Independência ou Morte! Tradições e modernidades | Modos – Revista de História da Arte | 2022

O presente dossiê parte das diferentes narrativas sobre a efeméride do bicentenário da Independência do Brasil – 1822-2022, em conexão com outros marcos históricos relacionados ao longo do tempo. O conjunto de artigos apresentados manejam diferentes histórias conectadas e cruzadas, em distintas escalas de leitura temporal e espacial, acerca da tradição e da modernidade no Brasil. Assunto prolixo, porém inesgotável, o evento histórico é tratado aqui como uma janela para a compreensão das relações entre passado e presente no campo da arte. Para isso, este número incorpora questionamentos sobre a produção artística, crítica e historiográfica dedicada às artes visuais e suas correlações com a polissemia da noção de independência, os inúmeros modos de ver e diversas práticas de olhar, assimetrias, centros e periferias da arte. Desde a pintura histórica e a escultura comemorativa à criação moderna e às intervenções contemporâneas, passando pelos tópicos de produção e circulação de imagens, lugares de exibição de obras, acervos e coleções. Está claro o interesse sobre a reflexão das múltiplas narrativas que moldam como percebemos, interpretamos e divulgamos o campo artístico e a obra de arte em torno dessa efeméride patriótica, entre imagens, memórias e ocultamentos.

Em O monumento do “guerreiro guarani”: o chafariz de Conceição de Mato Dentro e a memória da independência em Minas Gerais, Francislei Lima da Silva (2022), trata da inauguração, em 1825, durante as comemorações do quarto ano da independência e do império, no povoado de Conceição do Serro, Minas Gerais, de um chafariz coroado pela escultura de um indígena – “gênio do Brasil”. Para o autor, este monumento serviu para reforçar e inserir, no imaginário local, a ideia de adesão ao jovem Império que se conformava a partir da independência política em 1822. A presença do indígena alegorizado em gestos triunfantes e que enaltecia determinadas virtudes cívicas coexistia com as tensões e a violência imposta aos nativos que habitavam os campos de cerrado que davam nome ao lugar. Leia Mais

Amazônia e História Global / Tempo / 2017

Desde o final do século XVIII, o que o hoje conhecemos como a região amazônica da América do Sul passou principalmente a ser identificada a partir de vários conceitos relativos ao mundo natural: Floresta Amazônica, Selva Amazônica, Floresta Equatorial da Amazônia, Floresta Pluvial ou Hileia Amazônica. Foi precisamente o cientista prussiano Friedrich Alexander von Humboldt (1769-1659) quem usaria o termo hileia (Hyleae) para denominar e centralizar essa região no planeta. A marca do território, porém, é muito mais antiga. Desde 1540, quando Francisco de Orellana (1490-1550) desceu o imenso paraná-assu dos tupis, o batismo do rio Amazonas correu mundo, evocando imagens da mitologia grega e das narrativas indígenas. Da natureza à história, a ideia de Amazônia começava a ser construída. Em 1833, Ignacio Accioli Cerqueira e Silva (1808-1865) utilizaria a expressão “País das Amazonas” para denominar a extensa área do antigo estado do Grão-Pará e Maranhão, nos tempos da América colonial portuguesa. Essa noção faria percurso de mão dupla no campo científico oitocentista, entre a ilustração e o Romantismo, tanto que, em 1835, Friedrich Moritz Rugendas (1802-1858) utilizaria “região do Amazonas” para nomear a região Norte do Brasil, enquanto o barão Frederico José de Santa Anna Nery (1848-1901) retomaria a ideia de “País das Amazonas” em uma publicação em Paris, em 1885. Nery foi o ponto de partida de uma vasta intelectualidade “nativa” que utilizaria um conceito de Amazônia com forte acento histórico, geográfico e cultural, no qual se sobressairiam José Veríssimo, José Coelho da Gama Abreu, Ignacio Moura, Euclides da Cunha, Henrique Santa Rosa, Alfredo Ladislau e Eidorfe Moreira.

Está claro, portanto, que o conceito de Amazônia pode variar dependendo do ponto de vista fisiográfico, geomorfológico, biogeográfico, político e histórico. Por isso mesmo, a proposta deste dossiê temático foi a de reunir estudos sobre a Amazônia brasileira e as fronteiras amazônicas da América do Sul, do Atlântico e do Caribe, e seus diálogos com o campo historiográfico internacional da chamada global history. Tomando como premissa que, em si, a Amazônia sempre foi um espaço de fronteiras, de políticas transnacionais e de relações sociais, intelectuais e econômicas em escala mundial, apresentamos aqui cinco trabalhos que manejam diferentes histórias conectadas e cruzadas em distintas escalas de leitura temporal e espacial com passagem pelo locus amazônico, real ou imaginário, histórico, literário ou artístico, passado ou presente. Ancorados em importante e múltiplo debate historiográfico, desde a economia-mundo, de Braudel, Wallerstein e Tomich, passando pelas connected histories, de Sanjay Subrahmanyam, Serge Gruzinski e François Hartog, seguindo pela histoire cruzée, de Michael Werner e Bénédicte Zimmermann, até distinções pontuais entre a global history, a world history e a transnational history, nas obras de Hugo Vengoa e Sandra Ficker, os vários artigos compartilham da necessidade de ampliar os objetos de análise para além das fronteiras nacionais. Assim também, revelam esforço em romper com a tradicional unidade do Estado-nação e oferecer uma interpretação alternativa aos “modelos” centrados a partir de “casos” europeus.

Mark Harris apresenta uma releitura dos primeiros relatos sobre a Amazônia, de finais do século XV e primeira metade do século XVI, buscando compreendê-los como elementos importantes para a compreensão das sociedades ameríndias e suas dinâmicas históricas no momento da conquista. Com isso, aprofunda uma reflexão consagrada a partir da pesquisa arqueológica que vê o momento da conquista como a irrupção dos europeus em um mundo em plena ebulição, revelando também as múltiplas conexões entre as diversas partes da Amazônia no momento da chegada dos ibéricos.

Em seu texto sobre contrabando nas fronteiras luso-hispânicas da Amazônia, Sebastián Gómez González revela os inúmeros interesses envolvidos e as complexas relações estabelecidas nas zonas de fronteira, para além dos interesses das Coroas ibéricas. Ao estudar o contrabando entre as Amazônias hispânica e portuguesa, o autor não só lança luz sobre as relações entre esses mundos considerados quase que excludentes pelas historiografias nacionais, como também permite conectar duas outras regiões, também apartadas historiograficamente uma da outra: as terras baixas e as terras altas, ou a selva e os Andes e sua zona de transição, o pé de monte.

O artigo de Rafael Ale Rocha também está voltado para o problema da fronteira, questão central na região amazônica ao longo de todo o período colonial e depois das independências das nações sul-americanas. Ao analisar os conflitos em torno do Cabo do Norte e das pretensões portuguesas e francesas sobre essa região, o autor reinsere a Amazônia em uma reflexão mais global e a conecta com a compreensão de seu lugar nos respectivos impérios a partir dos contextos mais globais nos quais se insere o problema das fronteiras. Faz isso, principalmente, a partir da correspondência trocada por um governador do estado do Maranhão e autoridades francesas e do Reino português.

Daniel Souza Barroso e Luiz Carlos Laurindo Junior buscam analisar as dinâmicas da escravidão no vale amazônico nos quadros da economia-mundo capitalista, revisitando um clássico debate historiográfico sobre a importância e a efetividade econômica e demográfica da escravidão negra no Norte do Brasil. Demonstrando, de modo inovador, o papel da reprodução endógena na manutenção do escravismo na Amazônia e atualizando o diálogo com Wallerstein e Tomich, os autores propõem uma reflexão sobre a economia escravista amazônica, cotejada com a chamada segunda escravidão, faceta mais conhecida da história global das relações de trabalho compulsório no século XIX.

Aldrin Moura de Figueiredo e Silvio Ferreira Rodrigues investem sobre a questão do “centro” e da “periferia” no contexto da arte global, tomando como parâmetro analítico a circulação de cópias de pintura europeia em Belém do Pará, na segunda metade do século XIX, em diálogo com outros centros e periferias de arte, como Roma, Lisboa, Istambul e Santiago. O contexto mais amplo é o do movimento internacional de renovação do catolicismo, conhecido como ultramontanismo, romanização ou reforma católica, no qual se destacou a atuação do bispo do Pará d. Antônio de Macedo Costa (1830-1891), durante o pontificado de Pio IX. Para os autores, esse movimento testemunha a pedagogia e os debates políticos na história do catolicismo romano e brasileiro do século XIX, evidenciando conexões artísticas, intelectuais e religiosas entre o Vaticano e a América do Sul como parte do movimento internacional de renovação do catolicismo.

Esperamos que a leitura dos artigos do dossiê permita a compreensão de uma Amazônia (ou de várias Amazônias, no tempo e no espaço) que tem de ser entendida a partir de sua complexidade e, principalmente, das múltiplas conexões que dão sentido à sua história, superando uma historiografia tradicional que ainda insiste em pensá-la e explicá-la a partir dos quadros dos Estados nacionais.

Aldrin Moura de Figueiredo – Faculdade de História, Universidade Federal do Pará – Belém – Brasil. E-mail: [email protected]

Rafael Chambouleyron – Faculdade de História, Universidade Federal do Pará – Belém – Brasil. E-mail: [email protected]

José Luis Ruiz-Peinado Alonso – Departamento de História e Arqueologia, Universidade de Barcelona – Barcelona – Espanha. E-mail: [email protected]


FIGUEIREDO, Aldrin Moura de; CHAMBOULEYRON, Rafael; ALONSO, José Luis Ruiz-Peinado. Apresentação. Tempo. Niterói, v.23, n.3, set. / dez., 2017. Acessar publicação original [DR]

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