A fotografia em instituições de memória: experiências no Brasil e em Portugal / Revista de História da UEG / 2020

No dossiê “A fotografia em instituições de memória: experiências no Brasil e em Portugal”, reunimos entrevistas e artigos que trazem uma série de informações, reflexões e problematizações em torno da pesquisa sobre fotografia, tendo em vista sua presença em instituições de memória. O dossiê insere-se num contexto de incorporação da fotografia nos campos de estudo da História, da Antropologia, da Comunicação e das Artes, dando continuidade a um processo iniciado há algumas décadas. De acordo com o balanço historiográfico realizado por Ana Mauad (2016), os estudos, ao tomarem a fotografia como objeto e fonte de investigação, têm possibilitado significativos avanços nas reflexões sobre diversos temas: as formas de linguagem, as maneiras de representação do mundo social, o modo como as imagens amparam vivências individuais e coletivas, bem como a influência da imagem nas formas de percepção do espaço e do tempo e nas políticas de memória. As pesquisas, em suas diferentes vertentes teóricas, têm refletido tanto sobre os modos de produção das imagens, como sobre suas formas de circulação e de apropriação social.

Nesse processo, foi e tem sido vital a organização e a disponibilização de acervos fotográficos [1] públicos e privados, pessoais ou institucionais, que amparam pesquisas em diferentes domínios e sem os quais não teria sido possível trilhar grande parte dos caminhos percorridos. Ao serem abrigados por instituições que são concebidas como lugares de memória (NORA, 1993), – tais como os arquivos, museus, bibliotecas, centros de documentação – estes acervos adensam o patrimônio histórico e cultural de seus respectivos países. Tanto no Brasil quanto em Portugal, verifica-se certa sensibilidade para a necessidade de guarda, tratamento e disponibilização dos acervos fotográficos. Há, nestes dois países, instituições públicas e privadas que são referências importantes para o trabalho com a história da cultura visual fotográfica e que se tornaram verdadeiros repositórios, capazes de viabilizar o trabalho com as memórias dos sujeitos, das famílias, dos governos, dos movimentos sociais e, também, dos próprios fotógrafos, com suas histórias pessoais, seus aparelhos, técnicas e métodos de trabalho. Nos limites desta apresentação, não será possível traçar um panorama da situação dos acervos fotográficos nos dois países, mas podemos indicar alguns aspectos para reflexão.

No caso do Brasil é possível afirmar que três instituições podem ser vistas como referência para o trato dos acervos fotográficos, pois contribuíram e ainda contribuem para pensar as políticas de guarda, preservação e difusão: a Funarte, a Biblioteca Nacional e o Instituto Moreira Salles. A Funarte começou a atuar no final da década de 1970 por meio do seu Núcleo de Fotografia, renomeado INFoto (Instituto Nacional de Fotografia) em 1984, e colaborou na implantação de uma política pública para os acervos fotográficos do país (VASQUEZ, s / d). Graças especialmente ao Programa Nacional de Preservação e Pesquisa da Fotografia, o INFoto contribuiu para disseminar a importância da valorização dos acervos fotográficos em arquivos públicos e particulares, universitários e sindicais, nos âmbitos federal, estadual e municipal (VASQUEZ, s / d). Foi nesse âmbito de atuação que surgiu a colaboração com a Biblioteca Nacional por meio do Projeto de Preservação do Acervo Fotográfico da Biblioteca Nacional (PROFOTO), iniciado em 1990, e que se revelou um dos mais importantes trabalhos com acervos fotográficos do país. A Biblioteca Nacional se tornou, com essa iniciativa, uma referência “(…) na afirmação e na definição de uma política de tratamento das coleções fotográficas representada por meio de publicações técnicas, orientação, processo de identificação e indexação, bem como da guarda desse material” (ZAHER, 2004). Já o Instituto Moreira Salles afirmou-se nas duas últimas décadas como uma referência na constituição de acervos fotográficos de caráter autoral, com ênfase especial em fotógrafos do século XIX e XX, contendo cerca de 800 mil fotografias. Muitas outrasinstituições no país guardam acervos fotográficos de relevância, tais como Arquivo Nacional, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o Museu Paulista da USP, a Fundação Joaquim Nabuco, o Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa e o Arquivo Público Mineiro. Para oferecer uma visão mais ampla do assunto, teríamos que levar em consideração as instituições públicas e privadas do âmbito estadual e municipal, as bibliotecas, centros de documentação de universidades, etc. Além disso, teríamos que acrescentar a presença da fotografia nas coleções dos museus de arte. Enfim, fazer um balanço da situação dos acervos fotográficos no país é muito delicado, mas é possível afirmar, seguindo Aline Lacerda (2012, p. 284), que a fotografia se apresenta de maneira sistemática nos arquivos, sejam eles públicos ou privados, institucionais ou pessoais.

Uma questão importante diz respeito à digitalização de acervos, que é um desafio enfrentado pelas instituições de memória a partir da década de 1990. Desde então, vários projetos têm sido implantados. De acordo com Rubens Silva (2006), a digitalização permite a preservação da memória visual, traz a possibilidade de fortalecer as identidades e de ampliar os conhecimentos no que tange à formação educacional e cultural, principalmente quando ocorre a disponibilização de acervos online. Assim, o acesso remoto, ao mesmo tempo em que maximiza a utilização, satisfaz parcialmente as necessidades e as demandas da sociedade e, embora não permita o acesso à materialidade dos objetos fotográficos, apresenta-se como um caminho possível para democratizar a informação. Alguns exemplos de sucesso nesse campo podem ser citados: a Biblioteca Nacional Digital, o Instituto Moreira Salles e o Arquivo Público Mineiro. Cabe destacar, pela sua excelência, o projeto da Brasiliana Fotográfica, que é um dos desdobramentos da expertise alcançada pela Biblioteca Nacional no tratamento dos acervos fotográficos. A iniciativa surgiu da parceria com o Instituto Moreira Salles (IMS), obtendo posterior adesão de outras instituições [2]. O acesso remoto de acervos fotográficos abre a possibilidade de fruição, ampliação da consciência, facilita o acesso de pesquisadores, constitui uma forma de preservar o documento original, abrindo oportunidades para a produção de conhecimento crítico. Um dos grandes desafios atuais diz respeito à entrada dos arquivos nato-digitais nos acervos fotográficos das instituições de memória.

Em Portugal, existem instituições de referência para o estudo e para a conservação da fotografia, tal como o Centro Português de Fotografia, o Arquivo Municipal Fotográfico de Lisboa e o Arquivo de Documentação Fotográfica da Direcção Geral do Património Cultural, cuja coordenadora, Alexandra Encarnação, é entrevistada neste dossiê. O projeto de investigação Fotografia no Arquivo e no Museu Colonial Português 1850 – 1950, desenvolvido em 2013 e coordenado pela historiadora Filipa Lowndes Vicente, explorou a existência de fotografias em diversas instituições de memória em Portugal e analisou-as à luz dos debates internacionais historiográficos sobre o colonialismo e a condição colonial. Graças a esse trabalho, podemos construir uma visão ampla sobre a presença da fotografia nos acervos de diversas instituições [3]. Mais precisamente, nesse contexto, a existência de fotografias em instituições de memória em Portugal foi exaustiva e até então, a nosso conhecimento, ineditamente mapeada – ainda que sob a perspectiva da sua inscrição ou afetação a um contexto colonial. Desde então, alguns desses arquivos e fundos vêm passando por reconfigurações institucionais, como, por exemplo, o Instituto de Investigação Científica Tropical, hoje sob a tutela da Universidade de Lisboa. Além disso, foram surgindo outros projetos de pesquisa na área da fotografia, – como, por exemplo, a OPSIS – Base Iconográfica de Teatro em Portugal, Mobilizando Arquivos, Photo Impulse, Perphoto –, assim como conferências, publicações, colóquios e investigações acadêmicas dedicadas ao estudo da fotografia no contexto histórico português, bem como à relação entre fotografia e (sua representatividade no e do) arquivo.

O arquivo surge então aqui como um conceito sinônimo de instituição de memória, embora possamos considerar a existência de arquivos não institucionais, tais como os fundos pessoais e as fotografias “soltas”, ou seja, não consideradas enquanto corpus arquivável. Desde há cerca de uma década, assistimos igualmente a uma gradual afirmação no panorama cultural português de instituições de memória dedicadas, direta ou indiretamente, à fotografia, tais como: o Museu da Imagem em Movimento, em Leiria; a Casa-Estúdio Carlos Relvas, na Golegã; ou, mais recentemente renovado, o Museu de Fotografia da Madeira – Atelier Vicente’s, no Funchal. À semelhança do caso brasileiro, outro movimento importante no contexto português tem sido o da dinamização de projetos de constituição de fundos fotográficos digitais disponibilizados (exclusivamente ou não) online, que promovem a difusão de seus acervos e facilitam o trabalho dos pesquisadores [4].

Ainda à semelhança do caso brasileiro, para termos uma visão mais ampla da representatividade dos acervos fotográficos em instituições de memória em Portugal, deveríamos considerar a sua presença em nível distrital, municipal, das bibliotecas e de centros de documentação diversos; e, sobretudo, considerar a sua presença nas coleções dos museus de arte, onde se privilegia uma prática fotográfica autoral. Consideramos que o balanço da situação dos acervos fotográficos no caso português é ainda mais incerto do que no caso do Brasil, tendo sido pouco pesquisado de forma sistemática. Mas, em suma, na última década, assistimos em Portugal a um processo de consideração da fotografia, quer enquanto imagem / janela quer enquanto objeto / material, e mais particularmente como fonte de interesse da disciplina da História (e das ciências sociais em geral). Assistimos ainda ao aumento dos estudos e cuidados (de restauro, conservação, inventariação, digitalização…) com as coleções fotográficas, ou ao seu devir institucional: a sua integração em arquivos e acervos, bem como a uma crescente visibilidade da fotografia em museus e exposições de natureza diversa.

O presente dossiê reúne duas entrevistas e oito artigos. No que tange às entrevistas, temos duas conversas bem interessantes com representantes de instituições de alta relevância para a memória cultural e histórica de seus respectivos países. Pela Biblioteca Nacional do Brasil, temos Joaquim Marçal Ferreira de Andrade, servidor da instituição há trinta e nove anos, que fez um amplo balanço do trabalho com os acervos fotográficos que esta vem realizando há algumas décadas, o que a tornou referência na área. Pelo Arquivo de Documentação Fotográfica, temos Alexandra Encarnação, que faz um balanço dessa mesma instituição de grande relevância no que diz respeito ao panorama dos arquivos fotográficos em Portugal, assim como do trabalho desenvolvido pela mesma na guarda de outros acervos. Na entrevista, destaca-se ainda alguns exemplos de coleções e imagens no arquivo, fundamentais quer para a história da fotografia em Portugal quer na Europa.

No que diz respeito aos artigos, talvez devido ao fato de ser esta publicação uma iniciativa “brasileira”, houve uma resposta mais expressiva em relação às pesquisas que incidem em coleções fotográficas no Brasil. Na apresentação dos artigos, optamos por trazê-los em conjuntos. Temos dois artigos nos quais os autores, cada qual partindo de uma fotografia específica, problematizam a participação das referidas imagens nas práticas sociais. O artigo de Marcus Vinicius de Oliveira discute as formas de apropriação da fotografia de uma criança guineense de nome Augusto na época de sua produção, no contexto da Exposição Colonial de 1934, na cidade do Porto. Estuda-se a trajetória da imagem com o objetivo de problematizar o colonialismo contemporâneo, por meio das reflexões em torno dos usos e funções desempenhados pela imagem. Já o artigo de Aline Montenegro Magalhães e Maria do Carmo Teixeira Rainho problematiza a trajetória histórica da fotografia de uma mulher de turbante, realizada provavelmente no Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX, pelo fotógrafo alemão Albert Henschel. Em ambos, podemos acompanhar a potência dos estudos de biografia das imagens e o quanto uma única fotografia pode constituir-se como instância de sentido, a partir da qual várias problemáticas podem ser levantas, na medida em que ela é tomada enquanto fonte histórica polissêmica. Os autores nos mostram que as imagens devem ser interpeladas em relação às suas características formais, à sua autoria, ao contexto de produção, bem como analisadas em virtude da produção, circulação, consumo e apropriações diversas ao longo da história.

Um segundo conjunto de artigos nos leva para dentro de instituições de memória que lidam com acervos fotográficos, sendo que um deles tematiza a experiência de um museu e o outro aborda uma escola. O artigo de Guilherme Marcondes Tosetto apresenta um histórico da atuação do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) na incorporação da fotografia em seu acervo. A partir do levantamento das exposições realizadas pelo museu e da atuação do Clube de Colecionadores de Fotografia, o autor constrói uma descrição detalhada do conjunto fotográfico sob guarda da instituição, indicando os questionamentos artísticos que orientaram o trabalho de curadoria na constituição da coleção. Já o artigo de Hugo Rodrigues Cunha traz o relato do encontro fortuito e inesperado com um material fotográfico guardado em uma área da escola onde é docente da disciplina de Química: o Liceu Camões, em Lisboa. A partir de um pequeno conjunto formado por objetos, negativos e fotografias, ele realiza algumas reflexões sobre a relação entre memória e história e os silêncios e invisibilidades, intencionais ou involuntários, que marcam as ações humanas na escola e em outros espaços.

Outro conjunto formado por três artigos se dedica ao estudo, cada um a seu modo, dos acervos dos fotógrafos Mario Baldi, Pierre Verger e Paulino de Araújo Ferreira Lopes. Mario Baldi, fotógrafo austríaco, realizou um amplo trabalho de fotografia, escrita de artigos e reunião de objetos da cultura indígena no Brasil, entre as décadas de 1930 e 1950. Marcos de Brum Lopes analisa a coleção do fotógrafo, que é compartilhada por duas instituições de memória: o Serviço de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural de Teresópolis (SPHAC), no Brasil; e o Weltmuseum Wien (WMW), na Áustria. O texto de Marcos Lopes discute como o “Projeto Baldi” vem sendo desenvolvido pelas duas instituições e reflete sobre os motivos e intenções do colecionismo. O artigo de Marilécia Oliveira Santos e Thiago Machado de Lima clarifica o trabalho minucioso sobre a constituição da Fundação Pierre Verger, enfatizando o papel da instituição na guarda do legado fotográfico do fotógrafo e antropólogo francês, que viajou por muitos lugares do mundo e se radicou na Bahia em 1946. Os autores detalham o trabalho desenvolvido pela Fundação com o propósito de constituir uma organização interna que garanta a conservação do acervo fotográfico e permita a memorialização e valorização do legado fotográfico de Verger. Por fim, o artigo de Marcos Ferreira de Andrade traz um relato do trabalho de organização do Centro de Memória Cultural do Sul de Minas (CEME), desenvolvido entre 1996 e 2000, na cidade de Campanha (MG), quando era professor na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Nossa Senhora de Sion, hoje pertencente à Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG). Em seu trabalho, ele discute a importância dos centros de memória dirigidos por instituições de ensino em localidades com carência de arquivos públicos. Ele apresenta o escopo de todo o projeto, mas enfatiza o trabalho realizado junto ao acervo fotográfico de Paulino de Araújo Ferreira Lopes, fotógrafo que atuou na região entre o final do século XIX e meados do século XX.

Finalizando o dossiê, o artigo de Laila Zilber Kontic não se concentra numa instituição de memória específica, mas problematiza as representações sobre os indígenas brasileiros na fotografia, a partir da visita a acervos fotográficos do Museu do Índio, da Biblioteca Nacional Digital, do Instituto Moreira Salles, do Museu do Quai Branly, e da Galeria Vermelho. Em um primeiro tempo, a autora analisa fotografias do século XIX de fotógrafos como E. Thiesson, Albert Frisch e Marc Ferrez; em um segundo tempo, ela discute o trabalho de documentação realizado pela Comissão Rondon, e por reportagens da revista O Cruzeiro; em um terceiro tempo, a autora discute o trabalho da fotógrafa suíça Claudia Andujar, que mora no Brasil desde 1955 e construiu uma convivência próxima com os Yanomami, desde a década de 1970. O objetivo principal de Laila Zilber Kontic repousa em mostrar como o trabalho artístico de Andujar elabora novas formas de utilizar a fotografia para abordar os costumes e valores do povo Yanomami, diferentemente do que fizeram outros fotógrafos com suas representações de indígenas.

Esperamos que este dossiê contribua para o aprofundamento da análise da fotografia em instituições específicas e que, deste modo, se alcance uma visibilidade quer sinóptica quer precisa da existência e da representatividade da fotografia nos arquivos e demais instituições de memória, em Portugal e no Brasil. Esperamos ainda que o dossiê constitua uma pequena contribuição para a valorização (institucional ou não) de fundos fotográficos até então invisibilizados. Finalmente, esperamos lançar o mote para pesquisas futuras e outras ações, como exposições ou mostras online, que estabeleçam análises, relações e sinergias entre coleções, fundos e acervos fotográficos nos dois países: Portugal e Brasil.

Desejamos uma ótima leitura!

Notas

1. Segundo Aline Lacerda (2013, p. 240) acervos fotográficos são “grupos de documentos tão distintos quanto arquivos estritamente fotográficos, arquivos mais tradicionais que abarcam, além de documentos de gênero textual, também o material fotográfico, parcelas de arquivos que foram desmembrados e dos quais restam apenas seu componente fotográfico, coleções mais orgânicas de fotografias (pois que produzidas com alguma sistemática), coleções menos orgânicas de fotografias (pois que mais fragmentadas), pequenos conjuntos de fotografias avulsas reunidas sob critérios vários etc.”

2. Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz, Dir. Pat. Hist. Documentação da Marinha, Fundação Bibliioteca Nacional, Fundação Joaquim Nabuco, Instituto Moreira Salles, Leibniz-Institut fuer Laenderkunde, Museu Aerospacial, Museu da República e Museu Histórico Nacional.

3. Arquivo Histórico da Marinha, Arquivo Histórico Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Arquivo Histórico do Ex-Banco Nacional Ultramarino, Arquivo Histórico Militar, Arquivo Histórico Ultramarino, Arquivo Municipal de Lisboa – Fotográfico, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Biblioteca Nacional da Ajuda, Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, Centro Português de Fotografia, Fundação Mário Soares, Divisão de Documentação Fotográfica / Direcção-Geral do Património Cultural, Palácio Nacional da Ajuda, Sociedade de Geografia de Lisboa.

