Direitos Humanos, Religião e Democracia/Revista Brasileira de História das Religiões/2022

A dignidade humana é fundamento do Estado Democrático de Direito, com fulcro no artigo 1º, inciso III da Constituição da República Federativa do Brasil. Para a consolidação e fortalecimento da democracia, constitui essencial a promoção da dignidade humana, que também é fundamento dos direitos humanos. Nesse contexto, a religião desempenha papel fundamental, razão pela qual, a presente chamada temática da Revista Brasileira de História das Religiões traz como tema Direitos Humanos, Religião e Democracia. Leia Mais

Luchas por derechos humanos en perspectiva local/regional. sentidos, actores, espacios y temporalidades en Santa Fe y Córdoba | Coordenadas – Revista de Historia local y regional | 2021

Este dossier contribuye a densificar las múltiples miradas que alberga el estudio de las luchas por derechos humanos en Argentina, siguiendo la conceptualización sugerida por Luciano Alonso (2019), tomando como eje las potencialidades del trabajo en escalas locales y regionales. Esa reducción en la escala de abordaje -recortando localmente objetos de indagación que, a su vez, buscan establecer diálogos regionalespropone un ingreso a las resignificaciones y ampliaciones de las luchas por derechos humanos en Santa Fe y Córdoba, consideradas las provincias más importantes del país después de Buenos Aires, ubicadas en las regiones del Centro y el Litoral y ambas sedes de las comandancias del II y III Cuerpo de Ejército, respectivamente. Asimismo, los artículos abarcan un tiempo largo que conecta la última dictadura cívico militar con el presente. En otras palabras, continúa con los aportes de estudios locales sobre el tema (Mereb, 2017; Kotler, 2018, 2014 y 2006; Alonso, 2011; Solis, 2011a y b; 2012; Oviedo y Solis, 2006; Azconegui, 2012; Zubillaga, 2019 y Scocco, en prensa y 2016) y, como novedad, trabaja en la apertura de otras temporalidades enlazadas desde las luchas emprendidas por actores diversos y en relación con los sentidos igualmente variables que expresan las experiencias en estudio. ¿Qué antecedentes, entre similitudes y diferencias, relacionan a Santa Fe y Córdoba?

Ambas provincias protagonizaron, junto a otras, el ciclo de radicalización y movilización política de los años sesenta y setenta, con variadas formas de militancia y organización. destacándose la activación combativa de su movimiento obrero -que incluyó el desarrollo de vertientes clasistas- de fuerte presencia en sus conglomerados fabriles, de localización centralmente capitalina en Córdoba (Gordillo, 2001; Ortiz, 2019) y en los cordones industriales del Gran Rosario en Santa Fe (Águila y Viano 1995/6; Carminati, 2017; Cerio, 2007; Rodríguez y Videla 2013; VVAA, 1999). De igual modo, en las dos se registraron expresiones comprometidas de la iglesia en su variante tercermundista (Lacombe, 2016; Scocco, 2020), una activa y multiforme movilización estudiantil (Luciani, 2017; Vega, 2018) y hubo un desarrollo considerable de las expresiones militantes de la lucha armada, con irradiación a otras zonas, principalmente de Montoneros y del PRT- ERP (Seminara, 2015; Viano, 2013; Noguera, 2019; Inchauspe, 2020). Ambas protagonizaron acciones paradigmáticas en el ciclo de los “azos”, mostrando la disposición a la acción confrontativa contra el gobierno de la autodenominada Revolución Argentina (Gordillo, 2019; Rosas, 2019). Asimismo, sufrieron tempranamente la represión al conflicto social y político, por la implementación de consejos de guerra a civiles, por la magnitud del uso de la prisión política para desactivar la protesta y de los traslados disciplinatorios a penales alejados, junto a la implementación de asesinatos selectivos contra sus militantes. Igualmente, se formaron de manera temprana en las dos provincias comisiones de defensa y solidaridad con los presos políticos, estudiantiles y gremiales (Scocco, 2021; Solis, 2019). Con el retorno del peronismo al poder, tuvieron algunas notas particulares en su devenir. Leia Mais

Direitos humanos, sensibilidades e resistências / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2020

A história como ciência, desde há muito tempo, é alvo de disputas políticas e intelectuais que colocam em xeque um discurso amplamente difundido, que sustentava a existência de uma suposta imparcialidade no ofício do historiador e da historiadora. No entanto, ao se aproximar de diversas áreas que compõem as Ciências Humanas e Sociais, com intuito de pluralizar seus sujeitos e objetos, a história, e, portanto, a própria historiografia, viram-se envoltas em problemáticas que as questionavam como campo discursivo neutro, impelindo-as à produção de um tipo de conhecimento marcado pelas posições políticas e ideológicas, que por sua vez, possuem uma forte ancoragem em processos socioculturais do presente que transbordam em subjetividades.

Desta intersecção entre história, novos sujeitos, objetos multifacetados e pluralização dos discursos sobre o passado, a temática dos direitos humanos, surge como um campo que convoca historiadores e historiadoras a pensar a produção de sujeitos, os processos de violação e as diversas formas de existência, em seu atravessamento por questões da interculturalidade, identidades, igualdade, equidade, justiça social e representatividade, entre outras, que constroem as concepções atuais de dignidade humana e respeito a diversidade.

Este Dossiê, n. 36, intitulado Direitos humanos, sensibilidades e resistências, que se apresenta com caráter multi, trans e interdisciplinar, é constituído por dez artigos, uma entrevista, um texto composto por relatos e duas resenhas. Os trabalhos aqui apresentados, versaram sobre as relações da história com os direitos humanos, as sensibilidades e os processos de resistência.

O historiador Reinaldo Lindolfo Lohn no artigo intitulado A utopia dos direitos humanos na cidade: o direito à cidade, reformas urbanas e projeções sociais em Florianópolis (SC) – entre a ditadura e a democracia (1964-2004) discutiu os conflitos gerados pela imposição de reformas urbanas em Florianópolis (SC), ao longo da ditadura militar, com desdobramentos no período democrático. Tomando o acesso à cidade como uma das dimensões dos direitos humanos, o autor discute a constituição do espaço urbano como um elemento de disputa entre as camadas médias e os grupos populares urbanos.

Ernani Soares Rocha e Sueli Siqueira no artigo, Percepção dos jovens sobre o novo território 10 anos depois da desterritorialização: o caso de Itueta, abordaram, por meio de entrevistas, a percepção dos jovens do município Itueta que vivenciaram, entre os anos de 2000 e 2006, o processo de realocação de sua sede em função da instalação da Usina Hidrelétrica Eliezer Batista. Ao centrar suas análises em entrevistas, as autoras buscaram compreender os efeitos dessa Territorialização, Desterritorialização e Reterritorialização, nas trajetórias de vida de jovens e adolescentes que habitavam até então a sede do referido munícipio

O artigo A educação no município de Xaxim: dimensões históricas e políticas da universalização da educação básica (1910-2020), de Paulo Roberto Da Silva e Joviles Vitório Trevisol, analisou a trajetória da educação no município de Xaxim (SC) no período entre 1920 e 2020. Enfatiza que o direito à educação para todas as crianças em idade escolar do Ensino Fundamental tornou-se realidade apenas no final do século XX, demonstrando a existência das desigualdades regionais que estruturam o Brasil no campo das políticas públicas.

Natalia Ferreira, com o artigo Os desafios do tempo presente e a colonialidade da natureza: intersecções para pensar novas sociabilidades, intenciona discutir sobre a colonialidade a partir de seus aspectos, demonstrando as sobreposições das opressões da Matriz Colonial do Poder a partir da análise de linguagens e hábitos recorrentes que são naturalizados por nossa sociedade.

No artigo Ilha da Magia seletiva: religiões de matrizes africanas e a intolerância religiosa em Florianópolis, Hilton Fernando da Silva Pinheiro evidencia os desafios que as comunidades religiosas de matrizes africanas enfrentam, no que se refere aos direitos de fruição ao espaço público. As reflexões partiram da análise de um ato de intolerância religiosa ocorrido em setembro de 2019, na cidade de Florianópolis – SC, que visibilizou os conflitos existentes em torno de símbolos, monumentos, sujeitos e manifestações religiosas de matriz africana.

Com o artigo intitulado Dignidade humana: o desaparecimento do preto velho Jeronymo – Palmas / PR, meados do século XX, os historiadores Renilda Vicenzi e Carlos Eduardo Cardoso, por meio de um inquérito e de um processo crime, do início do século XX, na Comarca de Palmas / PR, buscam compreender as estruturas de racialização e exclusão social, conferidos a população negra, que marcaram de forma profunda a organização sociojurídica do Estado brasileiro.

Susana Cesco, no artigo O que, como e por que censurar: o trabalho de censura da Polícia Federal na década de 1970, analisou o trabalho de censores, autoridades policiais e a própria reestruturação e atuação da Polícia Federal nas décadas de 1960 e 1970 que passou a atuar como órgão responsável pela censura no país. A autora descreve os caminhos percorridos pela política de controle estatal, especialmente no que diz respeito às normas e critérios adotados para proibir e cercear a livre circulação de ideias.

A historiadora Marlene de Fáveri no artigo Violência política em tempo de guerra: a Exposição de Material Nazista: a Exposição de Material Nazista tratou da Exposição de Material Nazista organizada pelo Departamento de Ordem Política e Social de Santa Catarina nos anos de 1942 e 1943, quando o Brasil declarava guerra aos países do Eixo, durante a Segunda Guerra Mundial. Ao se debruçar sobre tal processo histórico, a autora visa analisar o papel da Polícia Política na repressão e perseguição de populações originárias da Itália e Alemanha, destacando a atuação de tal instituição na construção de discursos políticos que fomentavam o medo e a repulsa pelo outro entre a população catarinense.

O artigo Marcelino Chiarello: um defensor dos direitos humanos, de Cesar Capitanio e de José Carlos Radin, evidenciou a formação e a militância do vereador Marcelino Chiarello, de Chapecó-SC, sobretudo, o seu envolvimento na defesa dos direitos humanos, relacionandoa com uma formação sociopolítica alicerçada na vertente religiosa da Teologia da Libertação e da influência do Bispo Dom José Gomes. Os autores destacam sua atuação junto aos movimentos sociais e sindicatos, em um projeto que visava radicalizar o campo da política formal.

Com o artigo Rezar, lutar, lavrar: missionários, militares e indígenas na composição das fronteiras da Província do Amazonas (1851 – 1852), Paulo de Oliveira Nascimento abordou o projeto de construção das fronteiras da / na Província do Amazonas, num momento em que as autoridades imperiais (1851 – 1852) buscavam nortear a ação política e administrativa para modernizar a região. Através da expansão da fronteira, pretendiam implementar o projeto geopolítico de “civilização” dos indígenas e modernização da economia naqueles rincões do Império do Brasil, na tentativa de integrá-los a um projeto modernizador da sociedade brasileira

A atual edição de Fronteiras conta ainda com uma entrevista realizada por Kelly Caroline Noll da Silva que dialogou com a professora Solange Ramos Andrade sobre a temática da religião e da religiosidade católica no Brasil Contemporâneo.

Este número da revista traz uma proposta inovadora, com publicação de um texto composto a partir dos relatos das professoras Andréa Vicente, Adriana Fraga Vieira, Adriana Signori, Elandia S. Thiago e Karla Andrezza Vieira. Os textos foram agrupados e denominado Vozes docentes: lugar de escuta em tempos de pandemia. As professoras participaram da mesa redonda “Lugares de escuta: ensinar História em tempos de pandemia” que compunha a programação do XVIII Encontro de História da ANPUH / SC. Além dos tocantes relatos, o texto é introduzido pelo historiador Rogério Rosa Rodrigues, idealizador da mesa e diretor da ANPUH-SC (2018-2020). Os relatos voltam as luzes às professoras da rede básica de ensino e são traduzidos por Rogério Rosa como narrativas contundentes, sensíveis e engajadas.

Finalizando o número, duas obras compõem a seção resenha. A primeira, realizada por José Antônio Fernandes, analisa as discussões presentes no livro Peronismo: como explicar lo inexplicable, obra organizada por Santiago Farrell, que apresenta uma pluralidade de interpretações sobre o Peronismo, observando que tal temática é ainda bastante controversa e pouco homogênea. A segunda, de Kauê Pisetta Garcia, trata-se do livro intitulado Como será o passado? História, historiadores e a Comissão Nacional da Verdade, de Caroline Silveira Bauer. A obra se constitui a partir do resultado de uma pesquisa realizada pela autora sobre os usos políticos do passado através dos debates em torno da Comissão Nacional da Verdade.

Neste ano conturbado, em meio a uma pandemia – que nos marcou por muitas perdas, a Fronteiras: Revista Catarinense de História reúne textos sensíveis a diversas causas. São artigos, entrevista e relatos envoltos de sensibilidades e que narraram processos de resistências.

Desejamos uma boa leitura!

Ismael Gonçalves Alves (UNESC)

João Henrique Zanelatto (UNESC)

Michele Gonçalves Cardoso (UNESC)

Organizadores do Dossiê Direitos Humanos, Sensibilidades e Resistências

Samira Peruchi Moretto (UFFS)

Editora da Fronteiras: Revista Catarinense de História


ALVES, Ismael Gonçalves; Cardoso, Michele Gonçalves; MORETTO, Samira Peruchi; ZANELATTO, João Henrique. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.36, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Direitos humanos e políticas de memória / História – Questões & Debates / 2020

O Dossiê que temos a satisfação de apresentar ao olhar crítico dos leitores da Revista História: Questões & Debates, reafirma nossas convicções sobre as exigências que a história nos impõe em não permitir apagamentos, silenciamentos, ocultações e censuras em face de experiências traumáticas que afetaram (e afetam) o cotidiano do Brasil e da América Latina. Elaborar o traumático por meio de um trabalho de memória, como destacou Elizabeth Jelin (2002), implica colocar uma distância entre o passado e o presente. Mas esta distância implica igualmente em não recusar as interações dinâmicas e as contínuas reapropriações que marcam as temporalidades históricas. Significa, ao contrário, recordar que algo ocorreu, e ao mesmo tempo, reconhecer a vida presente e os projetos futuros. Levando em consideração as circunstâncias políticas passadas e presentes que repercutem no modo pelo qual as nossas sociedades produzem suas representações; preocupados com os processos históricos que maximizam as situações de vulnerabilidade de grupos sociais e comunidades, e atentos à lição de Jelin, nossa crença é que são cada vez mais urgentes as reflexões que congregam o binômio “direitos humanos” e “memória”. Quer nos parecer, portanto, que tal urgência está plenamente contemplada no conjunto dos artigos que compõem este Dossiê. Um Dossiê tecido por narrativas plurais; construído pelas vozes da persistência, e, sobretudo, concebido pela coragem de não tangenciar ou se omitir diante da responsabilidade de enfrentarmos um duplo desafio: educativo e político.

É imperativo destacar dois aspectos. Primeiro, o potencial crítico e analítico alicerçado sob o binômio “direitos humanos” e “memória” e em seus desdobramentos temáticos possíveis, é o que temos nos empenhado em desenvolver no âmbito de uma rede de investigadores brasileiros e de outros países que, afortunadamente, tem se ampliado nos últimos anos, justamente, a partir de interesses comuns de pesquisa e pelo intenso grau de similitudes entre seus objetos de estudo. Destarte, os debates gerados no Grupo de Pesquisas DIHPOM (Direitos Humanos e Políticas de Memória), sob coordenação da pesquisadora e professora Marion Brepohl, têm auspiciado uma série de publicações e encontros científicos que contribuem para refinar e reformular as percepções sobre o mundo no qual atuamos. Em segundo lugar, reforçamos como estatuto epistemológico de nossas práticas, a opção por uma vertente profundamente crítica tanto em relação ao uso instrumental e etnocêntrico da noção de direitos humanos; quanto aos modismos que inflacionam e despolitizam o conceito multiforme de memória. É sob tal orientação que se organizam os nove artigos oferecidos ao leitor pelo Dossiê “Direitos Humanos e Políticas de Memória”.

No artigo que abre o Dossiê, de título “Desafios para a história nas encruzilhadas da memória: entre traumas e tabus”, Marcos Napolitano enfoca as categorias de trauma e tabu vinculando-as à análise dos processos de memorização e suas conexões com o conhecimento histórico, sobretudo, na apreensão dos períodos marcados por violências extremas. O autor constrói uma reflexão em que visualiza o “trauma” como categoria recorrentemente apropriada pelo campo de saberes historiográficos; enquanto o “tabu” é identificado como uma espécie de negação produzida pelos perpetradores das violências e seus herdeiros. Ambos são mobilizados para analisar e compreender as mutações na memória hegemônica da ditadura militar brasileira.

Em seguida, Diogo Justino no artigo “Uma responsabilidade pelo que não fizemos? A memória como fundamento da responsabilidade histórica em Walter Benjamin e Reyes Mate” explora as relações entre memória e história a partir de um diálogo entre Benjamin e Reyes Mate. Justino pauta sua análise pensando os vínculos entre passado e presente, centrais na reflexão do filósofo alemão, conectando-os com a noção de memória da injustiça como fundamento de uma ideia de responsabilidade histórica em Reyes Mate. O autor conclui que a operação de pensar o presente a partir do passado, incluindo as experiências de injustiça, é como pensar sobre as responsabilidades que as gerações do futuro possuem em relação às gerações do passado.

No terceiro artigo, “La violencia dictatorial y la violencia estatal de largo plazo en el Cono Sur de América Latina: entre lo excepcional y lo habitual”, o historiador argentino Daniel Lvovich propõe uma série de perguntas e vinculações entre as modalidades mais gerais da violência estatal contra a próprias populações, e as formas de violência especificamente políticas instauradas pelos estados nos períodos ditatoriais. Para Lvovich, a violência política representa a potencialização em escala geométrica da violência cotidiana previamente existente e que atinge as comunidades nacionais, tendo como alvos involuntários os setores mais vulneráveis da população.

Magdalena Figueredo Corradi e Fabiana Larrobla Caraballo, em “Una aproximación a la metodologia de investigación de los crímenes de lesa humanidad en las dictaduras del cono sur. La experiencia del Equipo de Investigación Histórica (EIH) – Uruguay”, tratam do processo de construção de uma abordagem metodológica cujo enfoque trandisciplinar, permite às autoras trazer ao leitor o exitoso trabalho realizado durante mais de quinze anos na investigação sobre os crimes cometidos pelo estado uruguaio dentro de seu território, e no marco do Plano Condor. O empenho sistemático no âmbito do EIH tem como princípios contribuir para os processos de verdade, justiça e reparação em relação às graves violações de direitos humanos cometidas pelas últimas ditaduras do século XX no cone sul, mas também almeja gerar um campo de estudo que possa ampliar o escopo de metodologias favoráveis ao trabalho dos investigadores.

As percepções do direito internacional humanitário quanto à reparação jurídica e ao direito à memória são desenvolvidas por Melissa Martins Casagrande e Ana Carolina Contin Kosiak, no artigo “Reparação jurídica e direito à memória: o papel das sentenças condenatórias internacionais e estrangeiras sobre desaparecimentos forçados”. As autoras propõem que sentenças condenatórias referentes às violações de direitos humanos cometidas em períodos ditatoriais têm um duplo papel: prover reparação jurídica às vítimas e / ou aos seus familiares; assim como produzir meios documentais que permitam o acesso ao passado contribuindo para a consolidação do direito à memória. O recorte temático mais específico repousa na atuação transnacional da Operação Condor e as suas responsabilidades no desaparecimento forçado de opositores das ditaduras na América do Sul entre as décadas de 1960 e 1990.

No artigo seguinte, de título “Los refugiados chilenos residentes en Argentina como un ‘problema de seguridad nacional’, 1973-1983”, Maria Cecilia Azconegui estuda as repercussões do golpe pinochetista no cenário político argentino. Azconegui explora os impactos provocados pelo ingresso de milhares de refugiados chilenos no território argentino, e analisa as mudanças nas percepções e nas políticas de governo com respeito a esses refugiados. A autora sugere que, gradativamente, os chilenos passaram a ser considerados uma ameaça cuja permanência na Argentina devia ser objeto de regulação, controle, e mesmo, repressão, eliminação física ou expulsão, a despeito dos mecanismos de proteção proporcionados pelo ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.

Ao relacionarem as Comissões da Verdade e a literatura no artigo “Experiências de ditadura na Argentina e no Brasil: notas sobre a reelaboração da memória a partir da literatura”, José Carlos Freire e Alexandre Fernandez Vaz discutem aspectos gerais sobre a Justiça de Transição ocupando-se do papel assumido pela CNV – Comissão Nacional da Verdade implantada no Brasil em 2011. Em perspectiva comparativa, os autores refletem sobre a CONADEP na Argentina, e trazem à luz quais as possíveis contribuições da literatura de testemunho a partir de dois relatos: K. Relato de uma busca de Bernardo Kuncinski (2011), e Mi nombre es Victoria, de Victoria Donda (2009). Os autores concluem que tanto os trabalhos das Comissões instaladas nos dois países em temporalidades distintas, como a diferença entre as duas narrativas literárias sobre desaparecimentos evidenciam a dificuldade do Brasil em elaborar o seu passado ditatorial.

Na sequência, Leandro Brunelo e Angelo Priori no artigo “Resistência democrática versus graves violações dos direitos humanos durante a ditadura militar no Paraná: a atuação dos advogados na defesa dos presos políticos” problematizam o Inquérito Policial Militar 745 (IPM 745), que, durante a ditadura militar brasileira, apurou o envolvimento dos comunistas na suposta organização do partido no estado do Paraná em 1975. Os autores contrapõem as instituições políticas que controlam e formulam leis, e os advogados de defesa das pessoas presas que denunciaram as violações dos direitos humanos. Ao ressaltarem as disputas que ocorriam em um campo específico, o jurídico, Brunelo e Priori demonstram os modos pelos quais agentes díspares na escala do poder travaram uma batalha legal e jurídica, e, por sua vez, como os advogados valiam-se do mesmo substrato burocrático-legal fomulado pelo estado para tornar menos rígidos os limites da lei e do campo jurídico.

Encerra nosso Dossiê, o artigo escrito pela historiadora Carla Cristina Nacke Conradi: “Gênero, memória e ditadura: a militância política de Lídia Lucaski no Paraná”. Neste artigo, Carla Conradi aborda a complexa relação entre gênero e ditadura, partindo de uma escrita sobre a história da ditadura civil-militar no Paraná, por meio da memória autobiográfica de uma militante paranaense. A autora retrata o retorno que Lídia Lucaski faz ao seu passado e como esse relato está entrelaçado pelas análises que Lídia, a protagonista, tece sobre sua militância política. Conradi destaca que, muito mais do que narrar sua trajetória, Lídia problematiza a relação que tem no presente com sua memória, dimensionando sua capacidade de arquivar o passado ou de fazer apropriações das experências vividas.

Este volume da Revista História: Questões & Debates conta ainda com três artigos em sua Seção Livre. “Saber histórico e desenvolvimento das competências de leitura e escrita no currículo oficial do estado de São Paulo”, de Jorge Eschriqui Vieira Pinto, pelo qual o autor argumenta como o saber histórico de sala de aula a partir do desenvolvimento de leitura e escrita pode se tornar uma importante ferramenta cidadã dos alunos. Na sequência, Diogo da Silva Roiz e Tiago Alinor Hoissa Benfica, em “Elza Nadai: a formação da papisa do ensino de História”, apresentam a trajetória intelectual de Elza Nadai, no intuito de visualizar os locais institucionais e as proposições teóricas que edificaram a área de pesquisa de ensino de História. Por fim, no artigo “Estado do conhecimento sobre história da alimentação indígena no Brasil”, Tamiris Maia Gonçalves Pereira, Sônia Maria de Magalhães e Elias Nazareno discutem as recentes abordagens desenvolvidas no âmbito da História da Alimentação, com foco específico na alimentação indígena.

Os organizadores deste Dossiê desejam agradecer a contribuição de autoras e autores na concretização de mais esta edição da Revista, e, sobretudo, a generosidade pela qual as editoras acolheram a nossa proposta.

Uma boa leitura!

Angelo Priori (Universidade Estadual de Maringá)

Marcos Gonçalves (Universidade Federal do Paraná)

Silvina Jensen (Universidad Nacional del Sur)

Organizadores


PRIORI, Angelo; GONÇALVES, Marcos; JENSEN, Silvina. Apresentação. História – Questões & Debates. Curitiba, v.68, n.1, jan. / jun., 2020. Acessar publicação original [DR]

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Narrativas, Direitos Humanos e Formação de Professores de História / História Hoje / 2020

Este Dossiê é uma afirmação das práticas narrativas e da visibilidade das reelaborações de memórias e seus usos no campo da pesquisa no ensino de História. Uma aposta na educação em e para os Direitos Humanos na formação de professores de História com intenções claras de defesa da república e da democracia. Trata-se de um dos resultados dos últimos estudos desenvolvidos no âmbito do Grupo de Pesquisa Subjetividades e (Auto)biografias da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE), que agora ampliamos e fortalecemos os diálogos com as produções científicas nacionais, contribuindo com as redes de estudos e pesquisas que compõem o campo do ensino de História.

A teorização da ligação orgânica entre narrativa, memória e história, mesmo não sendo um campo de estudos recente, permanece fundamental para os campos da História e da Educação, especialmente materializados no ensino de História. Se estes estudos por si só não são novidade, o Dossiê traz uma contribuição substancial para o ensino de História ao ampliar e diversificar as possibilidades que as narrativas fornecem no campo em articulação com a formação e autoformação de professores de História. Leia Mais

História, cidadania e direitos humanos | Diálogos | 2019       

Com alegria, queremos agradecer a revista Diálogos, por aceitar a proposta de realizar um dossiê com o tema “História, cidadania e direitos humanos”.

A história da América Latina e, especialmente, dos países do Cone Sul, é eivada de traços autoritários e de desrespeito aos direitos humanos. Mas, diante deste histórico autoritário, com lutas e resistências, as sociedades latino-americanas vão construindo a sua cidadania, consolidando e ampliando os seus direitos fundamentais e fortalecendo a democracia. Não, sem solavancos, evidentemente. Vejam o caso do Brasil atual. E são esses solavancos que nos impelem a problematizar e pesquisar o tema da cidadania e dos direitos humanos. Estudar e defender os direitos humanos são uma vital necessidade da sociedade atual, como também o é defender o Estado Democrático de Direito, nesta luta incessante pela democracia e pela cidadania. Leia Mais

Gênero, Democracia e Direitos Humanos / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2019

O presente dossiê Gênero, Democracia e Direitos Humanos, edição Número 33 da Fronteiras: Revista Catarinense de História, foi construído a partir dos debates realizados no XVII Encontro Estadual de História, realizado entre os dias 21 e 24 de agosto de 2018, na Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE), em Joinville, Santa Catarina. As problemáticas colocadas nesse encontro nortearam a reflexão acerca dos desafios e possibilidade envolvendo as pesquisas e práticas relacionadas as questões de gênero articuladas à democracia e aos direitos humanos.

