Na senda da razão: filosofia e ciência no Medievo judaico – SOUZA PEREIRA (RA)

SOUZA PEREIRA, Rosalie Helena de (Org). Na senda da razão: filosofia e ciência no Medievo judaico. São Paulo: Perspectiva, 2016. Resenha de: SAVIAN FILHO, Juvenal. Revista Archai, Brasília, n.22, p. 375-380, jan., 2018.

Um acontecimento! Um acontecimento notável!

Dizer isso foi a melhor maneira encontrada para  iniciar a resenha do livro organizado por Rosalie  Helena de Souza Pereira, ainda que não seja uma forma propriamente adequada para um texto acadêmico.

A exceção se justifica, no entanto, pelo fato de que o significado dessa publicação transcende em muito sua importância para o mundo universitário e inscreve-se, sem sombra de dúvida, no campo de tudo o que contribui não apenas para o enriquecimento cultural, mas também e, sobretudo, humanizador. Aliás, humanizador  é um termo cujo significado também transcende o de outro que lhe é próximo, o termo  humanista, pois não se trata aqui de simplesmente evocar  o reconhecimento que merecem os outros seres humanos, o ser humano em geral e os indivíduos, mas, acima de tudo, a atividade de tornar-se humano. Essa atividade pressupõe a convivência com o outro; e tanto mais será intensa e capaz de desenvolver o que de mais humano há em nós quanto mais envolver a relação com o estrangeiro; afinal, como diz Julia Kristeva em Estrangeiros para nós mesmos, viver com o estrangeiro põe-nos em contato com a possibilidade de “ser outro”, possibilidade esta que se entende não apenas  no sentido humanista da nossa aptidão para aceitar  o outro, mas de estar ou colocar-se no lugar do outro, o que equivale a pensar sobre si mesmo e a fazer-se  “outro ou estrangeiro para si mesmo”. Numa palavra, trata-se de ver a si mesmo na condição de estrangeiro ou na condição de “o outro daquele que vê”. Tarefa exigente, árdua e certamente interminável, mas absolutamente necessária em meio às obscuridades que se instalaram nos dias atuais, marcados pela rejeição do diferente e do contraditório por todos os cantos do  planeta. Um pouco do iluminismo filosófico medieval faria bem à vida contemporânea.

Seguir, então,  Na senda da razão: filosofia e ciência no Medievo judaico é colocar-se em um caminho no qual vários estrangeiros se apresentam e auxiliam o leitor pretensamente “não oriental” ou “não judeu” a entender um pouco melhor, pela identificação de semelhanças e pelo contraste de diferenças, quem ele mesmo é. É por isso que o livro objeto desta resenha é um acontecimento memorável, pois seu interesse  não se restringe ao trabalho de pesquisa especializada sobre formas medievais judaicas de pensamento filosófico e científico, mas se amplia para o trabalho de  humanização. Assim, mais do que apenas contribuir  com o trabalho especializado, este livro enriquece sobremaneira a cultura lusófona por registrar, em Língua Portuguesa literária e filosófica, estudos rigorosos sobre pensadores judeus medievais (sem deixar, obviamente, de também interessar aos especialistas, uma vez que vários artigos são inéditos). Se se tem em vista a quase total inexistência no Brasil de obras sobre a  filosofia judaica medieval, compreende-se definitivamente a importância do livro organizado por Rosalie Helena de Souza Pereira, ela que, em 2007, publicou dois livros homólogos e dedicados à filosofia medieval islâmica (Busca do conhecimento: ensaios de filosofia medieval no Islã, São Paulo: Paulus; O Islã Clássico: itinerários de uma cultura, São Paulo: Perspectiva).