4. Como exemplo podemos citar a base iconográfica do teatro em Portugal, OPSIS; o site em desenvolvimento dedicado a fotografia vernacular portuguesa Foto-Sintese; coleções digitais fotográficas da Fundação Calouste Gulbenkian; registos fotográficos do Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa disponibilizados online; imagens fotográficas da secção Cinemateca Digital da Cinemateca portuguesa; a coleção online do Centro Português de Fotografia; o repositório digital do Arquivo Científico Tropical.

Referências

DIAS, Inês Sapeta; FAZENDA, Maria do Mar Fazenda; NASCIMENTO, Susana. O que é o arquivo? / What is the Archive? Lisboa: Sistema Solar / Documenta, 2018.

LACERDA, Aline Lopes de. Quatro variações em torno do tema acervos fotográficos. Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n.7, p. 239-248, 2013, Disponível em: http: / / wpro.rio.rj.gov.br / revistaagcrj / wpcontent / uploads / 2016 / 11 / e07_a11.pdf. Acesso em: 28 jun. 2020.

MAUAD, Ana Maria. Sobre as imagens na História, um balanço de conceitos e perspectivas. Revista Maracanan, Rio de Janeiro, v. 12, n. 14, p. 33-48, jan. / jun. 2016. Disponível em: http: / / www.e-publicacoes.uerj.br / index.php / maracanan / issue / view / 1194 / showToc. Acesso em 28 out. 2017.

NORA, Pierre. Entre Memória e História – A problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7–28, dez. 1993. Disponível em: http: / / revistas.pucsp.br / index.php / revph / article / view / 12101 / . Acesso em: 10 jul. 2010.

SILVA, Rubens. Acervos fotográficos públicos: uma introdução sobre digitalização no contexto político da disseminação de conteúdos. Ciência da Informação, Brasília, v. 35, n. 3, p. 194-200, set. / dez. 2006. Disponível em: https: / / www.scielo.br / scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100- 19652006000300018&lng=pt&nrm=isso Acesso em: 29 jun. 2020.

VASQUEZ, Pedro. As ações do INFoto. Brasil Memória das artes. s / d. Disponível em: http: / / portais.funarte.gov.br / brasilmemoriadasartes / acervo / infoto / as-acoes-do-infoto / . Acesso em: 10 jul. 2020.

VICENTE, Filipa (Coord.). O império da visão: a fotografia no contexto colonial português (1860–1960). Lisboa: Edições 70, 2014.

ZAHER, Celia Ribeiro. Comentário IV. Anais do Museu Paulista, São Paulo, v.12, p. 35-37, jan. / dez. 2004, Disponível em: https: / / www.scielo.br / scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0101 – 471420040001&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 08 jul. 2020.

Rogério Pereira de Arruda – Doutor em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); professor Adjunto III na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – Campus JK-Diamantina. E-mail: [email protected]

Ana Gandum – Doutora em Estudos Artísticos – Artes e Mediações pela Universidade Nova de Lisboa (UNL); pesquisadora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Portugal. E-mail: [email protected]


ARRUDA, Rogério Pereira de; GANDUM, Ana. Editorial. Revista de História da UEG, Morrinhos – GO, v.9, n.2, jul / dez, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Diálogos transatlânticos: relações e dinâmicas entre Portugal, África e América (séculos XVI e XIX) / Faces de Clio / 2020

A Revista Faces de Clio, periódico discente vinculado ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), com grande satisfação, publica a sua 11ª edição com o dossiê temático “Diálogos transatlânticos: relações e dinâmicas entre Portugal, África e América (séculos XVI e XIX)”. O presente número reúne 18 trabalhos: 15 artigos vinculados ao dossiê e três artigos livres.

Com um tema há muito explorado por grandes nomes da historiografia, o dossiê reúne novas contribuições teóricas e metodológicas acerca das relações que se desenvolveram e se dinamizaram nas e entre as margens atlânticas daqueles espaços que um dia fizeram parte o Império Português. Nesse sentido, os trabalhos aqui publicados em muito contribuem para a percepção das dinâmicas dos aparelhos político-administrativos, das economias, dos cotidianos, das relações entre os homens e das manifestações culturais concebidos pelos intercâmbios entre Portugal, África e América entre séculos XVII e XIX. Visando facilitar a difusão dos nossos artigos, com grande alegria comunicamos que a Revista Faces de Clio está, agora, integrada ao novo Portal de Periódicos da Universidade Federal de Juiz de Fora. Com nosso novo site (OJS 3), passamos a administrar todo o fluxo editorial pela nova plataforma da revista, facilitando a comunicação entre autores, editores, pareceristas e leitores.

Abrimos esta edição com o artigo de Lucas Lixa Victor Neves “Um relato sobre a Restauração de 1640 no Rio de Janeiro: A importância da demonstração de lealdade à causa de d. João IV” partindo de uma discussão acerca do ambiente politicamente fragmentado no reino luso após o fim da União Ibérica (1580-1640), Lucas Neves reflete, por meio de um relato sobre a aclamação de D. João IV no Rio de Janeiro, sobre a importância de se propagandear méritos de determinados sujeitos em um momento de quebra de regime em Portugal.

Em seguida, no artigo “Entre mares e alteridades: Um mouro disfarçado nas galés portuguesas do seiscentos”, Thaís Tanure aborda a história do corsário muçulmano Amet e suas desventuras diante da Inquisição portuguesa em 1656. Tendo como fio condutor de sua pesquisa o processo inquisitorial de Amet, a autora o cruza com outras fontes documentais e conecta a história penal portuguesa à história do corso no Mediterrâneo, refletindo acerca das relações entre alteridade e Império.

Bento Machado Mota, no artigo “Ecos dissonantes no atlântico: fundamentos e limites do antiescravismo de Epifanio Moirans”, analisa as ideias antiescravistas de missionários capuchinhos em fins do século XVII a partir do livro La Justa defesa (1681), do capuchinho francês Epifanio Moirans. Trata-se de um registro incomum, no qual diversos argumentos contra a escravidão são abordados, por um lado, à luz de justificativas jurídicas relativas ao tráfico negreiro vindas de Roma e de teólogos europeus e, por outro, por meio dos relatos missionários católicos da América do sul.

Já no artigo “Cães danados, porcos vadios e formigas excomungadas: A convivência entre homens e animais à luz do direito do Antigo Regime”, Patrícia Ribeiro analisa um tema ainda pouco frequentado pela historiografia nacional, qual seja, os conflitos advindos das relações entre humanos e bichos no império português entre os séculos XVI e XIX. Trata-se de uma significativa contribuição aos estudos de Direito Animal, um trabalho original e de grande pertinência que, tendo como pano de fundo os vários dispositivos legais que se referiam a animais, preenche significativa lacuna de conhecimento neste campo.

Juntos, Diego de Cambraia Martins e Gustavo Meira Menino discutem sobre a circulação de pessoas e mercadorias nas rotas mercantis que convergiam para a Ilha da Madeira, na primeira metade do século XVIII. A partir de um estudo de caso que analisa a trajetória de um dos mais atuantes capitães de embarcação do período analisado, os autores demonstram a inserção desse espaço geográfico em relações diretas e indiretas com outras partes do mundo. A Ilha da Madeira, em uma perspectiva global, parte de “Uma Encruzilhada no Atlântico”.

O artigo de Fabricio Lamothe Vargas, que analisa e contextualiza a obra do português D. Luís da Cunha, “Instruções Políticas a Marco Antônio de Azevedo”, reflete também sobre a difícil situação de Portugal frente aos problemas enfrentados no final do século XVII e em inícios do século XVIII, tal como as tentativas do diplomata Luís da Cunha de encaminhar propostas para que tais entraves fossem superados. Nesse sentido, o autor destaca uma das principais e mais curiosas soluções inferidas português: a mudança da corte para a cidade do Rio de Janeiro e a tomada do título de imperador do Ocidente pelo rei D. João V.

Adentrando na primeira metade do século XIX, Luiz Gustavo Martins da Silva investiga aspectos da experiência política de exilados liberais na Europa e no Brasil que foram perseguidos pelo regime de D. Miguel entre os anos de 1826 e 1837, momento no qual se desencadeou também o maior exílio português do oitocentos. Busca-se, assim, abordar o exílio liberal português, o qual se direcionou para o Brasil, numa dinâmica transnacional e transatlântica.

Em “Às Margens do Império, por dentro dos sobados: Estratégias comerciais de sertanejos e centro-africanos no Planalto Central Angolano (décadas de 1840 a 1860)”, Ivan Sicca Gonçalves analisa, a partir dos relatos cotidianos de um comerciante residente em Angola, as mudanças sociais, políticas e econômicas que ocorreram no interior do continente, na chamada zona atlântica, a partir de 1836. Ao apontar as estratégias adotadas por este sertanejo, o autor demonstra a atuação de diversos agentes que estavam envolvidos nessa rede comercial, cujo centro era o reino centro-africano do Bié.

Frederico Antonio Ferreira investiga o episódio de dois grupos de luso-brasileiros que migraram, com a ajuda do governo português, da cidade de Recife para a região de Namibe e Huíla em Angola, em 1849. Dentro do novo modelo colonial implantado pelo governo português na África, estabeleceram um sistema de cultivo de cana-de-açúcar baseado na grande propriedade e na força de trabalho escrava, conforme o existente no Brasil, evidenciando as interações existentes entre Brasil, África e Portugal na metade do século XIX.

Em seguida, já na segunda metade do oitocentos, Laryssa da Silva Machado e Lucas da Silva Machado abordam, através do caso de Itapemirim, Espírito Santo, a complexa rede de tráfico de escravos que se configurou na região Sudeste após a promulgação da Lei Eusébio de Queirós. As inúmeras denúncias e correspondências relacionadas ao desembarque de africanos no litoral sul capixaba após 1850, enviados principalmente para as fazendas de café em Cachoeiro do Itapemirim, Zona da Mata mineira e região ao norte do Rio de Janeiro, demonstram que o problema que preocupava as autoridades do Império perdurou durante toda a década de 1860.

No artigo “O sagrado, o profano e o enfermo: A Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora”, Maciel Fonseca analisa o surgimento da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora na segunda metade do século XIX. Alicerçado em jornais de circulação da época, produções historiográficas locais e o uso do Estatuto e do Compromisso da recém-fundada instituição, o autor reflete sobre a dinâmica de funcionamento da associação cujo principal objetivo era socorrer os pobres e desvalidos na tentativa de aliviar a miséria humana.

A imigração portuguesa para o rio Madeira, no estado do Amazonas, entre 1840 e 1918, foi objeto de análise de Paula de Souza Rosa, doutoranda em Historia Social da Amazônia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). No presente artigo, a partir da trajetória individual e coletiva de 91 sujeitos, a autora desvelou o perfil social dos imigrantes portugueses, as redes sociais que possibilitaram os múltiplos deslocamentos desses indivíduos, bem como os aspectos relativos ao papel desempenhado por eles em escala local e a nível global.

Tendo presente que o melhor antidoto contra a violência é a memória, e que a historiografia brasileira está recheada de silêncios, Bruno Zétola analisa a repercussão dos atos heroicos de Simão Salvador, um africano livre que na segunda metade do século XIX ganha as páginas dos principais jornais do país, e passa a ser reconhecido por associações civis e pelo próprio Imperador. O artigo, absolutamente instigante, resgata a história de um personagem pouco conhecido e estudado de nossa historiografia, e, com base em seus feitos, nos faz refletir sobre o lugar do negro no Império escravista brasileiro e as contradições de uma sociedade escravocrata que se vê obrigada a louvar um africano livre.

Ainda na segunda metade do século XIX, Cleudiza Fernandes de Souza apresenta-nos algumas reflexões acerca das possibilidades do cruzamento entre a História Atlântica e a historiografia de outros contextos, como o pós-abolição no Brasil, por exemplo. Assim, por intermédio de obras que tratam da questão das trocas atlânticas, comparações e seus desdobramentos, a autora discute sobre os desafios da contemporaneidade em unir estas duas abordagens historiográficas, os possíveis caminhos para o encontro das duas perspectivas e os ganhos advindos a partir desse cruzamento teórico.

Finalizando a sessão do dossiê temático, Leonardo Aboim Pires examina o impacto da Grande Depressão em Portugal num contexto de transição política entre a Ditadura Militar e o Estado Novo. Tendo o desemprego rural como objeto de estudo, o autor analisa este fenómeno de forma mais completa, refletindo sobre as circunstâncias em que ocorreu, suas consequências sociais, dinâmicas exógenas, mecanismos institucionais e de governação atuantes no período em análise.

Na sequência, a 11° edição da Revista Faces de Clio inicia a sessão de artigos livres com as contribuições do historiador Pablo Gatt, que, no contexto da antiguidade grecoromana, analisa a trajetória das representações acerca do corpo feminino, visto como herdeiro direto de Eva, cunhadas pelas filosofias pagãs, pelos discursos da Igreja cristã dos primeiros séculos, e dos discursos medievais, visto que o mesmo esteve dividido por uma linha bastante tênue.

Temática ainda pouco estudada na história da imprensa mineira, Michel Saldanha investiga a configuração político-doutrinária da imprensa periódica da província de Minas Gerais na década de 1860. Ao aprofundar a questão pesquisada com a utilização de fontes primárias, o autor verifica quais periódicos levantaram a bandeira dos partidos políticos de Minas Gerais, ou da Liga Progressista, e em quais ideias político-partidárias esses periódicos se apoiaram. Em síntese, compreende as principais tendências partidárias circuladas através dos periódicos na província mineira.

Encerramos esta edição com “Os bacharéis fardados: cor, meritocracia e mobilidade social na Escola Militar da Praia Vermelha (1870-1880)”, trabalho de Geisimara Soares Matos. Através de algumas trajetórias de ofício de militares, a autora analisa o discurso do mérito que foi praticado dentro da Escola Militar da Praia Vermelha. Ancorado a isso, o autor procura entender como a cor e a origem social dos alunos influenciava a prática do discurso da meritocracia na instituição.

Por fim, gostaríamos de agradecer aos membros(os) da equipe editorial, ao conselho consultivo, aos pareceristas e autores(as), que participaram ativamente da construção deste dossiê. Aos leitores, que prestigiarão o nosso trabalho, ressaltamos que a História se faz, cada vez mais, através de um exercício democrático e de cidadania, constituindo-se como palco profícuo para novos debates e aprendizado. Desta feita, esperamos que a edição da Revista Faces de Clio que por ora se apresenta possa ampliar os conhecimentos e instigar novas pesquisas históricas. Seremos resistência.

A todos, o desejo de uma excelente leitura!


BÔSCARO, Ana Paula Dutra; FERNANDES, Bárbara Ferreira. Editorial Faces de Clio, Juiz de Fora, v.6, n.11, jan / jun, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Fragmentos da História: Portugal e Brasil (séculos XVI-XX) / Revista Trilhas da História / 2018

O dossiê temático intitulado Fragmentos da História: Portugal e Brasil (séculos XVI-XX), coordenado pelas signatárias, é o mais recente resultado de um conjunto de iniciativas que ambas têm levado a efeito, desde 2012, no sentido de aprofundarem os laços de cooperação universitária entre a Universidade Estadual de Londrina e a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Deste modo, este número de Trilhas da História conta com textos de jovens investigadores mestrandos, doutorandos ou recém-doutores portugueses e brasileiros, que escreveram textos em português de Portugal (aceitando ou não o acordo ortográfico) e português do Brasil, em total respeito pela diversidade.

Nos Fragmentos da História: Portugal e Brasil (séculos XVI-XX) o leitor pode encontrar, independentemente do diálogo entre vários assuntos, seis grandes temas, ou seja: a corte, a cidade, os comportamentos desviantes, o trabalho e a industrialização, as relações entre história e literatura e a história da alimentação. Os artigos apresentam uma enorme diversidade temática e cronológica, resultante das unidades curriculares lecionadas e dos interesses dos formandos, uma vez que se abordam matérias como a cortesania e os servidores da Casa Real, os guias turísticos, a literatura e a história, as cidades e os seus patrimónios, as políticas agrícolas e industriais, a alimentação, a cultura material e a prostituição. Vejamos com mais cuidado as diversas contribuições, tendo como critério de apresentação a cronologia dos textos.

Marcus Vinicius Reis, doutorando sanduiche na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sob a orientação de Isabel Drumond Braga, enveredou pelo mundo das crenças mágicas em “Circulação de crenças e saberes mágico-religiosos no mundo luso-africano do século XVI: os processos inquisitoriais de Catarina de Faria e Mónica Fernandes”, optando pela micro-história e analisando dois estudos de caso, cujo palco geografico incluiu espaços ligados pelo Atlântico.

Igualmente na ótica da micro-história, temos o texto de Isabel Drumond Braga, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, no qual prepassa imigração, comércio, cultura material e protestantismo, denominado “Um Bufarinheiro Francês na Lisboa Quinhentista: Trabalho, Pobreza e Luteranismo”. A autora utilizou um processo do Santo Ofício cuja particularidade mais relevante consiste na inclusão de um inventário de bens, um dos raros documentos deste género nos processos da Inquisição do século XVI.

Carolina Rufino, mestranda na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em “A literatura de cortesania como lugar de memória: os casos de Castiglione e Rodrigues Lobo” levou a efeito um trabalho de prospeção e de análise do carácter memorialístico da literatura de cortesania, comparando duas obras diversas e produzidas com quase um século de intervalo, Il Libro del Cortegiano (1528) e a Corte na Aldeia (1619). A autora inquiriu as obras como lugares de memória, uma vez que estas retrataram os comportamentos dos cortesãos em termos ideais, matéria bastante relevante na Europa Moderna.

Julia Castiglione, doutoranda na Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3, estudou “Os guias de Roma no século XVII: entre a abordagem ritual e estética da cidade”, desenvolvendo uma abordgem pela qual entendeu que os guias do século XVII desempenharam um esforço para o entendimento de uma Roma moderna que passou de um sistema de referência histórico-religioso para um sistema histórico-cultural, partindo da ideia de “função do autor”, de Michel Foucault.

Com “Tanoeiros e luveiros na Época Moderna: trabalho, sociabilidade e cultura material”, João Furtado Martins, doutorando na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sob a orientação de Isabel Drumond Braga, procedeu à divulgação de resultados parciais da sua investigação em curso. Tratou-se de utilizar fontes inquisitoriais, designadamente processos, para estudar as atividades laborais, a posse de bens, os conflitos e as sociabilidades de diversos grupos sócio- profissionais, no caso, tanoeiros e luveiros, dois ofícios correntes, um da madeira e outro do couro, durante os séculos XVII e XVIII.

Alex Farvezani da Luz, então doutorando sanduiche na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sob a orientação de Isabel Drumond Braga, agora já doutor em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no texto “O fomento manufatureiro em Portugal e os efeitos da política econômica pombalina (século XVIII)”, dedica-se ao estudo do fomento manufatureiro no Portugal setecentista durante o reinado de D. José I e da administração do Marquês de Pombal, fixando-se na Real Fábrica das Sedas.

Em “As cidades brasileiras do século XIX: Rio de Janeiro e Franca”, Maria Renata da Cruz Duran propôs uma visita a dois espaços urbanos lendo-os como património histórico, a partir dos olhares dos viajantes estrangeiros, sob a fundamentação teórica de que o património histórico pode ser entendido como um bem destinado ao usufruto de uma comunidade e se constituiu pela acumulação contínua de objetos com um passado comum.

Por seu lado, o graduado em História pela Unisantos, David Francisco de Moura Penteado apresenta um extrato de seu trabalho de conclusão de curso, defendido em 2016. No presente artigo, “O Auxiliador da Indústria Nacional: um periódico ao serviço do Estado Brasileiro? (1833-1896)”, o jornal, bem como a indústria brasileira, entram em cena dando lugar a um, embora inicial, já consistente trabalho no incipiente terreno do estudo da indústria e da agricultura brasileiras.

O graduado em História pela Universidade Estadual de Londrina, Júnior César Pereira, defende o objeto de estudos do trabalho de conclusão de curso em “Manuel Inácio da Silva Alvarenga: trajetória de um homem de letras (1749-1814)”, no qual a biografia é colocada à prova no escrutínio de um percurso formativo.

O resultado dos primeiros estudos do igualmente graduando em História pela Universidade Estadual de Londrina, João Gabriel Côrrea, intitulado “A Singularidade do romance O adolescente no conjunto literário de Fiódor Dostoiévski de 1861 a 1881” debate o único romance de formação do autor russo no panorama literário europeu do período.

João Pedro Gomes, doutorando na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, com uma tese sobre doçaria portuguesa, orientada por Maria José Azevedo Santos e Isabel Drumond Braga, enveredou pelo texto que intitulou “‘jantares por preços certos’: a publicidade dos serviços alimentares da Empreza Culinária (1896-1899)”. Trata-se do estudo das estratégias de comunicação de uma empresa com sede em Lisboa cuja publicidade permite conhecer a natureza e a logística da venda de refeições “take-away” / ”delivery” muito próxima dos modelos atuais e que se apresenta como um tipo de serviço original à época.

Francisco Pardal, mestrando na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sob a orientação de Isabel Drumond Braga, foi seduzido pela História da Alimentação, analisando as ofertas culinárias e hoteleiras do Alentejo em “Sabores ao Sul do Tejo: alimentos e pratos típicos do Alentejo e do Algarve no Guia de Portugal (1927)”. Partiu do referido Guia de Portugal, uma obra muito relevante em termos de divulgação do país aos turistas, ajudando a difundir a ideia de “portugalidade”, pensado e parcialmente concretizado por Raul Proença, na década de 1920, e continuado por outros vultos da cultura portuguesa, nas décadas seguintes.

A História da Alimentação conquistou igualmente a atenção e o interesse de Fábio Banza Guerreiro, mestrando na mesma faculdade sob a orientação de Manuela Santos Silva e Isabel Drumond Braga, que escolheu esta área do saber numa outra cronologia, escrevendo “Uma cozinha portuguesa, com certeza: a Culinária Portuguesa, de António Maria de Oliveira Bello”. A investigação dedicou-se à compreensão do surgimento da cozinha regional através da análise do receituário Culinária Portuguesa (1936), o primeiro livro que tentou abarcar toda a cozinha portuguesa, com distinções entre pratos nacionais e regionais, de forma consistente.

A prostituição e as matérias conexas foram objeto de manifesto interesse para Raquel Caçote Raposo, mestranda na Universidade de Lisboa, autora de “O ‘negócio’: marketing e prostituição feminina em Lisboa no início do século XX”. A autora estudou as transformações dos locais de exercício da prostituição em Lisboa, desde o final de Oitocentos, passando pelas estratégias de divulgação do negócio, nos alvores do século XX, a partir de autores coevos e de vários periódicos. O foco principal do artigo foi ensaiar os motivos que levaram à adoção de estratégias para atrair clientes, procurando concluir a que estamentos sociais se destinavam.

Como se comprovará com a leitura de Fragmentos da História: Portugal e Brasil (séculos XVI-XX), os leitores poderão desfrutar de uma panóplia de temas e cronologias. Na maioria dos casos, estamos perante autores a dar os primeiros passos na investigação. Assim, a oportunidade oferecida pretende ser um estímulo à continuação do trabalho.

Seções: Artigos livres, ensaio e resenha

Este número conta ainda com artigos livres, ensaio e resenha. Na primeira modalidade temos o texto de Ana Coelho, sob o título Novas possibilidades de leitura sociológica: o Principado de Augusto sob os conceitos de Simmel e Weber. A autora analisa a legitimação política do principado de Otávio Augusto, primeiro imperador de Roma e o responsável pela fundação desse novo sistema político no Mundo Antigo.

Na sequencia o artigo Centralizar o Império e civilizar os sertões: o “Brasil profundo” no discurso político de Paulino José Soares de Sousa, de Alan Cardoso, aborda a relação entre centralidade política, o mundo rural e o projeto civilizatório no Império brasileiro guiado pela dicotomia entre litoral e sertão. O Império também é abordado pelo artigo de Ana Sousa Sá – Varnhagen, o Visconde de Porto Seguro: um diplomata a serviço do Império, um historiador a serviço da nação –, mas a partir de uma discussão historiográfica que busca compreender as ideias e propostas do historiador Varnhagen no século XIX.

O artigo As intervenções sindicais no contexto do Golpe de 1964, de Alejandra Estevez, avança no tempo histórico e traz um tema caro para a história brasileira contemporânea: a intervenção do Ministério do Trabalho no movimento sindical, nos dois primeiros anos da ditadura civil-militar. Ainda o tema da ditadura, ou do processo de “transição sem ruptura”, é abordado por Cássio Guilherme em A transição rejeitada: PMDB e PFL na eleição de 1989, que discute o protagonismo dos dois maiores partidos brasileiros nas primeiras eleições diretas pós-ditadura.

Na seção “Ensaio de graduação” temos o texto de coautoria dos estudantes da UFSC Luiz Florentino e Hudson Silva, sob o título Os reflexos da imprensa na Reforma Protestante e seus efeitos sobre a crítica popular europeia ao clero, que aborda o surgimento da imprensa no século XV enquanto um fato que marcou a Modernidade.

Por fim, Helena Silva resenha a obra de Tania Regina de Luca A Ilustração (1884-1892): circulação de textos e imagens, entre Paris, Lisboa e Rio de Janeiro, tema que dialoga diretamente com o dossiê publicado neste número e organizado por pesquisadoras do Brasil e de Portugal. Silva destaca na obra de Luca a intensa relação estabelecida entre Paris, Lisboa e Rio de Janeiro a partir do entendimento da difusão cultural do polo irradiador que era a França no século XIX.

Isabel Drumond Braga

Maria Renata da Cruz Duran

Lisboa, novembro de 2018


BRAGA, Isabel Drumond; DURAN, Maria Renata da Cruz. Apresentação. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.8, n.15, jul. / dez., 2018. Acessar publicação original [DR]

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Educação de Mulheres no Brasil e em Portugal (séculos XIX e XX) / Cadernos de História da Educação / 2018

A educação escolar primária, secundária e universitária, bem como o trabalho escolar de mulheres preceptoras (século XIX) e de mulheres professoras primárias (século XX), foi objeto de estudo de pesquisadoras do Brasil e de Portugal, integrantes do Projeto de Pesquisa Educação de Mulheres no Brasil e em Portugal (séculos XIX e XX), que é parte do Grupo de Políticas e Organizações Educativas e Dinâmicas Educacionais da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, da Universidade de Coimbra, e que tem o apoio institucional do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20), da Universidade de Coimbra (Portugal).

Com o título Educação de Mulheres no Brasil e em Portugal (séculos XIX e XX), presente Dossiê é composto de cinco artigos de professoras pesquisadoras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, da Universidade Tiradentes de Sergipe, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, da Universidade de Coimbra, da Universidade Estadual do Ceará e da Universidade Pontifícia Católica do Paraná. Em seu conjunto, todos esses trabalhos visaram reconstituir a história da educação de mulheres e de mulheres educadoras, nascidas nos séculos XIX e XX, que estudaram e / ou trabalharam em lugares e tempos distintos, com níveis de estudos diferenciados, além de pertencerem a classes sociais desiguais, marcadas por suas divisões e suas diferenças.

Para reconstituir a história da educação dessas mulheres, que se sucedem e que se renovam a cada geração, pesquisamos em diários, cartas, anúncios e matérias de jornais, revistas de educação e de instrução destinadas às famílias, entrevistas orais, relatos educacionais e legislação educacional. Enfim, fontes documentais que induzem a questionamentos vários sobre a educação de mulheres e / ou sobre o trabalho educacional de mulheres educadoras, além de possibilitar a desmitificação de certos dogmas e estereótipos consagrados pelo senso comum ou mesmo pelas generalizações que “ganharam” notoriedade.

No artigo “Preceptoras estrangeiras para educar meninas nas casas brasileiras do século XIX”, Maria Celi Chaves Vasconcelos começa por registrar a chegada de mulheres europeias no Brasil, com a finalidade de trabalhar como preceptoras nas casas das elites oitocentistas, para então discutir as práticas de educação que desenvolviam para ensinar, particularmente, meninas. A educação das meninas, a cargo dessas preceptoras, era considerada uma distinção social, inclusive considerando-se o fato de que se baseava em modelos escolares análogos aos europeus.

No texto “A educação em nível primário da professora Isabel Doraci Cardoso (1940- 1944): uma história da educação vista de baixo”, Raylane Andreza Dias Navarro Barreto analisa o processo de formação escolar da professora sergipana Isabel Doraci Cardoso, que fez o seu curso primário, entre o final dos anos de 1930 e meados de 1940, numa Escola de modalidade Isolada. Bem marcante, nesse texto, é o modo como se vai delineando o estabelecimento das fronteiras entre as condições materiais e as educacionais experienciadas, pelo sujeito dessa vivência, uma revelação que se sobressai de sua narrativa.

No trabalho “Educação em nível secundário de moças de Natal e de Coimbra (1941- 1948)”, Marta Maria de Araújo e Cristina Maria Coimbra Vieira refletem sobre as dimensões formativas e autoformativas da educação secundária de Petronila da Silva Neri, no Ateneu Norte Riograndense (Natal-Brasil), e de Maria Isabel Dinis Pedroso de Lima Gonçalves Neves, no Liceu Nacional Infanta D. Maria (Coimbra-Portugal), no período de 1941 a 1948. A análise histórica a que procederam as autoras revela que a formação escolar completa e uniforme, e igualmente a autoformação das estudantes Petronila da Silva Neri (Natal-Brasil) e Maria Isabel Neves (Coimbra-Portugal) foram análogas às interações intergeracionais e às interações intrageracionais, o que confirma estarem em articulação com os propósitos formativos universalizáveis.

No texto “Educação formativa de uma líder política cearense: Maria Luiza Fontenele (1950-1965)”, Lia Machado Fiuza Fialho e Vitória Chérida Costa Freire discorreram sobre o processo formativo na educação familiar, primária, secundária e universitária, bem como sobre a inserção política de Maria Luiza Fontenele, professora, educadora, política – a primeira mulher prefeita de uma capital brasileira – a cidade de Fortaleza-Ceará. Em sua pesquisa, as autoras constatam que a educação secundária, no Liceu do Ceará, ocorreu em concomitância com a formação política de Maria Luiza, iniciada no Grêmio Estudantil e na Juventude Estudantil Católica. Sua educação superior, na Universidade Federal do Ceará, no curso de Serviço Social, como atestam as autoras, favoreceu o engajamento no Movimento Estudantil e a atuação sociopolítica.

No artigo “Aspectos de trajetórias de professoras rurais no Paraná (1957-1979)”, Rosa Lydia Teixeira Corrêa analisa aspectos da trajetória de professoras que atuaram em escolas primárias com turmas multisseriadas na zona rural, no município de Bocaiúva do Sul, no Estado do Paraná, entre os anos de 1957 e 1979. Essas professoras com incipiente formação inicial e a gradativa formação profissional em curso normal regional, exerciam múltiplas funções, sendo inclusive, elas próprias, que, em certas situações, assumiram os encargos financeiros decorrentes da aquisição de material escolar para seus alunos.

Essa reconstituição favoreceu a construção de um conhecimento histórico sobre a educação de mulheres e sobre o trabalho escolar de mulheres educadoras no Brasil e em Portugal (Séculos XIX e XX), que possibilita, necessariamente, a compreensão das singularidades, das diversidades, das semelhanças, das diferenças intranacionais e internacionais, além do que é particular e universal na educação das mulheres educadoras que escolhemos para pesquisar, e até de outras mulheres com suas variabilidades de condições educacionais sociais e materiais.

Marta Maria de Araújo – Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo. Professora Titular do Departamento de Fundamentos e Políticas da Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Brasil). Líder do Grupo de Pesquisa “Estudos Históricos Educacionais” (UFRN / CNPq) e pesquisadora do “Grupo Interdisciplinar de Pesquisa, Formação (Auto) Biografia e Representações (GRIFAR / UFRN)”. E-mail: [email protected]

Cristina Maria Coimbra Vieira – Doutora em Ciências da Educação (Psicologia da Educação) pela Universidade de Coimbra. Professora Associada na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (Portugal). Investigadora do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS 20). Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação (SPCE) e Vice-Presidente da Associação Portuguesa de Estudos sobre as Mulheres (APEM). E-mail: [email protected]


ARAÚJO, Marta Maria de; VIEIRA, Cristina Maria Coimbra. Apresentação. Cadernos de História da Educação. Uberlândia, v. 17, n.2, maio / ago., 2018. Acessar publicação original [DR]

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Escravidão e sociedade em espaços lusófonos / Ponta de Lança/2018

O mundo lusófono, considerado como um todo, cruza mares e continentes. Constituído por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Macau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Portugal e Timor Leste, este mundo transnacional e cosmopolita inclui atualmente cerca de 250 milhões de falantes do português. O estudo do espaço cultural criado pela adoção da língua portuguesa ainda carece de pesquisas acadêmicas multi e interdisciplinares amplas e a partir de várias perspectivas. Atualmente, essa lacuna tem sido suplantada pela realização de estudos que procuram mostrar a lusofonia a partir de uma perspectiva globalizante que une diferentes regiões desse imenso espaço. Leia Mais

Discursos e itinerários de modernização educativa no espaço luso-brasileiro / Revista História da Educação / 2017

Nos últimos anos, no âmbito da História da Educação, pesquisadores têm mobilizado esforços para articular projetos de pesquisa que evidenciem ideias, projetos e práticas de intelectuais e seus grupos e de instituições de pertencimento e sociabilidade, com conexões luso-brasileiras. O resultado dessa articulação é expresso na produção de livros e artigos, viabilizado por iniciativas institucionalizadas de estudos, assim como contatos pessoais e profissionais. Os textos elencados neste dossiê resultam de discussões oriundas da apresentação de trabalhos no Congresso Luso Brasileiro de História da Educação, realizado em 2016, na cidade do Porto, em Portugal.

As investigações aqui sistematizadas remetem ao período em que os autores Teresa Rosa, que é portuguesa, e os brasileiros Raylane Barreto, Mauro Gonçalves e Giana Amaral, realizaram o estágio pós-doutoral, na Universidade de Lisboa, sob orientação de Justino Magalhães. Constituiu-se, no ano de 2014, um grupo que tinha na modernização educativa uma temática comum em suas pesquisas. Nos artigos aqui apresentados, foram analisados documentos arquivados na Biblioteca Nacional de Portugal, na Torre do Tombo e em diferentes acervos documentais lusitanos e brasileiros.

A compreensão dos dilemas da modernidade e dos processos de modernização no âmbito educacional tem desafiado pesquisadores. Ainda mais se levarmos em conta a afirmativa de Justino Magalhães (2010, p. 11) de que “na base da Modernidade está a educação”. A educação aqui tomada pelo autor, como sinônimo de pessoalização; etimologicamente remetida a educare e / ou educere: “acção de alimentar, desenvolver e criar, ou a acção de conduzir e fazer sair. O sentido de transformação, ou seja, uma sucessão de quase-metamorfose está presente no conceito de educação”.

Assim, o dossiê Discursos e Itinerários de Modernização Educativa no Espaço Luso-brasileiro constitui um meio de investigação, conceptualização e discussão. Incide numa temática aberta, modernização educativa, que será extensiva ao Ocidente Moderno e Contemporâneo, a partir de uma perspectiva histórico-comparada entre Portugal e Brasil. O tempo longo e a representação sob a modalidade de discursos e itinerários permitem mapear diversos assuntos, espaços e quadros de modernização educativa. O compromisso de partida entre o conjunto de investigadores: a partilha de uma metodologia comum, associada à História Cultural. A incidência em discursos e itinerários meta-educativos de teor reformista possibilitam um contributo substantivo para a História da Educação. É proposto um ensaio paradigmático resultante da congregação de um tema, de uma conceptualização que reúne um grupo de produção com um quadro histórico-educativo de referência.

O artigo de Teresa Rosa, A Matriz Pedagógica Jesuíta e a Sistemática Escolar Moderna, trata da Ratio Studiorum, texto fundador de ordenação e sistematização de estudos, que permitiu o desenvolvimento de um sistema escolar de alcance internacional. A autora evidencia a possível atualidade de algumas das características dessa metodologia jesuítica, que podem ainda a vir contribuir para que o aluno participe com mais empenho no processo ensino-aprendizagem. Sublinha a potencialidade da Ratio Studiorum na inspiração para o trabalho educativo nos tempos atuais, uma vez que se centra no encontro pessoal entre o educador e o educando, num processo contínuo de interação e comunicação.

Raylane Barreto, em seu artigo Tobias Barreto de Menezes e a Educação para um Brasil Moderno (Séc. XIX), ressalta a importância da abordagem da história de intelectuais para a compreensão de aspectos da História da Educação. Assim, destaca ideias, propostas e práticas de Tobias Barreto de Menezes, um dos autores expoentes dos oitocentos brasileiro, relacionando-as com questões educacionais do período, em especial no nordeste brasileiro. Nesse sentido, a análise empreendida busca articular as principais expressões desse autor, que teve o germanismo como “linha inspiradora” – germanismo este, que se revelou em diversas frentes de sua produção bibliográfica – em prol da educação superior feminina e da educação para o trabalho com vistas a um Brasil moderno. A autora conclui que a concepção de Tobias Barreto mais do que partir da crítica a todos os membros da hierarquia social do império, contempla a missão do homem de ciência para a qual, segundo Weber, a visão de mundo permite apresentar padrões morais e éticos e a ciência se torna uma instância mediadora da vida.

O artigo de Giana Lange do Amaral, Os maçons e a Modernização Educativa no Brasil no Período de Implantação e Consolidação da República, parte da premissa de que a atuação de maçons e da maçonaria no contexto educacional brasileiro ainda é uma temática pouco estudada. Nesse sentido, a autora destaca encaminhamentos de um estudo maior sobre a influência de maçons no processo de modernização educacional que se consolida entre as últimas décadas do século XIX e primeiras do século XX. A atuação de maçons, respaldada por idéias liberais e iluministas, se consolida nas primeiras décadas do regime republicano, influenciada pelo ideário positivista e antijesuítico, em defesa do ensino elementar público, laico e obrigatório. No Brasil, a Maçonaria adaptou-se às condições específicas e necessidades regionais de onde se instalou. Portanto ela não deve ser compreendida num sentido unívoco, sendo mais fácil identificar a ação e engajamento ideológico de maçons e não da Maçonaria propriamente dita. Este artigo, fundamentado pela História Cultural, privilegia o uso de periódicos maçônicos e busca destacar práticas políticas dos maçons como intelectuais, gestores, legisladores, escritores, jornalistas e professores, bem como as Lojas Maçônicas como potenciais espaços de sociabilidades e organização ideológica.

Mauro Castilho Gonçalves, no artigo Integralismo Lusitano e Educação Católica: Conexões entre Intelectuais e o Caso do Colégio Vasco da Gama de Lisboa, Portugal (década de 1920) apresenta, inicialmente, as fontes e problematizações que nortearam a temática abordada, particularmente as que versam sobre as conexões entre o Integralismo Lusitano (IL) e o campo escolar. O autor examina o projeto cultural e pedagógico do colégio lisboeta Vasco da Gama, instituição de ensino fundada em 1915, que pretendeu instruir e educar seus alunos sob as bases da Educação Física, da Religião e das Artes, à luz da doutrina católica, dos princípios integralistas e de uma rígida disciplina interna. Seu estudo tem como fonte central de investigação um periódico, criado em meados dos anos de 1920. Ele serviu de base na configuração do projeto cultural do colégio e expressão institucionalizada de uma rede de sujeitos conectados e ativos em tempos conturbados da política portuguesa. Alcançar os estudantes secundaristas e universitários era uma das metas do IL. Seguindo os preceitos doutrinários do IL, estava destinado à juventude escolar e acadêmica um papel na luta pela regeneração da alma portuguesa, por meio da restauração monárquica.

Pelo que foi exposto, o leitor pode perceber que há, entre os trabalhos apresentados, linhas comuns no modo de abordagem sobre um mesmo tema, mas há também o objetivo de mostrar como a modernização educativa sofre metamorfoses discursivas tendo sido alocada em diferentes espaços, movimentos e ideários. É uma temática de História Cultural, centrada nos movimentos de intelectuais e de transformação social e institucional. A modernização educativa em Portugal e Brasil é aqui inventariada e referenciada em distintos tempos históricos, assuntos, autores e pensadores.

Referência

MAGALHÃES, J. Da cadeira ao banco: escola e modernização (séculos XVIII-XX). Lisboa: EDUA, Unidade de I&D de Ciências da Educação, 2010.

Giana Lange do Amaral – Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pelotas, pesquisadora CNPq / PQ2, Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com estágio Pós-doutoral na Universidade de Lisboa e na PUC / RS. E-mail: [email protected]

Mauro Castilho Gonçalves – Professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Universidade de Taubaté, SP. Doutor em Educação: História, Política, Sociedade pela PUC-SP. E-mail: [email protected]


AMARAL, Giana Lange do; GONÇALVES, Mauro Castilho. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 21, n. 53, set. / dez., 2017. Acessar publicação original [DR]

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Ensino de História da Educação no espaço luso-brasileiro: Percursos institucionais, Currículos – Manuais Disciplinares / Cadernos de História da Educação / 2014

Este dossiê configura-se como um desdobramento das atividades desenvolvidas no âmbito do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Disciplina História da Educação (Gepedhe), com quatro artigos que comunicam resultados de estudos e pesquisas recentemente desenvolvidas por cinco pesquisadores brasileiros que se vinculam ao referido Grupo, provenientes de diferentes universidades brasileiras. Além disso, há dois artigos, redigidos por três pesquisadores vinculados a duas universidades portuguesas, Universidade de Lisboa e Universidade do Porto, que complementam o presente dossiê.

O quadro de estudos e pesquisas em torno da temática do Ensino de História da Educação tem se avolumado no âmbito da História da Educação, seja no âmbito nacional, mas, também, em âmbito internacional, sendo este dossiê uma colaboração que se soma as demais, em um esforço de contribuir para a consolidação de uma área que se julga essencial desenvolver no rol de investigações da área de História da Educação.

Neste dossiê, os artigos que o integram abordam o ensino de História da Educação, pela via de seus percursos institucionais, curriculares e dos manuais utilizados. Para efeito de sua organização, optou-se por apresentar os artigos conforme a ordem alfabética do nome de seus autores, conforme será apresentado a seguir.

O primeiro artigo foi redigido pelos professores doutores Betânia de Oliveira Laterza Ribeiro e Sauloéber Tarsio de Souza, da Universidade Federal de Uberlândia. Sob o título, “Educação de mulheres nas páginas de manuais de História da Educação (1930–1970)”, eles apresentam uma discussão sobre a historiografia educacional brasileira, tendo como enfoque o modelo de educação feminina presente nas páginas de manuais amplamente utilizados no ensino de história da educação no século XX. Foram examinados seis manuais utilizados sobretudo em cursos de formação docente e especialmente difundidos entre normalistas e alunas dos institutos de educação e dos cursos de Pedagogia.

Carlos Monarcha, da Universidade Estadual Paulista, redigiu o segundo artigo apresentado neste dossiê, com o título “Um autor polígrafo. Um manual insólito. Raul Briquet e História da Educação: evolução do pensamento educacional”, no qual estudou as circunstâncias de produção de História da educação: evolução do pensamento educacional, manual de ensino publicado por Raul Briquet em 1946, professor da cadeira Educação Nacional do curso de Sociologia e Política da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo.

O terceiro artigo, intitulado “As ideias de Rousseau nos manuais de História da Educação com autores estrangeiros publicados no Brasil (1939-2010), foi redigido por Décio Gatti Júnior que analisou doze obras de grande repercussão no país, nas quais os autores dos manuais didáticos analisados não poucas vezes se manifestaram favoravelmente ou desfavoravelmente ao pensamento de Rousseau, com a constatação de que apenas uma pequena parte dos manuais teve êxito no estabelecimento de relações entre as ideias políticas, educacionais e pedagógicas em Rousseau. Uma parte considerável privilegiou o pensamento rousseauniano como precursor do desenvolvimento futuro da psicologia do desenvolvimento humano, com destaque para a psique infantil.

Por fim, algumas obras foram muito críticas em relação as ideias educativas de Rousseau e as ideias liberais de modo geral, o que se deve ao corte analítico enviesado por forte crítica ideológica, seja a do espectro católico tradicional ou a do espectro comunista.

O quarto artigo, intitulado “O espaço curricular da História da Educação na Faculdade de Letras do Porto (1961-2013)”, redigido por Luís Alberto Marques Alves e Carla Luísa Santos Moreira, da Universidade do Porto, no qual constataram que a História da Educação na Faculdade de Letras do Porto percorreu um caminho longo, desde a sua integração no curso de Ciências Pedagógicas até ao seu regresso na atualidade.

Em seguida, Maria Helena Camara Bastos, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, apresenta o quinto artigo deste dossiê que se intitula “Maria Lúcia de Arruda Aranha e a História da Educação”, analisa a produção, circulação e apropriação do manual de autoria de Maria Lúcia de Arruda Aranha, intitulado História da Educação, abordando a trajetória da autora e sua inserção no campo educacional; a história da obra – da materialidade ao conteúdo, da edição à circulação; e a contribuição para a disciplina.

Por fim, há o sexto e último artigo, escrito por Maria João Mogarro, da Universidade de Lisboa, intitulado “O ensino da História da Educação na Universidade de Lisboa (1950-2013)”, no qual procedeu a análise do espaço ocupado pela História da Educação na Universidade de Lisboa, na segunda metade do século XX e nos anos iniciais deste século, sendo que atualmente, é ministrada no Instituto de Educação, fazendo parte da licenciatura, do Mestrado em Ensino (que configura institucionalmente a legislação que consagrou o chamado processo de Bolonha, em 2007) e é oferecida também como um mestrado e um programa de doutoramento específicos, tendo construído um campo claramente definido de atuação.

Convida-se os colegas da área de História da Educação no Brasil e no exterior para a leitura deste dossiê vinculado ao tema Ensino de História da Educação, com a esperança de ser uma contribuição que some aos esforços de estudos e pesquisas que se tem visto atualmente, no sentido de permitir a melhor compreensão dos lugares institucionais e das formas tomadas pelo conteúdo da disciplina História da Educação.

Décio Gatti Júnior – Organizador


GATTI JÚNIOR, Décio. Apresentação. Cadernos de História da Educação. Uberlândia, v. 13, n.2, jul. / dez., 2014. Acessar publicação original [DR]

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Medicina no Contexto Luso-Afro-Brasileiro / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2014

Em abril de 2012, teve lugar em Lisboa, no Instituto de Higiene e Medicina Tropical, o primeiro Encontro Luso-Brasileiro de História da Medicina Tropical, com o subtítulo: “A medicina tropical nos espaços nacionais, coloniais e pós-coloniais (séculos XIX-XX)”. O encontro integrou as comemorações do 110º aniversário de fundação da Escola de Medicina Tropical de Lisboa, antecessora do atual Instituto de Higiene e Medicina Tropical, comemorando-se também, na mesma ocasião, o 60º aniversário do primeiro Congresso Nacional de Medicina Tropical, realizado na capital portuguesa em 1952.

Aquele primeiro encontro de investigadores brasileiros e portugueses dedicados ao estudo da história da medicina tropical, ou de temas correlatos, foi organizado com o decisivo apoio de Paulo Ferrinho e Zulmira Hartz, diretor e vice-diretora do instituto lisboeta, e a importante participação de Isabel Amaral, do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Nova de Lisboa.

Nas diversas mesas apresentadas ao longo de quatro dias, foram abordados os temas a seguir. “Trópicos e medicina” debatia os significados atribuídos à medicina tropical como objeto de estudo; as representações construídas em diferentes contextos históricos e formações sociais a respeito da categoria “trópico”; e as reflexões ou controvérsias que a ideia de “tropicalidade” suscitara no pensamento sobre as sociedades e nações luso-afro-ásio-brasileiras. “Saberes e práticas médicas: histórias e tradições plurais” tinha em mira a reflexão sobre as formas como os conhecimentos e as técnicas da medicina tropical foram aplicados no combate a doenças em territórios nacionais e coloniais, em diferentes contextos históricos. Seriam aí também contempladas as relações de domínio, exclusão ou permeabilidade com medicinas nativas e saberes tradicionais, assim como as artes de curar e as estruturas de assistência implementadas no contexto luso-afro-ásio-brasileiro. O terceiro eixo de discussões do primeiro Encontro Luso-Brasileiro de História da Medicina Tropical foi “Tráfico de escravos, fluxos migratórios e circulação de doenças” entre Portugal, Brasil, África e Ásia nos séculos XIX e XX. “Atores, doenças e instituições” enfeixava comunicações sobre trajetórias e inter-relações de instituições e outros atores vinculados às áreas de medicina tropical, microbiologia e saúde pública nos contextos referidos acima. Nas mesas alinhadas a esse tema, foram incluídos trabalhos que diziam respeito a expedições científicas e programas de investigação no âmbito das ciências biológicas e biomédicas visando ao controle de doenças incidentes em suas diferentes zonas geográficas. Por último, o encontro debateu “Políticas internacionais de saúde”, histórias comparativas, trajetórias e inter-relações de instituições e outros atores vinculados a ações globais em medicina tropical, microbiologia e saúde pública nos países lusófonos.

Tais temas foram desigualmente cobertos pelos trabalhos apresentados, e menos da metade chegou efetivamente às páginas da atual edição de História, Ciências, Saúde – Manguinhos, sabendo-se que alguns foram veiculados em outras edições da revista, e que a presente edição traz trabalhos que não fizeram parte do encontro, tendo porém afinidade com a temática do dossiê “Medicina no contexto luso-afro-brasileiro”.

Antes de chegar a ele, os leitores encontrarão seis instigantes artigos submetidos de forma espontânea sobre temas variados: as representações sociais do mundo rural na Europa e em outras regiões; um panorama das antropologias médica, do sofrimento e do biopoder nos EUA e na Europa; relacionados à Argentina, dois trabalhos: modos de pensar o esporte destinado a deficientes físicos nos anos 1950 e 1960, e câncer como objeto científico e problema sanitário no começo do século XX; um artigo discute as extensões possíveis do darwinismo ao âmbito da cultura e outro, disponível no portal Scielo desde janeiro, traz à edição em papel o estudo sobre as redes sociotécnicas subjacentes à Liga de Acupuntura da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Esta edição de HCS-Manguinhos traz ainda a coligação de duas resenhas e uma entrevista que têm relação com Ernesto Laclau, teórico argentino recém-falecido que inovou os estudos sobre a teoria do discurso, tendo publicado A razão populista, um dos livros aqui resenhados. A entrevista é com Chantal Mouffe, companheira de Laclau e, como ele, autora de importantes contribuições ao uso da teoria do discurso nas democracias contemporâneas. O segundo livro resenhado é O lugar da diferença no currículo de educação em direitos humanos, de Aura Helena Ramos, educadora que faz uso desse referencial teórico em seu estudo sobre o lugar da diferença na educação em direitos humanos, e que participa da entrevista feita com Mouffe.

Termino esta carta com uma dupla homenagem: a Ruth Barbosa Martins, fundadora e por longo tempo editora desta revista, jornalista competentíssima, amiga do coração, que se aposenta deixando um rastro luminoso de realizações e amizades; e Isnar Francisco de Paula, que secretariou a revista desde as origens, com seu jeito suave e eficiente. Aposentadas, bem longe agora da “ralação” cotidiana, Isnar, Ruth e outra companheira querida, Ângela Pôrto, muito brejeiras, acenam para veteranos, como o autor destas linhas, com a tentadora promessa de gozarmos também do justo e merecido direito à preguiça.

Jaime L. Benchimol – Editor científico


BENCHIMOL, Jaime L. Carta do editor. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.21, n.2, abr. / jun., 2014. Acessar publicação original [DR]

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Cultura escrita, educação e instrução no antigo regime português / História – Questões & Debates / 2014

Este número da Revista História: Questões & Debates traz o Dossiê “Cultura escrita, educação e instrução no Antigo Regime português”, organizado por integrantes do Grupo de Pesquisa Cultura e Educação na América Portuguesa, que reúne pesquisadores de vários estados brasileiros e de Portugal. O Grupo vem atuando desde 2010, com o propósito de verticalizar discussões sobre a cultura escrita entre o século XVIII e as primeiras décadas do século XIX, em diferentes vertentes que integram os interesses de pesquisa da equipe. Essas vertentes vêm se dedicando ao estudo (i) dos projetos educacionais no Império português, particularmente na América, (ii) das relações entre instrução e educação na formação dos quadros administrativos, nas atividades econômicas e na formação profissional, (iii) das relações entre Iluminismo e cultura escrita, e entre esta e práticas culturais e educativas como mediadoras de sociabilidades, e (iv) das instituições e de seus componentes num mundo supostamente Ilustrado. São temáticas fundamentais para documentar e discutir a passagem do domínio político ao império da língua, assim como para perceber a presença e a importância do elemento letrado, sua demografia, geografia, formação, formas e mecanismos de sociabilidade. Em vista deste programa de pesquisa, o Grupo entende que, para a compreensão dos fenômenos relacionados a este processo, é necessária uma visão que combine, ao mesmo tempo, a atenção às especificidades de cada uma das partes com o entendimento das dinâmicas mais gerais que estiveram em ação no momento em que o Estado português procurava soluções para os seus dilemas políticos, econômicos e culturais, e que as estruturas do Antigo Regime iam dando lugar a novas formas de organização e exercício do poder.

Estas preocupações também surgem por se considerar que a segunda metade do século XVIII foi uma época de profundas mudanças no reino de Portugal e em seus territórios ultramarinos. A área educacional foi particularmente atingida, verificando-se um desejo de transformação na mentalidade dos portugueses, principalmente dos jovens. A reforma dos Estudos Menores (1759 e 1772), a criação da Aula de Comércio (1759) e do Real Colégio dos Nobres (1761), além da reforma dos Estatutos da Universidade de Coimbra (1772), são as faces visíveis desse processo que, em certos aspectos, precedeu a diversos outros estados europeus, como a Prússia, Áustria e França, e mostrou uma sintonia entre reformas e o “espírito” daquele século.

Paralelamente às tentativas de impulsionar a educação, a vigilância sobre o que era publicado e lido ganhou novos contornos, com a criação da Real Mesa Censória, em 1768. Neste âmbito, o Tribunal da Inquisição também foi objeto da ação reformista empreendida no reinado de D. José I. Na área da cultura escrita, a própria atividade editorial foi, em muitos momentos, patrocinada pela própria Coroa, interessada em tornar seus jovens “bons cidadãos”, em consonância às ideias então propaladas em obras de intelectuais portugueses influenciados pela Ilustração. Diversos textos foram também publicados pela Imprensa Régia e, mais tarde, pela Imprensa da Universidade de Coimbra. Não menos importante, deve-se considerar que o comércio de livros produzidos fora de Portugal manteve-se muito ativo, como demonstram os inventários de diversas bibliotecas. Ainda nesta perspectiva, a relativa ampliação do ensino das primeiras letras e das gramáticas latina e portuguesa trazia outras populações para o mundo da escrita, com impactos culturais e sociais importantes, sobretudo na América. Estas atividades tiveram continuidade nos reinados de D. Maria e de D. João VI, matizando os efeitos da propalada “Viradeira”.

Assim, os textos apresentados neste Dossiê procuram discutir a importância da cultura escrita e suas relações com a educação e a instrução no Antigo Regime português. Os textos percorrem diferentes temas e investem em abordagens que recorrem a fontes e orientações teórico-metodológicas ainda pouco exploradas pela historiografia, verticalizando discussões sobre o contexto reformista que marcou o mundo luso-americano a partir da segunda metade do século XVIII até as primeiras décadas do século XIX. Esse movimento renovador também é tributário da interlocução mais frequente entre historiadores e pesquisadores de áreas limítrofes, como Estudos Literários, Sociologia e Educação. É nesta perspectiva que se vislumbra a contribuição destes estudos e sua articulação com um programa de pesquisa mais ampliado.

O primeiro texto, de autoria de Thais Nívia de Lima e Fonseca, a par de apresentar uma concisa discussão acerca dos caminhos da historiografia da educação voltada ao período colonial brasileiro, mostra os resultados do investimento em um novo veio documental, a correspondência trocada entre professores régios, governadores de capitania, bispos, funcionários da Junta da Diretoria Geral de Estudos e o Conselho Ultramarino, a partir da qual são discutidas as relações estabelecidas entre os professores régios e os responsáveis pelo controle administrativo do ensino régio na América portuguesa. A autora destaca, assim, os interesses e conflitos dos sujeitos envolvidos com a educação no contexto colonial, abordando também aspectos do funcionamento cotidiano das escolas régias instituídas, a partir de 1759, com as reformas pombalinas da educação.

A seguir, Antonio Cesar de Almeida Santos revisita o conjunto dos diplomas legais que instituíram as reformas pombalinas da educação, apontando para o tipo de estudante e, consequentemente, para o “profissional” desejado pelos propositores das tais reformas, considerando que elas estiveram orientadas pelo interesse em desenvolver uma mentalidade que se coadunasse à nova realidade que se queria construir. Assim, seu interesse maior é o de perceber os nexos entre as novas ideias que permeavam o ambiente intelectual europeu e os conhecimentos e as metodologias de ensino que foram propostos para a instrução dos jovens portugueses.

Por sua vez, Justino Pereira de Magalhães aborda a administração municipal pela ótica de sua ordenação por intermédio do uso da escrita administrativa, apontando para uma crescente formalização, profissionalização e especialização desse domínio. Enfocando a figura do escrivão, sujeito responsável pelo registro escrito dos atos municipais, mostra como ocorreram a adequação e a legitimação de uma escrita municipal, particularmente a colonial, ao longo do século XVIII, frente às instâncias decisórias do centro. Conforme o entendimento do autor, a escrita municipal é instituidora do próprio município, desvelando-se como texto, e é como tal que precisa ser interpretada.

Em um registro de longa duração, Ana Rita Bernardo Leitão aborda a instrução dos indígenas da América Portuguesa, especialmente no que concerne à introdução do idioma português entre estes sujeitos. Aqui, a atividade educacional, especialmente aquela promovida pela Companhia de Jesus, mistura-se à missionária, vislumbrando-se estratégias de incorporação das populações autóctones à fé católica e à cultura portuguesa. Apesar da relativa eficácia da ação de civilização das populações ameríndias, no que se refere especialmente ao domínio da língua portuguesa, não ficam ausentes os obstáculos enfrentados, em destaque aqueles que serão objeto de atenção do gabinete pombalino.

Ana Cristina Pereira Lage trabalha com dois conceitos essenciais para os estudos que o Grupo de Pesquisa Cultura e Educação na América Portuguesa vem desenvolvendo: letramento e cultura escrita. Em seu artigo, a autora busca compreender, a partir destes conceitos, a produção e a utilização de livros devocionais pelas mulheres que seguiam a Regra de Santa Clara na América Portuguesa. Assim, a partir de uma análise que conjuga a interpretação da Regra, das práticas de leitura, da escrita e dos livros que orientam para o caminho da perfeição religiosa, aponta para o caminho que essas mulheres pretendiam seguir: a busca de uma vida exemplar. A partir da documentação, torna-se possível identificar o estilo literário predominante nos conventos que seguiam a Regra de Santa Clara, estabelecendo padrões para o letramento religioso conventual e que circulava entre Portugal e a América portuguesa, em meados do século XVIII.

Sílvia Maria Amâncio Rachi Vartuli discute os usos sociais que mulheres de Minas Gerais fizeram da escrita, no período de 1780 a 1822, considerando que as relações com a escrita ultrapassam em muito a capacidade de redigir de “próprio punho”. Aborda, assim, os fenômenos da alfabetização e do letramento nas sociedades do período colonial brasileiro, realizando também uma breve discussão acerca da cultura escrita, privilegiando a observação das elaborações discursivas empregadas por aquelas mulheres no momento de redação de seus testamentos. Trata-se, enfim, de um trabalho que destaca a autoria de textos, mesmo que redigidos por mãos alheias, mas que mostram a utilização da escrita no referido contexto.

Completando esta incursão sobre a cultura escrita e suas relações com a educação e a instrução no mundo luso-brasileiro das décadas finais do século XVIII e das décadas iniciais do século XIX, Lucia Maria Bastos Pereira das Neves enfoca os esforços da Coroa portuguesa em criar, no Rio de Janeiro, uma sociedade mais conforme aos hábitos de uma Europa culta e ilustrada. Assim, discutem-se certas ações do governo joanino que permitiram a criação de escolas e a edição de livros por intermédio da Impressão Régia, buscando difundir uma cultura escrita e propiciando a instrução dos jovens que acompanharam suas famílias na transferência da corte. A circulação de novas ideias permitiu, como aponta Lucia Bastos, o surgimento de novas formas de sociabilidade e de um espaço público que, mais tarde, sediou o questionamento de alguns valores tradicionais, como o governo absoluto e a expressão retórica.

Completando este sexagésimo número da Revista, temos os artigos de Moisés Antiqueira, que empreende um estudo sobre a leitura que Tito Lívio fez do julgamento de Cesão Quíncio, na Roma republicana; de Patrícia Falco Genovez e Flávia Rodrigues Pereira, que abordam políticas de saúde voltadas ao combate da hanseníase e as memórias que a doença provoca em uma comunidade da região leste de Minas Gerais, na década de 1980; e de Coral Cuadrada, que trata da transmissão de saberes medicinais entre mulheres na Catalunha, em um estudo de longa duração (sécs. XV a XX). Também é apresentado artigo de Ray Laurence, sobre a exploração turística das ruínas de Pompeia, em tradução de Pérola de Paula Sanfelice e Daphne de Paula Manzutti.

Desejamos uma boa leitura!

Thais Nívia de Lima e Fonseca

Antonio Cesar de Almeida Santos


FONSECA, Thais Nívia de Lima e; SANTOS, Antonio Cesar de Almeida. Apresentação. História – Questões & Debates. Curitiba, v.60, n.1, jan. / jun., 2014. Acessar publicação original [DR]

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Dimensões laico e religiosas no espaço Luso-Brasileiro nos séculos XIX e XX / Cadernos de História da Educação / 2014

O presente dossiê reúne cinco artigos, que resultam de investigações concluídas e, agora, apresentam os desdobramentos dos trabalhos expostos durante o IX Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação, realizado na Universidade de Lisboa, em 2012. Na oportunidade os participantes da mesa coordenada, intitulada Dimensões Laico e Religiosas no Espaço Luso-Brasileiro nos Séculos XIX e XX, abordaram a questão da relação Estado e Igreja Católica, em Portugal e no Brasil, pela disputa da hegemonia sobre a escola, que vai do final do século XIX a meados do século XX. Este período pode ser apresentado como um processo histórico caracterizado por ciclos de hegemonia do Estado, sob a forma de Estado Liberal e Republicano, e por ciclos de convenção e procura de entendimento com a Igreja Católica.

Fruto dos debates promovidos à época e tendo em vista a perspectiva de estabelecer / constituir um espaço de reflexão sobre as relações entre Estado e Igreja nos dois “mundos”, europeu e americano, ou melhor, fazer aflorar informações e interpretações novas dos fenômenos históricos, em particular, daqueles relacionados às formas educativas, desenvolvidas nas suas inter-relações / implicações com o Estado, a sociedade e as instâncias religiosas.

Assim, o conjunto dos textos que compõem o dossiê promovem uma discussão sobre o panorama histórico-educativo das diferentes experiências educacionais vivenciadas no contexto luso-brasileiro, nos séculos XIX e XX, momento marcado por intensos embates entre a Igreja Católica e o Estado liberal que se consolidava na Europa e entrava no cenário político brasileiro, inspirador da educação moderna (pública, gratuita e laica) e pelos questionamentos da Igreja Católica sobre esses princípios. Em suma, busca-se a compreensão das aproximações / tensões entre essas duas instâncias na promoção da educação no interior da sociedade, bem como explicitar os interesses políticos, culturais, ideológicos, antropológicos e religiosos que permearam esses conflitos no campo educacional. Exatamente a relação entre Igreja, Estado e Educação no contexto Luso-Brasileiro que trata o presente dossiê, constituindo uma amostra variada das relações entre Igreja, Estado e Educação no referido contexto.

O artigo de José António Afonso, Simulação e Ofensiva – Movimentações Católicas e Reivindicação do Ensino da Religião no Curso Liceal (Portugal, década de 1890 ), abre o dossiê. Neste focaliza a Reforma do Ensino Secundário, de Jaime Moniz, em 1895, mas o centro da análise do artigo recai sobre os argumentos dos católicos em torno da necessidade de instituir a disciplina de Ensino Católico. Também abordando a realidade portuguesa, mas a partir da sua intersecção com a situação brasileira, Carlos Henrique de Carvalho e Luciana Beatriz de Oliveira Bar de Carvalho, no texto Intelectuais Católicos no Espaço Luso-Brasileiro: as Contribuições de Alceu de Amoroso Lima e António Durão (1930- 1950), examinam a participação desses intelectuais ligados ao pensamento católico, nos debates sobre a implantação das reformas educacionais promovidas pelo Estado no espaço Luso-Brasileiro, entre 1930 a 1950, tendo em conta os objetivos dos respectivos governos (português e brasileiro) para estabelece e consolidar um sistema nacional de ensino.

No caso do Brasil temos três trabalhos. O primeiro é de José Gonçalves Gondra e Maria de Lourdes da Silva, Educação da Inteligência, Educação da Vontade na Escrita da História da Educação Brasileira (1826-1929), que descreve os investimentos do polígrafo Afranio Peixoto, tendo em vista o papel doutrinário que ele concebe para a educação a qual, mesmo laica, se encontra eivada por uma espécie de liturgia científica. Aline de Morais Limeira em, Doutrina e Religião Christã: a Igreja Católica no Exercício do Magistério e na Seleção dos Mestres, procura analisar a ação e interferência da religião cristã e da Igreja Católica como força inscrita nas experiências do magistério, a partir dos processos de seleção, recrutamento e concessão de licença dos professores na Corte Imperial. Wenceslau Gonçalves Neto no artigo “Educação christã da mocidade”: Regulamentação da vida escolar em colégios católicos de Minas Gerais (1863-1911), aborda como se evidenciaram as preocupações disciplinares dos colégios católicos com a “educação christã da mocidade”, na segunda metade do século XIX e início do século XX, em Minas Gerais, envolvendo o atendimento tanto de órfãos pobres como de filhos de famílias abastadas, nos estatutos do Collegio de Macaúbas (Santa Luzia, 1863), do Episcopal Collegio do Bom Jesus (Congonhas do Campo, 1896), das Escolas Dom Bosco (Cachoeira do Campo, 1896) e do Colégio Marista Diocesano de Uberaba (1911).

Esse dossiê, intitulado Dimensões Laico e Religiosas no Espaço Luso-Brasileiro nos Séculos XIX e XX, traz um conjunto de artigos com importantes contribuições para o esclarecimento, com base em fundamentação histórica, dos problemas educacionais que ainda hoje estamos enfrentando no que tange às relações entre Igreja e Estado.

Carlos Henrique de Carvalho – Organizador


CARVALHO, Carlos Henrique de. Apresentação. Cadernos de História da Educação. Uberlândia, v. 13, n.1, jan. / jun., 2014. Acessar publicação original [DR]

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Palavras viajeiras: circulação do conhecimento pedagógico em manuais escolares (Brasil / Portugal, de meados do século XIX a meados do século XX) / Revista Brasileira de História da Educação / 2013

Os textos aqui reunidos nasceram de múltiplos encontros que tematizam, particularizam e formalizam processos de circulação de ideias educacionais. Seus autores participam do Projeto de Pesquisa “História da Escola Primária no Brasil: investigação em perspectiva comparada em âmbito nacional (1930-1961)”, que fomentou a confluência de análises, o compartilhamento de fontes documentais e o intercâmbio de pessoas e experiências acadêmicas entre o Brasil e Portugal. Num desses encontros, o IX Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação: Rituais, Espaços & Patrimónios Escolares, realizado em Lisboa em julho de 2012, foram apresentados estudos que atestaram a coerência metodológica e as múltiplas possibilidades interpretativas com um mesmo conjunto de fontes. Daí resultou a presente publicação, cujo intento é apresentar análises de um conjunto de manuais escolares que circularam na Escola Normal brasileira e portuguesa entre meados do século XIX e meados do século XX, a partir de diferentes olhares, reeditando em outra chave o processo original de circulação de ideias entre Brasil e Portugal no qual esses materiais se inserem.

O trabalho foi iniciado por meio do levantamento de estudos (devidamente referenciados nos artigos) que investigaram manuais didáticos publicados nos dois países, cuja listagem serviu de guia para a busca nos seguintes acervos: Biblioteca do Livro Didático da Faculdade de Educação da USP / São Paulo; Biblioteca Nacional / Rio de Janeiro; Biblioteca da Universidade do Estado de Santa Catarina, Biblioteca Nacional / Lisboa; Biblioteca da Escola Superior de Educação / Lisboa e Biblioteca da Casa Pia / Lisboa. Por meio desses procedimentos, foram localizados cerca de dez manuais que, comprovadamente, circularam nos dois países, e foram selecionados aqueles cujo conteúdo abordava a formação profissional docente em maior amplitude (função social da escola primária, métodos e conteúdos de ensino, processos avaliativos, provimento material da escola); excluíram-se, por exemplo, aqueles voltados especificamente para questões próprias da Psicologia. As discussões metodológicas preliminares buscaram estabelecer um corpus empírico que possibilitasse o diálogo entre os diferentes enfoques e evidenciasse a fertilidade das fontes, e, por meio desses procedimentos, foi definido o seguinte conjunto de manuais didáticos: Elementos de Pedagogia, de Affreixo e Freire (1870); Curso Prático de Pedagogia Destinado aos Alunos-Mestres das Escolas Normaes Primarias e aos Instituidores em Exercício, de Daligault (1874); Lições de Pedagogia Geral e de História da Educação, de Pimentel Filho (1875); Lições de Pedologia e Pedagogia Experimental, de Faria de Vasconcelos (1910); Lições de Metodologia, de Fonseca Lage (1920); A arte da leitura, de Mário Gonçalves Viana (1949); e Lições de Pedagogia, de Aquiles Archêro Junior (1955).

Os pesquisadores utilizam diferentes lentes para tecer suas análises, e cada um, segundo sua especialidade de pesquisa, aprofunda aspectos que, juntos, compõem um painel interpretativo sobre o processo de escolarização e seus espaços; a normatização do trabalho docente; os princípios que nortearam a seleção cultural para a escola primária; a constituição de modos e métodos de ensino para realizar os objetivos educacionais; e especificidade que assumem os materiais e o ensino da leitura e da escrita. Todas as análises reiteram a importância dos impressos na consolidação da escola primária portuguesa e brasileira, notadamente no que se refere às prescrições feitas nos manuais escolares que, em trânsito, configuramse como palavras viajeiras.

Nessa perspectiva, o artigo “A função social da escola e a constituição da forma escolar (Brasil e Portugal, 1870-1932)”, de Vera Teresa Valdemarin, contribui para a compreensão da consolidação da forma escolar entre os séculos XIX e XX, pois, nas proposições conceituais e teóricas presentes nos diferentes manuais, não são percebidas alterações na função que a instituição adquiriu nas sociedades modernas. No entanto, houve profundas transformações nos procedimentos pedagógicos, tributários de mudanças científicas, sociais e econômicas ocorridas entre a publicação dos textos. Essa transformações refletem a complexidade da cultura composta por acréscimos, desusos, empréstimos e embates que sofreram alterações mediante o enraizamento em continuidades práticas nas quais o processo de escolarização se ampara.

Vera Lucia Gaspar da Silva, no artigo “Objetos em viagem: discursos pedagógicos acerca do provimento material da escola primária (Brasil e Portugal, 1870 – 1920)”, localiza e analisa nos manuais um conjunto de prescrições indicadoras do provimento material da escola, que levam à identificação de um desenho material para a escola primária brasileira e portuguesa, num importante período de sua expansão: finais do século XX e anos iniciais do século XX. No retrato construído a partir dos discursos dos diferentes pedagogos destacam-se elaborações sobre o espaço físico, sobre os materiais para o ensino e sobre o aparato burocrático. Nesses elementos, observa-se a suavização do caráter prescritivo inicial, que vai sendo matizado por um tom mais “cientificista”; além disso, no cenário escolar esboçado, revelam-se diferentes formas de conduzir os trabalhos e de operar com os objetos num processo não linear, mas construído por meio de movimentos, de idas e vindas e da convivência de diferentes abordagens.

No artigo “O tema dos modos de ensino nos manuais de pedagogia ou em torno de um problema pedagógico”, Carlos Manique da Silva aborda os manuais na perspectiva da produção de um conhecimento científico em educação que se tornou referencial das práticas, qual seja, aquele que diz respeito aos modos de ensino. Nos manuais selecionados, o autor detecta a mudança de uma perspectiva que advoga a homogeneização da população escolar para o tratamento diferenciado do aluno, produzido pelo desenvolvimento das proposições ancoradas na Psicologia. No debate travado entre duas maneiras de conduzir a relação pedagógica explicitam-se aspectos profundos da atividade escolarizada, que dizem respeito à transmissão do conhecimento e à forma como os professores são entendidos na sua identidade profissional.

Rosa Fátima de Souza, no artigo “A formação do cidadão moderno: a seleção cultural para a escola primária nos manuais de Pedagogia (Brasil e Portugal, 1870 – 1920)”, focaliza a organização pedagógica proposta para a escola primária, tendo em vista o objetivo de ensinar muitas crianças ao mesmo tempo. Nos manuais didáticos analisados, evidencia-se a crescente preocupação com a ordenação e a distribuição do conhecimento e do tempo, que passam a ser considerados requisitos para o exercício da docência. Os conteúdos do ensino primário, resultantes de seleção cultural, tornam-se indissociáveis dos programas, da avaliação e da classificação da aprendizagem e dos procedimentos metodológicos e, juntos, atestam a racionalidade que preside a instituição escolar.

“A mão, o cérebro, o coração. Prescrições para a leitura em manuais escolares para o Curso Normal (1940 – 1960 / Brasil-Portugal)”, artigo elaborado por Maria Teresa Santos Cunha, focaliza questões referentes à escolarização da leitura e evidencia como a ação do Estado a transformou num saber escolar. Nesse processo, os manuais produzidos para uso nos cursos de formação de professores assumem função essencial, pois definem programas, comportamentos – concentração e paciência, por exemplo – e, por meio deles, transformam alunos em leitores. Aliado à escrita, o ensino da leitura atribuiu à instituição escolar importância social sem precedentes, investindo, ao mesmo tempo, na qualificação técnica e simbólica do corpo docente.

Além dos diferentes aspectos tematizados em cada um dos artigos, o conjunto dos textos evidencia a fertilidade dos manuais didáticos como documentos históricos. Indissociáveis da expansão da escola pública, esses materiais de uso cotidiano revelam os vínculos dos autores com o campo editorial e com o campo profissional e a construção do discurso pedagógico. A delimitação temporal aqui adotada possibilitou ainda detectar as modificações produzidas nesse discurso, seja pela incorporação de práticas usuais, seja pela divulgação de tendências emergentes; foram atestados também elementos que parecem resistir às mudanças e têm caracterizado a escola como instituição peculiar. Os manuais, enfim, são dispositivos privilegiados para a compreensão dos processos de circulação de ideias: de mão em mão, de país em país, viajam no tempo; estruturam saberes; e, tomados em fragmentos ou na totalidade, possibilitam o aprofundamento do que sabemos sobre o passado e sobre o presente da escola.

Vera Teresa Valdemarin

Vera Lucia Gaspar da Silva


VALDEMARIN, Vera Teresa; SILVA, Vera Lucia Gaspar da. Apresentação. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v.13, n.3, set. / dez., 2013. Acessar publicação original [DR]

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Brasil, Portugal e África portuguesa: história e artes / História Revista / 2013

O dossiê Brasil, Portugal e África portuguesa: história e artes traz uma gama de discussões voltadas para diferentes objetos, sob olhares diferentes que traduzem a importância desta temática no mundo atual. Além disso, são apresentados artigos e uma entrevista que agregam contribuições de pesquisadores. Assim o texto de Manuel Ferro assentado em uma fonte, o Canto V de os Lusíadas demonstra a permanência deste como fonte de inspiração na literatura atual. Jorge Pais de Sousa preocupa-se com a existência ou não de uma fração socialista do Partido Republicano Português por intermédio da atuação de Magalhães Lima e Afonso Costa. Maria de Fátima Fontes Piazza aborda a circulação de sensibilidades entre Brasil e Portugal, cotejando a edição de luxo, a Selva, do escritor português Ferreira de Castro com as 12 ilustrações de Cândido Portinari para esta edição. Élio Cantalicio Serpa e Heloisa Paulo discutem as relações entre Brasil e Portugal por intermédio do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de Coimbra. João Batista Bitencourt traz para o leitor uma discussão historiográfica cotejando trabalhos produzidos em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, percebendo uma opção pelo enfoque que credita méritos às tradições lusitanas como componente da brasilidade. Alírio Cardoso trata da conquista do Maranhão e Grão Pará durante o período a União Ibérica (1580-1640). Eduardo Melo França trabalha com notícias, publicadas em Portugal, acerca da proclamação da república brasileira e da queda do imperador. Andreia Martins Torres faz uma interpretação das contas encontradas durante a escavação da Fragata Sto. António de Tána, naufragada em Mombaça no ano de 1697, problematizando o significado da presença destes materiais no contexto das ligações entre a Índia e África. Frank Marcon debruça-se sobre o estilo de música Kuduro usado no Brasil, Portugal e Angola, percebendo as implicações de ordem cultural e mercadológica.

Os artigos apresentados tratam de temáticas variadas. O artigo de Cynthia Machado Campos trabalha sobre a emergência do jovem / violência ou jovem / rebeldia nas ciências humanas. José Adilçon Campigoto, João Carlos Corso e Rejane Klein tratam de questões relacionadas com o uso e posse de terra, tendo como ponto de partida a Irmandade de São José da Água Branca. Filipa trabalha com a obra Il Gattopardo de Lampedusa, tendo como fio condutor o corteggiamento della morte, identificando vestígios de uma herança deixada pelos esquemas mentais da dialética barroca. José Antônio de Carvalho Dias Abreu trabalha com a obra de Joaquim Manuel de Macedo intitulada As vítimas algozes percebendo um processo de inversão no sistema escravocrata: a vitima é o algoz e o opressor é vitimizado. Milton Pedro Dias Pacheco debruça-se sobre monumentos relacionados com a arquitetura das águas existentes em Coimbra.

Acrescentamos ao presente dossiê uma entrevista com a Professora Doutora Maria Aparecida Ribeiro, ex Diretora do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de Coimbra.

Élio Cantalicio Serpa


SERPA, Élio Cantalicio. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 18, n. 2, jul. / dez., 2013. Acessar publicação original [DR]

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Portugal, Brasil e África: história e literatura / História Revista / 2011

O dossiê Portugal, Brasil e África: história e literatura traz para o público uma série de artigos escritos por intelectuais que em suas pesquisas transitam entre dois campos de produção de saberes – a história e a literatura. Não se trata tão somente de buscar os relacionamentos entre países através desses dois campos, mas também de focar questões específicas circunscritas ao passado que unem as três realidades.

A existência de um padrão de língua e relações culturais comuns advindo da colonização e do pós-colonial entrecruzam-se, formando liames que os aproximam e ou afastam. A literatura, na construção de si, criou artefatos culturais, na forma de crônicas, poesias, romances, folhetins e outros, que trouxeram para o leitor suportes imaginários que problematizam sujeitos, nacionalidades, cidades e as condições políticas e sociais, em diferentes tempos e espaços. A nação, a cidade e o povo foram, na pena dos escritores românticos ou não, temáticas largamente trabalhadas pelos que, durante anos, foram habitantes da metrópole ou das ex-colônias. Cada autor esboçou e teceu uma nação ou cidade do tamanho de sua imaginação, impregnada de “realidades” tornadas visíveis através de diferentes suportes, matizados pela prática do “bem inventar”.

A história seguiu o mesmo percurso, mas, zelosa pela diferença e marcação de status no que concerne à produção de saber, lançou-se, então, à cata de fontes, estribada pela certeza de que falava da REALIDADE por intermédio de regras reconhecidas pela comunidade científica, afeta à área do conhecimento. Contudo, a invenção está presente, pois, como bem diz Durval Muniz de Albuquerque Júnior,

as invenções podem resultar no que não se planejou, podem surgir do encontro inesperado e acidental de elementos que jaziam separados. O momento de invenção, como de irrupção de qualquer evento histórico, é um momento de dispersão, que só ganha contornos definidos no trabalho de racionalização e ordenamento feito pelo historiador. Ordem que não está no próprio evento, articulações prováveis, possíveis, mas nunca indiscutíveis ou evidentes. Fato histórico, um misto de matéria e memória, de ação e representação, fruto de uma pragmática que articula a natureza, a sociedade e o discurso (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007, p. 35).

Neste dossiê, Francisco Salinas Portugal trabalha com a pertença ambígua de obras literárias que não se encaixam numa literatura considerada como sistema. Entretanto, o afã de construção de processos identitários levou intelectuais a postularem sua integração a um sistema. Para tal intento, investiram na construção de um romance histórico, criando a imagem pública do literato ou personagens à espera de que o leitor contribua para a legitimação da (nova) tradição. Frank Marcon investiga a relação entre o escritor Pepetela, seus romances e a imaginação da nação em Angola. Demonstra como a trajetória de vida do escritor e sua relação com a União dos Escritores Angolanos fazem parte de um contexto de institucionalização da literatura naquele país, bem como analisa os romances e sua relação com a criação de uma narrativa histórica romanceada para a nação. Esta análise não se encerra numa percepção centrada em Angola, mas implica perceber a presença de Portugal e do Brasil nas narrativas de Pepetela, como contrapontos (próximos e distantes), presentes neste processo de efetivação da “nação imaginada”. Heloisa Paulo aborda o sequestro do paquete Santa Maria, uma embarcação de luxo e um dos orgulhos do regime de Salazar. A bibliografia em torno do episódio do Santa Maria alcança um número razoável de títulos, quer em português, quer em espanhol, galego ou catalão. No entanto, a grande maioria é composta por relatos de participantes. O objetivo da autora é analisar os relatos existentes, trazendo um novo ângulo de interpretação para o fato. Julio Sánchez Gómez discute a relação entre os índios do Brasil e o processo de independência do país, no período de 1821 a 1850. Os índios são vistos tanto como sujeito passivo da legislação – primeiro do rei de Portugal, a partir do período pombalino, passando pela etapa da Corte do Rio de Janeiro e da seguinte corte imperial, assim como das discussões parlamentárias em Lisboa e no Rio quanto como sujeito ativo nas lutas independentistas. Lucia Maria Paschoal Guimarães perscruta o papel desempenhado pela revista Atlantida, o mais expressivo veículo de divulgação de um projeto político-cultural voltado para a defesa da formação de uma comunidade luso-brasileira. Concomitante à permanente reflexão doutrinária acerca da conveniência do estreitamento das relações entre Brasil e Portugal, a revista ocupava-se de questões literárias, históricas e artísticas contemporâneas, o que lhe conferia um alcance político e ao mesmo tempo cultural. Manuel Ferro trabalha a imagem de Lisboa, colhida das vivências urbanas, objeto de tratamento literário nos folhetins do fim-de-século XIX, que desmontam tanto os códigos de valores dominantes, como a uma visão poética de uma cidade, capital e Reino e de Império, decadente, sem conseguir acompanhar o ritmo do progresso das grandes capitais europeias. Maria Aparecida Ribeiro mostra como José de Alencar, por meio de cartas dirigidas a Gonçalves de Magalhães, criou uma poética nacional, culminando com a produção de um romance no qual nação e raça brasileira foram o (o condutor da narrativa. Rafael Alves Pinto Júnior analisa a atuação do engenheiro português Ricardo Severo (1869-1940) a partir de sua conferência sobre a Arte Tradicional no Brasil, realizada na Sociedade de Cultura Artística em 1914, em São Paulo, catalisando o movimento neocolonial no Brasil. Destaca também que a in9uência intelectual de Severo foi maior que sua ação profissional, desencadeando um intenso debate em torno da questão da nacionalidade e do papel da obra de arte – notadamente a arquitetura – como um elemento civilizatório e identitário.

Na secção artigos, José María Aguilera Manzano analisa algumas das características do projeto de identidade construído por um grupo de liberais autonomistas cubanos durante o século XIX. Devido à censura, esse grupo não pode valer-se do discurso político para conseguir seus objetivos identitários. Tal situação os levou a fazer uso da literatura como meio privilegiado de expressão de suas ideias. Kátia Rodrigues Paranhos aborda as iniciativas dos grupos de teatro popular no Brasil, a partir da década de 1960, explorando experiências e representações do movimento operário, sobretudo ao interrogar os textos, as imagens e os sons como fontes. Por (m, duas resenhas que tratam de experiências autoritárias. A resenha produzida por Cláudia Graziela Ferreira Lemes que trata do livro de Carlos Fonseca, intitulado Trece Rosas Rojas: la Historia más conmovedora de la guerra civil. Elio Cantalício Serpa e Marcello Felisberto Morais de Assunção resenharam a obra do filólogo Victor Klemperer, intitulada LTI: a língua do IIIº Reich.

Referências

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A arte de inventar o passado. Bauru, SP: EDUSC, 2007.

Elio Cantalício Serpa

Organizador do Dossiê


SERPA, Elio Cantalício. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 16, n. 1, jan. / jun., 2011. Acessar publicação original [DR]

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Currículos, práticas e cotidiano escolar na formação educacional, moral e cívica de cidadãos no espaço luso-brasileiro / Revista História da Educação / 2010

O presente dossiê reúne seis artigos na temática geral da história das instituições escolares, com ênfase na questão dos currículos, práticas e cotidiano escolar. Os cinco primeiros estão dedicados à temática geral das práticas desenvolvidas a partir de instituições escolares em regiões e cidades do Brasil e de Portugal, tendo sido redigidos originariamente para apresentação no VII Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação, realizado no Porto, em Portugal, em 2008. O último artigo foi redigido mais recentemente, abordando a questão dos arquivos escolares e sua relação como à produção do conhecimento em História da Educação, com correspondência significativa com os artigos apresentados anteriormente.

A percepção do sentido e dos objetivos sociais das instituições escolares contribui sobremaneira para o entendimento das relações fundamentais que se estabelecem entre o particular e o geral no processo de compreensão e de construção de interpretações sobre a história das instituições escolares e de seu papel nas cidades e regiões circunvizinhas, pois que no entendimento dessa relação ancora-se a descoberta da dinâmica das identidades construídas e assumidas pelos indivíduos que animam as instituições educativas.

Desse modo, as práticas escolares que se expressam por meio da organização curricular, da utilização de manuais por professores e alunos, da realização de festividades, da aplicação de premiações e de punições etc. tornam-se compreensíveis não pela descrição detalhada de suas especificidades, mas sim pela qualidade das relações que o pesquisador consegue estabelecer entre essas práticas e as finalidades sociais mais amplas determinadas pela sociedade nas possibilidades sempre em aberto de manutenção da ordem, de iniciativas transgressoras e mesmo de ruptura com o estabelecido.

Assim, a convergência dos trabalhos apresentados está, sobretudo, na preocupação em promover nas investigações particulares a articulação entre as práticas escolares e as finalidades sociais mais amplas, no estabelecimento de uma dialética que enriqueça a interpretação histórica, com utilização para tanto de farta documentação encontrada nos arquivos escolares pesquisados.

Décio Gatti Júnior – Professor-pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia, no qual coordena a linha de pesquisa “História e Historiografia da Educação”. E-mail: [email protected]

Eurize Caldas Pessanha – Professora-pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, no qual coordena a linha de pesquisa “Escola, Cultura e Disciplinas Escolares”. E-mail: [email protected]


GATTI JÚNIOR, Décio; PESSANHA, Eurize Caldas. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 14, n. 31, maio / ago., 2010. Acessar publicação original [DR]

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História da Ciência em Portugal / Revista Brasileira de História da Ciência / 2009

Este número da Revista Brasileira de História da Ciência traz uma novidade importante com relação aos seus números anteriores, a saber: a publicação de um dossiê temático. No presente caso, trata-se de um conjunto de três artigos sobre temas diferentes, guardando eles um ponto em comum: o de discutirem aspectos do desenvolvimento científico e tecnológico em Portugal. Em outras palavras, trata-se de um dossiê com enfoque na recente produção historiográfica portuguesa.

Como deve ser conhecido por todos aqueles que se interessam e / ou atuam no domínio da história da ciência, essa área vem passando, desde a última década do século XX, por um intenso processo de renovação e ampliação temática e em seus quadros de investigadores profissionais. A recente decisão do governo português de oferecer um apoio à História da Ciência, questão que foi debatida em congresso em meados deste ano, é um sinal positivo de que essa área do conhecimento já alcançou uma certa visibilidade acadêmica, sem deixar de mencionar a inserção internacional que também é crescente.

Também é sabido que a história da ciência não é um tema que apareceu há pouco tempo no cenário científico-universitário de Portugal. O interesse e a produção de historiadores portugueses, ou que se interessam por questões ligadas àquele país, são antigas, podendo-se mencionar os nomes de Joaquim de Carvalho, Luís de Albuquerque e Joaquim Bensaúde como exemplos significativos da produção portuguesa. Além de serem relevantes no cenário lusitano, os três nomes acima, aos quais poderiam ser acrescidos muitos outros, têm uma outra característica importante: seus artigos e livros discutiram questões relativas aos descobrimentos náuticos portugueses.

Como é de se esperar, tendo em vista o lugar periférico de que Portugal desfrutou durante longo período de tempo no cenário intelectual e político mundial, a produção historiográfica portuguesa dedicou-se, e muito, a tentar compreender as razões que impediram a penetração no país das ideias modernizadoras da chamada Revolução Científica da Época Moderna. Associada ao declínio econômico vivido pelo país e à força exercida pelo catolicismo, prevaleceu a tese de que Portugal, além de atrasado sob o ponto de vista científico, seria um exemplo de que a ciência não poderia ser praticada em ambientes culturais com essas características. Aceitou-se a tese de que Portugal, a partir de meados do século XVII, e até muito recentemente, tivesse sido como um deserto de ideias e instituições científicas e acadêmicas.

Hoje em dia, pode-se dizer que a conclusão do parágrafo acima é errada. Para que sua inexatidão pudesse ser afirmada e disseminada, foi preciso que em Portugal, como também no Brasil, se abandonassem certos padrões de análise historiográfica mais afeitos ao universo europeu e anglo-saxão. Em outras, certamente rápidas, palavras, foi preciso que a história da ciência fosse percebida como algo mais do que a mera descrição das hipóteses verdadeiras. A ciência se caracteriza por ser uma prática específica e não apenas por ser “produtora” de um certo tipo de conhecimento.