Estamos vivenciando, no Brasil, movimentos ultraconservadores que desqualificam e demonizam o feminismo e o gênero, palavras tidas como proibidas, e que tem brutalizado corações e mentes. Ambas, se tem gerado discussões acaloradas, é porque estão no âmbito do político. Projetos inconstitucionais, que aviltam a democracia e os direitos humanos, são apresentados com intuito de eliminar o gênero como categoria de análise nas relações sociais e culturais, bem com destruir políticas públicas arduamente conquistadas e caras a emancipação dos sujeitos históricos. Neste sentido, este dossiê visa refletir e aprofundar pesquisas e debates que abordem o gênero, com enfoque nos direitos humanos, cidadania, emancipação, liberdade, educação, feminismos, preconceitos e violências, promovendo o conhecimento para mudanças de práticas discriminatórias, reconhecendo as mulheres de diferentes gerações, raça, etnia, gênero, orientação sexual como sujeitos de direitos.

O Dossiê é formado sete artigos e duas resenhas. O primeiro artigo, intitulado A televisão como campo de memória e representação social: Documento Especial: Televisão Verdade (1989 – 1995) de Lucas Braga Rangel Villela, procura problematizar as disputas pela memória e de representação a respeito da realidade brasileira após Ditadura Civil-militar. O autor discute, através programa telejornalístico “Documento Especial: Televisão Verdade” da emissora de televisão Rede Manchete, o papel da televisão como instrumento de representação social e de construção de memória coletiva no Brasil no período da redemocratização.

No artigo Mulherio na Constituinte (1985-1987), Cintia Lima Crescêncio e Renata Cavazzana da Silva analisam como o jornal Mulherio (1981-1988) pautou em suas páginas a campanha do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres no período de debates sobre a Constituinte, especificamente nos anos entre 1985-1987. O jornal procurou atuar na tentativa de garantir os direitos e a cidadania das mulheres em meio as disputas políticas e das limitações dos movimentos sociais com o Estado.

O artigo intitulado A luta pela expansão da democracia em Pernambuco nos anos de 1930: o movimento feminista como protagonista, escrito por Emelly Sueny Fekete Facundes e Alcileide Cabral do Nascimento, analisa a atuação da Federação Pernambucana pelo Progresso Feminino (FPPF) na luta pela expansão dos ideais democráticos de igualdade civil, direito ao trabalho e a educação para mulheres na década de 1930. Através de periódicos recifenses que circulavam na época e de relatórios de atividades da FPPF enviado à sua matriz, no Rio de Janeiro, as autoras procuram compreender a importância do movimento feminista na conquista de direitos sociais e na luta pela consolidação da democracia no Brasil.

Em Saúde sexual e saúde reprodutiva no cárcere: uma discussão necessária para garantia de direitos das mulheres privadas de liberdade, Camila Azevedo dos Reis e Luciana Patrícia Zucco, a partir de uma perspectiva interseccional, abordam o acesso à saúde sexual e reprodutiva das mulheres em privação de liberdade no Presídio Feminino de Florianópolis, a partir dos direitos sexuais e direitos reprodutivos. Procurando dar destaque às narrativas das mulheres e profissionais da Instituição o trabalho evidencia como as mulheres presas são tratadas, as violações aos seus direitos e as lutas por condições dignas que atendam as especificidades destas sujeitas.

Já Neide Cardoso de Moura, no artigo intitulado Da educação do campo ao PNLD / campo: do anúncio educacional a denúncia social, apresenta os resultados relativos à pesquisa realizada no ano de 2016, intitulada “Análise das imagens de livros didáticos do Programa Nacional do Livro Didático para a educação do campo, na perspectiva de gênero”. O artigo procura reconhecer os avanços relativos à educação no campo sem deixar de ressaltar os desafios que ainda se colocam para as políticas e os programas educacionais que orientam os rumos da educação brasileira.

No artigo Debates e disputas sobre a legalização do aborto no Brasil: a laicidade na corda bamba, Emilly Joyce Oliveira Lopes Silva e Luciana Patrícia Zucco analisam o processo de legalização do aborto no Brasil a partir da categoria laicidade, com dados coletados na audiência pública do Supremo Tribunal Federal acerca da ADPF442. As autoras partem da discussão sobre aborto e laicidade, analisam os argumentos da audiência pública já citada e discutem as possibilidades da categoria de laicidade para o avanço dos debates sobre a descriminalização do aborto no Brasil.

Por fim, tratando de memórias sobre a primeira fase de escolarização, o artigo Ensino Primário e infância, de Elaine Prochnow Pires, versa sobre memórias de ginasianas do Alto Vale do Itajaí – Santa Catarina, acerca de seu percurso escolar no ensino primário nos tempos dos exames de admissão ao ginásio. Através de entrevistas, a autora evidencia práticas da vida escolar num tempo em que aos alunos e as alunas era aplicada uma prova para prosseguirem seus estudos ginasiais, seleção obrigatória entre os anos de 1931 a 1971. São narrativas que trazem elementos para análise, destacando-se a frequência dos elementos de sentido e a forma como isso reverberou nas narrativas orais e escrita dos sujeitos da pesquisa.

Na Seção Resenha dois trabalhos compõem esta edição. O primeiro é de Isadora Muniz Vieira apresentando o livro do historiador François Hartog, Crer em História, lançado em 2017 no Brasil pela Editora Autêntica. E o segundo trabalho é de Diego José Baccin, tratando do livro Tierras, leyes, história: estudios sobre “La gran obra de la propiedad”, da pesquisadora Rosa Congost. Este livro foi publicado em 2007, pela editora Crítica, em Barcelona, e se encontra em língua espanhola, ainda sem tradução para o português.

No momento em que se fecha este Dossiê, é orquestrado por parte de quem governa o Brasil um acintoso movimento de destruição das conquistas que levaram décadas para se concretizarem, como vários direitos das mulheres, das populações indígenas, quilombolas, populações LGBTI+; bem como a retiradas de direitos trabalhistas e previdenciários. Além desses infortúnios, que recaem sobre as populações mais pobres, violentando-as e negando sua cidadania, os ataques ao ensino público com o contingenciamento de verbas para seu funcionamento são crimes contra o direito dos jovens de terem um futuro menos árduo. A educação pública é direito constitucional garantida na Constituição Cidadã, como o é o direito das crianças e jovens de aprender a refletir e a posicionar-se como sujeito neste mundo e suas relações, reflexões que advém das disciplinas das Ciências Humanas, tão vilipendiadas atualmente. A destruição da pesquisa evidencia retrocessos nunca vistos; a destruição do ambiente é criminosa, dentre outros ataques à democracia, são fatores que contribuem para eliminar o Brasil dentre os países confiáveis para investimentos. Lastimável. As violências contra as mulheres, especialmente as negras, indígenas e pobres, tem-se se exacerbado como práticas de abusos e feminicídios – a liberação do porte de armas trará mais tragédias, e as mulheres são, e serão, as principais vítimas. Não desistiremos das lutas de salvar vidas que importam.

Marlene de Fáveri

Fernanda Arno

Organizadoras do Dossiê Gênero, Democracia e Direitos Humanos


FÁVERI, Marlene de; ARNO, Fernanda. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.33, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Violencia(s), movilidad humana y derechos humanos/Historia y Grafía/2019

El empeoramiento de las condiciones de seguridad en América Latina y el endurecimiento de los controles con fines de seguridad violentan a diario los derechos civiles de la población. El crimen organizado ha ido ganando terreno, junto con la delincuencia común, la cual se ha ido sofisticando hasta convertirse en el brazo armado del narcotráfico. Se observa el crecimiento de pandillas juveniles en diversas zonas de la región, que vulneran a la población civil. La respuesta de los gobiernos es mayor control policial, que por fuerza repercute en violencia y violación de derechos. Leia Mais

Direitos Humanos, História e Memória (1968-2018) / Estudos Ibero-Americanos / 2019

Este primeiro número de 2019 traz o dossiê “Direitos Humanos, Memória e História (1968-2018)”, organizado pelos professores Bruno Groppo (Centre d’Histoire Sociale du XXe Siécle Université Paris I, França) e Tatyana de Amaral Maia (PUCRS). Os materiais nele reunidos revelam a multiplicidade de temas referentes aos direitos humanos e, sobretudo, a sua importância para o exercício da cidadania em regimes democráticos. A própria ideia de direitos humanos surge em associação à compreensão da democracia como regime que garante ao indivíduo plena participação na vida política, reconhecendo o pluralismo de ideias e os direitos de associação e de organização. O dossiê é composto por nove artigos e uma entrevista. Este número também publica na sua Seção Livre três artigos e duas resenhas. Todos os artigos foram submetidos à avaliação no sistema duplo cego.

Os artigos publicados no dossiê trazem as recentes experiências de violação aos direitos humanos, especialmente, durante as ditaduras do Cone Sul, além de discutir as formas com que os Estados democráticos têm lidado com esse passado sensível. Não obstante, também propõem uma reflexão crítica sobre os limites desses mesmos Estados em garantir plenamente o cumprimento dos direitos humanos, tal como definido em suas respectivas Constituições.

A emergência dos regimes democráticos no Cone Sul, a partir dos anos de 1980, não garantiu automaticamente a adoção de uma agenda política voltada para os direitos humanos. Ao contrário, tais países ainda são marcados por graves violações de direitos humanos. A democracia e os direitos subjacentes a ela dependem de uma contínua ação política. Afinal, como propõe Lyan Hunt,

Os direitos humanos só se tornam significativos quando ganham conteúdo político. Não são os direitos de humanos num estado de natureza: são os direitos de humanos em sociedade. Não são apenas direitos humanos em oposição aos direitos divinos, ou direitos humanos em oposição aos direitos animais: são os direitos de humanos vis-à-vis uns aos outros. São, portanto, direitos garantidos no mundo político secular (mesmo que sejam chamados “sagrados”), e são direitos que requerem uma participação ativa daqueles que os detêm (HUNT, 2009, p. 19).

O artigo que abre o dossiê, “Más allá de organizaciones históricas, las figuras emblemáticas y las prácticas reconocidas. Elementos para repensar al movimiento de derechos humanos en la Argentina”, de Emílio Crenzel, traz uma instigante e inédita questão ao debate acerca dos direitos humanos na Argentina, qual seja, a ação de múltiplos atores na construção de uma cultura política de defesa de direitos humanos no país pós-redemocratização. Crenzel demonstra como é fundamental considerarmos o papel dos pequenos grupos organizados, das associações de bairro e dos sindicatos na conformação de uma ação política em busca de justiça e memória acerca das graves violações de direitos humanos cometidas pela última ditadura argentina (1976-1983). A ampla rede que se formou em busca de informações sobre os desaparecimentos forçados também exigiu a punição dos responsáveis pelas violações cometidas, fomentando o engajamento de vários segmentos da sociedade em torno dos direitos humanos. Neste sentido, a construção de uma cultura política positiva em defesa dos direitos humanos dependeu sobremaneira do papel ativo da sociedade organizada em prol desses direitos.

Em seguida, “Uma história social da expertise em direitos humanos: trajetórias transnacionais dos profissionais do direito na Argentina”, de Virgínia Vecchioli, demonstra a importância das redes transnacionais na consolidação de uma expertise acerca dos direitos humanos, que envolveu a intensa participação de advogados e agentes do Estado na configuração de um campo jurídico dedicado ao tema, tornando-se referência nas ações de Justiça de Transição de vários outros países. A ação engajada de advogados e movimentos de direitos humanos promoveu o desenvolvimento de um conhecimento específico sobre o tema, tornando-se fundamentais para a consolidação da cultural política em defesa dos direitos humanos, tal como se observa hoje na Argentina.

O terceiro artigo, “História de violações dos direitos humanos na era Pinochet: sequestros, desaparecimentos forçados e autoritarismo”, das autoras Anna Flavia Arruda Lanna Barreto e Natália Silva Teixeira Rodrigues de Oliveira, analisa o caso de desaparecimento de mulheres e crianças durante a ditadura de Pinochet, no Chile, a partir de dois acervos: o Fundo Clamor e o Arquivos do Terror. A partir desses acervos, as autoras demonstram a participação do Brasil em casos de violação dos direitos humanos praticados pelo regime ditatorial chileno, assim como reforçam as pesquisas sobre as conexões repressivas existentes entre os países do Cone Sul.

O quarto artigo, “Defensa de DDHH en Chile en el contexto transnacional del movimiento de defensa de los derechos humanos, 1973-1990”, de Nancy Nicholls, propõe compreender a construção de uma cultura de direitos humanos alicerçada nas redes de defesa das vítimas do regime Pinochet criada logo após o golpe que destituiu o governo de Allende e que estabeleceu diversas estratégias de ação para proteger as vítimas da ditadura chilena. Tais redes atravessaram as fronteiras nacionais e se constituíram através de um aprendizado prático sobre como atuar diante das ações repressivas empreendidas pelo governo de Pinochet. Para Nicholls, essas redes forjaram um legado para as novas gerações sobre como se organizarem e a relevância das conexões internacionais, tornando-se um importante elemento na configuração de uma cultura de direitos humanos no Chile.

