Educação em Perspectiva Local – Municipal / Cadernos de História da Educação / 2019

O presente dossiê, Educação em perspectiva local / municipal, pretende apresentar discussões relativas às escritas da História da Educação, mais precisamente, àquelas relacionadas às possibilidades de se investigar “novos” espaços e “novos” sujeitos. Com a extensão desses olhares emergem resultados de investigações direcionadas a cenários, épocas e temáticas até então pouco privilegiados, vindo à tona estudos dedicados a desvelar outras faces da constituição do sistema de instrução pública nos estados brasileiros e em alguns ambientes do território europeu, para além das análises macroestruturais (postura normalmente assumida pela chamada “historiografia tradicional”). Este adensamento das pesquisas centradas em espaços “menores” decorreu da formação e consolidação de grupos de pesquisas por todo o país, assim como no exterior, devotados à investigação de aspectos significativos da organização da instrução, tomando como referência os municípios, as instituições escolares (públicas e privadas), manuais pedagógicos, métodos de ensino, a imprensa (especializada ou não), etc.

Nesta ambiência, no caso do Brasil, a motivação para as pesquisas dedicadas à ação municipal sobre as coisas da instrução, aparece como reflexo da transmissão aos estados, por parte do governo federal, da responsabilidade pela educação pública. Este processo ganha mais relevo nas investigações do período compreendido da proclamação da República, em 1889, às primeiras décadas do século XX, correspondendo a um momento de grande evidência do papel dos municípios no debate sobre a situação educacional local, que abraçaram os princípios de civilidade, modernidade e progresso e procuraram superar o atraso herdado dos tempos do Império no campo da educação. Ademais, o analfabetismo – a grande chaga nacional – nessas localidades era sentido muito claramente como um dos maiores problemas, talvez o principal entrave ao seu desenvolvimento. A vereança nas Câmaras comungava a crença de que, pela via da educação, seria possível remodelar a ordem social, política e econômica e consolidar a nascente República, viabilizando sua inserção no rol das nações democráticas e civilizadas. Os republicanos municipais viam nessas ações não só o roteiro do progresso, mas também o caminho para se eliminar ou reduzir uma das principais máculas da sociedade brasileira: 80% de analfabetos, acumulados ao longo de séculos [3].

Indispensável ao progresso do país, à consolidação do novo regime e elemento de civilização, a educação – com especial ênfase na instrução pública – foi objeto de diversas iniciativas por parte do poder público. No ideário republicano a conformação de uma nova sociedade demandava, se confundia com a formação de um novo tipo de cidadão. Pela via da educação, acreditava-se ser possível alcançar esse duplo objetivo, crucial também para manter vivos os ideais de ordem e progresso inseridos no pendão nacional.

A pretendida transformação da realidade educacional nos primeiros anos republicanos, no entanto, esbarrava nas prescrições legais, uma vez que fora mantido o princípio da descentralização, advindo do Ato Adicional de 1834, remetendo a responsabilidade pela organização e difusão do ensino público aos estados e municípios. Essas duas instâncias, portanto, nas primeiras décadas republicanas, tomam relevância no debate, na formulação e implantação de propostas efetivas de intervenção, no âmbito da instrução popular.

Em Minas Gerais, a estrutura legal – Constituição, lei de instrução e regulamento escolar – concedia às Câmaras Municipais relativa autonomia (e, igualmente, responsabilidade), podendo deliberar e estabelecer linhas de intervenção sobre a instrução primária e diversos outros assuntos [4]. Nesse contexto, a realidade municipal aparece como lócus privilegiado do esforço pela organização da instrução pública e o seu estudo adquire relevância para a história da educação.

Impasses entre centralização e descentralização marcaram o desenvolvimento educacional brasileiro ao longo dos séculos XIX e XX, pendendo ora para uma tendência, ora para outra, como num movimento pendular. O município se configura, nesse contexto, não apenas como ente político-administrativo, mas também como um território pedagógico, tendo em vista que o poder local assumiu a função de organizar e definir princípios próprios para a instrução municipal, bem como abrir escolas, contratar professores, orientar métodos, etc. O processo de organização da instrução na esfera local, em Minas Gerais, pode ser assim caracterizado:

ao se falar de educação em Minas Gerais no início da República, e talvez na maioria dos estados da Federação Brasileira, não se pode pensar num sistema único de ensino, ou num processo que atinja homogeneamente todo o território. Na realidade, o processo é heterogêneo e multifacetado. Existe a ação do Estado e existem as iniciativas complementares dos municípios. Há também omissões nas duas instâncias. Estão presentes, ainda, tentativas de se suprir as ausências de um ou outro [5].