O arco de tempo coberto por Na senda da razão  compreende os seis séculos da Idade Média em que  tradicionalmente se identifica alguma forma de pensamento medieval judaico. Parte-se, portanto, de Sa‘adia Gaon, que viveu na passagem do séc.  IX  ao séc.  X, e  chega-se a Hasdai Crescas, que viveu na passagem do  séc. XIV ao séc. XV. Os textos são estudos de grandes especialistas de universidades estrangeiras, com exceção do Prof. Nachman Falbel e do Prof. Alexandre Leone, ambos da Universidade de São Paulo. Seria inapropriado pretender apresentar resumidamente todos os capítulos do livro em uma resenha, mas também seria uma falta grave não dar ao leitor uma ideia do conteúdo da obra. Por isso, aqui seguem os títulos dos capítulos e  os nomes dos autores na ordem em que aparecem no  livro: (1) A obra exegética e filosófica de Sa‘adia Gaon: a realização de um líder, de Haggai Ben-Shammai; (2) Criação e emanação em Isaac Israeli: uma reconsideração, de Alexander Altmann; (3) Filosofia e poética  no pensamento de Salomão Ibn Gabirol, de Nachman Falbel; (4) A matéria última como manifestação oculta de Deus: Ibn Gabirol e a expressão pseudoempedocleana al-‘un ṣ ur al-awwal  (o elemento fundamental), de  Sarah Pessin; (5) Ibn Paquda, figura-chave do pensamento judaico e universal, de Joaquín Lomba; (6)  A interpretação de Abraão Bar Hiyya do relato da criação do homem e do relato do jardim do Éden, de Sara Klein-Braslavy; (7) O  corpus científico de Abraão ibn  Ezra, de Shlomo Sela; (8) Yehudá Halevi e a filosofia,  de Rafael Ramón Guerrero; (9) Abraão Ibn Daud e sua obra A fé sublime, de Amira Eran; (10) Maimônides e o Deus dos filósofos, de Samuel Scolnicov; (11) Tensões e encontros no pensamento de Maimônides entre o aristotelismo medieval e a tradição rabínica, de Alexandre Leone; (12) A ética na obra de Maimônides, de Nachman Falbel; (13) A declaração de Maimônides sobre a ciência política, de Leo Strauss; (14) Comentário de Maimônides à Bíblia, de Sara Klein-Braslavy; (15) A psicologia de Maimônides e de Yehudá Halevi, de Lenn E. Goodman; (16) A legislação da verdade: Maimônides, os almôadas e o iluminismo judaico do século XIII, de Carlos Fraenkel; (17) A alquimia na cultura judaica medieval: uma ausência notada, de Gad Freudenthal;  (18) A ciência na cultura medieval judaica do sul da  França, de Gad Freudenthal; (19) De Maimônides a Samuel ibn Tibbon: interpretando o judaísmo como religião filosófica, de Carlos Fraenkel; (20) O Al-Farabi  de Falaqera: um exemplo da judaização dos  falāsifa muçulmanos, de Steven Harvey; (21) A transmissão da filosofia e da ciência árabe: reconstrução da “Biblioteca Árabe”de Shem Tov ibn Falaqera, de Mauro Zonta; (22) Uma solução averroísta para uma perplexidade  maimonídea, de Seymour Feldman; (23) Um selo dentro de um selo: a marca do sufismo nos ensinamentos de Abraão Abuláfia, de Harvey J. Hames; (24) Narboni (1300-1362) e a simbiose filosófica judeo-árabe, de  Maurice-Ruben Hayoun; (25) Salvar sua alma ou salvar os fenômenos: soteriologia, epistemologia e astronomia em Gersônides, de Gad Freudenthal; (26) Tensões nas e entre as teorias de Maimônides e Gersônides sobre a profecia, de Idit Dobbs-Weinstein; (27) Elementos cabalísticos no livro Luz do nome (’Or há-Shem) de Rabi Hasdai Crescas, de Zev Harvey.

Pensando da perspectiva de interesses propriamente acadêmicos e especializados, vários aspectos  desse conjunto de textos poderiam ser destacados  aqui. Dois merecem atenção: em primeiro lugar,  cabe ressaltar não apenas a frequentação mútua de  pensadores judeus, cristãos e muçulmanos no Medievo, mas sobretudo a influência recíproca que autores dessas três orientações exerceram entre si; e o livro organizado por Rosalie Helena de Souza Pereira permite ver tal influência. Além disso, o livro tem outro mérito, o de participar de maneira esclarecedora no debate instalado entre medievalistas, há alguns anos, a respeito de uma possível identidade do pensamento “medieval”: dada a implosão da imagem de uma Idade Média homogênea e filosoficamente  cristã, haveria alguma forma de unir as formas filosóficas cultivadas no período a que tradicionalmente se costuma chamar de Medievo? A característica que tem sido identificada e defendida por importantes medievalistas como critério para unir as formas filosóficas medievais é o fato de os diferentes pensadores, sem exceção (até onde se sabe), considerarem a revelação bíblica como fonte de conhecimento e de  investigação filosófica. Não se trata de retomar o clichê superado da “filosofia serva da teologia”, mas de perceber que os filósofos, no Medievo, partilhavam  principalmente a tradição bíblica da fé na criação e dela extraíam consequências filosóficas em termos  propriamente filosóficos. Desse ponto de vista, porém, a “Idade Média”ou o “Medievo”poderia ser  estendida, no mínimo, até Fílon de Alexandria, por um lado, e talvez, por outro lado, como tem defendido o medievalista italiano Giulio d’Onofrio, até  os séculos  XV-XVI, com os Concílios de Constança  (1492), Basileia (1431-1449) e Trento (1545), cujos  cânones assumem abertamente as fraturas político-religiosas e a cisão entre a busca filosófica moderna e o horizonte bíblico do pensamento. Obviamente continuará vigoroso nos séculos seguintes, em  maior ou menor grau, o modelo de pensamento que considera o horizonte da revelação bíblica. Mais ainda, continuará vigorosa a inspiração que se nutre  das três orientações monoteístas (haja vista autores  como Edith Stein, Martin Buber, Emmanuel Lévinas, Simone Weil, Michel Henry, para não falar de  Walter Benjamin, Max Horkheimer, Heschel, entre  tantos outros). Entender as raízes e as motivações  profundas dessa inspiração é algo com que contribui inequivocamente o livro organizado por Rosalie Helena de Souza Pereira.