O quinto artigo, “No capítulo dos direitos humanos: Direito, Política e História na Coluna do Castelo (1969- 1973)”, de Lúcia Grinberg, se propõe a investigar a atuação engajada do jornalista Carlos Castello Branco na denúncia de violações de direitos humanos cometidas pelo regime ditatorial brasileiro entre os anos de 1969 e 1973. A autora demonstra as estratégias do jornalista através da análise da sua coluna no Jornal do Brasil, sugerindo que o tema dos direitos humanos atravessava diversas matrizes políticas, favorecendo a construção de laços de solidariedade entre jornalistas, intelectuais e políticos com diferentes posicionamentos ideológicos, porém, engajados na resistência à ditadura.

O sexto artigo, “A democracia em questão: com a fala, as mulheres militantes de esquerda durante a ditadura militar nos anos de 1964 a 1985”, de autoria de Mateus Gamba Torres e Eloísa Pereira Barroso, busca através da história oral compreender o papel das mulheres na resistência à ditadura civilmilitar brasileira, considerando às questões de gênero referentes ao engajamento feminino na luta armada. Os autores têm o cuidado de analisar a ressignificação da participação dessas mulheres na militância ao longo do tempo, investigando como a construção das memórias acerca dessa participação também responde às demandas do tempo presente sobre o passado vivido.

O sétimo artigo, de Caroline Bauer, “Presenças da ditadura e esperanças na Constituição: as demandas da população sobre a prática da tortura”, busca compreender através do projeto “Diga Gente”, como a população, às vésperas da votação da Constituição de 1988, se posicionou diante da tortura. O artigo estabelece, portanto, um diálogo, com a experiência trazida por Crenzel. Se Crenzel demonstra o papel fundamental de diversos grupos na construção de uma cultura política em torno dos direitos humanos através da busca por justiça e pelo direito à memória, Bauer, por sua vez, analisa como no Brasil, a construção da cidadania através da participação popular ocorreu a partir de visões múltiplas sobre o tema. Neste sentido, ao dar voz a esses anônimos, Bauer demonstra a existência de narrativas concorrentes acerca de como lidar com os legados do regime autoritário.

Os dois últimos artigos tratam de temas recentes e de violações de direitos humanos cometidos durante o regime democrático brasileiro. Em “Percepções sobre a violência no processo de estruturação do MST no Nordeste brasileiro (1985-1995)”, Rose Elke Debiasi se dedica ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no período imediato à redemocratização no Nordeste, considerando as especificidades que marcam aquela região. A presença de lideranças sulistas do MST no Nordeste, na tentativa de manter a organicidade do movimento, foi marcado pela inexperiência dos primeiros imigrantes que passaram a conviver com regras de funcionamento distintas das experimentadas no Sul. Para a autora, a violência estrutural que marca a vida campesina no Nordeste, onde a presença de pistoleiros e jagunços faz parte do cotidiano do camponês, amplia os desafios de organização de um movimento social no campo.

O nono e último artigo deste dossiê, retrata um caso recente de violência política que chocou o País e mobilizou diversos organismos de direitos humanos nacionais e internacionais: o assassinato da vereadora Marielle Franco, em março de 2018, que foi amplamente coberto pela imprensa nacional e estrangeira. Em “O corpo que se manifesta na imagem”, Dúnya Pinto Azevedo propõe analisar as imagens produzidas pela imprensa alternativa, através da análise das fotografias produzidas pela Mídia Ninja, que circularam amplamente pela internet. As imagens retratam os protestos ocorridos contra o assassinato da vereadora e que exigiam a identificação dos responsáveis pelo crime e a promoção da justiça. O caso, que até o início deste ano de 2019 continua sem solução, se tornou paradigmático da permanência da impunidade e das violações de direitos humanos que ocorrem diariamente no Brasil.

Para finalizar o dossiê, publicamos a entrevista realizada com o professor Carlos Artur Gallo sobre o seu livro recém-publicado: Um acerto de contas com o passado: crimes da ditadura, leis de impunidade e decisões das Supremas Cortes no Brasil e na Argentina.

Ainda incluímos neste número, três artigos na Seção Livre e duas resenhas. O primeiro da Seção Livre, “La Calidad de la democracia em Honduras, 2014-2018: sistema político, sociedade civil e instituições em perspectiva”, de Carlos Federico Ávila e Carlos Ugo Joo, é dedicado à análise da qualidade do regime democrático, compreendendo as crises políticas recentes e as limitações da democracia hondurenha, incluindo os desgastes no campo político que levam o descrédito da população acerca das formas de exercício da democracia representativa.

O segundo artigo, “¿Pertenece a Chile?”. Civilización y desierto, rentismo y subordinación: la formación del território nacional em el extremo sur del Perú (Tarapacá, 1827-1877)” de Luis Castro Castro e Inmaculada Simón Ruiz, dedicado à construção do território nacional e as múltiplas ações e estratégias na conquista e colonização do extremo Sul do país. A integração do território nacional peruano, conforme propõe os autores, foi realização de forma assimétrica, estabelecendo uma relação de subordinação da região ao governo Central.

O último artigo publicado neste número é “Administração de diretórios partidários e ação política de elites provinciais no Brasil do Segundo Reinado: a implantação do Centro Liberal e suas implicações no funcionamento do Partido Liberal na Província do Paraná (1868-1889)”, de Sandro Gomes, que propõe analisar as relações entre o Partido Liberal na província do Paraná e o diretório nacional, revelando a manutenção da sua relativa autonomia frente ao diretório nacional.

Ao final do número, duas resenhas fecham a edição. A primeira, de Rodolpho Gauthier Cardoso dos Santos, sobre o livro de Jorge Nállim dedicado ao antiperonismo. E a segunda, de Cláudia Castello, sobre o recente livro publicado por Alexandre Valentim acerca da crise do Império português.

Tal como já é usual na revista, reunimos pesquisadores de diferentes IES nacionais e estrangeiras no intuito de divulgar pesquisas inéditas e de elevado nível acadêmico acerca do mundo ibero-americano. Esperamos que tais artigos contribuam com os diversos campos das Ciências Humanas dedicados à IberoAmérica e instiguem novas pesquisas.

Referência

HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos. Uma História. Trad. Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Tatyana de Amaral Maia – Editora da Revista Estudos Ibero-Americanos. Professora da Escola de Humanidades e do PPGH / PUCRS. Pós-Doutorado em História pela Universidade do Porto. Doutorado em História / UERJ. E-mail: [email protected]  https: / / orcid.org / 0000-0002-1558-2192

Luciana Murari – Editora executiva da Revista Estudos Ibero-Americanos. Professora da Escola de Humanidades e do PPGH / PUCRS. Pós-Doutorado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Doutorado em História Social USP, 2002. E-mail: [email protected]  https: / / orcid.org / 0000-0003-1517-1016


MAIA, Tatyana de Amaral; MURARI, Luciana. Editorial. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v. 45, n. 1, jan. / abr., 2019. Acessar publicação original [DR]

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Educação e Direitos Humanos: perspectivas e desafios | Escrita da História | 2019

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948 pela Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), assegura os direitos fundamentais de todos os seres humanos – independentemente da etnia, das escolhas religiosas, do gênero, da classe etc. –, por meio de um corpus articulado às Constituições dos diferentes Estados nacionais. Dessa forma, o ensino e a educação eram considerados instrumentos de promoção das garantias e do respeito às liberdades afiançadas por esta Declaração. Duas décadas depois, a Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou a Convenção Americana de Direitos Humanos, que tinha como propósito respeitar os direitos e as liberdades dos cidadãos dos países-membros da OEA. Dentre as recomendações estabelecidas estava que os Estados membros deveriam promover a educação, a ciência e a cultura como uma forma de fundamentar a democracia e o pleno desenvolvimento social e econômico.

No caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988 garante o direito ao ensino e à educação e assegura a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a arte e o saber. Apesar de a educação ser um direito humano assegurado nacional e internacionalmente, ela não está protegida de ataques constantes advindos de grupos reacionários. Nos últimos anos, determinados setores sociais lançaram uma agenda conservadora com o propósito de moralizar e destruir o sistema educacional brasileiro. Com o atual governo autoritário, estes grupos aumentaram seus ataques ao ensino nacional. Leia Mais

História – cidadania – direitos humanos / Diálogos / 2019        

Com alegria, queremos agradecer a revista Diálogos, por aceitar a proposta de realizar um dossiê com o tema “História, cidadania e direitos humanos”.

A história da América Latina e, especialmente, dos países do Cone Sul, é eivada de traços autoritários e de desrespeito aos direitos humanos. Mas, diante deste histórico autoritário, com lutas e resistências, as sociedades latino-americanas vão construindo a sua cidadania, consolidando e ampliando os seus direitos fundamentais e fortalecendo a democracia. Não, sem solavancos, evidentemente. Vejam o caso do Brasil atual. E são esses solavancos que nos impelem a problematizar e pesquisar o tema da cidadania e dos direitos humanos. Estudar e defender os direitos humanos são uma vital necessidade da sociedade atual, como também o é defender o Estado Democrático de Direito, nesta luta incessante pela democracia e pela cidadania.

As pesquisas aqui apresentadas vão ao encontro destas inquietações. Neste dossiê são dez artigos. Três de pesquisadores argentinos e sete de pesquisadores brasileiros. Mas todos dialogando entre os temas e as questões apresentadas. A ordem dos artigos, quando possível, foi organizada cronologicamente.

No primeiro artigo, intitulado “Regulaciones sobre filiación y familia en la definición de los derechos ciudadanos entre fines de siglo XIX y principios de siglo XX (Argentina, Chile, Uruguay)” de Florencia Paz Landeira e Valeria Llobet, as autoras fazem uma revisão explicativa da literatura sobre os debates acerca da família, casamento e filiação na Argentina, Chile e Uruguai, na temporalidade especificada no título do artigo. E com densa reflexão, questionam os diferentes mecanismos legais – e os argumentos em que se baseiam – através dos quais as demarcações entre o público e o privado, o político e o íntimo, o natural e o social foram estabelecidos e regulados.

No artigo “Cultura e política no Brasil republicano: uma reflexão sobre as permanências autoritárias”, Carla Reis Longhi, preocupada com a onda conservadora que atualmente vem assolando diferentes países e regiões do mundo contemporâneo, faz importantes ponderações sobre as práticas culturais e suas permanências, principalmente as permanências autoritárias, no contexto da realidade brasileira. Como a própria autora destacou, refletir sobre a cultura é “sempre difícil em função de sua enorme abrangência, temporal e temática”, sendo assim, ela tomou como referência analisar a visão que estratos da intelectualidade brasileira apresentaram sobre as camadas populares ao longo da história republicana brasileira, tomando como recorte cronológico os anos 1920-2000. No percurso analítico deste período histórico, Longhi identificou o conceito de cultura que prevaleceu em cada período e como este afetou o olhar da intelectualidade sobre a produção cultural popular.

No artigo seguinte, de Márcio José Pereira e David de Castro Netto, “A ‘constitucionalização da violência’ em tempos de autoritarismo: violência de Estado e direitos humanos no Brasil”, os autores analisam o tratamento dos direitos humanos nos dois momentos de autoritarismo vividos no Brasil, na ditadura do Estado Novo (1937-1945) e durante a ditadura militar (1964-1985). Durante estes dois períodos históricos foram estabelecidos regimes políticos de exceção e uma das aproximações entre essas duas ditaduras foi que os regimes arquitetaram um conjunto jurídico que visava garantir a ação repressiva do Estado (as Constituições de 1934, 1937, 1967 e os Atos Institucionais) mantendo um conjunto significativo da população sob vigilância. Esta legislação procurou legalizar atos de exceção que aconteciam ao arrepio da lei (torturas, mortes, desaparecimentos, sequestros), fornecendo uma “maquiagem” que procurava manter a ação do Estado “dentro da lei”.

Já Marion Brepohl, em seu artigo intitulado “Ernesto Kroch e a memória do exílio: entre Uruguai e Alemanha (1934-1984)” analisa a trajetória de Ernesto Kroch (1917-2012), um ativista político judeualemão que se exilou no Uruguai a partir de 1938, logo após ter sido preso pelos nazistas no campo de concentração de Lichtenburg. Desde sua chegada ao Uruguai, Kroch trabalhou como metalúrgico e atuou no Partido Comunista. Com o golpe de 1973, viveu um período na clandestinidade, mas se viu obrigado a deixar sua segunda pátria e retornar à Alemanha, por um período de quatro anos. Regressando ao Uruguai, voltou a trabalhar como metalúrgico e como tradutor. Tomando como referência o livro de memórias escrito por Kroch, Marion Brepohl analisa as duas experiências de exílio do ativista, destacando os processos de construção da memória no exílio.