Em Minas Gerais, logo nos primeiros anos da República, foram aprovados leis e decretos que visavam reformar o ensino público primário. O texto constitucional mineiro, diferentemente da Carta Federal, dispensava maior atenção a essa questão, estabelecendo a competência estadual para legislar e promover o desenvolvimento da instrução primária em seus domínios. Além disso, a constituição estadual estabelecia a divisão administrativa do estado em municípios e distritos e definia como objeto de livre deliberação das câmaras municipais, dentre outras coisas, a instrução primária e profissional:

Art. 75. II – A administração municipal inteiramente livre e independente em tudo quanto respeita ao seu peculiar interesse, será exercida em cada município por um conselho eleito pelo povo, com a denominação de Câmara Municipal. […]. IV – O orçamento municipal, que será anual e votado em época prefixada, a polícia local, a divisão distrital, a criação de empregos municipais, a instrução primária e profissional, a desapropriação por necessidade ou utilidade do município e alienação de seus bens, nos casos e pela forma determinada em lei, são objeto de livre deliberação das câmaras municipais, sem dependência de aprovação de qualquer outro poder, guardadas as restrições feitas nesta Constituição [6] [grifos nossos].

O estado se aproveitou dessa brecha constitucional e também de outros dispositivos legais, como os previstos na lei mineira de número 2, de 14 de setembro de 1891, que “Contém a organização municipal”, que permitia às câmaras municipais “operar livremente no campo da instrução pública, criando escolas, contratando professores, fiscalizando atividades, etc” [7], para transferir / dividir os custos da escolarização popular. Dessa forma, coube aos municípios boa parte dos encargos para se promover, organizar e administrar a educação pública em sua área de competência. Isso nos permite considerar que na esfera municipal se desenvolveu grande parte do esforço republicano de organização da instrução pública, sendo significativas as realizações educacionais ocorridas nesse âmbito.

Diante da ação insuficiente ou pouco efetiva do estado, o poder municipal, respaldado ou estimulado pela legislação, se manifestava de diferentes formas: aprovando leis específicas em sua jurisdição, criando escolas, contratando e remunerando os professores, distribuindo material didático, destinando verbas para o custeio das escolas municipais e, por vezes, também, reivindicando junto ao governo estadual ações complementares em benefício da instrução pública municipal.

A Lei nº 41, de 1892, primeira reforma republicana no campo da educação em Minas Gerais, reorganizou a instrução pública. Apesar de não tratar especificamente da autonomia municipal, continha prescrições neste sentido, reforçando a liberdade de ação do poder local. Por conta desse instrumento legal, cabe aqui uma ressalva importante: não se trata de descentralização educacional propriamente dita, ao menos em termos de legislação. Desde 1892, apenas um ano após as Constituintes Federal e Estadual finalizarem seus trabalhos, o governo mineiro já tinha uma lei própria regulando a instrução pública em seus domínios, não se podendo afirmar que os municípios gozassem, portanto, de plena autonomia em termos educacionais.

Contudo, verifica-se na prática e na investigação documental que existia uma lacuna, um vazio – uma omissão? – para com as mazelas e reclamos da instrução, que será preenchida pelos municípios. Diante da crescente demanda por educação, reprimida no passado e ampliada pelas promessas da República, o poder local passa a intervir nesses assuntos. Na prática, nas duas primeiras décadas republicanas em Minas Gerais, boa parte da ação educativa se realizava em nível local.

As limitações orçamentárias do governo estadual reforçavam a sua disposição em compartilhar, ou mesmo transferir as responsabilidades e os encargos da educação pública. A preocupação do governo mineiro era que a escolarização avançasse, mas com custos que não onerassem demasiadamente as disponibilidades do estado, buscando reforço nos mais diferentes setores: “oferecer escolas à população, independentemente de sua origem pública ou privada, estadual ou municipal, leiga ou religiosa [8] ”. A participação das municipalidades nos negócios da instrução se adequava perfeitamente a esses propósitos.

A ação do poder municipal nesse campo pode ser caracterizada como atuação pedagógica, o que nos levou a denominar esse tipo de ator como “município pedagógico [9] ”, possibilitado nos primeiros anos do período republicano pelas brechas do aparato legislativo e pela omissão e carência de recursos por parte do estado. Segundo Gonçalves Neto e Carvalho essa entidade permite-nos

compreender a realidade local para além de sua dimensão político-administrativa e pensá-la também como um espaço voltado para os aspectos educacionais, como um organismo também pedagógico, preocupado com a formação intelectual de seus munícipes e não apenas com as condições econômico-materiais que se sobressaem nas ações das administrações públicas [10].

Nestes termos, o município configurou-se como instância de decisão e ação – política, administrativa e educativa. O poder local tem suas prerrogativas ampliadas e passa a desempenhar função importante em diferentes esferas, inclusive no fomento da instrução pública. A criação / supressão, transferência e manutenção de escolas, contratação e pagamento dos professores, dentre outros assuntos referentes à instrução, passaram a ser de interesse e, muitas vezes, responsabilidade dos municípios. Com essas iniciativas, somadas ao debate que ocorre no interior de muitas câmaras municipais sobre o papel da educação na promoção do desenvolvimento dos municípios e da nação, sobre os princípios que deveriam nortear a ação pública voltada para a educação, entre outras, se “advoga um poder local com capacidade de tomar iniciativas políticas, discutir e editar leis, em complemento ou para além das atribuições concedidas pelos estados” [11]. Ou seja, a omissão ou insuficiência do estado de Minas Gerais, que não permitiam vislumbrar escolarização para a infância local, tornou possível ou estimulou a intervenção do poder municipal nos negócios da instrução, gerando um contexto particular de parceria entre estado e município.

No entanto, é importante ressaltar que as análises da ação educativa municipal não devem ser tomadas isoladamente dos contextos mais amplos que as cercam, mas de forma articulada com as situações de âmbito nacional e estadual. Em Minas Gerais, por exemplo, Gonçalves Neto e Carvalho observam:

entende-se que existia uma espécie de complementaridade de esforços entre estados e municípios. (…) … a responsabilidade pela educação passa, tacitamente, para o âmbito dos estados e estes, quando possível, como em Minas Gerais, repassam parte da incumbência aos municípios. E isso estimula ou permite a concretização do que estamos chamando de município pedagógico, pois este, não tendo a quem repassar a obrigação e lidando diretamente com as demandas dos cidadãos, acaba por assumir a educação e a organizá-la dentro dos seus limites [12].

Daí a importância de se estudar o processo de organização da instrução pública na dimensão local, bem como suas relações com as instâncias estaduais e nacional. Numa mudança de perspectiva, o município deve ser concebido enquanto objeto historiográfico, perspectiva sob a qual Carvalho&Carvalho salientam que “é possível articulá-lo com a política nacional / global sem se perder de vista o local [13] ”. A realidade educacional municipal das primeiras décadas republicanas possui características próprias, que podem se articular ou mesmo contradizer processos educativos mais amplos nos quais se inserem ou as circundam. Em outros termos, reconhecer a importância da iniciativa local no processo de organização da instrução pública significa também identificar os limites e os problemas que conformaram essa ação educativa e a instrução pública municipal.

Em linhas gerais, no alvorecer da República há um intenso debate sobre a questão da escolarização da sociedade, o qual era marcada por carências de diversas ordens e pelo estado de precariedade e desorganização característicos da realidade imperial, bem como da própria República nascente. Embora os municípios estivessem impregnados pelos mesmos anseios e limitações, as transformações importantes por que foram passando – inclusive no âmbito da urbanização – e a crença no poder regenerador / propulsor da educação levaram-nos à busca da superação do arcaico passado e à busca de um porvir auspicioso, que podiam ser vislumbrados pelas portas das escolas, que promoveriam a necessária formação das futuras gerações, a grande esperança da comunidade.