Juvenal Savian Filho – Universidade Federal de São Paulo (Brasil). E-mail: [email protected] – ORCID:0000-0001-8104-8900

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Bibliotheca manuscripta Petri Hispani. Os manuscritos das obras atribuídas a Pedro Hispano – MEIRINHOS (V)

MEIRINHOS, J. F. Bibliotheca manuscripta Petri Hispani. Os manuscritos das obras atribuídas a Pedro Hispano. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2011, 709p. ISBN 978-972-31-1387-7. Resenha de: OLIVEIRA e SILVA, Paula. Veritas, Porto Alegre v. 57 n. 2, p. 213-215, maio/ago. 2012.

Esta obra, que consiste em um volumoso catálogo dos manuscritos das obras atribuídas a Pedro Hispano, é resultado parcial da investigação do autor com vista à elaboração da sua dissertação de doutoramento em Filosofia Antiga e Medieval, apresentada em 2002, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Trata-se da edição de um primeiro tomo da mesma dissertação, da qual, no que se refere ao resultado da investigação codicológica, o autor anuncia ter em preparação um segundo volume (Introdução, p. XXXII). O volume organiza-se do seguinte modo: I – Introdução, II – Compendium e III – Bibliotheca manuscripta Petri Hispani. Contém ainda dois apartados de Índices: A – Pedro Hispano e B – Gerais.

Na Introdução, o autor dá conta do estado da questão acerca do que designa como “questão petrina”, a saber, a que envolve a discussão gerada pelo fato de um amplo conjunto de obras serem atribuídas a um mesmo autor de nome “Petrus Hispanus”. O autor começa por referir o percurso da investigação acerca do espólio atribuído a Pedro Hispano, desde os primeiros repertórios e estudos publicados por M. Grabmann entre 1928 e 1938 (baseando-se em estudos realizados no século 18 e 19), que fazem convergir toda a documentação manuscrita e historiográfica sobre a figura de “Petrus Hispanus” para o Pedro Hispano papa no século 13, sob nome de João XXI; até aos estudos de J. M. Cruz Pontes, que se posicionam de modo mais aberto e flexível sobre a “questão petrina”, no confronto com o legado codicológico e a informação historiográfica (cf. Introdução, p. XX-XXIII). Resultados de investigação mais recente, elaborada já por J. F. Meirinhos, colocariam abertamente em questão a tese da identificação de todos os manuscritos atribuídos a “Petrus Hispanus” com uma e a mesma pessoa, colocando a tese da possibilidade de uma diferenciação de autores. De fato, como nota, o autor já tinha publicado alguns estudos nos quais manifestava a perplexidade perante contradições biográficas e intelectuais verificadas a partir da crítica

interna dos diversos manuscritos, formalizando, em artigo publicado em 1996 na Revista Española de Filosofía Medieval, a hipótese da existência de pelo menos três autores referenciados sob o mesmo nome, e indicando a dificuldade de atribuição de um conjunto diversificado de obras a um só e mesmo Pedro Hispano. (Cf. Introdução, p. XXIV-XXV; XXIV, n. 16 e 17; p. XXV, n. 19). O autor insiste na importância, para a correcta compreensão historiográfica e doutrinal, da elaboração de inventários de manuscritos e de repertórios, como instrumentos heurísticos para o estudo dos autores medievais. Meirinhos inscreve, assim, a sua metodologia do exercício da filosofia medieval na boa prática do exercício da medievística filosófica contemporânea, para a qual é indispensável a edição crítica de textos, o constante apuramento das fontes primárias e a criação de repertórios com vista à identificação dos diversos corpora literários dos autores do período medieval. É nesse contexto que elabora e edita esse repertório dos manuscritos petrínicos, no qual sinaliza e descreve, em toda a extensão possível, os 1.033 códices aqui referenciados, cujo objetivo é permitir “que a investigação prossiga em bases mais sólidas, alargando a análise direta a uma amostra mais significativa de manuscritos, pelo menos daqueles que se identifiquem como mais importantes, quanto ao conteúdo ou data de cada um” (cf. Introdução, p. XXXI). Dado que esse estudo mostra a existência de diversos “Petrus Hispanus” no século 13, essa biblioteca de manuscritos corresponde a obras de qual deles? A resposta encontra-se na Introdução, p. XXXIII: trata-se “do português do século 13, autor de obras de lógica, comentador de Aristóteles e de Dionísio, médico em Siena, comentador da Articella, compilador de receituários, talvez alquimista, conhecido também pela sua carreira eclesiástica tendo sido bispo de Braga, cardeal de Túsculo e por fim papa sob o nome de João XXI, dignidade que Pedro Julião ocupava quando faleceu em 1277”. Nas páginas XXXVIII e XXXIX da mesma Introdução, o autor esclarece quais as obras cujos manuscritos reportará nesse catálogo e apresenta uma lista delas, esclarecendo que excluiu os documentos papais, pois o seu tratamento diz respeito mais especificamente à diplomática, constituindo um gênero literário completamente distinto (cf. Introdução, p. XL). Não obstante, inclui nesse catálogo o Bularium e os Dictamina de Bernardo de Nápoles, justificando os motivos (cf. Introdução, p. XL). No ponto 2. da Introdução, expõe elementos de caráter formal: objetivos do catálogo e metodologia utilizada (p. XLV-L) e os critérios e modelos da descrição. Por fim, indica as partes em que se encontra dividida esta Bibliotheca manuscripta (p. LVIII).

A Parte II desta obra, designada Compendium, subdivide-se em três pontos, desse modo: 1. Siglas de obras citadas (catálogos, repertórios, bases de dados e estudos); 2. Abreviaturas; 3. Sinais e convenções. Uma vez descrita a metodologia e o objeto de trabalho, bem como assinaladas as convenções utilizadas na descrição dos manuscritos, segue-se a Parte III, Bibliotheca manuscripta Petri Hispani, contendo o inventário e a des-crição detalhada dos códices investigados. A Bibliotheca encontra-seorganizada em sete apartados, como segue: 1. Códices com obras atribuídas a Pedro Hispano: descrevem-se 869 códices, 368 dos quais consultados diretamente (p. 3-516). 2. Códices perdidos ou não localizados: descrevem-se 43 manuscritos (p. 517-529). 3. Códices com referências a Pedro Hispano ou às suas obras: descrevem-se 26 manuscritos, dos quais 3 consultados diretamente (p. 531-541); 4. Códices erradamente citados como contendo obras de Pedro Hispano: descrevem-se 48 manuscritos, dos quais 15 consultados diretamente (p. 543-555); 5. Códices com atribuição a Pedro Hispano de obras de outros autores: descrevem-se 5 códices, todos consultados diretamente (p. 557-564). 6. Códices com atribuições equívocas ou por confirmar: descrevem-se 29 códices, dos quais 10 consultados diretamente (p. 565-582). 7. Códices excluídos: descrevem-se 9 códices, 1 consultado diretamente (p. 583-585). A obra inclui ainda dois apartados de Índices: A – Pedro Hispano, contendo: 1. Obras atribuídas a Pedro Hispano (p. 588-594); 2. Comentários a obras de Pedro Hispano (p. 595-604); 3. Incipitário (p. 605-614). B – Gerais, contendo: 1. Autores Antigos e Medievais (p. 615-638); 2. Obras anônimas e não identificadas (p. 639-660); 3. Incipitário (p. 661-686); 4. Códices datados (p. 687-688); 5. Dispersão geográfica dos códices por países (p. 689-690). 6. Índices dos códices (p. 691-709).

Esta obra é um instrumento de trabalho realizado mediante o exercício das mais apuradas e actualizadas técnicas codicológicas, que atualiza toda a informação de base textual de fontes para o estudo de Pedro Hispano e dos manuscritos relacionados com a “questão petrina”. Dada a riqueza codicológica aqui descrita, espera-se que esta obra dê origem à multiplicidade de estudos no domínio da filosofia medieval e nas diversas áreas de estudo que a pessoa e obra de Pedro Hispano abordam, desde a lógica, à filosofia da mente, da filosofia natural à medicina. Esse instrumento agora publicado por J. F. Meirinhos torna agora possível prosseguir sobre Pedro Hispano uma investigação documental fiável, tornando-se desde agora indispensável para o estudo da obra de Pedro Hispano, em qualquer contexto académico, em Portugal e extra fronteiras.

Paula Oliveira e Silva – Instituto de Filosofia. Universidade do Porto.

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Obras filosóficas e políticas – ABU NASR AL-FARABI ABU NASR AL-FARABI (V)

ABU NASR AL-FARABI ABU NASR AL-FARABI. Obras filosóficas e políticas. Edição e tradução de Rafael Ramón Guerrero. Madri: Editorial Trotta/Liberty Fund, 2008, 252 p. Resenha de: LEITE, Thiago Soares. Veritas, Porto Alegre v. 54 n. 3, p. 204-205, set./dez. 2009.

Al-Farabi, o “Segundo Mestre” (al-mu‘allim al-tani), é um dos mais importantes filósofos medievais. É com ele que se inicia o processo de desenvolvimento a que a filosofia grega foi submetida no meio islâmico. Sua influência nas obras de ibn Sl n  a, ibn Ba jja e Maimônides é inegável. De igual importância é sua influência na filosofia medieval latina.

Al-Farabi é conhecido por adotar uma plotinização da metafísica aristotélica e tentar uma harmonização entre a filosofia platônica e a aristotélica, tentativa essa que encontramos presente, por exemplo, em Alberto Magno. Além disso, é de al-Farabi a famosa tese, e erroneamente atribuída a ibn-Sina, acerca da distinção real entre essência e existência, cuja importância para as discussões da metafísica latina medieval é por demais conhecida. Também encontra-se na obra do filósofo árabe a definição do homem como animal social e político, definição essa que ganharia destaque na filosofia de Tomás de Aquino.

Não obstante isso, al-Farabi é um virtual desconhecido para os leitores em língua portuguesa. O que dele foi publicado no Brasil é praticamente nada se comparado ao volume de traduções nas demais línguas européias.

O volume ora apresentado por Ramón Guerrero contribui para tornar al-Farabi mais conhecido entre nós brasileiros. Traduzidas para a língua espanhola, três são as obras apresentadas na edição. Todas podem ser classificadas como “filosófico-políticas” e possuem em comum a preocupação central nos temas da associação política e da melhor forma de comunidade, partindo sempre de uma perspectiva política.