No artigo “Acción colectiva frente a la violencia estatal argentina (1976-2001). Derechos Humanos, estrategias repertoriales y tácticas de visibilización”, os autores Marianela Scocco e Sebastián Godoy analisam um conjunto de movimentos sociais artísticos que se organizaram para lutar por direitos humanos e protestar contra a violência do estado. Tomaram como referência de suas análises a cidade de Rosário, na Argentina, em dois momentos específicos: a) a década de 1980, onde vários movimentos sociais se organizaram na luta por direitos humanos, com destaque para um movimento conhecido como siluetazo, que se tratava de vários desenhos artísticos realizados nas ruas e em muros, com as siluetas dos corpos de desaparecidos políticos; e b) a década de 1990, a partir da experiência de atuação do grupo HIJOS (Hijos e Hijas por la Identidad y la Justicia contra el Olvido y el Silencio). Este grupo se mobilizou diante da sensação de retrocesso durante a tentativa de aplicação das leis do Punto Final (1986) e da Obediencia Devida (1987) e dos indultos outorgados pelo presidente Carlos Menen (1989-1990). Em resposta a tudo isto, organizaram algumas manifestações midiáticas contra o estado de violência, como por exemplo os chamados “show del horror” e “show de la impunidad”, que geraram diversas controversias na opinião pública e um “grande mal estar para alguns agrupamentos de direitos humanos”, como enfatizam os autores.

Reginaldo B. Dias, no artigo “A Ação Popular (AP) nos processos judiciais reunidos pelo Projeto ‘Brasil: Nunca Mais’” analisou os processos judiciais (Inquéritos Policiais Militares – IPMs) patrocinados pelo Estado brasileiro após a instauração da ditadura militar de 1964 e conduzidos pela Justiça Militar, que atingiram a organização política Ação Popular (AP) nas décadas de 1960 e 1970. Na análise destes processos o autor desvela o modus operandi da organização política (AP), bem como a complexidade do sistema judiciário constituído para tramitação dos processos gerados por supostos crimes contra a segurança nacional. Neste sentido, Dias ressalta que esses processos permitem entrever o “complexo jogo entre a dimensão formal do sistema judiciário e as práticas de terror de Estado”, o que proporciona ao leitor compreender a lógica e as diferentes dimensões do sistema autoritário brasileiro durante a Ditadura Militar.

Também analisando um Inquérito Policial Militar (IPM), Leandro Brunelo e Angelo Priori, no artigo “Mecanismos jurídicos e repressão política do Estado, durante a ditadura militar brasileira: o caso do IPM 745 no Paraná e o desrespeito aos direitos individuais”, buscaram compreender como o Estado brasileiro, durante a Ditadura Militar (1964-1985), se apropriou de dispositivos legais para legitimar as suas ações punitivas e jurídicas contra a oposição política, em especial, contra os militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Neste sentido, esmiuçaram o Inquérito Policial-Militar 745 (IPM 745), que apurou o envolvimento dos comunistas na reorganização do partido no Estado do Paraná, sul do Brasil. Além do IPM citado, os autores também utilizaram como fonte de pesquisa o Relatório Especial de Informações 1/75, da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS), para destacar a importância dos trabalhos da polícia política, no afã de combater o avanço do comunismo.

Por conseguinte, Luciano Alonso, em “Clases sociales y movilización pro derechos humanos en la historia Argentina reciente” traz importantes reflexões sobre a luta por direitos humanos na Argentina atual. Neste artigo o autor propõe uma abordagem para a identificação de atribuições de classe dos membros dos movimentos de direitos humanos naquele país do Cone Sul. Observa, neste sentido, que há uma integração poli-classista do movimento social, que se concentra no domínio de sua liderança e na composição de membros da classe média e, às vezes, mais especificamente das classes de serviço. Partindo desta observação, são discutidas algumas dimensões subjacentes do conceito de “classe social”, para depois, tomando como referências diversas pesquisas atuais, descrever a composição de diferentes organizações de direitos humanos. Finaliza o artigo destacando que embora a atribuição de classe não tenha sido decisiva para a composição do movimento por direitos humanos, lançou as bases para uma cultura política compartilhada e para a adoção de repertórios de discurso e ação.

Ozias Paese Neves, no artigo intitulado “A trajetória dos primeiros embates do Movimento PróParticipação Popular na Constituinte — MPPC (1985-1988): afetos e temores na ‘transição política’”, analisa a atuação do Movimento Pró-Participação Popular na Constituinte (MPPC), durante os trabalhos do Congresso Nacional para a elaboração da Constituição Federal de 1988, atualmente em vigor no Brasil. Para este texto, tomou como referência as cartilhas elaboradas por diferentes grupos sociais durante o período da constituinte, para analisá-las sob o prisma da História Cultural da Política de Thomas Mergel e dos estudos sobre os sentimentos na história de Pierre Ansart. Assim sendo, revelou o conflito discursivo e as disputas políticas numa época conhecida no Brasil como “de transição” e que representou a passagem da Ditadura Militar para um regime democrático e constitucional.

O último artigo do dossiê foi escrito por Charles Monteiro e Carolina Martins Etcheverry e se intitula Fotografia e cultura visual nas ditaduras latino-americanas (1960-1980). Neste artigo os autores analisam o modo como o campo fotográfico se formou na América Latina, entre os anos 1960 e 1980, em especial nos países que passaram por golpes militares. Especificamente, centram seus esforços de análise no Brasil, na Argentina e no Chile, procurando compreender a relação entre fotografia e memória a partir dos variados papeis que a imagem assume. Como os leitores poderão observar, a fotografia pode funcionar como denúncia ou como instrumento político, sendo engajada socialmente, formando tanto um espaço público contrário à Ditadura como, quando operada por órgãos oficiais do governo, forjando uma imagem positiva deste ou servindo como dispositivo de vigilância.

Como se pode perceber, os artigos do dossiê abordam uma variedade de facetas e evidências relacionadas com o tema que nos ocupa. No momento em que a região registra fortes retrocessos nos direitos sociais e nas políticas de memória, verdade e justiça em relação às graves violações de direitos ocorridas na história recente, é conveniente fortalecer o conhecimento das lutas pela preservação e pela consciência de que os direitos humanos são construções sociais sempre instáveis e, por isso mesmo, necessita de defesa.

Queremos agradecer aos editores, aos pareceristas brasileiros e estrangeiros e aos autores, fundamentais para a realização deste dossiê e deste número da revista Diálogos. E desejamos boa leitura aos nossos leitores!

Angelo Priori –  Universidade Estadual de Maringá, UEM, Brasil. E-mail: [email protected].

Luciano Alonso –  Universidad Nacional del Litoral, UNL, Argentina. E-mail: [email protected] .

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Direitos Humanos & Relações Internacionais: os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos | Monções – Revista de Relações Internacionais | 2018

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi adotada pela Assembleia Geral da então recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948. Em 2018, o documento mais traduzido do mundo completa 70 anos, propiciando-nos oportunidade de reflexão sobre as principais transformações e novos desafios que cercam a realidade internacional dos direitos humanos. Por isso, a Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD, ao lado da ONU Brasil, apresenta o Dossiê “Direitos Humanos & Relações Internacionais: Os 70 Anos Da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948-2018)”.

Há 70 anos, quando foi adotada, a DUDH trazia o propósito declarado de ser uma carta de direitos internacional, ou o que mais próximo haveria de uma constituição internacional, nos moldes do que haveria sido proposto na Pax Perpetua de Kant. Apesar de não ser vinculante e de ter sido concebida antes da independência de vários países asiáticos e africanos, a DUDH logrou o feito, sem precedentes, de traçar um horizonte comum, e necessariamente compartilhado, para a sociedade mundial. Sua importância para a globalização do direito e da política e para a estruturação do direito internacional dos direitos humanos é inegável. O trajeto percorrido desde a adoção da DUDH revela que muito do que atualmente goza de relativo reconhecimento e aceitação normativa, como a universalidade, indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos, foi fruto de uma laboriosa – e imprescindivelmente política – construção. Leia Mais

Ensino de História, Direitos Humanos e Temas Sensíveis / História Hoje / 2018

Durante muito tempo a história ensinada se manteve afastada de questões polêmicas e priorizou temas consagrados, de preferência bem distantes no tempo e no espaço, pelo receio de gerar certos constrangimentos ou simplesmente de posicionar-se, assumindo o caráter eminentemente político de sua prática. Com isso, perpetuaram-se as estratégias de não abordar a história mais recente, de evitar temas que envolvessem memórias em disputa e de não expor abertamente injustiças cometidas contra pessoas ou grupos inteiros.

A história no espaço escolar evitou temas delicados, controversos e sensíveis, porque envolve a violação de direitos e pode revelar as disparidades entre o que é assumido como memória pública e o que se discute internamente nos espaços de sociabilidade. Em alguns casos, tem receio de tomar partido em questões políticas e em lidar com processos inacabados que envolvem pessoas vivas e ativas na arena política e social. No entanto, o contexto atual tem desafiado a escola e o componente curricular de história a se posicionar diante das desigualdades e injustiças sociais vivenciadas pelas crianças, jovens ou seus familiares. E de certo modo, o ensino de história tem se tornado um lugar de resistência ao enfrentar o desafio de educar para a defesa dos direitos humanos. O papel do ensino de história é ensinar a conviver com a diversidade e a se posicionar no mundo. Leia Mais

Arquivos e Direitos Humanos / Revista do Arquivo / 2017

Finalizo com as palavras de Santo Agostinho: “A esperança tem duas filhas queridas: a indignação e a coragem. A indignação nos ensina a recusar as coisas como estão e a coragem, a mudá-las”. Continuamos a lutar!

Margarida Genevois

No próximo ano se comemorará os 70 anos da Declaração dos Direitos Humanos proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de dezembro de 1948, que advoga uma norma comum a ser alcançada “por todos os povos e nações”. Para nós, a comemoração deve ter sentido de reflexão e debate, pois as razões que a motivaram permanecem, agregadas pelas demandas postas pelas mudanças socioculturais nesses 70 anos.

O tema direitos humanos se pretende universal, mas as abordagens possíveis são tantas quantas as possibilidades de apropriação ideológica dele. Há quem não ultrapasse a generalidade pueril que enxerga essa bandeira como um discurso acima da política e das classes sociais. Há quem defenda a prática da tortura como válida em nome da “democracia e do progresso” e que o extermínio de “bandidos” não é assunto de direitos humanos. Há outros que concebem os direitos humanos como cidadela da propriedade privada e do conceito de indivíduo genérico, portanto, não histórico, a justificar práticas de terrorismo de Estado com suas artilharias de ogivas ou de mercadorias contra povos inteiros.

Encontrar-se-ão várias nuances em torno do conceito de direitos humanos nos artigos e textos desta Revista, mas, em todos eles nota-se a adoção do conceito na perspectiva da luta contra o terror da tortura, contra a violência nua do Estado ou em defesa dos seres humanos mais vulneráveis, submetidos às mais vis crueldades, porém, sem qualquer visibilidade social. Em suma, os direitos humanos como campo de luta contra a barbárie.

De qualquer forma, tratar desse tema é sempre oportuno e necessário, afinal, continuamos a conviver com guerras regionais e com o terror da guerra total, atômica, hidrogenada e convencional. Bombardeios por Estados “democráticos”, “desenvolvidos” e “civilizados” a povos que, de alguma forma se contrapõem à lógica estrita dos impérios do capital. No mundo capitalista globalizado, permanece a massacrante concentração de renda e de riqueza nas mãos de um punhado de afortunados, geradora de misérias, de deslocamentos humanos maciços, desestruturados e até letais

Governos pelo mundo afora alimentam esse caos humanitário contemporâneo com combustível inflamável das políticas que quebram direitos econômicos e sociais duramente conquistados; restringem verbas para as atividades humanas mais elementares, como alimentação, saúde e educação, sempre em prol da acumulação financeira insaciável.

As rebeliões sangrentas nos presídios brasileiros superlotados e a persistente violência policial, com práticas de tortura, geradoras de mais violência social, são apenas expressões visíveis de uma sociedade assentada na desigualdade e na violência estruturada e institucional.

De qualquer modo, a propositura dos direitos humanos, sob quaisquer perspectivas, continua sempre atual e dependente dos arquivos, desde que foi sugerida. Como afirma Paulo Sérgio Pinheiro, “não existe avanço linear em direitos humanos, há retrocessos e progressos, é quase um jogo de xadrez”.

Não obstante a polêmica em torno das práxis e do conceito de direitos humanos, são os arquivos e os arquivistas elementos indispensáveis para se trazer à tona evidências e provas de atrocidades empreendidas por organizações estatais e civis em quaisquer partes e circunstâncias.

E esta edição da Revista do Arquivo convoca o leitor para um olhar especial sobre a luta da Comissão Teotônio Vilela como exemplo de abnegação, coragem e prática de quem não espera respostas, mas as praticam diante dos gritos de dor que ecoam de corpos e mentes destroçados sem qualquer amparo. Depois do seminário e da exposição, a nossa Revista já anima a outra vida da CTV, conforme definiu José Gregori: “Com a guarda dos documentos no Arquivo, a Comissão Teotônio Vilela começa a ter uma outra vida. Teve a vida real e agora terá a vida contada, que eu sei que os pesquisadores têm muita curiosidade de saber como foram esses anos de ditadura e sabem que a Comissão Teotônio Vilela exerceu um papel importante”.

Boa leitura!

Marcelo Antônio Chaves


CHAVES, Marcelo Antônio. Editorial. Revista do Arquivo, São Paulo, Ano III, n.5, outubro, 2017. Acessar publicação original [DR]

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História, Politica, Direitos Humanos na Contemporaneidade (Parte 1) / Tempo Amazônico / 2017

É com muita alegria que temos a publicação de mais um número da Revista Tempo Amazônico ligada a Associação Nacional de História Regional do Amapá. Com o intuito da divulgação de textos de cunho historiográficos e de outras áreas do conhecimento que ofereçam subsídios teóricos e metodológicos dos assuntos ligados as humanidades. Este número conta com textos dos mais variados assuntos. A presente edição da revista tem como dossiê intitulado “História, Politica, Direitos Humanos na Contemporaneidade (Parte 1)”. Foi organizado pelo Prof. Dr. Marcos Vinicius de Freitas Reis, vinculado a Universidade Federal do Amapá e o Prof. Dr. Marco Antônio Domingos Teixeira, vinculado a Universidade Federal de Rondônia.

O primeiro texto desta edição foi escrito pelo pesquisador Aldeci da Silva Dias com o texto chamado “O Credo na Escola: A Negação dos Direitos Humanos na Prática Pedagógica dos Professores de Ensino Religioso nas Escolas Estaduais José de Alencar e Deuzuite Cavalcante Macapá –AP”. A discussão feita é a respeito das razões pelas quais o debate acerca dos direitos humanos não tem sido feito nas aulas de ensino religioso em duas escolas da cidade de Macapá do Estado do Amapá. O autor chama atenção para a questão da intolerância religiosa, racismo religioso e proselitismo religioso como fatores que dificultam que as aulas de ensino religioso não estejam conectadas com uma proposta de educação para os direitos humanos.

Os pesquisadores Ângela do Céu Ubaiara Brito, Izaias Loureiro Tavares e a Eliana do Socorro de Brito Paixão com o artigo denominado “Acesso de Indígenas ao Ensino Superior da Universidade do Estado do Amapá: Estudos e Notas sobre o uso da Internet e suas Tecnologias”. O tema trabalhado é muito interessante e muito atual. A problematização feita é pensar como está sendo o acesso dos indígenas do Amapá e de outras regiões ao ensino superior na universidade estadual do Amapá. A tecnologia tem sido um instrumento para poder pensar esta questão.

O mestre em ensino de História pela Universidade Federa do Amapá, o docente Danilo Sorato Oliveira Moreira contribui com esta edição com o título “As Perspectivas da Política Externa de Bolsonaro: A Continuidade com a Nova Política Externa Brasileira”. Debate muito instigante e atual. Com a eleição do presidente Jair Bolsonaro houveram modificações sensíveis as diretrizes da atuação da política externa brasileira. O referido autor pontua estas mudanças e a repercussão internamente no Brasil e em relação a outros países e atores internacionais.

Os autores Diego Saimon de Souza Abrantes e Hillary Patrizya Maciel Rodrigues tentam compreender os fatores que levam algumas mulheres não adotarem a plataforma feminista na sua atuação política. O texto rotulado “A Concepção de Mulheres Acerca do Feminismo: Fatores que Influenciam na não Participação deste movimento”. Tema contemporâneo e que levanta o debate da necessidade de maior participação das mulheres nas decisões políticas do Brasil.

O pesquisador Humberto Silvano Herrera Contreras com o trabalho “Mídias e Tecnologias na Formação Humana: Reflexões de Zygmunt Bayman sobre a Educação” em termos de ampliação dos usos das redes sociais as questões digitais afetam as relações interpessoais. A partir das reflexões de Bayman o autor discute como tem se dado as relações entre as pessoas nas plataformas digitais.

As questões sobre religião e política também se fazem representadas nesta edição. A cada ano que passa as religiões interferem cada vez mais no espaço público. Poucos são os trabalhos que discutem esta relação nos estados do Acre e do Amapá. O texto intitulado “Religião, Política e Fronteira: Revisão Histórica da Presença do Catolicismo nos Estados do Acre e do Amapá” escrito pelos pesquisadores Marcos Vinicius de Freitas Reis, Geórgia Pereira Lima e Kássio Vilhena oferecem informações históricas e da atualidade sobre a presença dos grupos religiosos na política em seus respectivos estados.

O professor do curso de Direito da Universidade Federal do Amapá Roberto José Nery Moraes escreve o trabalho “Paradigmas do Racismo Religioso: Aprendizagem, Reprodução e Prática do Racismo Religioso”. Conceitua o que seria racismo religioso e sua tipologia.

A discussão sobre a relação entre mídia e religião está presente neste número. Paulo Vitor Giraldi Pires com o trabalho “O Jornalista da Religião: Rompendo paradigmas da comunicação eclesial midiática” vem detalhando como as instituições religiosas tem construído suas próprias mídias para difusão de seus valores religiosos.

As doutoras Maria da Conceição da Silva Cordeiro e Silvia Carla Marques Costa com o texto “O Vivido Etnográfico: Combinação de Sentidos e Significados entre a Observação Participante e a Captura de Imagens”. Dissertam como a partir do método científico da etnografia conseguem apreender informações das comunidades ribeirinhas, indígenas, quilombola, terreiros e outros agrupamento de pessoas.

E por fim, Adriel Gonçalves Sousa das Neves, Bruno Borges Moura, Wanildo Figueiredo de Sousa contribuem com o trabalho “Educação Falaciosa: Uma Análise Crítica ao Dualismo Educacional Desde a Antiguidade até a Contemporaneidade” discutem o papel da educação no curso da História.

Boa leitura!

Marcos Vinicius de Freitas Reis (UNIFAP)

Marco Antônio Domingos Teixeira (UNIR)


REIS, Marcos Vinicius de Freitas; TEIXEIRA, Marco Antônio Domingos. Apresentação. Tempo Amazônico, Macapá, v.4, n.2, 2017. Acessar publicação original [DR]

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História, Politica, Direitos Humanos na Contemporaneidade (Parte 2) / Tempo Amazônico / 2017

É com muita alegria que temos a publicação de mais um número da Revista Tempo Amazônico ligada a Associação Nacional de História Regional do Amapá. Com o intuito da divulgação de textos de cunho historiográficos e de outras áreas do conhecimento que ofereçam subsídios teóricos e metodológicos dos assuntos ligados as humanidades. Este número conta com textos dos mais variados assuntos. A presente edição da revista tem como dossiê intitulado “História, Politica, Direitos Humanos na Contemporaneidade (Parte 2)”. Foi organizado pelo Prof. Dr. Marcos Vinicius de Freitas Reis, vinculado a Universidade Federal do Amapá e o Prof. Dr. Marco Antônio Domingos Teixeira, vinculado a Universidade Federal de Rondônia.

Começamos o nosso dossiê como texto “Fatores Causadores das Dificuldades da Vida Acadêmica dos Indígenas do Parque do Tumucumaque: Impactos, Costumes e Convívio Social”, escritos por Fábio Richard Pereira da Silva e Wanildo Figueiredo de Sousa. A ideia é pensar as dificuldade que os alunos indigenas do Amapá possuem para ter acesso a algum curso nas insituições de ensino superior no Estado do Amapá.

A docente Tatiana Pantoja Oliveira com o texto “De Ponto em Ponto no Tracejado da Cultura Escolar da Escola Doméstica de Macapá (1951-964)”, traz dados históricos e levantamento bibliográfico para pensar como se deu a educação doméstica no município de Macapá na Escola Estadual Santina Rioli.

O próximo texto escrito pelos pesquisadores César Alessandro Sagrillo Figueiredo e Samuel Correa Duarte com o trabalho “O Modelo da Gênese Formativa da União das Repúblicas Socialista Soviética (URSS): Estudos Teóricos e Legado Político”. O trabalho tem por objetivo a partir deste enfoque histórico analisar as causas formativas da URSS e seus desdobramentos.

O debate em torno do racismo religioso e da intolerância religiosa é contemplado pelo artigo “Paradigmas do Racismo Religioso: Aprendizagem, Reprodução e Prática do Racismo Religioso”, escrito pelo docente do curso de Direito da Universidade Federal do Amapá Roberto José Nery Moraes.

Humberto Silvano Herrera Contreras com o artigo intitulado “A Responsabilidade Social em Paulo Freire”, discute como o exímio autor Paulo Freire entende a questão social aplicado a educação. Sabemos que o social parte do pressuposto de colocar indivíduo que é marginalizado pelas práticas capitalistas como centro do debate em torno das políticas públicas.

Os Pesquisadores Eronilson Mendes de Sousa, Osiane Fernandes Do Vale De Sousa e Larissa da Silva Barbosa Raiol com o trabalho rotulado “A influência das redes sociais e dos jogos eletrônicos no comportamento e aprendizagem dos alunos da shb e a inserção de novas metodologias”, discutem como que os jogos eletrônicos e as redes sociais podem ajudar como metodologia ativa no ensino e na aprendizado nas escolas públicas e privadas do Brasil.

A questão da saúde metal tema atual e importante de ser trabalhado. Os autores Daniela dos Santos Azevedo, Diego Saimon de Souza Abrantes e a Beatriz Maciel Santos com o trabalho denominado “Transtornos Mentais em Policiais Militares: Um Estudo Documental” mostram como que as questões psicológicas tem afetado o cotidiano da classe trabalhadora dos policiais militares.

O debate em torno da conversão pentecostal, o sentimento de pertencimento a um grupo religioso vinculado a teologia evangélica e como estes jovens permanecem com esta experiência religiosa, são trabalhados no artigo “Narrativa do Testemunho Pentecostal: Quem tem Autoridade de Testemunhar?”, escrito pelos alunos Cleiton de Jesus Rocha e Arielson Teixeira do Carmo.

A problemática do ensino religioso tem espaço nesta edição. As pesquisadoras Nancy Pereira da Silva e Mônica de Oliveira Costa com o texto “A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias: Um Espaço Sagrado a ser Compreendido na Cidade de Manaus”. Pensar como os espaço sagrados podem gerar conteúdos e metodologias para que o professor possa trabalhar em sala de aula.

O docente Alysson Brabo Antero com o texto “Catolicismo Negro na Amazônia: O Festejo â Santíssima Trindade Durante o Ciclo do Marabaixo em Macapá – AP”. O texto mostrar histórico e os aspectos ritualísticos e litúrgicos do ciclo do Marabaixo no Amapá.

E para finalizar esta edição o Prof. Marcos Vinicius de Freitas Reis, os decentes: Nelson Mateus Machado dos Santos e Jordan Silva da Costa entrevistaram o padre Sisto da Diocese de Macapá, militante da Pastoral da Terra. A entrevista Intitulada “ Pastoral da Terra: a religião como meio da proteção da terra”.

Boa leitura!

Marcos Vinicius de Freitas Reis (UNIFAP)

Marco Antônio Domingos Teixeira (UNIR)


REIS, Marcos Vinicius de Freitas; TEIXEIRA, Marco Antônio Domingos. Apresentação. Tempo Amazônico, Macapá, v.5, n.1, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Direitos humanos e relações internacionais | Monções – Revista de Relações Internacionais | 2014

Os direitos humanos são um tema marginal na área de Relações Internacionais no Brasil. Apesar da inegável proliferação de mecanismos, instrumentos e debates políticos internacionais a partir do fim da Guerra Fria, o tema, de certa forma, permanece negligenciado nas principais publicações brasileiras na área, em seus principais congressos e nas grades curriculares tanto em nível de graduação quanto em nível de pós-graduação.

Entretanto, essa não parece ser uma tendência inexorável. Observando com maior cuidado a produção sobre direitos humanos em Relações Internacionais, especialmente em nível de pós-graduação e entre jovens doutores, nota-se um interesse crescente das pesquisas pelos atores e processos envoltos nos debates internacionais sobre direitos humanos. Um dos principais propósitos da Monções com esse dossiê sobre Direitos Humanos & Relações Internacionais, praticamente inédito no Brasil, é funcionar como uma plataforma para aglutinar tais pesquisas e promover um debate mais sistemático sobre esse assunto dentro do campo de Relações Internacionais. Leia Mais

Direitos Humanos, História e Cidadania / Projeto História / 2014

A discussão sobre os Direitos Humanos é vasta e pode ser proposta por diferentes caminhos e áreas do conhecimento. Podemos tomar os Direitos Humanos em sua dimensão conceitual, buscando compreender o que lhe definiu em sua formação; podemos tomar os direitos em seu percurso histórico, analisando diferentes contextos, buscando compreendê-los na relação com as questões próprias da condição humana no tempo / espaço recortados refletindo, assim, não só sobre as especificidades de cada tempo, bem como, sobre as problemáticas do mesmo tempo em diferentes espaços. Podemos, ainda, analisar como os diferentes Estados articularam a questão dos direitos em seu aparato jurídico-legal ou como foram apropriados por suas populações na vivência cotidiana, na ponderação sobre costumes e direitos. Estes encaminhamentos, entre muitos outros, demonstram a riqueza, complexidade e atualidade do tema.

