fundamento de sua proposta política, a autora evidencia a singularidade desse movimento monarquista, nacionalista e cristão, no contexto das primeiras décadas do século XX.

No texto intitulado “Em defesa da Ação Católica: Plínio Corrêa de Oliveira, um baluarte da tradição”, o pesquisador Rodrigo Coppe Caldeira analisa a obra Em defesa da Ação Católica (1943), redigida pelo católico leigo Plínio Corrêa de Oliveira. Com base em uma concepção ultramontana de catolicismo, Plínio teria feito da obra um baluarte da defesa de uma proposta de catolicismo antimoderno, tido como “fiel” às propostas do que chama de “Igreja de sempre”. O autor analisa suas fontes doutrinárias e teológicas, bem como os principais elementos defendidos por Plínio Oliveira, a partir de uma obra que se tornou expoente do pensamento ultramontano ou tradicionalista católico no Brasil.

O artigo redigido por Gizele Zanotto, “Paz de Cristo no reino de Cristo: ideal teológico-político da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP)”, destaca o encadeamento de uma proposta política com a doutrina religiosa defendida pelos membros da TFP no Brasil. Partindo de uma atitude soteriológica pautada no catolicismo das primeiras décadas do século XX, os membros do movimento católico tefepista empenham-se numa luta pela defesa da reedificação da cristandade em nossos dias, como resposta aos problemas do mundo contemporâneo que tanto afligem os católicos ditos tradicionalistas.

Christiane Jalles de Paula analisará o percurso intelectual do líder católico Gustavo Corção, figura de destaque do final dos anos 1940 nos meios católicos, mas que, em função das novas diretrizes defendidas pelo grupo hegemônico da instituição, viu-se cada vez mais questionado em suas posições, especialmente após o Concílio Vaticano II (1962-1965). Em seu artigo “A descoberta da ‘outra’: Gustavo Corção e a recepção do Concílio Vaticano II”, a autora aborda o processo de deslegitimação da postura de Corção, especialmente investigando as relações entre religião e política, situação que o “enquadrou” como um dos representantes do chamado conservadorismo católico no país.

Já Rosângela Wosiack Zulian, no artigo “Entre a ortodoxia e a heresia: uma releitura da tradição católica polonesa na Diocese de Ponta Grossa (PR)”, que encerra esta coletânea, estuda a atuação do bispo Dom Antônio Mazzarotto, tido como defensor da fé e da hierarquia eclesiástica. O ensaio se detém no conflito discursivo entre o bispo e um grupo de católicos poloneses, tidos então como grupo “herético”. Por meio de análise de documentos primários, a autora se debruça sobre os argumentos da mencionada celeuma avaliando o quanto de tal situação está em consonância com o movimento de “romanização” empreendido pela Igreja Católica, visando uniformizar práticas e condutas. Com base na compreensão de que a romanização foi um processo plural, Zulian se debruça sobre os discursos produzidos pelo bispo e pelos poloneses em disputa pela manipulação do poder simbólico religioso.

Complementam esse dossiê as seções de artigos livres, comunicações e resenhas. A primeira delas inicia com artigos dedicados à análise da obra dos intelectuais Michel de Certeau, Edward Burnnet Tylor, Sêneca e Jacques Maritain. O artigo de Virgínia Buarque debruça-se a avaliar as contribuições de Certeau para a História das Idéias Religiosas quando chamado à colaboração com análises sobre a história inaciana no contexto posterior a Segunda Guerra Mundial. Já Vanda Fortuna Serafim avalia a repercussão da obra de Tylor para os estudos da religião, em especial, pela mobilização da obra Primitive Culture. Já José Carlos Silva de Almeida apresenta elementos da vida e obra de Sêneca sob a perspectiva de sua aproximação com a comunidade e as práticas hebraicas. Por fim, Névio de Campos estuda a questão da natureza humana na obra de Maritain, sobretudo em sua proposta de humanismo integral, em contraposição crítica ao denominado humanismo antropocêntrico.

Na sequência temos um artigo dedicado às práticas medievais a partir da ênfase na importância das letras e palavras no contexto cristão anglo-saxão. Em seu texto Elton Oliveira Souza de Medeiros se debruça sobre o Pater Noster em sua articulação entre elementos mágicos e cristãos. Roberto Bueno, por sua vez, pesquisa os elementos de argumentação autoritária derivadas das obras de Danoso Cortés, Jaime Balmes e Carl Schmitt. O último artigo da seção, de autoria de Cintia Régia Rodrigues dedica-se à análise da relação que a Igreja Católica – via atuação de capuchinhos franceses – e o governo estadual do Rio Grande do Sul mantiveram com as populações nativas em princípios do século XX.

O dossiê complementa-se com a seção Comunicações e o artigo de Sezinando Luiz Menezes, José Henrique Rollo Gonçalves e Saulo Henrique Justiniano Silva, que analisam o messianismo judaico no contexto da consolidação do Tribunal do Santo Ofício na metrópole portuguesa do século XVI. Já a resenha da obra Os mortos e os vivos: uma introdução ao espiritismo, de autoria de Reginaldo Prandi e aqui avaliada por Marcos José Diniz Silva, fecha este volume da RBHR.

Esperamos que a riqueza temática e analítica deste volume seja aproveitada por todos os nossos leitores. Junto a isso, desejamos que a Revista Brasileira de História das Religiões do Grupo de Trabalho de História das Religiões e Religiosidades da ANPUH consolide-se em sua nova plataforma, iniciada justamente com esse dossiê.

Boa leitura a tod@s!

Gizele Zanotto

Rodrigo Coppe Caldeira

ZANOTTO, Gizele; CALDEIRA, Rodrigo Coppe. Apresentação. Revista Brasileira de História das Religiões, Maringá- PR, v.6, n.16, maio, 2013. Acessar publicação original [DR]

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