O local, o provincial e a construção do nacional | História, histórias | 2021

San Jose de Chiquititos Santa Cruz Bolivia Foto Jery Dino MendesWikimedia Commons
San José de Chiquititos – Santa Cruz, Bolivia | Foto: Jery Dino Mendes/Wikimedia Commons

O mundo atlântico, entre finais do século XVIII e princípios do século XIX, vivenciou conturbada conjuntura revolucionária. Neste contexto, na América, as revoluções de regeneração e, no seu transcurso, as revoluções de ruptura, teriam como desdobramentos mais evidentes os processos de emancipação política dos domínios ultramarinos de suas mães-pátrias e a conformação de novo tipo de governabilidade: a dos Estados Nacionais. O processo em curso vincularia Estado e Nação, nas acepções modernas destes termos, umbilicalmente à constituição e desenvolvimento das novas unidades políticas soberanas na América.

A despeito de ter sido objeto de vasta bibliografia, iniciada ainda no século XIX, esse processo está longe de ser esgotado. Nas últimas décadas, a historiografia tem buscado, por diferentes caminhos e métodos, discutir múltiplos temas e problemas pertinentes às Independências e aos processos de construção dos Estados Nacionais. Nessa direção, indubitavelmente, uma das principais problemáticas têm sido a do governo dos territórios, seja do ponto de vista político-institucional ou sócio-identitário, e de suas relações com o “centro de poder”, aspecto nevrálgico para o entendimento das novas unidades nacionais. Leia Mais

Prácticas públicas de la historia. Contextos locales, diálogos globales/Ciencia Nueva. Revista de Historia y Política/2021

La Historia no pertenece sólo a sus narradores, profesionales o aficionados. Mientras que algunos de nosotros debatimos sobre qué es la Historia o fue, otros la cogen en sus manos». Leia Mais

Los perímetros de lo local. Reflexiones teórico-metodologicas en torno a la historia argentina del siglo XX/Anuario del Instituto de Historia Argentina/2021

Las investigaciones en clave local vienen ganando terreno en la producción sobre la historia argentina del siglo XX. De manera sostenida, aunque sin la estridencia de otros desarrollos historiográficos, los ejercicios de análisis localizados fueron ensayados desde registros múltiples inscriptos en la historia social, política y económica. Esta naturaleza diversa desalienta los intentos por sistematizar una producción vasta y en expansión, aunque no impide reconocer algunos de sus trazos más fecundos. En ese reconocimiento es factible individualizar líneas de investigación que ofrecieron a las miradas localizadas un terreno fructífero para desplegar sus aportes conceptuales y metodológicos. Leia Mais

A História Antiga entre o local e o global: integração, conflito / Revista Brasileira de História / 2020

História Antiga: Diferentes Perspectivas

O presente dossiê surgiu em atendimento a uma chamada dos editores da Revista Brasileira de História e foi operacionalizado mediante uma rede de trabalho muito mais ampla do que aquela visível pelos nomes de seus organizadores. Desse modo, inicialmente, gostaríamos de agradecer aos colegas da coordenação do Grupo de Trabalho em História Antiga da Associação Nacional de História (GTHA-Anpuh), professores Alex Degan e Fábio Morales, ambos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que contribuíram para o sucesso dessa iniciativa ao lado do professor Dominique Santos, da Universidade de Blumenau (Furb), também integrante da Coordenação Nacional do GTHA-Anpuh e um dos editores do dossiê. O agradecimento é extensivo à comunidade de Antiquistas brasileiros, que atuou de forma intensa na divulgação deste dossiê tanto no Brasil quanto no exterior. A existência de diversos núcleos, laboratórios e grupos de pesquisa espalhados pelo Brasil [1] e com sólidas redes de colaboração internacional é a base sólida que permite que os estudos sobre a Antiguidade e suas recepções tenham se consolidado cada vez mais, a ponto de podermos construir um dossiê como este na Revista Brasileira de História. Essa ampla rede de cooperação representada pelas diversas ações regulares do GTHA-Anpuh [2] permitiu que o dossiê, apesar de ter sido lançado no final do ano e com prazo relativamente curto, encontrasse excelente acolhida. Desde o início, a contribuição da equipe da Revista Brasileira de História, muito particularmente do editor, professor Valdei Lopes de Araujo (Ufop), e do secretário, Marcus Vinicius Correia Biaggi (Anpuh), foi diligente, próxima e indispensável. As antiquistas que compõem o Conselho Editorial da Revista Brasileira de História, professoras Helena Papa (Unimontes) e Katia Pozzer (UFRGS), foram muito presentes, apoiando nosso trabalho em diversos momentos. Expressamos nossa gratidão!

Foram recebidas 15 excelentes contribuições de autores brasileiros e estrangeiros para a nossa chamada. Nesse ponto do processo, ganhou destaque e merece nosso mais efusivo agradecimento o trabalho dos pareceristas que se dedicaram não apenas a avaliar, mas também a qualificar com o máximo rigor e critério cada uma das propostas. A tarefa não era simples: havia 15 propostas muito qualificadas e só poderíamos publicar nove delas, por conta das normas do periódico. No total, trabalhamos com 36 pareceristas sediados no Brasil e no exterior para construirmos um quadro que permitiu a escolha cuidadosa dos artigos aqui apresentados. Essa seleção é ilustrativa, ainda que não seja exaustiva, da diversidade das pesquisas feitas pela nossa comunidade. Em que pese essa diversidade, há ainda alguma unidade que reflete o eixo proposto para o edital desde sua chamada inicial, que se expressava nestes termos:

Os desdobramentos dos vários processos de globalização e seus conflitos ao longo da história colocam em debate qual o papel das dinâmicas locais e de suas articulações ou interconexões em esfera global. Tal pauta assume relevância especial no tempo presente, em que a globalização apresenta paradoxalmente claros contornos de violenta exclusão. As pesquisas nesse campo para a Antiguidade são tão importantes que têm levado a uma redefinição do campo, como se vê em obras como Corrupting Sea, de Peregrine Horden e Nicholas Purcell (Horden; Purcell, 2000), e História Antiga, de Norberto Luiz Guarinello (Guarinello, 2013). As diversas abordagens teóricas, pensadas através dos processos de helenização, romanização, cristianização ou mediterranização, e também das críticas a seus limites, expressos sobretudo nas abordagens pós-coloniais e decoloniais, expressam a diversidade de estudos que temos produzido e debatido. Esse dossiê pretende servir como momento para um balanço e avaliação de possibilidades futuras de investigação.