A primeira intitula-se Libro de la Política (Kitab al siyas a al-madaniyya), também conhecida como Los principios de los seres (Mabad i’ al-mawyu d at ).

Divide-se em duas partes, a saber: De los principios de los seres e De la política.

Partindo do pressuposto farabiano, segundo o qual a felicidade só é alcançada mediante o conhecimento teórico da estrutura do universo e o agir concorde a ele, al-Farabl expõe os princípios dos seres, que são em número de seis: a causa primeira; as causas segundas; o intelecto agente; as almas; forma e matéria; substancias incorpóreas e substancias materiais. Feito isso, o filósofo pode, então, abordar os seres especificamente. A ordem é a seguinte: o ser primeiro; as causas segundas; o intelecto agente; os corpos celestes; os seres possíveis.

205 Terminada a parte metafísica, inicia-se a parte propriamente política.

Nela, al-Farabi aborda três tópicos: as associações próprias das cidades; a felicidade; os diferentes tipos de cidades.

Duas questões devem, por tanto, ser postas em relevo. A primeira, endógena ao pensamento farabiano, é a inserção da metafísica à política.

Com efeito, o conhecimento metafísico é condição de possibilidade da política, tal qual essa é o fim daquela. A segunda, trata-se do paralelo existente entre a Politica e sua obra mais conhecida, a Princípios das opiniões dos habitantes da cidade virtuosa (Mabadi’ ara ahl al-madl na al-fadila), paralelo esse já sinalizado por Ramón Guerrero em sua Introducción.

A segunda obra traduzida intitula-se Libro de la religión (Kitab almilla).

Se, em Politica e em Opiniões, al-Farabi definiu as condições de estabelecimento da cidade virtuosa, seu governo pelo filósofo e sua regência pela filosofia, em Libro de la religión, o filósofo árabe parece reconhecer que tal projeto carrega em si um quê de utopia e volta-se para a necessidade da religião na cidade virtuosa: ela é, com efeito, a única garantia que os cidadãos têm de obter a felicidade. Nesse sentido, al-Farabi investiga a natureza e as características que deve possuir a religião da cidade virtuosa. Dito de outra maneira, se, em Politica e em Opiniões, al-Farabi apresenta sua teoria sobre a formação da cidade virtuosa, em Libro de la religión, a investigação se dá acerca das regras e os princípios que o governante da cidade virtuosa deve conhecer e seguir.

A terceira e última obra traduzida, Artículos de la ciencia politica (Fusul [al-‘ilm] al-madani), trata-se, como o próprio título já indica, de uma coletânea de artigos colhidos nas obras de autores antigos. Seu conteúdo expõe, como era de se esperar em uma obra do tipo, diversos temas, tais como a causa primeira, a estrutura metafísica do universo, as características da cidade virtuosa, a definição de felicidade. Percebe-se, mais uma vez, a interligação entre metafísica e política no pensamento de al-Farabl. Por fim, resta dizer que a edição é muito bem cuidada. Tanto a introdução de Ramón Guerrero quanto sua tradução são ricamente anotadas. O volume contém também uma bibliografia selecionada, o índice onomástico e o analítico, ferramentas indispensáveis para um pesquisador.

Thiago Soares Leite

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Raimundus Lullus – An introduction to his Life, Works and Thought. Corpus Christianorum – Continuatio Mediaevalis, v. 214 – FIDORA; RUBIO (V)

FIDORA, Alexander; RUBIO, Josep E. (ed.). Raimundus Lullus – An introduction to his Life, Works and Thought. Corpus Christianorum – Continuatio Mediaevalis, v. 214. Turnhout: Brepols, 2008, 564 p. Resenha de: DE BONI, Luis Alberto De Boni. Veritas, Porto Alegre v. 54 n. 3, p. 199-202, set./dez. 2009.

O presente volume faz parte, como suplemento, da edição da obra latina de Raimundo Lúlio, cuidada pelo Raimundus Lullus Institut da 200 Universidade de Freiburg. Organizado por dois competentes lulistas, Alexander Fidora e Josep E. Rubio, o volume foi todo ele traduzido para o inglês, tornando-se assim de fácil leitura para a quase totalidade dos estudiosos.

Como o próprio título indica, a obra está dividida em três partes, sendo que a última também se subdivide em outras tantas. São elas: I – Life. Fernando Domínguez e Jordi Gayá; II – Works. Fernando Domínguez; III – Thought – The Art. Josep Enric Rubio; III.A – The Natural Realm. Josep Enric Rubio; III.B – The Human Realm. Marta M. M. Romano e Óscar de la Cruz; III.C – The Divine Realm. Jordi Gayá.

Boa parte dos filósofos e teólogos medievais ocidentais teve uma vida relativamente curta (Rogério Bacon e Alberto Magno são honrosas exceções), e o decorrer dela conheceu percalços – e até mesmo condenações por parte da Igreja –, que se podem classificar de ‘previsíveis’. Além disso, até final do século XIII, todos eram clérigos e escreveram em latim.

Quando, porém, nos voltamos para Raimundo Lúlio, tudo se modifica. Ele foi daqueles poucos que teve um longa vida de 84 anos (1232-1316), durante os quais teve algumas experiências – e dissabores – que os teólogos de seu tempo não conheceram, tais como a prisão e os maustratos por parte dos muçulmanos do norte da África, um naufrágio bem como a visita aos lugares santos. Enquanto a totalidade dos teólogos do século XIII era composta por clérigos celibatários, Lúlio foi casado por cerca de 18 anos (1257-1275). Deixou a família após ter visões de Deus que o chamava para grandes obras em prol da fé, mas jamais esqueceu os seus, sendo que em testamento, no final da vida, legou bens para o filho e a filha que tivera. Seu ardor missionário e sua devoção à causa da Igreja não o levaram, contudo, a ordenar-se sacerdote, sendo, pois, um dos iniciadores do movimento laico que se desenvolveu principalmente no século XIV. Outra de suas peculiaridades foi a de haver escrito boa parte de sua vasta obra em língua catalã. Num mundo em que o latim era a língua acadêmica, isso foi uma inovação de grande alcance, que nós, mais de sete séculos depois, nem sempre avaliamos devidamente.

Lúlio foi o primeiro pensador medieval a valer-se de uma língua que não o latim, e o catalão foi, pois, a primeira língua moderna a ser utilizada na composição de textos filosóficos e teológicos. Pouco depois, Mestre Eckhart estaria usando o alemão e Dante, o italiano.

Nascido em Barcelona, de uma nobre família catalã, foi ainda pequeno para a ilha de Mallorca, conquistada aos mouros por Jaime I de Aragão 201 em 1229. Após a mudança de vida, durante nove anos viveu em Mallorca, onde esteve em contato com os frades franciscanos, Anos depois, estando em Montpellier, convenceu o rei de Aragão a fundar uma escola para preparação de missionários, na qual era ensinada a língua árabe.

Parece ter sido a primeira iniciativa, na Idade Média, de criar escolas de línguas para os que se preparavam para as missões entre os infiéis.

Esta preocupação ele, já ancião, haveria de levar ao Concílio de Vienne, e lá a viu coroada de sucesso, graças ao decreto conciliar que instituía escolas para as línguas hebraica, árabe e caldaica na Corte Pontifícia e nas universidades de Paris, Oxford, Bolonha e Salamanca, ficando os professores obrigados não só ao ensino, mas também à tradução de obras daquelas línguas para o latim.

Solitário, em grande parte autodidata, com algumas ideias um tanto afastadas daquelas vigentes em seu tempo, aprendeu, às próprias custas, como é difícil a um indivíduo ser ouvido pelos detentores do poder e fracassaram as primeiras tentativas de contato com a Cúria Romana, com o rei da França e com a Universidade de Paris. Apesar disso, prosseguiu em sua missão, percorrendo cidades e países com ardor de um missionário, com vistas a promover uma nova cruzada e a converter os infiéis. Teve três longas estadias em Paris; por inúmeras vezes residiu em Montpellier e em Mallorca; em sua aventura missionária atuou em Nápoles, na Sicília, em Gênova, em Pisa, em Chipre, na Ásia Menor, em Lyon, em Barcelona, em Roma e tantos outros lugares. Por três vezes navegou ao norte da África (a última das quais um ano antes do falecimento) a fim de pregar o Evangelho, conheceu naufrágio e prisão.

Durante todo esse peregrinar, jamais deixou de escrever. Os inventários atuais apontam 280 obras de sua autoria. Isso significa que foi o mais fecundo, ao menos quanto ao número de títulos, entre todos os pensadores medievais.

A obra de Raimundo Lúlio centrou-se toda ela, de certo modo, na Ars compendiosa inveniendi veritatem, como ele a chamou na primeira redação que dela fez, em 1274. Por outras 12 vezes voltaria a ela, a última das quais, 35 anos depois. Corrigiu-a, modificou-a, completou-a e, graças a esses esforços de aperfeiçoamento, obteve o reconhecimento de seu trabalho pela universidade de Paris e pela posteridade. Entretanto, ao contrário dos procedimentos dos demais medievais, ele jamais apresentou as fontes em que se inspirou, nem apelou para auctoritates, como seria de esperar de um trabalho acadêmico em sua época.

Tomando a Ars como de inspiração divina, ele tinha certeza absoluta de que ela era um método capaz de fazer com que as convicções religiosas divergentes das três religiões do livro (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo) poderiam convergir para a verdade única do Cristianismo.

202 “A arte foi concebida como um discurso totalmente auto-referencial, isto é, como um método para chegar à verdade a partir das premissas comuns aceitáveis por todo o judeu, cristão ou muçulmano instruído, e que procede pela via das ‘razões necessárias’” (p. 244). Ela não parte, pois, do específico de cada religião, não coloca como premissa, por exemplo, os dogmas cristãos da Trindade e da Encarnação, mas sabe que, dentro dos devidos procedimentos racionais, a partir das verdades por todos aceitas, demonstra-se ao final, de modo irrefutável, também a Trindade e a Encarnação. “O segredo da Arte, portanto, consiste na demonstração de que a cosmovisão, aceita por todos, implica a visão cristã de Deus, de tal modo que nem a Trindade, nem a Encarnação podem ser negadas sem contradição da ordem cósmica” (p. 245).

Lúlio estava ciente de que a Arte ia além de Aristóteles e dos escolásticos de seu tempo, porque ia além da dialética escolástica e também da metafísica aristotélica, na medida em que ela era capaz de demonstrar os princípios também para as ciências particulares.

Com rara felicidade e com clareza os autores mostram, enfim, como a Ars vê, a seu modo, aquilo que é abrangido pelo conhecimento humano: o mundo, o homem e Deus.

Luis Alberto De Boni

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Estudos de Filosofia Medieval: autores e temas portugueses – MEIRINHOS (V)

MEIRINHOS, José Francisco. Estudos de Filosofia Medieval: autores e temas portugueses. Porto Alegre: Est. Edições, 2007, 270 p. Resenha de: D’AMICO, Claudia. Veritas, Porto Alegre v. 54 n. 3, p. 196-199, set./dez. 2009.

En el ámbito de los estudios medievales iberoamericanos, la figura de José F. Meirinhos, investigador del Gabinete de Filosofía Medieval de la Facultad de Letras de la Universidad de Porto, es bien reconocida.

Este volumen, editado en Porto Alegre, reúne 15 estudios publicados entre 1993 y 2005 tanto en revistas especializadas como en actas de congreso o en volúmenes de homenaje. Todos tienen en común el rigor que caracteriza las investigaciones de J. F. Meirinhos: el contacto directo con los manuscritos, el prolijo manejo de las ediciones críticas, y la presentación de un excelente status quaestionis fruto de una lectura crítica de la literatura especializada tanto clásica como actualizada.

La diversidad de intereses que reflejan los títulos de los estudios, se unifican en la procedencia de los autores tratados, todos ellos portugueses o del actual territorio portugués. Así pues, como indica el autor, este volumen no constituye una presentación sistemática del período sino que ofrece textos “escritos em circunstâncias diversas, para analisar problemas concretos, ou para fazer o ponto da situação dos conhecimentos sobre alguns dos pensadores portugueses medievais mais importantes” (p. 7).

El criterio de ordenamiento interno es cronológico conforme al período medieval que se trate: el primer texto trata sobre Martinho de Braga, evangelizador del siglo VI y el último sobre Dinis de Lisboa, muerto en 197 el siglo XIV. De este modo, José F. Meirinhos nos invita a recorrer ocho siglos de historia del pensamiento portugués, con un salto al extenso período esteril entre los siglos VIII y XII.

La difusión del cristianismo en Lusitania se da fundamentalmente durante el período patrístico, que se extiende desde el siglo IV hasta el siglo VIII. En este tiempo, es posible identificar gran cantidad de autores portugueses, el primer trabajo del volumen se dedica a uno de ellos y lleva por título: “Martinho de Braga e a compreensão da natureza na Alta Idade Média (séc. VI): símbolos da fé contra a idolatria dos rústicos”.

En este trabajo, publicado en 2005, Meirinhos presenta a un personaje singular que es un evangelizador y, al mismo tiempo, un divulgador del pensamiento de Séneca. La obra de Martinho de Braga que tiene como fin corregir a los rústicos y reorientar sus propias creencias, pone en evidencia que la tarea pastoral en estos tiempos fundacionales involucra una concepción no sólo acerca de Dios sino también de la naturaleza. A continuación, un grupo de textos – publicados en diversas ocasiones – presenta el panorama de los estudios durante el siglo XII. El autor pone en evidencia que el renacimiento y la renovación cultural que se daba en algunos centros europeos, es mucho más tenue en Portugal donde la predominancia de la orden benedictina sigue siendo decisiva. Sin embargo, en ese marco y como parte de la renovación cultural se destaca por una parte, la existencia de autores portugueses que contribuyeron a la tarea de traducción de textos del árabe al latín; por otra, la fundación de dos nuevos monasterios y sus respectivas bibliotecas: el de San Agustín de la Santa Cruz de Coimbra y el monasterio cisterciense de Alcobaça. Entre los traductores, sin duda el más destacado ha sido João de Sevilla e de Lima († 1157) cuya identificación ha sido objeto de muchas discusiones que se reproducen en el estudio “A ciência e filosofia árabes em Portugal. Joâo de Sevilla e de Lima e outros tradutores” (1997). El traductor vertió del árabe al latín obras o extractos de obra de medicina, matemática, astrología, magia, astronomía, dos textos sobre el astrolabio y la obra de Qusta ibn Luqa De differentia spiritus et animae, que figuraba entre el corpus vetustius de Aristóteles como parte de los libri naturales. Respecto de los monasterios citados como nuevos centros de saber y de los manuscritos que allí se conservan y son testimonio de la estructura de las artes y la ciencia del período, J. F. Meirinhos ofrece “A filosofia no século XII em Portugal: os mosteiros e a cultura que vem da Europa” (2000); “Doutrina sagrada, artes liberais e ciência escolástica em manuscritos de Santa Cruz de Coimbra” (2001) y “Desenhar o saber.