Por último, destacamos que o dossiê Educação em perspectiva local / municipal, corresponde a uma possibilidade interpretativa, construída a partir das pesquisas aqui reunidas – e de outras que vêm se consolidando nos últimos anos. Dito de outra forma, as considerações apresentadas podem ser tomadas como um convite a novas reflexões que, além de contribuírem para a compreensão da temática, acenam também como parte de um processo investigativo que não deve ser descontinuado. Direcionar o foco de análise para o nível local implica na percepção do papel desempenhado pelos municípios, na forma como o poder local participa do esforço republicano em prol da educação. Desse modo, acreditamos que as reflexões aqui apresentadas, sobre as ações dos municípios, podem oferecer subsídios para uma melhor compreensão da história da educação no Brasil nos primeiros anos da República – e também em períodos posteriores / anteriores – e sobre o processo de organização da instrução pública brasileira de uma forma geral. E também uma perspectiva ampliada e comparativa quando acoplada aos resultados de estudos europeus que fazem parte do dossiê.

Notas

3. O índice de alfabetização nacional em 1920, conforme o Recenseamento realizado naquele ano, era de 24,5%. Em alguns estados da federação esse número era ainda menor, indicando “a situação calamitosa da educação popular no Brasil (…) quando comparada com a de outros países. Os dados são fornecidos pelo próprio censo de 1920. Na população de 7 anos ou mais, o Brasil tinha 31% de alfabetizados, a Argentina tinha 62%, exatamente o dobro. O fosso cresce ainda mais se compararmos o país com a França ou os Estados Unidos. Na primeira, a alfabetização da população de 10 anos ou mais era de 89%, nos Estados unidos, de 94%”. Conferir CARVALHO, Carlos Henrique. República e imprensa, p. 141.

4. Conferir vários exemplos desse tipo de intervenção camarária na instrução mineira em GONÇALVES NETO, Wenceslau & CARVALHO, Carlos Henrique de (Org.). O Município e a Educação no Brasil: Minas Gerais na primeira república, 2012; GONÇALVES NETO, Wenceslau & CARVALHO, Carlos Henrique de. Ação Municipal e Educação na Primeira República no Brasil, 2015.

5. GONÇALVES NETO, Wenceslau & CARVALHO, Carlos Henrique de. Impasses e desafios à organização da instrução pública nas Minas republicanas, p. 21.

6. MINAS GERAIS, 1891.

7. GONÇALVES NETO, Wenceslau. Capital e interior, p. 198.

8. GONÇALVES NETO, Wenceslau. O Município e a Educação em Minas Gerais, p. 39.

9. De acordo com Wenceslau Gonçalves Neto, em Repensando a história da educação brasileira na Primeira República, p. 14-15: “O município pedagógico, uma categoria em formação, está sendo entendida provisoriamente como uma entidade político-administrativa presente no Brasil, possibilitada na segunda metade do século XIX pela presença se uma legislação descentralizadora da gestão do ensino e a extensão da responsabilidade para com a instrução primária aos seus limites, levando à regulamentação local dessa obrigação. Também se inclui nesse conceito a apropriação que as elites fazem dessa responsabilização, tirando proveito para a concretização de objetivos particulares, relacionados à manutenção da ordem, disseminação de ideologia própria e delimitação de uma identidade municipal. Deve-se acrescentar que esse movimento é possibilitado pela difusão da crença no poder regenerador da educação e da necessidade de implantação de sistemas escolares para sua implementação”.

10. GONÇALVES NETO, Wenceslau & CARVALHO, Carlos Henrique de. A ação Municipal nos assuntos da Educação na Primeira República brasileira, p. 12.

11. GONÇALVES NETO, Wenceslau. O Município e a Educação em Minas Gerais, p. 31.

12. GONÇALVES NETO, Wenceslau & CARVALHO, Carlos Henrique de. A ação Municipal nos assuntos da Educação na Primeira República brasileira, p. 13.

13. CARVALHO, Luciana Beatriz de Oliveira Bar de & CARVALHO, Carlos Henrique de. O lugar da educação na modernidade luso-brasileira no fim do Século XIX e início do XX, p. 68.