Esses estudos sobre a Antiguidade que temos produzido e debatido no âmbito do GTHA-Anpuh, contudo, não se limitam à pesquisa sobre as sociedades antigas. Parte fundamental de nossas reflexões se volta para as tradições e representações que se produziram tendo como base fundamental a Antiguidade (tanto tradições intelectuais acadêmicas quanto culturais, expressas em linguagens tão diversas quanto as óperas e as séries em streaming, chegando aos jogos tradicionais ou de computador e narrativas populares e jornalísticas). Os estudos sobre os usos dos passados perpassam os vários momentos da existência de sociedades diversas ao longo do tempo. Isso ocorre com a nossa sociedade e com muitas e muitas outras que tomaram e tomam as várias Antiguidades como referência para se pensar a si mesmas (e é decisivo refletir criticamente sobre essas identidades construídas arbitrariamente por diferentes sociedades para si mesmas). O estudo da Antiguidade, sabemos, não pode ser pensado sem uma reflexão sistemática e aprofundada sobre os usos do passado, que são centrais para o estudo e releitura crítica desses passados (tanto os “antigos” quanto os que tomaram a esses “antigos” como elementos fundamentais para a construção de sua contemporaneidade, como apontam os estudos de François Hartog, na França, Francisco Murari e Pedro Paulo Funari, no Brasil, e José Antônio Dabdab Trabulsi com sua produção franco-brasileira).

Nesse campo dos usos do passado, ainda, assume relevância o ensino da História Antiga nos diversos níveis. O GTHA-Anpuh teve essa pauta no centro de seus debates desde sua criação (Silva, 2001), mas conheceu forte impulso a partir do debate sobre o lugar do Ensino da História com a reforma do Ensino Médio e a criação da BNCC no Brasil, além das mudanças que têm ocorrido na forma de se pensar o Ensino no mundo todo. Isso tem alimentado a discussão sobre esferas específicas no campo dos estudos sobre os usos do passado no que se refere especialmente à Antiguidade com a intensificação dos debates e o aprofundamento de práticas voltadas também para as atividades de Extensão. Esse movimento é percebido tanto pelo crescimento dos trabalhos apresentados nos encontros do GTHA-Anpuh quanto pelo aumento das publicações em nossos periódicos especializados.[3]

Em síntese, como expressa o título, este dossiê se volta à reflexão dos debates atuais na e sobre a História Antiga que têm sido produzidos no Brasil e no mundo, face aos dilemas e conflitos produzidos pela globalização e seus efeitos, sejam os positivos como os adversos. Trata-se, acima de tudo, de avivar e registrar um debate entre o mundo atual (em sua diversidade) e mundos antigos (idem), cuja conjunção permite fertilizar e tornar mais plural o próprio campo da História.

As contribuições publicadas neste dossiê refletem diferentes olhares para esse eixo geral proposto pelos editores. Problematizando as obras de Benjamin Isaac (2004) e Susan Lape (2010), Félix Jácome Neto faz importantes reflexões sobre racismo, etnocentrismo e preconceitos culturais. Localizando as deficiências conceituais e argumentativas dos discursos dos dois autores, Jácome Neto questiona a tese de uma suposta continuidade entre o racismo antigo e o moderno, pois as relações étnicas na Grécia Antiga seriam mais bem compreendidas se pensadas como formas não hereditárias de preconceito cultural ao invés de racismo, que tem uma história específica ligada à colonização europeia e ao tráfico negreiro da época moderna. Trata-se, então, de uma investigação sobre a relação entre etnicidade antiga e racismo moderno, com suas continuidades e permanências.

O estudo das recepções da Antiguidade e Usos do Passado se estabeleceu como um dos campos da área de História Antiga. Glaydson José da Silva, Pedro Paulo Funari e Renata Senna Garraffoni lembram, no entanto, que a reutilização do passado em contextos posteriores já era uma prática na própria Antiguidade. A frase de Horácio (epis., Il, 1, 156-7) “Graecia capta ferum victorem cepit et artes / Intulit agresti Latio” (“a Grécia conquistada conquistou a seu feroz conquistador e introduziu as artes no agreste Lácio”) é apenas um dentre tantos exemplos. Tais práticas tiveram continuidade com o Cristianismo, o Renascimento etc. Assim, há muito a ser explorado sob essa perspectiva. Objetivando compreender melhor esse fenômeno, os autores apresentam uma análise dessa dinâmica nos estudos de História Antiga e das definições, aproximações e distanciamentos entre recepção e usos do passado, contemplando, ainda, uma análise específica do caso de Curitiba, mostrando como a presença da Antiguidade greco-romana se manifesta na realidade brasileira.

Essas camadas temporais são exploradas e aprofundadas tanto nos artigos de Camila Ferreira Paulino da Silva e Leni Ribeiro Leite quanto no de Anderson Zalewski Vargas. No primeiro caso, investigam-se alguns usos do passado no próprio passado, quando as autoras discutem como o poeta Horácio se apropriou da tradição retórico-poética romana e grega de forma a estabelecer sua posição frente à sociedade romana, no contexto de alargamento de fronteiras e de fabricação de um novo regime político durante o Principado de Augusto. Ou seja, como estratégias retóricas foram utilizadas para fabricar, reinventar, atualizar, redefinir e reescrever o passado posicionando-o em relação aos jogos de poder em Roma. O tema da retórica também é predominante no segundo caso. No artigo de Vargas, porém, são avaliadas as dinâmicas entre Antiguidade e Contemporaneidade. O autor analisa como os recursos retóricos clássicos foram utilizados para persuadir os leitores do jornal Correio da Liberdade, publicado em Porto Alegre em 1831. A temática da recepção da Antiguidade no periódico gaúcho é percebida sobretudo a partir da peculiar apropriação da tirania ateniense de Pisístrato em matéria sobre o regime político brasileiro da época.