A atual produção historiográfica portuguesa não se limita a estudar eventos diretamente relativos à ciência e à tecnologia no país. É possível encontrar temas ligados à química quântica do século XX, à física clássica no século XIX e à mecânica quântica também no século XX. Ao lado da diversificação temática, já se pode verificar a presença de alguns poucos centros de investigação inteiramente dedicados à história e à filosofia da ciência, ainda que se possa lamentar o fato de que haja pouca interação entre eles – que são relativamente bem distribuídos pelo país. Com o passar do tempo, é de se imaginar que aumente essa interação, o que resultaria em benefícios para todos.

Os três artigos que compõem esse dossiê são um exemplo significativo das recentes mudanças no cenário português em história da ciência. Mas, antes de passarmos a uma breve descrição do seu conteúdo, gostaria de mencionar que, pelo menos desde a década de 1990, Portugal e Brasil têm fortalecido os seus laços de investigação em história da ciência. Penso que o exemplo mais relevante desse fortalecimento é constituído pelos três encontros luso-brasileiros ocorridos em Évora (2000) e no Rio de Janeiro (2003 e 2009). Além disso, pesquisadores dos dois países já atuam em conjunto produzindo livros e artigos sobre o desenvolvimento da ciência e da tecnologia.

Os autores dos artigos desse dossiê já possuem larga trajetória no cenário da história da ciência, sendo, inclusive, bem conhecidos da comunidade brasileira. Um deles (Luís Miguel Carolino) trabalhou durante dois períodos no Museu de Astronomia e Ciências Afins (MCT). Os outros autores são nossos frequentes visitantes, o que mostra o interesse que têm em preservar os laços com o Brasil.

O artigo de Carolino, presentemente no Museu de Ciência da Universidade de Lisboa, será o primeiro analisado. Tendo por título “Cristoforo Borri e o impacto da nova astronomia em Portugal no século XVII”, o seu objetivo consiste em entender o papel desempenhado por Cristoforo Borri no cenário da ideias cosmológicas nesse país. Para isso, acentua-se a análise das teses e concepções que Borri apresentou em seu texto sobre a nova astronomia. Sinalizando a maturidade alcançada pelos historiadores portugueses, Carolino discute criticamente a historiografia existente, mostrando as suas limitações, ao mesmo tempo em que apresenta e sugere saídas renovadoras para pensar a ciência e o conhecimento em Portugal no século XVII.

O segundo texto – “A vida privada e o carácter do físico João Jacinto de Magalhães (1722-1790)” – é escrito por pessoa com visível presença no contexto acadêmico português, o físico de origem Manuel Fernandes-Thomaz – pertencente aos quadros da Universidade de Aveiro, que chegou a desempenhar importante papel no cenário português de ciência e tecnologia. Em seu trabalho, Fernandes-Thomaz retoma o assunto sobre o qual ele mesmo já tinha se pronunciado, além de ter sido muito debatido e comentado por outros historiadores, a saber: a vida e a obra de João Jacinto de Magalhães, filósofo natural português que acabou seus dias longe de seu país de origem. É objetivo de Fernandes-Thomaz discutir a historiografia conhecida sobre o seu “objeto” de estudo, revisando-a e corrigindo-a quando necessário.

O terceiro e último texto, resultado da colaboração de três investigadores, trata de um tema ainda pouco explorado não somente em Portugal, mas em muitos outros sítios: a ciência forense. Assim, esse artigo não é apenas importante por se tratar de uma colaboração, prática ainda pouco comum entre os historiadores da ciência, mas também por chamar a nossa atenção para um tema ausente do nosso campo de visão e análise. Em “António da Costa Simões e a génese da química forense em Portugal”, António José Leonardo, Décio Ruivo Martins e Carlos Fiolhais – todos da Universidade de Coimbra – partem da valorização de uma fonte ainda pouco usada, a revista O Instituto, para mostrar como António da Costa Simões, médico e professor da faculdade de Medicina, inovou no campo da detecção de substâncias tóxicas. Além das contribuições de Costa Simões, atenta-se para a decisiva transformação perpetrada por Macedo Pinto, igualmente médico, e que foi o responsável pela organização de um laboratório químico devidamente equipado.

São três os séculos (XVII, XVIII e XIX) focados pelos trabalhos presentes nesse dossiê. Se quisesse arriscar uma característica comum a eles, creio que diria que é a capacidade de mostrar, contra uma historiografia ainda dominante, que havia em Portugal, mesmo naqueles momentos vistos e entendidos como críticos, uma rica e interessante circulação de ideias, pessoas e visões de mundo. Como ex-editor da RBHC e profundamente interessado nos rumos da história da ciência em Portugal, é com muita satisfação que saúdo a decisão da atual editoria em nos dar a conhecer alguns dos mais recentes produtos da historiografia portuguesa. Que esse dossiê contribua para a criação de novos laços entre os nossos países, bem como para o fortalecimento e a consolidação dos atualmente existentes.

Antonio Augusto Passos Videira – Departamento de Filosofia / IFCH. Universidade do Estado Rio do Janeiro.


VIDEIRA, Antonio Augusto Passos. Introdução. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, jul. / dez., 2009. Acessar publicação original [DR]

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História da profissão docente no Brasil e em Portugal / Revista Brasileira de História da Educação / 2007

A história da profissão docente no Brasil e em Portugal: aproximações e distanciamentos

O conjunto de artigos que compõem este dossiê1 remete-se a um projeto de intercâmbio entre pesquisadores brasileiros e portugueses que pretende debruçar-se sobre a história da profissão docente no mundo luso-brasileiro, numa perspectiva de longa duração, tentando entende-la em um duplo contexto caracterizado, por um lado, pelo processo de formação dos Estados modernos, do qual a constituição dos sistemas nacionais de ensino (que, por sua vez, se viabiliza com a universalização da forma ou modelo escolar) é, sem dúvida, uma das dimensões mais significativas; e, por outro, pelo processo de institucionalização das ciências da educação, que se articula por uma via de mão dupla ao próprio processo de profissionalização do professor.

Assume-se o termo história da profissão docente por considerar o seu caráter elucidativo, enquanto “noção unificadora das várias dimensões do exercício profissional do magistério, cuja concepção exige a análise simultânea e integrada dessas mesmas dimensões” (Catani, 2000, p. 587).

Dessa perspectiva, o projeto tem como referência central o modelo de interpretação construído por Nóvoa (1987), em seu estudo sobre a profissão docente em Portugal. Esse autor, partindo de uma abordagem que chama de socioistórica, propõe um conceito de profissão que aponta para uma nova chave de leitura dessa problemática, que se faz a partir de uma dupla dimensão (a dimensão do saber e a dimensão ética) e da percepção da existência de quatro etapas ou momentos do processo de profissionalização da atividade docente, que podem ser estudadas tanto numa perspectiva diacrônica quanto numa perspectiva sincrônica.

Tomando como referência os momentos fortes identificados por Nóvoa na sua análise, o projeto propõe-se a agrupar em torno de quatro eixos temáticos os subprojetos que constituem esse amplo programa de pesquisas. São eles:

  • as Reformas Pombalinas da Instrução Pública, particularmente a reforma dos estudos menores, no século XVIII, que marcam a intervenção pioneira do Estado português, no sentido da constituição de um sistema estatal de ensino, em todos os domínios do Reino, e pelas quais se cria um primeiro quadro de professores recrutados e pagos pelo Estado. Ênfase será dada aos professores dos estudos secundários, prolongando-se a análise, no caso de Portugal, para a reforma de Jaime Moniz, no termo do século XIX;
  • a emergência das escolas normais, no século XIX, e sua consolidação, na primeira metade do século XX, considerando-se que tais escolas vão constituir-se nas primeiras instituições voltadas para a formação prévia e específica dos professores (no caso, os professores primários) e surgem mais ou menos na mesma época, com características bastante semelhantes, em diferentes contextos nacionais, inclusive no Brasil e em Portugal;
  • a consolidação do processo de profissionalização dos professores, que ocorre, no Brasil, entre os anos de 1920 a 1960, sob o impacto do ideário da Escola Nova e que impulsiona um projeto de cientificização do campo da educação. Nesse caso específico, dados os contextos políticos bastante diferenciados entre Brasil e Portugal ao longo do período, o esforço de comparação será particularmente interessante, tentando-se, inclusive, perceber as influências recíprocas entre os dois países;
  • as questões que marcam a atual problemática da formação de professores e do exercício da profissão docente, buscando pensá-la na contemporaneidade, tendo sempre presente o fato de que os professores constituem uma categoria com uma longa história, que deixou marcas profundas na forma de conceber hoje o ofício de professor, e entendendo que a história da profissão docente se encontra em curso.

Em todos os casos, parte-se do pressuposto de que, se por um lado é preciso levar em conta as especificidades de cada um dos dois países (e mesmo as diferenças internas, particularmente no caso do Brasil), por outro não se pode deixar de reconhecer, como afirma Nóvoa (1994), o caráter transnacional das questões referentes aos professores, evidenciado nos estudos que se vêm debruçando sobre essa temática. Assume-se, igualmente, a perspectiva proposta por esse autor de entender os estudos comparativos na direção não de uma análise “dos fatos”, mas do “sentido histórico dos fatos” (Nóvoa, 1998). Desse ponto de vista, o programa de pesquisa que a nos estamos propondo desenvolver abrange a análise de um conjunto de fatores associados à história da profissão docente, incluindo o estudo da circulação de saberes e da apropriação de produtos culturais por esses agentes históricos; a análise das políticas oficiais dirigidas ao magistério; a observação de diferentes formas de manifestação dessa categoria profissional diante das exigências postas ao exercício de seu ofício; as representações sociais que interferiram e ainda interferem na constituição de uma identidade docente específica. Vistos do ponto de vista de uma história comparada, esses aspectos podem potencializar a análise proposta, permitindo que o seu desenvolvimento se dê em uma perspectiva mais abrangente.

Esses trabalhos constituem-se num primeiro produto desse esforço conjunto de aproximação entre as equipes brasileiras e portuguesas do projeto.

Os cenários histórico-educacionais do projeto: uma primeira aproximação

A equipe que integra o projeto assume abertamente a possibilidade de a investigação propor formas de conhecimento que conciliem, por um lado, a empiria – obrigando-se a identificar, coletar, sistematizar e interpretar novas séries documentais produzidas dentro e fora do campo educativo –, e, por outro, a conhecer como teoria a relação de troca que os dois países estabeleceram naquela unidade espaço-temporal. Como nota António Nóvoa (2000, p. 122) em Tempos da escola no espaço Portugal-Brasil-Moçambique, “a elaboração do objeto faz apelo a uma reconciliação entre a história e a comparação, o que implica importantes redefinições destas duas disciplinas”.

Proporemos aqui digressão que trate de definir as temáticas e o território histórico de referência e que irão servir de porta de entrada da investigação. Será a partir de um entendimento específico de duas grandes linhas genealógicas do devir educacional, clarificadas a partir de finais do século XVIII – (i) a criação dos sistemas nacionais de ensino, (ii) um novo modelo disciplinar ligado à luta pela secularização do governo da alma –, que a pesquisa se concretizará, permitindo dessa forma imaginar sentidos concretos da emergência e consolidação de discurso com características reformadoras sobre o conhecimento pedagógico, a escola, os alunos, os professores e os saberes disciplinares.

As duas superfícies genealógicas da educação moderna

A questão da temporalidade longa que percorre o projeto não é uma questão que, de tão evidente por si mesma, possa passar sem prévios esclarecimentos de caráter teórico-metodológico. Impõe-se mesmo que comecemos por explicitar o modo como usamos a expressão escola moderna e que entendimento fazemos dela. Ao recuar a tempos tão remotos, a idéia central que nos move é a de tentar traçar, no espaço mundo de dois planos da lusofonia, uma história das convicções atuais em matéria de educação das crianças e dos jovens. Tentaremos responder a uma pergunta essencial: de onde provêem as idéias, as formações sociais e institucionais que aceitamos como naturais na atualidade? O conceito de genealogia, desenvolvido por Foucault (1971) a partir de Nietzsche, enquadra teoricamente uma investigação que tem um entendimento particular do devir temporal. Para o genealogista não há essências fixas, leis incontornáveis ou finalidades metafísicas; o seu objetivo não é ir às origens, mas antes tentar intersectar a proveniência e a linhagem de um problema ou de uma coisa; na assunção de que os fatos não falam por si mesmos, tende a colocar a ênfase num tipo de sistematização e conceptualização que assuma continuidade interativa entre a elaboração das teorias e das hipóteses; em termos de trabalho empírico dá uma importância central às relações de poder, aos processos de mudança. Trata-se, numa palavra, de tentar traçar a história do presente a partir de um plano e em direção a um objetivo que possa desinstalar o leitor relativamente às suas próprias convicções internas. A genealogia pretende mostrar que os objetos que nos pertencem foram sendo historicamente construídos, peça por peça, compactando tradições muito diferentes e que não imaginamos de modo algum estarem associadas e ainda menos fundidas. São, pois, narrativas muito específicas, particulares, algumas delas mesmo descontínuas, todavia com implicações gerais. Aquele filósofo alemão procurou mostrar que não há um sentido – uma razão – mas todo um “lado fluido”, uma síntese global de sentidos, de fins e utilizações civilizacionais para cada conceito moral cujo conteúdo tomemos como inquestionável. Como ele mesmo gostava de afirmar: “definível é apenas aquilo que não tem história” (Nietzsche, 2000, p. 90).

É por essa perspectiva que julgamos ganha operacionalidade a hipótese de tentar inquirir e ensaiar contar uma história que exemplifique as condições de emergência da escola moderna e do aluno como ator social a serviço de jogos de poder. O leitor destas páginas por certo aceitará a bondade dessa afirmação, que pode ser de hoje, de ontem, de há 100 ou mesmo de há 200 anos: o poder político liberal sempre procurou transferir para os espaços em que decorria a socialização escolar o essencial das tarefas destinadas à efetivação das categorias modernas de pessoa e de cidadão; logo, desde os bancos da escola o homem novo seria formatado nos ideais do humanismo, das luzes, do progresso, da autonomia e da responsabilidade pessoal. Há unanimidade na historiografia em reconhecer que a própria instituição escolar apresenta uma gramática escolar estável de há muito e que, em muitos aspectos, nos aparece como impermeável, na sua lógica organizacional, às tentativas de a reformar, durante todo o século XX. A escola tem resistido a modificar as suas estruturas mais elementares: “the basic grammar of schooling, like the shape of classrooms, has remained remarkably stable over the decades; little has changed in the ways that schools divide time and space, classify students and allocate them to classrooms, splinter knowledge into ‘subjects’, and award grades and ‘credits’ as evidence of learning” (Tyack & Cuban, 1995, p. 85). António Nóvoa descreve, com um pouco mais de pormenor, esse modelo que se impôs como via única. Parece não haver possibilidade de encontrar um cenário diferente desse:

Alunos agrupados em classes graduadas, com uma composição homogénea e um número de efectivos pouco variável; professores actuando sempre a título individual, com perfil de especialistas (ensino secundário); espaços estruturados de acção escolar, induzindo uma pedagogia centrada essencialmente na sala de aula; horários escolares rigidamente estabelecidos, que põem em prática um controlo social do tempo escolar; saberes organizados em disciplinas escolares, que são as referências estruturantes do ensino e do trabalho pedagógico. [Nóvoa, 1998, p. 27].

1. A criação dos sistemas nacionais de ensino. As reformas escolares na Europa do século XVIII mostraram, inequivocamente, que o nacionalismo foi o fenômeno por excelência que permitiu criar, sob a dependência do Estado, várias instituições sociais – e, de entre elas, a escola terá sido aquela a quem passou a caber o desígnio de alimentar a identificação da população de governados com o governo – capazes de reivindicar-se, ao mesmo tempo, como garantia da perenidade das nações e forma natural de organização dos povos. O Estado-nação, à semelhança do que assinalou Benedict Anderson (2000), traduz, no fundamental, a existência de uma comunidade política imaginada. Essa idealização imaginária foi produzida no interior de certos limites – fronteiras –, uma vez que o nacionalismo viria a conhecer certa finitude que as religiões não admitiam. Foi igualmente construído um novo princípio de soberania, tendo o conceito de nação sido forjado nos tempos das Luzes e da Revolução Francesa sobre os escombros da ordem antiga: na verdade, importa sublinhar que até ao último quartel do século XVIII a cidadania não estava conceitualmente ligada à idéia de identidade nacional. Foi desde então que ela se passou a exprimir no interior de uma nação soberana, o que viria a mudar os equilíbrios, as filiações e fidelidades anteriores, desencadeando novos sistemas sociais de identificação e pertença. Concebida nesses termos a cidadania é, então, fruto de uma modernidade que procurou desde então redefinir as ligações entre as populações e o Estado sobre a base de uma normatividade que se reclamou racional e científica (Habermas, 1992; Dahrendorf, 1974; Nóvoa, 1998).

Nacionalidade-soberania-cidadania passaram a constituir a tríade de referência de um projeto sociopolítico que transferia legitimamente para a esfera estatal o monopólio da violência simbólica. Ora, é sabido como a escola viria a desempenhar um papel absolutamente central na dinâmica de transformação da massa de governados em nações produtivas e disciplinadas, através de um arbitrário cultural que passou a ter a aparência das coisas naturais (Habermas, 1992). O movimento que varreu toda a Europa do século XVIII – e cuja cartografia já foi reconstruída pelos historiadores Roger Chartier e Dominique Julia (1989) – deve ser interpretado nesses parâmetros, ou seja, como um dos lugares sociais portadores de uma nova maneira de governar, modulando os sujeitos históricos como cidadãos e, sobretudo, estabelecendo laços de comunicação direta entre cada um dos indivíduos e o Estado. O conceito de governamentalidade (Foucault, 1978) – quer dizer, a arte de governo que passou a implicar a conduta pessoal, de forma mais ou menos marcada, com o exercício do poder soberano – é da maior utilidade para explicar um projeto histórico que inscreveu a preocupação com a coisa educativa no centro do processo de modernização do Estado, como assinala Jorge Ramos do Ó (2001, 2003). A escola passou a ser, desde aí, o instrumento mais importante para forjar a solidariedade nacional, no contexto de invenção de uma cidadania que se passou a pensar ao nível do Estado-nação e que serviu de justificação a uma política de homogeneização cultural (Nóvoa, 1998).