Fábio Konder Comparato (2010), ao ponderar sobre a ‘afirmação histórica dos direitos humanos’ foi buscar na antiguidade clássica o nascimento desta ideia, em seu entendimento conceitual, identificando-a com a construção da noção de pessoa. Apropriamo-nos de sua citação de Ésquilo ao se referir a Prometeu:

Ouça agora as misérias dos mortais e perceba como, de crianças que eram, eu os fiz seres de razão, capazes de pensar. Quero dizê-lo aqui, não para denegrir os homens, mas para lhe mostrar minha bondade para com eles. No início eles enxergavam sem ver, ouviam sem compreender, e, semelhantes às formas oníricas, viviam sua longa existência na desordem e na confusão(…). Faziam tudo sem recorrer à razão, até o momento em que eu lhes ensinei a árdua ciência do nascente e do poente dos astros. Depois, foi a vez da ciência dos números, a primeira de todas, que inventei para eles, assim como a das letras combinadas, memória de todas as coisas, labor que engendra as artes. (Ésquilo apud COMPARATO, 2010, p.14).

O trecho elucida a visão mítico-religiosa sobre a pessoa, aspecto este fundamental mas que aqui não será aprofundado e elucida, também, a passagem para a visão filosófica, destacando o momento de diferenciação humana, pela apropriação do conhecimento e a capacidade de elaboração racional. Vemos que a reflexão era cara aos gregos e base para a discussão sobre a condição humana, moldada pela articulação entre o percurso de construção da autonomia humana e sua condição racional. Esta associação calcada, então, no princípio da racionalidade, instituiu a ideia de uma essência comum à pessoa, um fundamento igualitário, que se mostrou uma base segura para a posterior construção da noção de direitos. Assim, os seres humanos, através da razão que lhes possibilita autonomia, se diferenciam dos outros seres e se equivalem entre si. O princípio da igualdade é definido e sobre este aspecto nos interessa, fundamentalmente, a unidade possibilitada pela razão, independentemente das celeumas criadas a partir da discussão sobre as características da mesma, que gerou as vertentes dos inatistas e empiristas e a posterior crítica de Immanuel Kant a ambos.

Ao mesmo tempo, a condição de autonomia pressupõe a vontade e, logo, a liberdade, dois outros aspectos constituintes da condição humana, anunciando assim, a demarcação do princípio da liberdade. Temos aqui, inicialmente, a liberdade proposta por Aristóteles calcada na ideia da autodeterminação pois, livre de constrangimento e atuação isenta da pressão da necessidade, assim vinculada à vontade; mesmo se considerarmos as divergências em relação à este conceito, a associação entre liberdade e vontade possibilitou a construção de um sistema valorativo que, associado à razão, viabilizaria a noção dos direitos como valores essenciais.

Esta foi a base para a conceituação dos direitos naturais, referindo-se à pessoa humana na sua universalidade e anterior à definição em lei. Neste sentido, como dito, os direitos humanos são universais e naturais; contudo, são também históricos, já que compreendidos e delimitados historicamente, o que explica sua reelaboração, por exemplo, no séc. XVII, pelos teóricos do ‘jusnaturalismo’ ou Teoria dos Direitos Naturais e as perspectivas dos contratualistas. Esta elaboração teórica é uma seara complexa que não pretendemos alongar e apenas indicamos que, apesar de composta por diferentes teóricos, com visões muitas vezes contrapostas entre si, como serão os casos de Locke e Hobbes ao ponderar sobre o contrato social e o papel do Estado, ainda assim, vemos a permanência do eixo central da reflexão sobre a condição humana e seus direitos.

O século XVIII trouxe, essencialmente, a preocupação com o poder, ponderando sobre as melhores formas de exercê-lo, no respeito à liberdade do cidadão. Observemos aqui o debate sobre as formas de organização do Estado, tendo como base o princípio dos direitos naturais. Contudo, devemos lembrar que direitos naturais e direitos de cidadania são distintos. Enquanto os primeiros são entendidos como universais e naturais, os segundos estão atrelados à organização específica de cada Estado, em seu arcabouço jurídico-político e em sua constituição histórica. Assim, apesar de em muitos momentos, os direitos humanos e os direitos de cidadão poderem se equiparar, eles não são necessariamente sempre iguais e justapostos.

Vemos que o debate perpassa a história da humanidade e o percurso histórico nos mostra a complexidade do tema, em suas historicizações e suas dificuldades pois estes direitos naturais ou fundamentais foram continuamente alienados. Até o século XX esta discussão não estava disseminada como política de Estado, apesar de já presente em importantes momentos, como na Independência Americana em 1776 e na Revolução Francesa em 1789, momentos estes que reafirmaram a importância dos direitos essenciais do homem, alçando-os ao debate político.

O século XX ou suas grandes tragédias pressionarão o aprofundamento da questão. Como colocou Arendt “Os dias que antecedem e os que se seguem à Primeira Guerra Mundial não são como o fim de um velho período e o começo de um novo, mas como a véspera de uma explosão e o dia seguinte” (Arendt, 1989, p. 300). Nesta obra a autora discute o período das duas grandes guerras, justamente analisando o processo de desmontagem dos direitos e a deformação da condição humana, a partir do assombro em relação às diferentes formas de destruição desta condição impostas neste contexto de guerras e entre guerras.

Não foi por acaso que 1948 se tornou muito significativo para esta questão. A Declaração dos Direitos Humanos de 1948 mostrou-se um importante marco, ao reforçar os princípios essenciais dos direitos humanos, já destacados em seu artigo 1º. ‘‘Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade” (2009), e, também por aprofundar a reflexão sobre os direitos, buscando garantir a universalidade dos direitos civis e direitos políticos pois, ao internacionalizar o debate, viabilizou ‘à pessoa física a qualidade de sujeito do Direito além das jurisdições domésticas’ (ALVES, s / d, p. 1).

Vemos que a questão dos direitos se tornou uma discussão jurídica, perpassando as relações entre Estados e, devemos lembrar que a declaração foi uma carta recomendatória e apesar de ratificada por muitos países não garantiu o reconhecimento dos pactos que a compõe. Segundo Alves (s / d), o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos só foi aprovado na ONU em 1966 e o Pacto Internacional sobre os direitos Econômicos só foi aprovado em 1976, ambos não receberam a adesão de todos os países, situação esta que explicita a continuidade das restrições aos direitos humanos em diferentes países.

A expressão mais visível deste processo se dá na conformação dos Estados autoritários que cerceiam os direitos pelo aparato legal – jurídico do Estado. O Brasil foi exemplo disto, durante a ditadura civil-militar, contexto este posterior à aprovação da Declaração de Direitos Humanos de 1948 e no contexto da aprovação do primeiro pacto citado. Ainda no mês de abril de 1964, através do Ato Institucional no. 1, restringiu os direitos políticos de seus cidadãos a partir das cassações de mandatos; expurgos de militares e funcionários públicos e suspensão de direitos políticos por até dez anos. A continuidade da ditadura, com os outros Atos Institucionais, estendeu a repressão com a tessitura de um forte aparato repressivo, calcado em dois claros pilares, a tortura e a censura como formas de vigilância e controle e definindo na forma da lei o Estatuto do Cassado, condição esta que tirava os direitos políticos dos cidadãos; proibia a participação em manifestações públicas e estruturava uma condição de liberdade vigiada, demonstrando a fragilidade dos direitos fundamentais, pós 1948, situação esta não restrita ao Brasil pois, se considerarmos apenas a América Latina, veremos outros caso de ditaduras no mesmo período (Argentina – 1966; Peru e Panamá- 1968; Equador- 1972; Chile- 1973; Uruguai- 1976).

Mas, como dito, a lei e a ação do Estado são a expressão mais visível do desrespeito aos direitos humanos. Marx demonstrou o contínuo processo de reificação do ser humano, no modo como as relações produtivas se estabeleceram com o capitalismo, demonstrando a enorme distância entre os princípios filosóficos e a práxis. Assim, considerar os direitos humanos em seus aspectos essenciais e naturais, relacionados à dignidade humana e associá-los à discussão sobre os modelos econômicos e sobre os direitos do cidadão, diretamente vinculados ao corpo-jurídico de cada Estado, nos ajuda a compreender a extensão e complexidade do debate. Há controvérsias quanto à anterioridade dos direitos naturais em sua relação com o Estado e no modo como se corporificam nos aparatos jurídicos dos mesmos. Esta complexidade aparece também na identificação de uma classificação dos direitos no corpo da lei.

Quando retomamos a carta constitucional brasileira de 1988, por exemplo, vemos que sua organização parte do entendimento de que os direitos humanos se constituem em âmbitos distintos e demarcados. Em seu Titulo II ‘Dos Direitos e Garantias Fundamentais’, temos a existência de três ordens de direitos, arroladas no texto constitucional, ordens essas também assumidas pelo Dicionário de Política (Bobbio, 1999) ao ponderar sobre o conceito de direitos humanos: os direitos civis, relativos aos direitos individuais; os direitos políticos, que como o próprio nome indica, são os direitos da prática política, da condição de cidadania, direitos estes que estabelecem as relações cidadão-Estado e os direitos sociais, relacionados ao direito ao trabalho e suas condições, ao direito à assistência em seus diferentes aspectos. É interessante observarmos as fraturas existentes ao se pensar sobre os direitos, esfacelando o ser humano em parcelas realizáveis isoladamente.

Partindo da reflexão sobre as condições dos Estados constituídos identificamos desrespeitos contínuos e explícitos aos direitos humanos, seguidos de conflitos e enfrentamentos na luta pelos mesmos. Partindo, por sua vez, das relações entre Estados e culturas, questões estas exacerbadas na lógica da globalização, observamos os enfrentamentos no intuito do alargamento deste mesmo debate. A questão parece nova, mas já estava contida em seus pressupostos iniciais. Como discutido por Benevides Soares:

Partimos da premissa de que a igualdade não significa uniformidade, homogeneidade. Daí, o direito à igualdade pressupõe -e não é uma contradição- o direito à diferença. Diferença não é sinônimo de desigualdade, assim como igualdade não é sinônimo de homogeneidade e de uniformidade. A desigualdade pressupõe uma valoração de inferior e superior; pressupõe uma valorização positiva ou negativa (…). a diferença é uma relação horizontal, nós podemos ser muito diferentes (já nascemos homens ou mulheres, o que é uma diferença fundamental, mas não é uma desigualdade; será uma desigualdade se essa diferença for valorizada no sentido de que os homens são superiores às mulheres, ou vice-versa, que os brancos são superiores aos negros, ou vice-versa, que os europeus são superiores aos latino-americanos e assim por diante). (BENEVIDES SOARES, 1998, p. 46).

Anterior em seus pressupostos, mas recentes em seus enfrentamentos estão as discussões que perpassam as relações entre igualdade e respeito à diversidade, discussão esta presente em diferentes movimentos sociais. Estas são questões abordadas neste número da Revista Projeto História, questões propostas dentro da amplitude que o próprio tema possibilita.

Tomamos inicialmente as questões de Estado, considerando que ela nos remete, por um lado, às condições de cidadania, articulando os direitos civis e sociais aos direitos políticos, já que propostos na relação com o Estado. Esta relação requer ponderações pois, por um lado, é difícil imaginarmos, hoje, direitos instituídos que não passem pelo Estado, em sua normatização e aparato jurídico-legal; por outro lado, duas questões se colocam. Primeiro, como ponderar sobre direitos humanos tratados, como visto inicialmente, como direitos universais e naturais, se nos referimos a direitos que ao final são políticos, propostos em cartas constitucionais, que são locais? Segundo, em continuidade à questão colocada, como ponderar sobre direitos políticos numa lógica contemporânea que se propõe globalizada e que em termos econômicos dissemina o modelo neoliberal?

Os artigos propostos neste número da Revista Projeto História dialogam com estas questões. O artigo inicial de Danilo Fonseca articula dois importantes aspectos: o processo de transição de um Estado autoritário para uma lógica democrática, num modelo claramente neoliberal, logo, de perfil globalizado. Ao problematizar a questão dos direitos humanos na África do Sul pós-Apartheid demonstra a permanência de violações no percurso de inserção do país no Estado democrático de modelo neoliberal. Para estabelecer esta reflexão, retoma o período do Apartheid (e devemos lembrar que a África do Sul foi um dos oito países que se absteve na votação da Declaração dos Direitos Humanos em 1948), analisando as lógicas de violações, percorrendo o período de negociações da transição para o período democrático, analisando suas transformações e permanência. Aqui se articula, então, o debate sobre o processo histórico e sobre as modificações das relações Estado-cidadão.

Ponderar sobre a relação cidadão-Estado nas lutas pelo alargamento dos direitos humanos é, como visto, antever um processo contínuo de enfrentamentos. O artigo ‘A NOSSA LUTA É POLÍTICA’: um percurso dos movimentos comunitários brasileiros nos anos 1970-1980’, como o próprio título indica, foca no processo de luta, analisando as características dos enfrentamentos dos anos 1970 / 80 no Brasil, corporificados como movimentos sociais, demonstrando a riqueza, fluidez e fragmentação próprias destes tipos de movimentos que se buscaram políticos mas não inseridos no diálogo partidário. É interessante que o primeiro alargamento do debate, neste caso, se dá pela configuração do espaço de luta, o cotidiano, espaço este também fragmentado e muitas vezes lido como o lugar da passividade.

Justamente o espaço do cotidiano expõe os maiores conflitos, relativizando por um lado, a efetivação dos princípios reafirmados na Declaração dos Direitos Humanos e sedimentando, por outro lado, a complexidade do tema presente na relação direitos universais-diversidade cultural. Considerando o primeiro aspecto, a efetivação dos direitos humanos, apresentamos o artigo ‘Tráfico de drogas, brigas de gangues e homicídios em série: biografia de um jovem em conflito com a lei’, que desnuda as entranhas de nossa sociedade no trato aos direitos humanos através da biografia e história oral de um jovem rendido ao tráfico no Rio de Janeiro. Apesar do ator central do artigo ser o sujeito da quebra de direitos, participando do tráfico, roubando e assassinando, é também, claramente, o sujeitado do sistema, explicitando as perversidades desta lógica capitalista neoliberal, que intensifica a exclusão e o lugar e papel do Estado nestas dinâmicas.