Em “Palavra de mulher”, Marta Mega de Andrade investiga a ação política das mulheres na história grega antiga, sobretudo na pólis. Compreendendo a questão como contemporânea, a autora analisa tragédias, comédias e epigramas funerários dedicados às mulheres no final do século V e início do século IV a.C, em Atenas, para pensar a persistência de requisições femininas aquém do direito políade, validadas pela comunidade e pela dimensão da “vida comum”, mesmo que as “vozes” não sejam passíveis de identificação a uma autoria feminina. A dimensão do cotidiano também é um espaço / tempo da política, e lá poderemos perceber esse logos gunaikos, uma “palavra de mulher”.

O estudo da chamada cultura material é fundamental para a compreensão das temáticas da área de História Antiga. Considerando isso, Gilberto da Silva Francisco, Haiganuch Sarian e Fábio Vergara Cerqueira partem do estudo de caso de uma ânfora de tipo panatenaico em figuras vermelhas atribuída ao artesão caracterizado como Pintor de Nicóxeno, conhecida na historiografia da área como “ânfora de Mississípi 1977.3.115”, para retomarem a Arqueologia da Imagem e posicioná-la entre a iconografia clássica e a cultura material. Para tal, discutem-se os conceitos de suporte e de contexto, elementos básicos para o tratamento arqueológico das imagens, realizando um debate teórico sobre esse tipo de metodologia. Pensando um mediterrâneo globalizado, os autores chegam à conclusão de que a integração não uniformizava a relação entre os povos específicos e o universo material ao seu redor. Assim, não se pode atribuir naturalmente um significado ático para imagens produzidas na Ática. Ao contrário, a imagem precisa ser pensada em um complexo quadro envolvendo materiais, circulação e recepção.

Essas complexas relações entre o local e o global também são temas das análises do austríaco Raimund Karl, da Bangor University. Autores clássicos, como Políbio, César, Estrabão e outros, escreveram sobre os “Celtas”, mas a Arqueologia permite realizar leituras diversas e aprofundar o conhecimento sobre esses atores históricos da Antiguidade. As fontes históricas clássicas e a Arqueologia não estabelecem uma relação simples de complementaridade, mas permitem colocar questões diversas e relativamente autônomas. A partir de algumas questões que percebeu quando coordenava um projeto sobre o sítio arqueológico de Meillionydd, na Península de Llŷn, localizada no País de Gales, Karl problematiza as diferenças, integrações e conflitos entre as várias sociedades “célticas” da Europa e seus vizinhos, bem como o próprio uso da temática “céltica”, tanto em passados mais recuados quanto em mais recentes.

Horacio Miguel Hernán Zapata questiona o pretexto de que não seria interessante para nós, latino-americanos, estudar a História Antiga oriental porque a temática não responderia aos interesses “nacionais” e não seria necessária para nosso contexto. Respondendo a esse tipo de provocação, o autor aponta três razões e algumas reflexões, defendendo que a História Antiga daquela parte do mundo é fundamental para nós e pode funcionar como uma espécie de “laboratório” que colabora para que possamos pensar todo um conjunto de diferenças socioculturais acerca dos modos de experiência social sob uma perspectiva histórica. Reconhecer essa diversidade de formas em que pode materializar-se a experiência humana ao longo da História é fundamental para nossa contemporaneidade.

Um exemplo da temática proposta por Zapata é apresentado no artigo de Jorge Elices Ocón, que aborda os monumentos antigos em contextos islâmicos. Analisando o discurso elaborado pelo DAESH, o autor aponta que, por trás de um caráter radical e destrutivo, a narrativa daquele grupo esconde complexos argumentos relacionados com a narrativa histórica que se objetiva construir a partir da Arqueologia, dos monumentos e dos museus. O grupo islâmico se apropria das ideias do discurso ocidental e colonialista e reinventa o passado, não somente ocultando a realidade de um tráfico de objetos antigos, mas também destruindo outras percepções dos monumentos elaboradas pelas comunidades locais a partir de suas memórias e tradições.

Como é possível perceber, desde que Eurípedes Simões de Paula – membro fundador da Anpuh e um de seus primeiros presidentes – deu as primeiras aulas de História Antiga em uma Universidade Brasileira, a área não parou de se ampliar, se ressignificar e se reinventar. Parte inseparável da historiografia brasileira, os debates produzidos pela área de História Antiga em nosso país têm colaborado para pensarmos questões sociais, econômicas e culturais próprias do nosso tempo, afinal, como dizia Benedetto Croce, “Ogni storia vera, è storia contemporanea” (Croce, 1912), e, de igual modo, Lucien Febvre, “L’histoire est fille de son temps” (Febvre, 1942, p. 2). Em um mundo cada vez mais glocal, é importante debatermos essas realidades interconectadas, evitando o que a escritora nigeriana Chimamanda Adichie chamou de “the dangers of a single story” (Adichie, 2009). Este dossiê aponta alguns direcionamentos. Boa leitura!

Notas

  1. Para uma informação detalhada sobre os grupos de pesquisa a que nos referimos, cf. o (novo!) sitedo GTHA: https: / / www.gtantiga.com / laboratorios-e-grupos-de-pesquisa. Acesso em: 11 maio 2020.
  2. O GTHA realiza, entre outras ações, um Encontro Nacional bianual e participa regular do Simpósio Nacional de História com a promoção de Simpósios Temáticos. Além disso, o GTHA mantém uma fanpageno Facebook e contas em outras redes sociais. Para deta- lhes, cf. https: / / www.gtantiga.com / . Acesso em: 11 maio 2020.
  3. Silva; Oliveira, 2017. Cf. dossiê completo: www.revistas.usp.br / marenostrum / issue / view / 10208. Acesso em: 11 maio 2020.

Referências

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. The Danger of a Single Story. TEDTalks, TEDGLOBAL, 2009. Disponível em: Disponível em: https: / / goo.gl / 3BdPCc . Acesso em: 11 maio 2020. [ Links ]

CROCE, Benedetto. Storia, cronaca, e false storie. Memoria letta all’Accademia pontaniana nella tornata del 3 novembre 1912 dal socio Benedetto Croce. Atti dell’Accademia Pontiana, v. XLII. Napoli: F. Giannini e figli, 1912. [ Links ]

FEBVRE, Lucien. L’incroyance au XVIe siècle: la religion de Rabelais. Paris: Albin Michel, 1942. [ Links ]

GUARINELLO, Norberto L. História Antiga. São Paulo: Contexto, 2013. [ Links ]

HORDEN, Peregrine; PURCELL, Nicholas. The Corrupting Sea: A Study of Mediterranean History. Oxford, UK; Malden, MA: Blackwell, 2000. [ Links ]

SILVA, Gilvan V. da. Editorial do GT de História Antiga. Hélade, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 6-7, 2001. Disponível em: Disponível em: http: / / www.helade.uff.br / Helade_2001_volume2_ numero2_NE.pdf . Acesso em: 11 maio 2020. [ Links ]

SILVA, Uiran G. da; OLIVEIRA, Gustavo J. D. Editorial. Mare Nostrum – Estudos sobre o Mediterrâneo Antigo, v. 8, p. iv-vii, 2017. [ Links ]

Fábio Faversani – Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Mariana, MG, Brasil. E-mail: [email protected] http: / / orcid.org / 0000-0002-3464-1020

Dominique Vieira Coelho dos Santos – Universidade de Blumenau (Furb), Blumenau, SC, Brasil. E-mail: [email protected] http: / / orcid.org / 0000-0002-0265-2921

Cristina Rosillo-López – Universidad Pablo de Olavide, Sevilla, España. E-mail: [email protected] http: / / orcid.org / 0000-0001-5451-841X


FAVERSANI, Fábio; SANTOS, Dominique Vieira Coelho dos; ROSILLO-LÓPEZ, Cristina. Apresentação. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.40, n.84, mai / ago., 2020. Acessar publicação original [DR]

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Educação em Perspectiva Local – Municipal / Cadernos de História da Educação / 2019

O presente dossiê, Educação em perspectiva local / municipal, pretende apresentar discussões relativas às escritas da História da Educação, mais precisamente, àquelas relacionadas às possibilidades de se investigar “novos” espaços e “novos” sujeitos. Com a extensão desses olhares emergem resultados de investigações direcionadas a cenários, épocas e temáticas até então pouco privilegiados, vindo à tona estudos dedicados a desvelar outras faces da constituição do sistema de instrução pública nos estados brasileiros e em alguns ambientes do território europeu, para além das análises macroestruturais (postura normalmente assumida pela chamada “historiografia tradicional”). Este adensamento das pesquisas centradas em espaços “menores” decorreu da formação e consolidação de grupos de pesquisas por todo o país, assim como no exterior, devotados à investigação de aspectos significativos da organização da instrução, tomando como referência os municípios, as instituições escolares (públicas e privadas), manuais pedagógicos, métodos de ensino, a imprensa (especializada ou não), etc.

Nesta ambiência, no caso do Brasil, a motivação para as pesquisas dedicadas à ação municipal sobre as coisas da instrução, aparece como reflexo da transmissão aos estados, por parte do governo federal, da responsabilidade pela educação pública. Este processo ganha mais relevo nas investigações do período compreendido da proclamação da República, em 1889, às primeiras décadas do século XX, correspondendo a um momento de grande evidência do papel dos municípios no debate sobre a situação educacional local, que abraçaram os princípios de civilidade, modernidade e progresso e procuraram superar o atraso herdado dos tempos do Império no campo da educação. Ademais, o analfabetismo – a grande chaga nacional – nessas localidades era sentido muito claramente como um dos maiores problemas, talvez o principal entrave ao seu desenvolvimento. A vereança nas Câmaras comungava a crença de que, pela via da educação, seria possível remodelar a ordem social, política e econômica e consolidar a nascente República, viabilizando sua inserção no rol das nações democráticas e civilizadas. Os republicanos municipais viam nessas ações não só o roteiro do progresso, mas também o caminho para se eliminar ou reduzir uma das principais máculas da sociedade brasileira: 80% de analfabetos, acumulados ao longo de séculos [3].

Indispensável ao progresso do país, à consolidação do novo regime e elemento de civilização, a educação – com especial ênfase na instrução pública – foi objeto de diversas iniciativas por parte do poder público. No ideário republicano a conformação de uma nova sociedade demandava, se confundia com a formação de um novo tipo de cidadão. Pela via da educação, acreditava-se ser possível alcançar esse duplo objetivo, crucial também para manter vivos os ideais de ordem e progresso inseridos no pendão nacional.

A pretendida transformação da realidade educacional nos primeiros anos republicanos, no entanto, esbarrava nas prescrições legais, uma vez que fora mantido o princípio da descentralização, advindo do Ato Adicional de 1834, remetendo a responsabilidade pela organização e difusão do ensino público aos estados e municípios. Essas duas instâncias, portanto, nas primeiras décadas republicanas, tomam relevância no debate, na formulação e implantação de propostas efetivas de intervenção, no âmbito da instrução popular.

Em Minas Gerais, a estrutura legal – Constituição, lei de instrução e regulamento escolar – concedia às Câmaras Municipais relativa autonomia (e, igualmente, responsabilidade), podendo deliberar e estabelecer linhas de intervenção sobre a instrução primária e diversos outros assuntos [4]. Nesse contexto, a realidade municipal aparece como lócus privilegiado do esforço pela organização da instrução pública e o seu estudo adquire relevância para a história da educação.

Impasses entre centralização e descentralização marcaram o desenvolvimento educacional brasileiro ao longo dos séculos XIX e XX, pendendo ora para uma tendência, ora para outra, como num movimento pendular. O município se configura, nesse contexto, não apenas como ente político-administrativo, mas também como um território pedagógico, tendo em vista que o poder local assumiu a função de organizar e definir princípios próprios para a instrução municipal, bem como abrir escolas, contratar professores, orientar métodos, etc. O processo de organização da instrução na esfera local, em Minas Gerais, pode ser assim caracterizado:

ao se falar de educação em Minas Gerais no início da República, e talvez na maioria dos estados da Federação Brasileira, não se pode pensar num sistema único de ensino, ou num processo que atinja homogeneamente todo o território. Na realidade, o processo é heterogêneo e multifacetado. Existe a ação do Estado e existem as iniciativas complementares dos municípios. Há também omissões nas duas instâncias. Estão presentes, ainda, tentativas de se suprir as ausências de um ou outro [5].

Em Minas Gerais, logo nos primeiros anos da República, foram aprovados leis e decretos que visavam reformar o ensino público primário. O texto constitucional mineiro, diferentemente da Carta Federal, dispensava maior atenção a essa questão, estabelecendo a competência estadual para legislar e promover o desenvolvimento da instrução primária em seus domínios. Além disso, a constituição estadual estabelecia a divisão administrativa do estado em municípios e distritos e definia como objeto de livre deliberação das câmaras municipais, dentre outras coisas, a instrução primária e profissional:

Art. 75. II – A administração municipal inteiramente livre e independente em tudo quanto respeita ao seu peculiar interesse, será exercida em cada município por um conselho eleito pelo povo, com a denominação de Câmara Municipal. […]. IV – O orçamento municipal, que será anual e votado em época prefixada, a polícia local, a divisão distrital, a criação de empregos municipais, a instrução primária e profissional, a desapropriação por necessidade ou utilidade do município e alienação de seus bens, nos casos e pela forma determinada em lei, são objeto de livre deliberação das câmaras municipais, sem dependência de aprovação de qualquer outro poder, guardadas as restrições feitas nesta Constituição [6] [grifos nossos].

O estado se aproveitou dessa brecha constitucional e também de outros dispositivos legais, como os previstos na lei mineira de número 2, de 14 de setembro de 1891, que “Contém a organização municipal”, que permitia às câmaras municipais “operar livremente no campo da instrução pública, criando escolas, contratando professores, fiscalizando atividades, etc” [7], para transferir / dividir os custos da escolarização popular. Dessa forma, coube aos municípios boa parte dos encargos para se promover, organizar e administrar a educação pública em sua área de competência. Isso nos permite considerar que na esfera municipal se desenvolveu grande parte do esforço republicano de organização da instrução pública, sendo significativas as realizações educacionais ocorridas nesse âmbito.

Diante da ação insuficiente ou pouco efetiva do estado, o poder municipal, respaldado ou estimulado pela legislação, se manifestava de diferentes formas: aprovando leis específicas em sua jurisdição, criando escolas, contratando e remunerando os professores, distribuindo material didático, destinando verbas para o custeio das escolas municipais e, por vezes, também, reivindicando junto ao governo estadual ações complementares em benefício da instrução pública municipal.

A Lei nº 41, de 1892, primeira reforma republicana no campo da educação em Minas Gerais, reorganizou a instrução pública. Apesar de não tratar especificamente da autonomia municipal, continha prescrições neste sentido, reforçando a liberdade de ação do poder local. Por conta desse instrumento legal, cabe aqui uma ressalva importante: não se trata de descentralização educacional propriamente dita, ao menos em termos de legislação. Desde 1892, apenas um ano após as Constituintes Federal e Estadual finalizarem seus trabalhos, o governo mineiro já tinha uma lei própria regulando a instrução pública em seus domínios, não se podendo afirmar que os municípios gozassem, portanto, de plena autonomia em termos educacionais.

Contudo, verifica-se na prática e na investigação documental que existia uma lacuna, um vazio – uma omissão? – para com as mazelas e reclamos da instrução, que será preenchida pelos municípios. Diante da crescente demanda por educação, reprimida no passado e ampliada pelas promessas da República, o poder local passa a intervir nesses assuntos. Na prática, nas duas primeiras décadas republicanas em Minas Gerais, boa parte da ação educativa se realizava em nível local.

As limitações orçamentárias do governo estadual reforçavam a sua disposição em compartilhar, ou mesmo transferir as responsabilidades e os encargos da educação pública. A preocupação do governo mineiro era que a escolarização avançasse, mas com custos que não onerassem demasiadamente as disponibilidades do estado, buscando reforço nos mais diferentes setores: “oferecer escolas à população, independentemente de sua origem pública ou privada, estadual ou municipal, leiga ou religiosa [8] ”. A participação das municipalidades nos negócios da instrução se adequava perfeitamente a esses propósitos.

A ação do poder municipal nesse campo pode ser caracterizada como atuação pedagógica, o que nos levou a denominar esse tipo de ator como “município pedagógico [9] ”, possibilitado nos primeiros anos do período republicano pelas brechas do aparato legislativo e pela omissão e carência de recursos por parte do estado. Segundo Gonçalves Neto e Carvalho essa entidade permite-nos

compreender a realidade local para além de sua dimensão político-administrativa e pensá-la também como um espaço voltado para os aspectos educacionais, como um organismo também pedagógico, preocupado com a formação intelectual de seus munícipes e não apenas com as condições econômico-materiais que se sobressaem nas ações das administrações públicas [10].

Nestes termos, o município configurou-se como instância de decisão e ação – política, administrativa e educativa. O poder local tem suas prerrogativas ampliadas e passa a desempenhar função importante em diferentes esferas, inclusive no fomento da instrução pública. A criação / supressão, transferência e manutenção de escolas, contratação e pagamento dos professores, dentre outros assuntos referentes à instrução, passaram a ser de interesse e, muitas vezes, responsabilidade dos municípios. Com essas iniciativas, somadas ao debate que ocorre no interior de muitas câmaras municipais sobre o papel da educação na promoção do desenvolvimento dos municípios e da nação, sobre os princípios que deveriam nortear a ação pública voltada para a educação, entre outras, se “advoga um poder local com capacidade de tomar iniciativas políticas, discutir e editar leis, em complemento ou para além das atribuições concedidas pelos estados” [11]. Ou seja, a omissão ou insuficiência do estado de Minas Gerais, que não permitiam vislumbrar escolarização para a infância local, tornou possível ou estimulou a intervenção do poder municipal nos negócios da instrução, gerando um contexto particular de parceria entre estado e município.

No entanto, é importante ressaltar que as análises da ação educativa municipal não devem ser tomadas isoladamente dos contextos mais amplos que as cercam, mas de forma articulada com as situações de âmbito nacional e estadual. Em Minas Gerais, por exemplo, Gonçalves Neto e Carvalho observam:

entende-se que existia uma espécie de complementaridade de esforços entre estados e municípios. (…) … a responsabilidade pela educação passa, tacitamente, para o âmbito dos estados e estes, quando possível, como em Minas Gerais, repassam parte da incumbência aos municípios. E isso estimula ou permite a concretização do que estamos chamando de município pedagógico, pois este, não tendo a quem repassar a obrigação e lidando diretamente com as demandas dos cidadãos, acaba por assumir a educação e a organizá-la dentro dos seus limites [12].

Daí a importância de se estudar o processo de organização da instrução pública na dimensão local, bem como suas relações com as instâncias estaduais e nacional. Numa mudança de perspectiva, o município deve ser concebido enquanto objeto historiográfico, perspectiva sob a qual Carvalho&Carvalho salientam que “é possível articulá-lo com a política nacional / global sem se perder de vista o local [13] ”. A realidade educacional municipal das primeiras décadas republicanas possui características próprias, que podem se articular ou mesmo contradizer processos educativos mais amplos nos quais se inserem ou as circundam. Em outros termos, reconhecer a importância da iniciativa local no processo de organização da instrução pública significa também identificar os limites e os problemas que conformaram essa ação educativa e a instrução pública municipal.

Em linhas gerais, no alvorecer da República há um intenso debate sobre a questão da escolarização da sociedade, o qual era marcada por carências de diversas ordens e pelo estado de precariedade e desorganização característicos da realidade imperial, bem como da própria República nascente. Embora os municípios estivessem impregnados pelos mesmos anseios e limitações, as transformações importantes por que foram passando – inclusive no âmbito da urbanização – e a crença no poder regenerador / propulsor da educação levaram-nos à busca da superação do arcaico passado e à busca de um porvir auspicioso, que podiam ser vislumbrados pelas portas das escolas, que promoveriam a necessária formação das futuras gerações, a grande esperança da comunidade.

Por último, destacamos que o dossiê Educação em perspectiva local / municipal, corresponde a uma possibilidade interpretativa, construída a partir das pesquisas aqui reunidas – e de outras que vêm se consolidando nos últimos anos. Dito de outra forma, as considerações apresentadas podem ser tomadas como um convite a novas reflexões que, além de contribuírem para a compreensão da temática, acenam também como parte de um processo investigativo que não deve ser descontinuado. Direcionar o foco de análise para o nível local implica na percepção do papel desempenhado pelos municípios, na forma como o poder local participa do esforço republicano em prol da educação. Desse modo, acreditamos que as reflexões aqui apresentadas, sobre as ações dos municípios, podem oferecer subsídios para uma melhor compreensão da história da educação no Brasil nos primeiros anos da República – e também em períodos posteriores / anteriores – e sobre o processo de organização da instrução pública brasileira de uma forma geral. E também uma perspectiva ampliada e comparativa quando acoplada aos resultados de estudos europeus que fazem parte do dossiê.

Notas

3. O índice de alfabetização nacional em 1920, conforme o Recenseamento realizado naquele ano, era de 24,5%. Em alguns estados da federação esse número era ainda menor, indicando “a situação calamitosa da educação popular no Brasil (…) quando comparada com a de outros países. Os dados são fornecidos pelo próprio censo de 1920. Na população de 7 anos ou mais, o Brasil tinha 31% de alfabetizados, a Argentina tinha 62%, exatamente o dobro. O fosso cresce ainda mais se compararmos o país com a França ou os Estados Unidos. Na primeira, a alfabetização da população de 10 anos ou mais era de 89%, nos Estados unidos, de 94%”. Conferir CARVALHO, Carlos Henrique. República e imprensa, p. 141.

4. Conferir vários exemplos desse tipo de intervenção camarária na instrução mineira em GONÇALVES NETO, Wenceslau & CARVALHO, Carlos Henrique de (Org.). O Município e a Educação no Brasil: Minas Gerais na primeira república, 2012; GONÇALVES NETO, Wenceslau & CARVALHO, Carlos Henrique de. Ação Municipal e Educação na Primeira República no Brasil, 2015.

5. GONÇALVES NETO, Wenceslau & CARVALHO, Carlos Henrique de. Impasses e desafios à organização da instrução pública nas Minas republicanas, p. 21.

6. MINAS GERAIS, 1891.

7. GONÇALVES NETO, Wenceslau. Capital e interior, p. 198.

8. GONÇALVES NETO, Wenceslau. O Município e a Educação em Minas Gerais, p. 39.

9. De acordo com Wenceslau Gonçalves Neto, em Repensando a história da educação brasileira na Primeira República, p. 14-15: “O município pedagógico, uma categoria em formação, está sendo entendida provisoriamente como uma entidade político-administrativa presente no Brasil, possibilitada na segunda metade do século XIX pela presença se uma legislação descentralizadora da gestão do ensino e a extensão da responsabilidade para com a instrução primária aos seus limites, levando à regulamentação local dessa obrigação. Também se inclui nesse conceito a apropriação que as elites fazem dessa responsabilização, tirando proveito para a concretização de objetivos particulares, relacionados à manutenção da ordem, disseminação de ideologia própria e delimitação de uma identidade municipal. Deve-se acrescentar que esse movimento é possibilitado pela difusão da crença no poder regenerador da educação e da necessidade de implantação de sistemas escolares para sua implementação”.

10. GONÇALVES NETO, Wenceslau & CARVALHO, Carlos Henrique de. A ação Municipal nos assuntos da Educação na Primeira República brasileira, p. 12.

11. GONÇALVES NETO, Wenceslau. O Município e a Educação em Minas Gerais, p. 31.

12. GONÇALVES NETO, Wenceslau & CARVALHO, Carlos Henrique de. A ação Municipal nos assuntos da Educação na Primeira República brasileira, p. 13.

13. CARVALHO, Luciana Beatriz de Oliveira Bar de & CARVALHO, Carlos Henrique de. O lugar da educação na modernidade luso-brasileira no fim do Século XIX e início do XX, p. 68.

Referências

CARVALHO, Carlos Henrique de. República e imprensa: as influências do positivismo na concepção de educação do professor Honório Guimarães (Uberabinha-MG, 1905–1922). Uberlândia: EDUFU, 2007.

CARVALHO, Luciana Beatriz de Oliveira Bar de & CARVALHO, Carlos Henrique de. O lugar da educação na modernidade luso-brasileira no fim do Século XIX e início do XX. Campinas: Alínea, 2012.

GONÇALVES NETO, Wenceslau & CARVALHO, Carlos Henrique de, Impasses e desafios à organização da instrução pública nas Minas republicanas. In: O Município e a Educação no Brasil: Minas Gerais na primeira república. Campinas: Alínea, 2012, p. 9-22.

GONÇALVES NETO, Wenceslau & CARVALHO, Carlos Henrique de. A ação Municipal nos assuntos da Educação na Primeira República brasileira: algumas considerações. In: Ação Municipal e Educação na Primeira República no Brasil. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2015, p. 7-18.

GONÇALVES NETO, Wenceslau. O Município e a Educação em Minas Gerais: a implementação da instrução pública no início do período republicano. In: GONÇALVES NETO, Wenceslau & CARVALHO, Carlos Henrique de (Org.). O Município e a Educação no Brasil: Minas Gerais na primeira república. Campinas: Alínea, 2012, p. 39.

GONÇALVES NETO, Wenceslau. Repensando a história da educação brasileira na Primeira República: o município pedagógico como categoria de análise. In: LOMBARDI, José Claudinei (Org.). Navegando na História da Educação Brasileira. Campinas: Faculdade de Educação UNICAMP, 2006, p. 1-15. Disponível em: http: / / www.histedbr.fe.unicamp.br / navegando / artigos frames / artigo105.html (consulta em 21 / 05 / 2018).

GONÇALVES NETO, Wenceslau. Capital e interior: manifestações em prol da instrução pública em Ouro Preto e Uberabinha (MG) nos anos iniciais da República Brasileira. Educação em Revista, vol.26, n. 02, 2010, p. 189-208.

MINAS GERAIS. Governo do Estado. Constituição do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte: Assembleia Legislativa de Minas Gerais, 1891.

Carlos Henrique de Carvalho – Doutor em História pela Universidade de São Paulo. Professor da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia. Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq e do Programa Pesquisador Mineiro da FAPEMIG. E-mail: [email protected]

Wenceslau Gonçalves Neto – Doutor em História pela Universidade de São Paulo. Professor dos Programas de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Uberaba e da Universidade Federal de Uberlândia. Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq e do Programa Pesquisador Mineiro da FAPEMIG. E-mail: [email protected]


CARVALHO, Carlos Henrique de; GONÇALVES NETO, Wenceslau. Apresentação. Cadernos de História da Educação. Uberlândia, v. 18, n.1, jan. / abr., 2019. Acessar publicação original [DR]

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Guerra Fria: entre o local e o global / Diálogos / 2018

Este dossiê reúne artigos produzidos por conta do simpósio internacional “Guerra Fria: entre o local e o global”, promovido pelo Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (INEST-UFF) em setembro de 2017, com apoio e financiamento da CAPES. Os artigos nele reunidos pretendem apresentar casos específicos das articulações entre questões locais e globais durante a Guerra Fria.

Ao longo da Guerra Fria, os embates se acirraram não apenas nos campos de batalha, mas também entre os intelectuais. No primeiro artigo do dossiê, “A Guerra Fria na historiografia revisionista: a política externa dos Estados Unidos com a China, 1890-1909”, Flávio Alves Combat analisa as obras de William Appleman Williams e Walter LaFeber com o objetivo de verificar de que forma a historiografia revisionista analisou a chamada “Open Door Policy”, de fins do século XIX e início do XX, entendendo nela as origens de uma série de antagonismos da Guerra Fria.

Em “George Frost Kennan e a arquitetura da política externa dos EUA na gênese da Guerra Fria” são analisados os pressupostos intelectuais em torno da principal formulação de política externa dos EUA do período. Ao conectar a história familiar do diplomata, suas vivências na URSS, o acurado olhar sobre as tradições russas e os princípios políticos soviéticos, Sidnei J. Munhoz esmiúça a elaboração e os princípios por trás da chamada “Doutrina da Contenção” e as críticas de Kennan à forma como ela foi colocada em prática pelo Departamento de Estado.

Outro embate intelectual e suas conexões com a política externa estadunidense ocorreu entre neoliberais e neoconservadores diante da Revolução Nicaraguense, foco do artigo de Roberto Moll Neto. A partir da análise de dois periódicos vinculados a aqueles grupos políticos, o artigo demonstra não apenas a centralidade que o debate sobre o sandinismo alcançou na política externa dos EUA naquele momento, mas também as visões circulantes sobre a América Central e seus povos e as possíveis estratégias de atuação do governo Reagan. Como demonstrado, não havia um consenso e tampouco uma forma única de se analisar a situação, com propostas concorrentes e que expressavam não apenas as dinâmicas da Guerra Fria, mas também as disputas domésticas e aquelas internas aos dois principais partidos dos EUA.

A última década da Guerra Fria também é o foco do artigo de Vágner Camilo Alves e Mariana Guimarães Alves da Silveira. Em “A Guerra Fria e o inimigo comunista nas telas de cinema norte-americanas dos anos 1980”, são analisados os filmes de língua inglesa de maior audiência na década que abordaram diretamente temas da Guerra Fria. Conforme demonstrado, o pico de produções se deu na metade da década, no auge das tensões entre o governo Reagan e os soviéticos, com queda acentuada na quantidade, tipo e audiência após a ascensão de Gorbatchev e o início das reformas na URSS, quando o chamado “perigo soviético” foi perdendo sentido.

No auge da Guerra Fria, as disputas por informações sobre a outra superpotência levaram a um processo intenso de coleta de dados e vigilância, cuja faceta mais evidente foi o lançamento sistemático de satélites artificiais e de missões ao espaço sideral. Em “Bring data! Corrida espacial e inteligência”, Leandro Siqueira apresenta aquele momento, relacionando-o à simultânea corrida nuclear, destacando de que forma o lançamento de equipamentos secretos de vigilância de territórios, governos e populações foi parte essencial da Guerra Fria e marcou os elementos constituintes dos dispositivos de poder das sociedades de controle atuais.

O estudo de Elitza Bachvarova, em “A Polícia Política na Bulgária Socialista – A ‘Máquina de Legitimação’ do regime, 1944-1989” apresenta os mecanismos de controle da sociedade pelo partido na zona de influência da URSS. A partir do resgate da história de vigilância, controle e repressão política prévia ao controle soviético sobre o país, o artigo relaciona estruturas sociais arraigadas à constituição de um novo, mais complexo e disseminado aparato de controle por parte do regime comunista na Bulgária, apresentando também como ele foi somente parcialmente  desmantelado ao fim daquele período.

O artigo “A Guerra Fria vista a partir do Sul”, de Beatriz Bissio, abre outro bloco do dossiê, destinado às políticas não diretamente relacionadas às duas superpotências. Seu estudo apresenta as continuidades e rupturas no chamado “Espírito de Bandung”, isto é, os movimentos políticos dos países do Sul Global de crítica à ordem internacional. Atravessando largo período de tempo – das independências após a Segunda Guerra Mundial, à conformação do bloco BRICS já no século XXI – o artigo demonstra as permanências, dificuldades e crises internas enfrentadas pelos diferentes blocos constituídos com o objetivo de alterar a correlação de forças no sistema internacional.

Uma das mais longas e dramáticas crises da Guerra Fria foi a do desmonte do Império Português, marcada por intensas guerras de independência e encerrada com a Revolução dos Cravos. Na análise de Adriano de Freixo, em “A crise do último império: a Guerra Fria e as décadas finais do colonialismo português (1945-1975)”, entram não apenas os aspectos domésticos já intensamente estudados pela historiografia, como também as conexões estabelecidas com o capitalismo internacional e o oportunismo português ao lidar com o controle de espaços e matérias primas estratégicas, que proporcionaram décadas de sobrevida ao regime.

Outro conflito alheio às disputas entre as superpotências é analisado por Gabriel Passetti no artigo “A construção de uma crise: usos da história por intelectuais argentinos na contestação aos tratados com o Chile nas décadas de 1960 e 1970”. O embate entre duas ditaduras pelo controle de ilhas no extremo sul do continente foi marcado pelo engajamento de uma série de intelectuais na construção de um clima belicoso e de uma narrativa histórica sobre as relações entre os dois países. Como demonstra o artigo, a quase guerra pelo canal Beagle, em 1979, teve raízes assentadas em uma série de publicações e na construção de uma versão histórica nas duas décadas anteriores.

Dennison de Oliveira, em “Da Segunda Guerra Mundial à Guerra Fria: políticas militares estadunidenses para a América Latina (1943-1947)” apresenta vasta documentação inédita, guardada nos arquivos dos EUA, em que é possível verificar intensos debates entre os Departamentos do governo daquele país em torno de como proceder diante dos dilemas de Defesa impostos pela América Latina. O artigo apresenta os diferentes projetos elaborados para o reequipamento do Hemisfério após a Segunda Guerra Mundial, as distintas preocupações do Exército, da Marinha e do Departamento de Estado, e os interesses políticos, estratégicos e mercadológicos em torno da reconfiguração do sistema interamericano.

Muitas vezes as dicotomias da Guerra Fria se concretizaram em disputas intensas no interior  das sociedades. Este é o caso analisado por Paulo Cunha em “Os militares entre a paz armada e a Guerra Fria”. No artigo, são retomadas as histórias do nacionalismo militar de esquerda e as suas intervenções bem-sucedidas em torno do monopólio estatal do petróleo e da não participação brasileira no conflito coreano. Por intermédio da análise de material da Comissão Nacional da Verdade, o artigo demonstra de que forma a repressão sobre este grupo foi intensa ainda no início da década de 1950.

Com a publicação deste dossiê, pretendemos contribuir na disseminação dos resultados de pesquisas sobre o período da Guerra Fria, em especial naquelas que procuraram articular os aspectos globais do conflito aos dilemas, crises e embates em nível local. Os artigos demonstram que, de Washington a Bandung, de Sófia ao canal Beagle, aquelas pouco mais de quatro décadas articularam disputas entre duas superpotências que se disseminaram e foram instigadas por rivalidades e interesses pessoais e de grupos específicos, também em dinâmicas nacionais e regionais.

Gabriel Passetti –  Professor de História das Relações Internacionais e do Programa de Pós-graduação em Estudos Estratégicos, no Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (INEST-UFF), bolsista produtividade em pesquisa do CNPq. E-mail: [email protected]

Sidnei J. Munhoz –  Professor do departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Estadual de Maringá (UEM), bolsista produtividade em pesquisa do CNPq. E-mail: [email protected]

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