É essa dimensão que permite historicamente relacionar o local com o global. Na verdade, um pouco por todo o lado, se os esforços dos reformadores educacionais foram marcados pelas histórias e conjunturas locais, não é menos certo que eles foram também caracterizados e animados por uma mundividência comum, de características transnacionais. A questão das origens dos sistemas nacionais de ensino tem chamado a atenção, desde o final dos anos de 1960, das novas correntes da historiografia da educação. Elas têm vindo a recusar tanto as interpretações idealistas, quanto as explicações apenas centradas na dinâmica institucional, próprias das gerações anteriores; todavia, mantêm a tese da força explicativa do Estado moderno. De fato, a historiografia contemporânea, continua a mobilizar boa parte das suas teorias para a compreensão da natureza e do processo de formação do Estado, sugerindo interpretações crescentemente sofisticadas, as quais relacionam a criação dos sistemas nacionais de ensino com a necessidade de formar pessoal especializado para (i) suprir as necessidades e as funções estatais, (ii) difundir as culturas nacionais dominantes, (iii) construir uma unidade política e cultural diferenciada (idem).

Durante todo o século XIX os sistemas nacionais de ensino foramse consolidando, no quadro de afirmação do Estado-nação. A escola passou, desde então, a procurar responder a um problema de natureza política: como homogeneizar a cultura dos cidadãos, delimitando o espaço da identidade cívica e nacional no interior do qual o Estado devia exercer a sua autoridade? A conhecida tese desenvolvida por Pierre Bourdieu (1994, p. 115) – relacionando a unificação teórica operada pelo Estado, que moldou as estruturas mentais e impôs princípios de visão e de divisão comuns, com as formas de pensamento que se designam por identidade nacional – vai inteiramente nesse sentido: “c’est surtout à travers de l’école que, avec la généralisation de l’éducation élémentaire au cours du XIXe siècle, s’exerce l’action unificatrice de l’État en matière de culture, élément fondamental de la construction de l’État-nation”.

Alguns autores falam mesmo da existência de um Estado ensinante para sublinhar as relações íntimas entre o novo Estado e o novo ensino durante o século XIX. O historiador Andy Green (1990, p. 10) caracteriza bem essa cumplicidade quando afirma que os sistemas nacionais de ensino foram utilizados para assimilar as culturas imigrantes, para promover as doutrinas religiosas estabelecidas, para difundir a norma estandardizada da língua nacional, para generalizar novos hábitos e formas racionais de pensamento, para encorajar o desenvolvimento de valores patrióticos, para inculcar disciplinas morais e, sobretudo, para endoutrinar segundo os credos político-econômicos das classes dominantes. Sem dúvida, a escola ajudou a construir as subjetividades da cidadania, justificando, ao mesmo tempo, as medidas tomadas pelo Estado ao olhar do povo e os deveres do povo em face do Estado. Este acreditou que seria possível construir cada pessoa como um sujeito universal, mas de modo inteiramente diferente consoante a classe social e o sexo. Procurou formar o cidadão responsável, o trabalhador diligente, o contribuinte ativo, o pai consciencioso, o marido fiel, o soldado patriota, o votante escrupuloso ou submisso. John Boli e Francisco Ramirez assinalam a propósito da expansão do ideal iluminista uma importante transferência de poder simbólico da Igreja para o Estado através do campo educacional:

By the nineteen century sovereignty was fully transfered from God to humanity, the individual and the State had become the central elements of society, and the pursuit of rational progress as the primary purpose of autonomous human society was winning the institutional high ground. This developments made schooling seem imperative, the best way to transform children into the new type of enhanced and capable citizen who could create this new progress-oriented society. [Boli & Ramirez, 1992, p. 29].

O desenvolvimento da escola de massas – no sentido anglófono mass schooling –, a partir da segunda metade do século XIX, constitui um outro momento do mesmo processo de apropriação pelo Estado dos assuntos escolares. Assistiu-se, desde então, não apenas a um alargamento de escala, mas, também, à confirmação de um modelo de organização escolar e de ação pedagógica desenvolvido na Europa ao longo de toda a modernidade. Foi a irradiação e universalização desse modelo que permitiu, na viragem para Novecentos, a consolidação definitiva da gramática escolar que nos atinge no presente e a que já nos referimos anteriormente. As teorias do sistema mundial (World-system approach) são para nós as mais instigantes para analisar o processo histórico de gênese e afirmação da escola de massas. John Meyer, Francisco Ramirez e Yasemin Soysal (1992, pp. 131-132) mostraram muito inequivocamente que a emergência e a expansão da escola de massas seguiram trajetórias idênticas ao nível mundial, o que põe diretamente em causa as interpretações baseadas sobre as características econômicas, políticas e sociais de cada país. Sustentam a tese segundo a qual o Estado-nação é ele mesmo um modelo cultural transnacional no interior do qual a escolarização de massas é um dos principais dispositivos em direção à criação de laços simbólicos entre os indivíduos e o Estado. De acordo com Luís Miguel Carvalho, podemos recapitular:

A escola de massas apareceu onde o modelo do Estado-nação apareceu. A consagração desta forma política no Ocidente ou, melhor dizendo, no espaço da Cristandade durante o século XIX, ocorre no quadro de uma transformação das definições da realidade dominantes acerca dos propósitos humanos, da soberania e da estrutura social. A ascensão e o triunfo da escola de massas no Ocidente explicam-se, então, pela adequação ideológica e organizacional dessa solução à estabilização de uma relação simbólica entre os indivíduos e o Estado-nação. A consagração da escola de massas é, pois, indissociável da consagração de uma ideologia educativa – pode ler-se da teoria da educação escolar – que incorpora os princípios da semântica da modernização instituída no século XIX. [Carvalho, 2000, p. 23].

Como assinala António Nóvoa (1998, pp. 91-92), importa não perder nunca de vista que o modelo escolar moderno e o seu prolongamento pela escola de massas são fenômenos que tiveram “a sua origem na Europa: a sua difusão ao nível mundial produziu-se a partir daquele espaço cultural e político”. Assim é possível defender-se que a questão colonial está também ela inscrita no coração da produção da realidade do Estado-nação e do papel que a escola jogou no “dispositivo de articulação da nacionalidade, da cidadania e da soberania. A Europa construiu as colônias, da mesma maneira que as colônias foram essenciais à produção do pensamento ocidental com os seus respectivos modelos de educação”. Uma racionalidade discursiva sobre os conceitos de Europa e mundo ocidental foi-se espalhando no campo intelectual e científico:

Dans un monde où l’idéologie de progrès est synonyme d’occidentalisation, le discours philosophique de la modernité est par définition “eurocentrique”. La culture européenne et le colonialisme sont profondément liées, puisque l’Europe fonctionne comme référent silencieux, au niveaux mondial, du travail intellectuel et de la connaissance historique. C’est pourquoi il faut bien saisir le rôle de l’Europe dans la production et diffusion d’une rationalité scolaire qui sert à relocaliser les subjectivités individuelles en fonction de leur intégration dans le projet historique de l’État-nation. Nul le doute l’importance de la dimension “éducation” pour entériner une vision du monde d’après laquelle seulement l’Europe est théoriquement connaissable, toutes les autres histoires étant considérés comme des questions empiriques qui se limitent à remplir le squelette théorique qui est l’Europe. [Nóvoa, 1998, p. 92].

Numa palavra, o projeto assume o desígnio de que é fundamental tentar compreender as relações entre o modelo de Estado-nação concretizado a partir de finais do século XVIII e o modelo da escola de massas. A ontologia da modernidade construiu-se sobre o ideal de que era preciso revolver profundamente a escola tradicional, reformando-a do topo à base para que ela realizasse um trabalho laborioso de unificação cultural e nacional. Para compreender essas dinâmicas históricas, a nossa equipe estrutura a sua investigação em torno do princípio segundo o qual tal transformação da relação aos fins da educação foi inteiramente sustentada por uma ideologia do progresso e, fundamentalmente, por uma nova racionalidade reelaborada no interior do campo científico.

2. Um novo modelo disciplinar ligado à luta pela secularização do governo da alma. Intentaremos, a partir de agora, estabelecer uma outra linhagem que possa relacionar a mundividência do Estado-nação com estruturas a ele preexistentes. Trataremos de filiar as suas práticas em dinâmicas de poder que, embora com a aparência da novidade e com a promessa de renovar a escola pública, eram já realidades socializadoras, quando da sua constituição. É, assim, que defenderemos que foi pela adaptação das práticas próprias de uma supervisão e direção religiosa de tipo pastoral, ou seja, da tentativa de auto-identificação com um ser de qualidade superior – objetivando-se, pela primeira vez e de forma sistemática, esse transfer da disciplina espiritual para as rotinas do cotidiano –, que a escola pública conseguiu inscrever o princípio da realização pessoal bem no âmago do objetivo disciplinar dos Estados liberais. Explica-nos Ian Hunter:

States may wish to transform their populations for reasons of state, but this does not mean that they can simply whistle the means of moral training into existence. In Western Europe, the administrative State borrowed these means from the Christian pastorate. Indeed, under the banners of the Reformation and the counter-Reformation, the churches had begun to develop their own school systems independently of the State, as instruments of massive campaigns to Christianize and ‘confessionalize “the daily life of the laity”. [Hunter, 1996, p. 149].

Analisados a partir desse ângulo, o sistema escolar público e a difusão da escolarização massiva não corresponderam, portanto, à expressão de princípios puramente educacionais. A sua emergência decorreu, antes, de exigências colocadas às novas administrações estatais e teve como suporte as tecnologias de governo das almas cristãs e a elas preexistentes. Na mesma linha de pensamento, seremos levados a admitir que a educação popular traduziu um propósito geral – construído embora e em grande medida a partir da interface pedagógica – de encerrar as populações em ordem a obter massas de cidadãos que evidenciassem formas de conduta muito marcadas pela auto-inspeção. Falar de escola é, desde sempre, falar de uma política da consciência, e exatamente da invenção “of a form of secular political pastorate which couples individualization and totalization” (Gordon, 1991, p. 9). Ora, mesmo essa matriz muito remota já pouco tinha que ver com o cultivo de práticas repressivas, do medo e da obediência passiva. Tentaremos mostrar que um grande número de jogos identitários apontava para formas positivas de identificação e para um trabalho moral realizado internamente.

A escola moderna, mais do que cultivar práticas repressivas com o propósito de inculcar o medo e a obediência passiva, procurou – e, seguramente, a partir daquela remota matriz cristã do poder pastoral – formar a personalidade do aluno por meio de formas de identificação positivas e de um trabalho interior. Se o gesto educativo supõe que se aceite o princípio da transformação completa do educando – marcando, como nota Nóvoa, “le passage d’un état à un autre ou l’inscription d’une nature autre que la nature originelle” (2002) –, esse mecanismo identitário parecia alimentar-se do sentimento de emulação da figura do professor. Tais práticas, que podemos situar como estando na origem das formas de controle de tipo introspectivo, pareceram as mais produtivas no sentido da incorporação plena dos valores da responsabilidade, da virtude e da honestidade. A instituição escolar não mais deixou de lado o desígnio de sobrepor, em cada aluno, a força do hábito à força da vontade – cada um deveria ser capaz de clivar, a partir de si próprio, todo o tipo de impulsos e estímulos, associando-os sempre ao bem e ao mal, ao normal e ao anormal.

Podemos dizer que se alicerça aqui o princípio político ativo, tão próprio da nossa civilização, que preceitua que a auto-observação leva diretamente à auto-regulação, que o treino disciplinar desenvolvido no interior das paredes da sala de aula continua vida adulta adentro. Nas suas circunstâncias próprias e nos seus sucessivos degraus, a instituição escolar passou a equipar os indivíduos com formas cada vez mais especializadas de reflexão ética, apresentando-as como atributos da cidadania, e dessa forma contribuiu largamente para universalizar o modelo da pessoa reflexiva. Continuou o trabalho de subjetivação desenvolvido pelas autoridades cristãs – e estas por seu turno ampliam e vulgarizam princípios já estabelecidos na época clássica – quando se determinaram em pressionar o indivíduo a ultrapassar para sempre o limiar da interrogação. A autoproblematização tornava-se o projeto de toda uma vida e seria suportada por um repertório ascético em que o crente poderia praticar por si mesmo, impondo-se autonomamente os limites espirituais tendo em vista a salvação da sua alma. Foi desse modo que o autoexame se combinou com as disciplinas místicas e estas com a austeridade sexual ou quaisquer outros jejuns corporais. Na discussão que estabelece em torno da afirmação da ética protestante ao longo dos séculos XVI e XVII, Max Weber (1990) dá conta do desenvolvimento massivo desse tipo de exercícios espirituais. A questão fundamental que trata é a do Menschentum, termo este que associa ao princípio de variabilidade de atributos da humanidade e, mais precisamente, a uma caracteriologia dos modos por intermédio dos quais os seres humanos tornaram historicamente possíveis certas formas de governo racional, tanto de si como dos outros. A esse sociólogo, interessa-lhe compreender os temas da conduta metódica da vida (o racional Lebensführung) característicos do ascetismo protestante. Essa confissão cristã é vista por Weber como tendo tentado, na época pré-moderna, espiritualizar a Igreja e também toda a sociedade pela disciplina ética. O seu propósito era, portanto, o da disseminação profunda, quer dizer, individualizada, da mensagem cristã. Membros ordinários de um rebanho, à sua maneira cada um dos fiéis das várias seitas protestantes foi-se deixando dominar inteiramente por um ethos com motivações puramente religiosas. Teremos de registrar a emergência histórica de uma máxima, nota o autor de Economia e sociedade, “indubitavelmente nova: [a de] considerar o cumprimento do dever no quadro da atividade temporal como a ação moral mais elevada”. Estava-se no pólo oposto ao da tradição católica, que aceitava como únicas formas de agradar a Deus ou os mandamentos morais, enquanto programa único de vínculo universal, ou a ascese monástica, uma forma existencial retirada do mundo. De fato, o conceito de Beruf, criado por Lutero, para traduzir as tarefas impostas por Deus, não reconhecia outras formas de superação moral que não as que remetessem “exclusivamente” para “o cumprimento no mundo dos deveres que decorrem do lugar do indivíduo na vida social e que se tornam assim a sua ‘vocação’” (Weber, 1990, p. 56). A salvação da alma é um eixo em torno do qual o protestantismo fez girar a vida e as ações humanas.

A gênese do modelo da escola de massas esteve, também, indissociavelmente ligada aos figurinos de tecnologia moral desenvolvida pelas dinâmicas da Reforma e Contra-Reforma. Desde logo, a passagem fez-se de forma institucional direta. É sabido que as primeiras escolas populares européias foram criadas pela Igreja, logo nos séculos XVI e XVII, enquanto instrumentos de intensificação e aprofundamento da direção pastoral das consciências. David Hamilton (1989, p. 25 e p. 47) afirma que elas foram concebidas já como uma máquina de auto-regulação social. Na sua arquitetura organizacional, as diferentes escolas cristãs adotaram formas sistemáticas – racionalizadas, poderemos agora afirmar – de contínua conexão entre o princípio da ordem, da eficiência e do aprofundamento moral. Trabalhavam sempre no sentido de desinstalar os alunos dos seus hábitos anteriores, levando-os na direção de uma perfeição natural, como era dito na linguagem do tempo. A verdadeira “explosão da vontade de aprender” – primeiro nas “zonas protestantes” como a Prússia e a Áustria, depois “nas regiões católicas” –, que levaria “à emergência de um universo cultural dominado pela escrita” e instaurou “uma civilização de base escolar”, ocorreu efetivamente sob a “tutela da Igreja” e das “congregações religiosas” até pelo menos meados do século XVIII, sublinha Nóvoa (1994, p. 167). O mesmo se terá passado em Portugal – ainda que sem a influência direta do protestantismo –, onde as autoridades católicas vinham sendo, mas já desde a época medieval, o único elemento aglutinador de todo o tecido escolar. O modelo escolar que se impôs nessa época revela grandes rupturas com o passado. As “modalidades escolares” tenderam para certa “uniformização”.

Numa palavra, a moderna escola de massas, em processo de consolidação progressivo desde a segunda metade do século XIX, será assim vista como uma – e exatamente como mais uma outra – expressão prática das tecnologias do governo da alma. Faz sentido recordar a esse propósito uma afirmação de António Nóvoa: “a educação é mais totalizada do que totalizadora” (1994, p. 186). Efetivamente, o nosso modelo escolar está intimamente associado, por um lado, aos programas de uma administração política e disciplinar do tecido social e, por outro, às dinâmicas que, pela formação de cidadãos amantes dos valores da liberdade e do progresso, continuam o projeto das Luzes. Não obstante, e ainda que algumas interpretações historiográficas possam apontar para conclusões noutro sentido, a imagem-ideal que socialmente tem prevalecido da instituição escolar é a que decorre diretamente da última: desejamos e esperamos que ela promova a diferença, as aptidões e capacidades em direção à realização plena do indivíduo. Tudo se tem passado como se o primeiro aspecto ficasse obnubilado pelas intenções humanistas e as promessas redentoras contidas no segundo. E se ainda tomarmos em linha de conta que esse modelo se vem derrogando de forma isomórfica no conjunto dos projetos educativos ao longo de toda a centúria de Novecentos – não importa a origem política ou geográfica –, então mais estranha parecerá uma descrição genealógica da instituição escolar que comece por associar o seu desenvolvimento aos programas tecnológicos, disciplinares e disciplinadores, desenvolvidos no interior dos estados liberais.

Nota

1. O dossiê origina-se da comunicação coordenada de mesmo título, que foi apresentada no VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação, realizado em Uberlândia, de 17 a 20 de abril de 2006. Acrescentou-se o trabalho de Ana Maria Magaldi, também integrante da equipe de pesquisadores.

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Ana Waleska Pollo Mendonça – Professora de história da educação dos cursos de graduação e pós-graduação do Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Doutora em educação brasileira pela PUC-Rio. Fez o pós-doutoramento na Universidade de Lisboa. Pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Jorge M. Nunes Ramos do Ó – Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa.


MENDONÇA, Ana Waleska Pollo; Ó, Jorge M. Nunes Ramos do. Apresentação. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá-PR, v.7, n.3, set/dez, 2007. Acessar publicação original [DR]

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