Considerando, por outro lado, a relação direitos humanos naturais e universais e diversidade cultural, propomos outros artigos que refletem sobre problemáticas culturais, que passam ou não como demandas para o Estado e que indicam a importante reflexão sobre a correlação de direitos humanos e costumes, cultura e memória. Este é o caso do artigo de Helvio Alexandre Mariano que discute os processos de exclusão, exílio e resistências culturais através da obra de Edward Said.

Mesmo os artigos da seção ‘Diversos’ que não precisam estar diretamente relacionados com a temática do Dossiê, refletem sobre questões que dialogam com nossa temática central, em abordagens que passam pela discussão sobre o direito à construção da identidade como forma de humanidade, ou o direito ao acesso ao conhecimento como efetivação da cidadania ou o oposto disto, nas ações de censura e cerceamento à produção cultural.

Referências

ALVES, J. A. L. A Declaração dos Direitos Humanos na Pós-Modernidade. Disponível em: http: / / www.dhnet.org.br / direitos / militantes / lindgrenalves / lindgren. Acesso: 06 / 2015.

ARENDT, H. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

BENEVIDES SOARES, M. Cidadania e Direitos Humanos. CP Cadernos de Pesquisa, n° 104, 1998.

BOBBIO, N. et al. Dicionário de Política. Brasília: Editora UNB, 1999. [12ª Ed.]

COMPARATO, F. K. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2010. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 2009. Disponível em http: / / www.dudh.org.br / wpcontent / uploads / 2014 / 12 / dudh.pdf. Acesso: 06 / 2015.

Carla Reis Longhi


LONGHI, Carla Reis. [ Direitos Humanos, História e Cidadania]. Projeto História, São Paulo, v.51, 2014. Acessar publicação original [DR]

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História e Direitos Humanos / Em Tempos de Histórias / 2012

Apresentação

O diálogo intelectual, quando fundado em postura reflexiva é sempre instigante e desafiador. Orientada por essa perspectiva, para apresentar o dossiê História e Direitos Humanos, da Revista Em Tempo de Histórias, dos estudantes do Programa de Pós-Graduação em História da UnB, recorrerei à interlocução, sempre estimulante, com a cientista política Maria Vitória Benevides, que tem se dedicado nos últimos anos a estudos sobre cidadania e direitos humanos.

No que diz respeito aos direitos humanos, sólida compreensão sobre suas características nucleares têm orientado as reflexões de Benevides. São elas: historicidade, universalidade e dignidade da pessoa. Às três acrescenta a qualidade de serem os direitos humanos naturais e, portanto, diferenciados dos direitos da cidadania, que são inscritos em sociedades específicas e orientados por opções políticas e ideológicas.

Dessa forma, conforme análise por mim apresentada no texto intitulado Cidadania e república no Brasil: história, desafios e projeção do futuro, é possível identificar, na história do mundo ocidental, nos tempos da modernidade, diferentes modelos de cidadania, com destaque para: o liberal, o liberal democrático, o da social democracia e o socialista. Cada um deles caracteriza-se por valorizar com maior ou menor ênfase, direitos civis, políticos, sociais e, como definem alguns autores, direitos difusos. A opção, embora equivocada – pois não deveriam ser tomados como contrapostos – pela adesão aos princípios da liberdade ou da igualdade, também orienta esses modelos específicos.

Benevides, todavia afirma que, quando os temas são os direitos humanos e não os direitos dos cidadãos a perspectiva ampla e universal prevalece sobre as especificidades das formações históricas. Nesse sentido, o homem como ser ontológico e histórico deveria, sempre e em qualquer lugar e independentemente de suas escolhas e condições religiosas, étnicas, de gênero, de nacionalidade, de idade e de ideologia, ser respeitado em sua dignidade.

Mas entre o dever ser e realidade concreta usualmente o hiato chega ser intransponível. Por decorrência, nas sociedades democráticas a respeitabilidade ao ser humano e a promoção dos direitos humanos, são melhores incorporados ao cotidiano das pessoas como valor e como prática. O mesmo não ocorre quando predominam experiências políticas autoritárias ou  Trata-se dos direitos sociais, como: educação, saúde, habitação, mobilidade. Esses direitos ganharam maior visibilidade e efetividade com as experiências do Estado de Bem Estar Social.

A terceira geração, dos direitos humanos, refere-se aos direitos coletivos da humanidade. Dizem respeito:

Ao meio ambiente, à defesa ecológica, à paz, ao desenvolvimento, à autodeterminação dos povos, à partilha do patrimônio científico, cultural e tecnológico. (BENEVIDES, s/d: 10)

São considerados, na acepção de Boaventura de Souza Santos como direitos transversais ou sem fronteiras e desde o início do terceiro milênio têm sido identificados como direitos de solidariedade ou fraternidade mundial.

A todos esses direitos, devemos acrescentar o direito à memória e à história que são fundamentos das identidades sociais. Nesse sentido, é preciso criar formas e estratégias de rompimento com o silêncio que usualmente interdita o registro de práticas de violências – caso típico das experiências políticas autoritárias, e de diferentes práticas históricas de exclusão social de: mulheres, homossexuais, minorias étnicas, populações pobres, deficientes, despossuídos, flagelados, crianças abandonadas, idosos, minorias religiosas, minorias tribais, entre outros. Para tanto, o registro documental das experiências históricas e o acesso à documentação à informação são imprescindível.

O Brasil – onde a vigência de um regime autoritário deixou sólida herança de interdição, constrói, no tempo presente, uma fase singular e especial de sua história. Isso porque, após forte esforço coletivo, iniciativas como a da lei de acesso à informação e a da criação da Comissão da Verdade, já estão contribuindo para que o direito humano ao passado e à história ganhe melhor e maior efetividade.

Nessa conjuntura movida por esperança e iniciativas concretas em prol do direito à História e à memória, a escolha do tema História e Direitos Humanos, para o presente dossiê da Revista em Tempo de Histórias é oportuna e sintonizada com relevantes demandas da sociedade brasileira.

A composição do dossiê, por sua vez, demonstra uma especial sensibilidade histórica de seus organizadores. Os artigos que o compõem, em sua heterogeneidade de abordagens e análises, estão altamente sintonizados atual fase da história brasileira de maior valorização dos direitos coletivos da humanidade pessoas têm direito de ouvir e de contar histórias, compartilhando suas memórias e recontando a História”.

Com certeza, a leitura desses artigos em muito contribuirá para reflexões sobre a questão dos direitos humanos, em uma perspectiva abrangente que nos faz protagonistas da história e cidadãos do mundo.

Referências bibliográficas

BENEVIDES, Maria Victória. Direitos humanos e cidadania. Disponível em www.iea.usp.br/textos/benevidescidadaniaedireitoshumanos.pdf.

SANTOS, Boaventura Sousa. “Para uma concepção intercultural dos direitos humanos.” In: A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez Editora, 2008.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Cidadania e república no Brasil: história, desafios e projeção do futuro. In: Flávio Henrique Unes Pereira; Maria Tereza Fonseca Dias. (Org.). Cidadania e inclusão social. Cidadania e inclusão social. 1º. Ed. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Editora Fórum, 2008, v. 1, p. 321-337.

MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.

Lucília de Almeida Neves Delgado – Professora do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília (UnB).

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Direitos Humanos, Relações Raciais e História / Esboços / 2009

Em uma recente síntese sobre a história do conceito de Direitos Humanos, Lynn Hunt aponta a descontinuidade entre a Declaração da Independência dos Estados Unidos (1776), a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão proclamada durante a Revolução Francesa (1789) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pelas Nações Unidas em 1948. De fato, a historiadora norte-americana trabalha com a ideia de “invenção” dos Direitos Humanos, buscando em cada momento o lastro social e cultural para o que constituiu, essencialmente, um conjunto de transformações nas sensibilidades, na maneira de se ver o “outro”.1 Nos interessa aqui refletir sobre as exclusões. A declaração norte-americana, de que “todos os homens são criados iguais, que foram dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes se encontram a vida, a liberdade e a busca da felicidade” claramente se referia apenas às pessoas livres. George Washington, Thomas Jefferson e outros “pais fundadores” eram senhores de escravos, como sabemos, e não viam contradição entre seus discursos e sua prática. A declaração francesa de 1789, proclamou em seus primeiros artigos que “Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos” e que os direitos naturais e imprescritíveis do homem são “liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência contra a opressão”. A declaração de 1793, mais abrangente, manteve a idéia de liberdade individual porém pôs grande ênfase na igualdade. Previu a liberdade de culto, a liberdade de comércio e indústria, a liberdade de imprensa, de reunião, o direito à assistência pública, à instrução e o direito de petição. Em resposta às demandas e instabilidade vindas das colônias caribenhas, a escravidão foi abolida e os direitos estendidos a todos, agora considerados cidadãos da República Francesa. A gama de direitos considerados fundamentais estava, em princípio, reconhecida para todos, independente de cor, sexo ou religião.

O século XIX assistiu no mundo ocidental à constante expansão da idéia de soberania popular, à instituição de regimes constitucionais e a uma progressiva desnaturalização e condenação da escravidão. Mas também testemunhou uma crescente expansão colonial por territórios na Ásia, na África e na Oceania, além da expansão dentro das próprias fronteiras, por territórios de populações nativas. Esses dois movimentos resultaram na afirmação da superioridade dos valores ocidentais sobre os de outros povos, que foi formulada, aos poucos, através da afirmação de diferenças biológicas, cristalizadas no  conceito de “raça”. Ao fim do século, a dominação e a exploração de outros povos era justificada com base na superioridade “do homem branco” e direitos diferenciados eram reconhecidos conforme a posição dos sujeitos na escala da civilização. A cidadania, tanto no sentido de nacionalidade e proteção dos direitos individuais por um Estado, quanto no sentido político de exercício do direito de expressão e de participação nos destinos da sociedade ficou subordinada à suposta escala de “civilização” e marcada pela exclusão de vários grupos, com base em argumentos racialistas.

Os textos que compõem o dossiê “Direitos Humanos, Relações Raciais e História” foram apresentados no seminário realizado no Programa de Pós-Graduação em História da UFSC em setembro de 2007. As discussões tecidas pelos autores convidados exploram diferentes vertentes da confluência entre direitos humanos e relações raciais, todas situadas no século XX, quando os paradigmas construídos no século anterior foram questionados. O artigo de James W. Walker, “Uma campanha por direitos iguais: a diáspora indiana e a cidadania canadense” trata das estratégias traçadas e das ações empreendidas pela comunidade de imigrantes asiáticos para ter direitos reconhecidos no Canadá. Walker procurou avaliar as condições positivas para que a opinião pública canadense passasse a apoiar as reivindicações das associações de imigrantes. A mesma preocupação teve Stephanie Bangarth, no artigo “A Segunda Guerra Mundial, os nipo-canadenses e a primeira fase do movimento pelos direitos humanos no Canadá” a respeito da campanha pelos direitos dos canadenses de origem japonesa. Sujeitos à deportação forçada durante a Segunda Guerra, não eram vistos como beneficiários dos direitos reconhecidos aos súditos do Império britânico até que uma campanha em sua defesa foi montada e obteve sucesso, no bojo da formulação mais abrangente de “direitos humanos”. Um fascinante paralelo ao caso do tratamento dos canadenses de origem japonesa no Canadá se encontra no artigo de Priscila Perazzo, “Prisioneiros, direitos e guerra no Brasil de Vargas” que aborda os direitos dos alemães, italianos e japoneses feitos prisioneiros no mesmo período no Brasil. Perazzo explora de forma hábil os debates internos havidos entre os diferentes setores do governo Vargas acerca dos direitos dos prisioneiros. O tratamento dado a esses estrangeiros em Santa Catarina é o tema do artigo de Marlene de Fáveri, “Tempos de intolerância: repressão aos estrangeiros durante a Segunda Guerra Mundial em Santa Catarina”. A autora discute a política de internamento brasileira e sua aplicação em Santa Catarina e explora em particular as marcas da intolerância na memória daqueles que foram presos, ou que tiveram suas práticas cotidianas cerceadas. O dossiê se completa com o artigo de Álvaro Andreucci intitulado “A resistência no discurso oficial de João Mangabeira”, em que explora a repressão à participação política de Mangabeira durante o início do Estado Novo e os debates jurídicos havidos no Supremo Tribunal Federal acerca de direitos políticos e liberdade. Os cinco textos dialogam com a crise do paradigma racialista que, exposta pela Segunda Guerra, culminou na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Considero que contribuem tanto para um diálogo comparativo quanto para uma análise multifacetada do protagonismo dos sujeitos e associações que, ao reivindicar direitos e expor as desigualdades, contribuíram para a formulação abrangente dos “Direitos Humanos”.

Notas

1 HUNT, Lynn. A Invenção dos Direitos Humanos: Uma História. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Beatriz Gallotti Mamigonian – Professora do Departamento de História da UFSC. E-mail: [email protected].

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