Cartas | Fênix – Revista de História e Estudos Culturais | 2015

“Meus escritos tratam de você, neles eu expunha as queixas que não podia fazer no seu peito”.

Franz Kafka, Carta ao Pai.

Do trecho da carta de Kafka insurgem alguns dilemas: ao procurar desvelar o íntimo, a introspecção, ao se acessar o privado empreendendo um mergulho naquilo que foi escrito um dia sem a pretensão de se tornar público, o historiador busca revelar algo novo ou fazer desaparecer o autor? Uma carta é um acerto de contas consigo e com o outro ou uma demonstração do apagamento do sujeito na escrita? Um texto íntimo, de alguém absorto em seu mundo subjetivo, carrega as angústias, dilemas, alegrias e medos ou é um documento inventariando pedaços de um sujeito que é construído com entulhos? Enfim, uma carta é uma revelação ou fuga de si?

O Dossiê Cartas, proposto pelos professores Dr. Francisco Alcides do Nascimento e Dr. Frederico Osanam Amorim Lima, tem como propósito refletir sobre estas e outras questões atinentes ao universo multifacetado da produção de si e do outro a partir das cartas. Trata-se, portanto, de dar visibilidade a um tipo de documento que mereceu destaque na historiografia só muito recentemente, sobretudo com a publicação de livros disponibilizando cartas de artistas, escritores, políticos, educadores, entre outros.

Ao dar evidência a este tipo de produção escrita, os organizadores esperam contemplar aspectos de uma História que mistura certa invasão no universo das subjetividades ao mesmo tempo em que celebra a possibilidade de entender o homem dentro de uma dimensão plural e, por vezes, contraditória. As cartas, neste sentido, oportunizam um deslocamento do olhar do historiador para a esfera privada, das emoções, dos olhares e sentidos que escapam à construção pública dos sujeitos.

Foi partindo destas questões que seis historiadores se debruçaram sobre o universo epistolar para produzir este Dossiê Cartas. São eles/elas: Ana Cristina Meneses de Sousa Brandim (UESPI), Audrey Maria Mendes de Freitas Tapety (PUC-SP), Durval Muniz de Albuquerque Jr. (UFRN), Francisco Alcides do Nascimento (UFPI), Frederico Osanam Amorim Lima (UFPI) e Yvone Dias Avelino (PUC-SP).

Esperamos que o Dossiê favoreça o desdobramento de discussões metodológicas, teóricas e revele novas fontes para os historiadores e pesquisadores dos relatos que são, por excelência, íntimos.

Boa leitura a todos.


Organizadores

Francisco Alcides do Nascimento – Doutor pela Universidade Federal de Pernambuco e pós-doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor Associado IV / Programa de Pós-Graduação em História do Brasil da UFPI. E-mail: [email protected]

Frederico Osanam Amorim Lima – Professor Adjunto II da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Doutor em História Social pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail: [email protected]


Referências desta apresentação

NASCIMENTO, Francisco Alcides do; LIMA, Frederico Osanam Amorim. Apresentação. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais. Uberlândia, v.12, n.2, jul./dez. 2015. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Entre livros e cartas e entre a escrita e a leitura: uma história das palavras / História Revista / 2010

Rizoma, platôs, criação órfã. Técnicas do corpo, leitura em voz alta, leitura silenciosa. Letramento, escrita, oralidade. A literatura e a memória de uma boneca de pano. A Arte e as correspondências. Epistolografia, amizade e estoicismo. Retórica, soberania e escrita. As cartas e a história intelectual. Leitura e multiplicidade. Devir-leitor e devir-escritor. O hipertexto e a textualidade eletrônica. O corpo, as práticas de escrita e as práticas de penitência. O Estado, a escolarização e o acesso às letras. Monteiro Lobato, a literatura infantil e o leitor. Robinson Crusoé e Sexta-Feira. Sêneca e a filosofia antiga. O gênero epistolar e as práticas de escrita. As correspondências e a história das edições. A ciência e a epistolografia. Memória e corpo. Roma, México e Taubaté. Leitura e apropriação cultural.

Eis alguns dos temas tratados neste dossiê que apresenta um conjunto de ensaios e artigos sobre livros e cartas e sobre a escrita e a leitura. Em nossa atualidade, há um vivo interesse intelectual por esses temas. Este interesse pode ser visto de inúmeras maneiras. Há, por exemplo, aquilo que poderíamos denominar de perspectiva do luto. Assim, a relevância dos estudos sobre a troca de correspondências e sobre o epistolário de escritores, artistas e políticos seria um sintoma ou teria apenas se tornado possível pelo falecimento desta prática. Quer dizer, a sua importância no interior das ciências humanas decorre de sua atual insignificância social e cultural.

A perspectiva aqui assumida é outra. O que se anuncia há alguns anos como revolução digital se liga a uma profunda transformação nas práticas de escrita e de leitura e de objetos tradicionais como os livros e as correspondências. A emergência da escrita digital e da textualidade eletrônica reconfigura de modo radical práticas afetivas e intelectuais; transforma radicalmente objetos tradicionais. É justamente na novidade irredutível produzida por este acontecimento em que se inscreve o objetivo deste dossiê. Os textos aqui reunidos são suscitados por esta atualidade; ligam-se, de alguma forma, a este desejo de atualidade.

Três grandes eixos estruturam este dossiê. De um lado, um conjunto de reflexões sobre a história da leitura, das relações entre corpo e leitura (adestramento e letramento) e a atualidade dos modos de ler. De outro, análises consistentes sobre as relações entre literatura e leitura (apropriações). Finalmente, estudos sobre correspondências a meio caminho entre as práticas de escrita e as práticas de leitura. Estes três grandes eixos estão atravessados por um interesse ou por uma preocupação de seus autores: aquela de uma história das palavras e de sua errante circulação.

Fechando a organização deste volume, publicamos duas resenhas críticas a propósito dos dois últimos cursos de Michel Foucault no Collège de France, os de 1983 e 1984, ainda inéditos em português. A primeira, escrita por Celso Kraemer e a segunda, por Céline Clément. Isto mostra que a História Revista segue preocupada em trazer aos seus leitores análises de importantes e recentes publicações que a conectem com o que vem sendo editado de mais novo no mundo internacional das ciências humanas.

Marlon Salomon

Organizador do Dossiê

Comissão Editorial

Maria da Conceição Silva

Armênia Maria de Sousa

David Maciel

Luciane Munhoz de Omena

Heloisa Selma Fernandes Capel

Adriana Vidotte


SALOMON, Marlon; et al. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 15, n. 1, jan. / jun., 2010. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê