Gênero, Democracia e Direitos Humanos / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2019

O presente dossiê Gênero, Democracia e Direitos Humanos, edição Número 33 da Fronteiras: Revista Catarinense de História, foi construído a partir dos debates realizados no XVII Encontro Estadual de História, realizado entre os dias 21 e 24 de agosto de 2018, na Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE), em Joinville, Santa Catarina. As problemáticas colocadas nesse encontro nortearam a reflexão acerca dos desafios e possibilidade envolvendo as pesquisas e práticas relacionadas as questões de gênero articuladas à democracia e aos direitos humanos.

Estamos vivenciando, no Brasil, movimentos ultraconservadores que desqualificam e demonizam o feminismo e o gênero, palavras tidas como proibidas, e que tem brutalizado corações e mentes. Ambas, se tem gerado discussões acaloradas, é porque estão no âmbito do político. Projetos inconstitucionais, que aviltam a democracia e os direitos humanos, são apresentados com intuito de eliminar o gênero como categoria de análise nas relações sociais e culturais, bem com destruir políticas públicas arduamente conquistadas e caras a emancipação dos sujeitos históricos. Neste sentido, este dossiê visa refletir e aprofundar pesquisas e debates que abordem o gênero, com enfoque nos direitos humanos, cidadania, emancipação, liberdade, educação, feminismos, preconceitos e violências, promovendo o conhecimento para mudanças de práticas discriminatórias, reconhecendo as mulheres de diferentes gerações, raça, etnia, gênero, orientação sexual como sujeitos de direitos.

O Dossiê é formado sete artigos e duas resenhas. O primeiro artigo, intitulado A televisão como campo de memória e representação social: Documento Especial: Televisão Verdade (1989 – 1995) de Lucas Braga Rangel Villela, procura problematizar as disputas pela memória e de representação a respeito da realidade brasileira após Ditadura Civil-militar. O autor discute, através programa telejornalístico “Documento Especial: Televisão Verdade” da emissora de televisão Rede Manchete, o papel da televisão como instrumento de representação social e de construção de memória coletiva no Brasil no período da redemocratização.

No artigo Mulherio na Constituinte (1985-1987), Cintia Lima Crescêncio e Renata Cavazzana da Silva analisam como o jornal Mulherio (1981-1988) pautou em suas páginas a campanha do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres no período de debates sobre a Constituinte, especificamente nos anos entre 1985-1987. O jornal procurou atuar na tentativa de garantir os direitos e a cidadania das mulheres em meio as disputas políticas e das limitações dos movimentos sociais com o Estado.

O artigo intitulado A luta pela expansão da democracia em Pernambuco nos anos de 1930: o movimento feminista como protagonista, escrito por Emelly Sueny Fekete Facundes e Alcileide Cabral do Nascimento, analisa a atuação da Federação Pernambucana pelo Progresso Feminino (FPPF) na luta pela expansão dos ideais democráticos de igualdade civil, direito ao trabalho e a educação para mulheres na década de 1930. Através de periódicos recifenses que circulavam na época e de relatórios de atividades da FPPF enviado à sua matriz, no Rio de Janeiro, as autoras procuram compreender a importância do movimento feminista na conquista de direitos sociais e na luta pela consolidação da democracia no Brasil.

Em Saúde sexual e saúde reprodutiva no cárcere: uma discussão necessária para garantia de direitos das mulheres privadas de liberdade, Camila Azevedo dos Reis e Luciana Patrícia Zucco, a partir de uma perspectiva interseccional, abordam o acesso à saúde sexual e reprodutiva das mulheres em privação de liberdade no Presídio Feminino de Florianópolis, a partir dos direitos sexuais e direitos reprodutivos. Procurando dar destaque às narrativas das mulheres e profissionais da Instituição o trabalho evidencia como as mulheres presas são tratadas, as violações aos seus direitos e as lutas por condições dignas que atendam as especificidades destas sujeitas.

Já Neide Cardoso de Moura, no artigo intitulado Da educação do campo ao PNLD / campo: do anúncio educacional a denúncia social, apresenta os resultados relativos à pesquisa realizada no ano de 2016, intitulada “Análise das imagens de livros didáticos do Programa Nacional do Livro Didático para a educação do campo, na perspectiva de gênero”. O artigo procura reconhecer os avanços relativos à educação no campo sem deixar de ressaltar os desafios que ainda se colocam para as políticas e os programas educacionais que orientam os rumos da educação brasileira.

No artigo Debates e disputas sobre a legalização do aborto no Brasil: a laicidade na corda bamba, Emilly Joyce Oliveira Lopes Silva e Luciana Patrícia Zucco analisam o processo de legalização do aborto no Brasil a partir da categoria laicidade, com dados coletados na audiência pública do Supremo Tribunal Federal acerca da ADPF442. As autoras partem da discussão sobre aborto e laicidade, analisam os argumentos da audiência pública já citada e discutem as possibilidades da categoria de laicidade para o avanço dos debates sobre a descriminalização do aborto no Brasil.

Por fim, tratando de memórias sobre a primeira fase de escolarização, o artigo Ensino Primário e infância, de Elaine Prochnow Pires, versa sobre memórias de ginasianas do Alto Vale do Itajaí – Santa Catarina, acerca de seu percurso escolar no ensino primário nos tempos dos exames de admissão ao ginásio. Através de entrevistas, a autora evidencia práticas da vida escolar num tempo em que aos alunos e as alunas era aplicada uma prova para prosseguirem seus estudos ginasiais, seleção obrigatória entre os anos de 1931 a 1971. São narrativas que trazem elementos para análise, destacando-se a frequência dos elementos de sentido e a forma como isso reverberou nas narrativas orais e escrita dos sujeitos da pesquisa.

Na Seção Resenha dois trabalhos compõem esta edição. O primeiro é de Isadora Muniz Vieira apresentando o livro do historiador François Hartog, Crer em História, lançado em 2017 no Brasil pela Editora Autêntica. E o segundo trabalho é de Diego José Baccin, tratando do livro Tierras, leyes, história: estudios sobre “La gran obra de la propiedad”, da pesquisadora Rosa Congost. Este livro foi publicado em 2007, pela editora Crítica, em Barcelona, e se encontra em língua espanhola, ainda sem tradução para o português.

No momento em que se fecha este Dossiê, é orquestrado por parte de quem governa o Brasil um acintoso movimento de destruição das conquistas que levaram décadas para se concretizarem, como vários direitos das mulheres, das populações indígenas, quilombolas, populações LGBTI+; bem como a retiradas de direitos trabalhistas e previdenciários. Além desses infortúnios, que recaem sobre as populações mais pobres, violentando-as e negando sua cidadania, os ataques ao ensino público com o contingenciamento de verbas para seu funcionamento são crimes contra o direito dos jovens de terem um futuro menos árduo. A educação pública é direito constitucional garantida na Constituição Cidadã, como o é o direito das crianças e jovens de aprender a refletir e a posicionar-se como sujeito neste mundo e suas relações, reflexões que advém das disciplinas das Ciências Humanas, tão vilipendiadas atualmente. A destruição da pesquisa evidencia retrocessos nunca vistos; a destruição do ambiente é criminosa, dentre outros ataques à democracia, são fatores que contribuem para eliminar o Brasil dentre os países confiáveis para investimentos. Lastimável. As violências contra as mulheres, especialmente as negras, indígenas e pobres, tem-se se exacerbado como práticas de abusos e feminicídios – a liberação do porte de armas trará mais tragédias, e as mulheres são, e serão, as principais vítimas. Não desistiremos das lutas de salvar vidas que importam.

Marlene de Fáveri

Fernanda Arno

Organizadoras do Dossiê Gênero, Democracia e Direitos Humanos


FÁVERI, Marlene de; ARNO, Fernanda. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.33, 2019. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê