Formação docente e ensino de história: fontes, objetos e categorias / Territórios & Fronteiras / 2015

O dossiê “Formação docente e Ensino de História: fontes, objetos e categorias” traz artigos que expõem diferentes contextos, atravessam os níveis de ensino, e mobilizam categorias que permitem destacar a variedade de abordagens e as possibilidades do trabalho investigativo a partir de fontes diversas que indagam sobre a escrita didática da história, os sujeitos, as políticas, as memórias e as práticas imersas no processo formativo de professores / as de História.

O percurso formativo do / a professora / a de História é um tempo de conhecimento, reflexão, crítica e aperfeiçoamento profissional. Nos cursos superiores entram em contato com os saberes teóricos, com a pesquisa e a preparação pedagógica. A base formativa prévia (origem e inserção cultural e formação escolar anterior) se mescla com a formação continuada e, assim, a socialização dos saberes no interior das escolas e na vida vai se constituindo. Os saberes profissionais, como diz Tardif,1 são datados (temporais), são plurais e heterogêneos, são personalizados e situados, são adquiridos por meio da experiência.

Ao percorrer um caminho escolhido do conhecimento (o currículo), têm-se objetivos em mente e questões que devem indagar sobre qual passado tratamos quando ensinamos aos estudantes e como essas histórias operam sentidos na formação dos sujeitos.

Um dos procedimentos imprescindíveis para o ensino de História é o trabalho com as fontes ou documentos. Também a ampliação da noção de fonte atingiu diretamente o trabalho pedagógico, levando à superação da compreensão do documento como prova do real. As inovações tecnológicas também modificaram a relação com o documento.

Entre os oito artigos que compõem este Dossiê, podemos indagar no trabalho de Ana Carolina Eiras Coelho Soares sobre o conceito de História Visual em Ulpiano Bezerra de Meneses2, entendido como um conjunto de recursos para dar consistência à pesquisa histórica. Alerta ele que o uso da pintura, da fotografia ou do desenho não deve ser feito como mera ilustração do texto. A investigação deve levar ao exercício de reconstrução de redes que falam de quando o autor produziu a obra, do contexto da época, do lugar da produção, das articulações de interesse para quem produziu etc.

Ana Carolina Soares aproveita um episódio alardeado na mídia carioca, no ano de 2009, polemizando a retirada de livros didáticos de História das escolas por acusação de suposto conteúdo nefasto presente em possível interpretação de imagens de Theodore de Bry (século XVI). O fato é utilizado pela autora para refletir sobre as vulnerabilidades a que as escolas se submetem em momentos nos quais são cobradas e vitimadas por ações violentas vindas de toda parte. O incidente serviu também para apontar possíveis caminhos do trabalho pedagógico nas aulas de História e fazer pensar a formação de professores.

Em defesa de um código disciplinar da Didática da História, Ana Claudia Urban foi buscar na análise de ementas de cursos de licenciatura em História de universidades públicas do Paraná os “textos visíveis” para suas argumentações. Também analisou pareceres de 1960 ao ano 2000 que foram dando indicativos de como as preocupações com a Didática caminharam junto com as mudanças de perspectivas para a formação de professores.

Alexandra Lima da Silva apresenta, no exemplo de Rocha Pombo, as subjetividades formativas da docência. Explorando o autodidatismo do poeta, historiador e professor, Alexandra faz um passeio pela atribulada história do fazer-se professor e escritor de livros didáticos – esses últimos ficaram tão presentes no imaginário de estudantes, tanto quanto foram marcantes referências de formação para muitos professores.

Jaqueline Aparecida Zarbato nos brinda com uma reflexão sobre Educação Histórica e sobre como se produz a consciência histórica nas práticas pedagógicas de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Sua análise parte de uma oficina realizada com estudantes de História da Universidade de Mato Grosso do Sul, em Três Lagoas, no ano de 2013.

Buscando refletir sobre o embate entre representações no entorno da formação de professores de História, André Luiz Bis Pirola, ao estudar o Espírito Santo na segunda metade do século XIX, investiga como a História era ensinada na ausência de uma formação específica. Dessa forma, a história da formação de professores de história imbrica-se com a própria história da construção da história como disciplina escolar e pode-se compreender como, em meio às lutas, leis e livros, diferentes profissionais (bacharéis, padres e médicos) buscaram instituir determinadas formas de ser e estar no mundo por meio da construção de um sentido para o saber e o fazer docentes.

João Batista Bueno, Arnaldo Pinto Jr. e Maria de Fátima Guimarães, por sua vez, refletem sobre três conceitos importantes para a formação dos professores de História: a interação, a significação e a identidade. Discutem também quais são as possíveis alternativas e critérios que podem ser mobilizados na definição de atividades de interações significativas que visem conectar questões do passado ao presente do estudante. Além disso, analisam como algumas abordagens atuais do conceito de identidade estão modificando os objetivos do ensino de História.

Já o artigo de Helenice Ciampi tem o objetivo de refletir sobre a questão da formação do educador a partir de sua experiência na PUC-SP, com a Prática de Ensino e Estágio Supervisionado e disciplinas afins. A intenção da autora foi focar as últimas décadas de debates no Brasil, articulando as questões centrais da discussão com os temas que constituíram os planejamentos dos cursos no período. Enfim, sua reflexão visa explicitar as questões canônicas na formação do profissional de História ontem e hoje.

Concluindo o Dossiê, Juciene Ricarte Apolinário traz ao debate um tema ainda pouco discutido na área do ensino de História: a educação indígena. Seu artigo aborda, de forma reflexiva, a criação do Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Educação Indígena, UFCG – Povo Potiguara, especialmente no tocante às experiências das práticas pedagógicas das disciplinas de História do Brasil e História Indígena. O projeto foi produzido coletivamente entre indígenas e professores da UFCG para a elaboração de uma proposta de educação superior intercultural, tendo como destaque a formação do professor indígena na área de História.

Acreditamos que os diferentes trabalhos aqui reunidos poderão contribuir com os debates acerca da formação docente do / a profissional de História e sua relação com a dinamização da produção historiográfica e das reflexões metodológicas. Pensamos que os textos que compõem este Dossiê, ao tratarem de diferentes contextos, atravessam os níveis de ensino e mobilizam categorias que permitem destacar a variedade de abordagens e as possibilidades do trabalho investigativo a partir de fontes, objetos e categorias diversas que indagam sobre a escrita didática da história, os sujeitos, as políticas, as memórias e as práticas imersas no processo formativo em questão. Esse conjunto de textos nos oferece, enfim, um quadro representativo de produções acadêmicas que demonstram a consolidação da área de Ensino de História e a relevância das pesquisas sobre formação docente para a profissão do / a historiador / a. Esperamos que estes textos sejam também inspiradores.

Boa leitura!

As organizadoras

Notas

1 TARDIF, Maurice. Os professores enquanto sujeitos do conhecimento. In: _____. Saberes docentes e formação profissional. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.

2 MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Fontes visuais, cultura visual, história visual – balanço provisório, propostas cautelares. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 23, n. 45, 2003.

Ana Maria Marques – Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). E-mail: [email protected]

Juçara Luzia Leite – Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). E-mail: [email protected]


MARQUES, Ana Maria; LEITE, Juçara Luzia. Apresentação. Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v.8, n.1, jan / jun, 2015. Acessar publicação original [DR]

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