Referências

CARVALHO, Carlos Henrique de. República e imprensa: as influências do positivismo na concepção de educação do professor Honório Guimarães (Uberabinha-MG, 1905–1922). Uberlândia: EDUFU, 2007.

CARVALHO, Luciana Beatriz de Oliveira Bar de & CARVALHO, Carlos Henrique de. O lugar da educação na modernidade luso-brasileira no fim do Século XIX e início do XX. Campinas: Alínea, 2012.

GONÇALVES NETO, Wenceslau & CARVALHO, Carlos Henrique de, Impasses e desafios à organização da instrução pública nas Minas republicanas. In: O Município e a Educação no Brasil: Minas Gerais na primeira república. Campinas: Alínea, 2012, p. 9-22.

GONÇALVES NETO, Wenceslau & CARVALHO, Carlos Henrique de. A ação Municipal nos assuntos da Educação na Primeira República brasileira: algumas considerações. In: Ação Municipal e Educação na Primeira República no Brasil. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2015, p. 7-18.

GONÇALVES NETO, Wenceslau. O Município e a Educação em Minas Gerais: a implementação da instrução pública no início do período republicano. In: GONÇALVES NETO, Wenceslau & CARVALHO, Carlos Henrique de (Org.). O Município e a Educação no Brasil: Minas Gerais na primeira república. Campinas: Alínea, 2012, p. 39.

GONÇALVES NETO, Wenceslau. Repensando a história da educação brasileira na Primeira República: o município pedagógico como categoria de análise. In: LOMBARDI, José Claudinei (Org.). Navegando na História da Educação Brasileira. Campinas: Faculdade de Educação UNICAMP, 2006, p. 1-15. Disponível em: http: / / www.histedbr.fe.unicamp.br / navegando / artigos frames / artigo105.html (consulta em 21 / 05 / 2018).

GONÇALVES NETO, Wenceslau. Capital e interior: manifestações em prol da instrução pública em Ouro Preto e Uberabinha (MG) nos anos iniciais da República Brasileira. Educação em Revista, vol.26, n. 02, 2010, p. 189-208.

MINAS GERAIS. Governo do Estado. Constituição do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte: Assembleia Legislativa de Minas Gerais, 1891.

Carlos Henrique de Carvalho – Doutor em História pela Universidade de São Paulo. Professor da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia. Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq e do Programa Pesquisador Mineiro da FAPEMIG. E-mail: [email protected]

Wenceslau Gonçalves Neto – Doutor em História pela Universidade de São Paulo. Professor dos Programas de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Uberaba e da Universidade Federal de Uberlândia. Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq e do Programa Pesquisador Mineiro da FAPEMIG. E-mail: [email protected]


CARVALHO, Carlos Henrique de; GONÇALVES NETO, Wenceslau. Apresentação. Cadernos de História da Educação. Uberlândia, v. 18, n.1, jan. / abr., 2019. Acessar publicação original [DR]

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Dimensões laico e religiosas no espaço Luso-Brasileiro nos séculos XIX e XX / Cadernos de História da Educação / 2014

O presente dossiê reúne cinco artigos, que resultam de investigações concluídas e, agora, apresentam os desdobramentos dos trabalhos expostos durante o IX Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação, realizado na Universidade de Lisboa, em 2012. Na oportunidade os participantes da mesa coordenada, intitulada Dimensões Laico e Religiosas no Espaço Luso-Brasileiro nos Séculos XIX e XX, abordaram a questão da relação Estado e Igreja Católica, em Portugal e no Brasil, pela disputa da hegemonia sobre a escola, que vai do final do século XIX a meados do século XX. Este período pode ser apresentado como um processo histórico caracterizado por ciclos de hegemonia do Estado, sob a forma de Estado Liberal e Republicano, e por ciclos de convenção e procura de entendimento com a Igreja Católica.

Fruto dos debates promovidos à época e tendo em vista a perspectiva de estabelecer / constituir um espaço de reflexão sobre as relações entre Estado e Igreja nos dois “mundos”, europeu e americano, ou melhor, fazer aflorar informações e interpretações novas dos fenômenos históricos, em particular, daqueles relacionados às formas educativas, desenvolvidas nas suas inter-relações / implicações com o Estado, a sociedade e as instâncias religiosas.