Um esquema das ciencias do século XII num manuscrito de Santa Cruz de Coimbra”, este último publicado originalmente en francés en el 2005 en el volumen de homenaje que el propio Meirinhos preparara para quien 198 ha sido por mucho tiempo Presidente del Gabinete de Filosofía Medieval al que pertenece, la Prof. Maria Cândida Pacheco.

A continuación se entregan dos grupos de trabajos sobre dos autores ligados a la tradición portuguesa, ambos profusamente estudiados por J.

Meirinhos: San Antonio de Lisboa y Pedro Hispano. Fernandus Matini – nacido en Lisboa en 1190, muerto en Padua en 1231 y nombrado Antonio por adopción como fraile franciscano –, es sin duda uno de los portugueses medievales más reconocidos como predicador, filósofo y teólogo. El estudio “S. Antonio de Lisboa, escritor. A tradição dos Sermones: manuscritos, edições e textos espúrios” (1997) ofrece una detallada lista de todos los manuscritos conservados de sus Sermones, una lista de las predicaciones perdidas, una historia de la transmisión de los manuscritos, a lo cual se agrega la mención de ediciones, traducciones y apócrifos de las predicaciones del franciscano. Este trabajo de J. F. Merinhos resulta imprescindible para quien quiera estudiar seriamente la obra de S.

Antonio y resulta, al mismo tiempo, un modelo para los estudiosos del pensamiento medieval que aborden la compleja reconstrucción de las fuentes primarias. Los estudios “Da gnoseologia à moral. Pragmática da pregação em S. António de Lisboa” (1993) y “A theologia em S.

António e a definição agustiniana de dialectica” (1995), muestran que si bien no se puede afirmar que hay en S.Antonio una presentación sistemática de los temas filosóficos y teológicos, es posible ver a través de su labor de predicador un análisis del lenguaje y una gnoseología en relación a la acción, y una teología entendida como una aprehensión de la doctrina bíblica que tiene en su centro también en una antropología moral.

Cinco estudios están dedicados a Pedro Hispano, el notable lógico, filósofo, médico del siglo XIII, de activa vida política y eclesiástica. Los dos primeros “Petrus Hispanus Portugalensis? Elementos para uma diferenciação de autores” (1996) y “As obras atribuídas a Pedro Hispano” (2005), ponen de manifiesto la complejidad del corpus del Hispano, no sólo por su gran diversidad temática sino también por las lagunas en la reconstrucción de su obra y de su propia vida, lo cual pone en duda muchas veces su identidad. J. F. Meirinhos muestra cómo a partir de los trabajos de Martin Grabmann alrededor de 1920, se concluye que Pedro Hispano es mucho más que el autor de las Summae Logicales y del texto médico Thesaurus pauperum. Así ofrece todo lo que se ha descubierto desde entonces en un abundante catálogo de obras atribuidas a él que, en el primer estudio, organiza temáticamente y, en el segundo, organiza de acuerdo a su autenticidad reconocida o a su carácter de obra perdida o espúrea. Ofrece allí mismo una breve bibliografía de ediciones e estudios histórico-críticos. Análogamente a lo que advertimos en la mención del 199 estudio de 1997 dedicado a Antonio de Lisboa, este trabajo sobre la obra del hispanense resulta un instrumento imprescindible para el estudioso de este autor. En “Pedro Hispano e a lógica” (1999) se muestra claramente los aportes que Pedro Hispano realiza en relación con los desarrollos de la lógica antigua y medieval, tomando en cuenta el lugar que ocupa la lógica en la estructura del saber de la Edad Media. Asimismo en “Métodos e orden das ciências no Coméntario sobre o De anima atribuído a Pedro Hispano” (1998), y “Conhecimento de si e linguagem interior. Agostinho, Joâo Damasceno e Avicena na Scientia libri de anima de Pedro Hispano Portugalense” (2003), J. F. Meirinhos pone de manifiesto nuevamente la capacidad de ubicar el tratamiento puntual de una temática del autor en el marco más general de los profundos cambios de su tiempo, la práctica universitaria y la tradición de la cual se nutre.

Por último, se incluyen dos estudios que, en distintos sentidos, nos refieren la efervescencia de la cultura portuguesa hacia finales del siglo XIII y comienzos del siglo XIV. Uno sobre Pedro Julião: “O papa João XXI e a ciência do seu tempo” (2005). Pedro Julião, uno de los personajes más importantes del siglo XIII, nació en Lisboa entre 1205 y 1220, y fue convertido en Papa en 1276. A través del recorrido de su formación y de la evaluación del papel que desempeñó la ciencia en su propia vida, se logra entender porqué como Juan XXI fue un defensor de los saberes y la ciencia de su tiempo. Por último, el estudio inédito “O médico, teólogo e tradutor Afonso de Dinis de Lisboa († 1352)”, ofrece la biografía, la lista de obras conocidas y las traducciones de quien fuera llamado “erudito universal”.

El volumen se cierra con tres Índices: uno de manuscritos, otro de autores antiguos y medievales, otro de autores modernos y contemporáneos mencionados, que resultan una excelente guía para la búsqueda de datos de interés en una obra de notable erudición.

Claudia D’Amico

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