Assim, o conjunto dos textos que compõem o dossiê promovem uma discussão sobre o panorama histórico-educativo das diferentes experiências educacionais vivenciadas no contexto luso-brasileiro, nos séculos XIX e XX, momento marcado por intensos embates entre a Igreja Católica e o Estado liberal que se consolidava na Europa e entrava no cenário político brasileiro, inspirador da educação moderna (pública, gratuita e laica) e pelos questionamentos da Igreja Católica sobre esses princípios. Em suma, busca-se a compreensão das aproximações / tensões entre essas duas instâncias na promoção da educação no interior da sociedade, bem como explicitar os interesses políticos, culturais, ideológicos, antropológicos e religiosos que permearam esses conflitos no campo educacional. Exatamente a relação entre Igreja, Estado e Educação no contexto Luso-Brasileiro que trata o presente dossiê, constituindo uma amostra variada das relações entre Igreja, Estado e Educação no referido contexto.

O artigo de José António Afonso, Simulação e Ofensiva – Movimentações Católicas e Reivindicação do Ensino da Religião no Curso Liceal (Portugal, década de 1890 ), abre o dossiê. Neste focaliza a Reforma do Ensino Secundário, de Jaime Moniz, em 1895, mas o centro da análise do artigo recai sobre os argumentos dos católicos em torno da necessidade de instituir a disciplina de Ensino Católico. Também abordando a realidade portuguesa, mas a partir da sua intersecção com a situação brasileira, Carlos Henrique de Carvalho e Luciana Beatriz de Oliveira Bar de Carvalho, no texto Intelectuais Católicos no Espaço Luso-Brasileiro: as Contribuições de Alceu de Amoroso Lima e António Durão (1930- 1950), examinam a participação desses intelectuais ligados ao pensamento católico, nos debates sobre a implantação das reformas educacionais promovidas pelo Estado no espaço Luso-Brasileiro, entre 1930 a 1950, tendo em conta os objetivos dos respectivos governos (português e brasileiro) para estabelece e consolidar um sistema nacional de ensino.

No caso do Brasil temos três trabalhos. O primeiro é de José Gonçalves Gondra e Maria de Lourdes da Silva, Educação da Inteligência, Educação da Vontade na Escrita da História da Educação Brasileira (1826-1929), que descreve os investimentos do polígrafo Afranio Peixoto, tendo em vista o papel doutrinário que ele concebe para a educação a qual, mesmo laica, se encontra eivada por uma espécie de liturgia científica. Aline de Morais Limeira em, Doutrina e Religião Christã: a Igreja Católica no Exercício do Magistério e na Seleção dos Mestres, procura analisar a ação e interferência da religião cristã e da Igreja Católica como força inscrita nas experiências do magistério, a partir dos processos de seleção, recrutamento e concessão de licença dos professores na Corte Imperial. Wenceslau Gonçalves Neto no artigo “Educação christã da mocidade”: Regulamentação da vida escolar em colégios católicos de Minas Gerais (1863-1911), aborda como se evidenciaram as preocupações disciplinares dos colégios católicos com a “educação christã da mocidade”, na segunda metade do século XIX e início do século XX, em Minas Gerais, envolvendo o atendimento tanto de órfãos pobres como de filhos de famílias abastadas, nos estatutos do Collegio de Macaúbas (Santa Luzia, 1863), do Episcopal Collegio do Bom Jesus (Congonhas do Campo, 1896), das Escolas Dom Bosco (Cachoeira do Campo, 1896) e do Colégio Marista Diocesano de Uberaba (1911).

Esse dossiê, intitulado Dimensões Laico e Religiosas no Espaço Luso-Brasileiro nos Séculos XIX e XX, traz um conjunto de artigos com importantes contribuições para o esclarecimento, com base em fundamentação histórica, dos problemas educacionais que ainda hoje estamos enfrentando no que tange às relações entre Igreja e Estado.

Carlos Henrique de Carvalho – Organizador


CARVALHO, Carlos Henrique de. Apresentação. Cadernos de História da Educação. Uberlândia, v. 13, n.1, jan. / jun., 2014. Acessar publicação original [DR]

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