Golpes e Ditaduras / Revista Brasileira de História / 2014

O ano de 2014 transcorre sob o signo dos debates acadêmicos e políticos relacionados ao cinquentenário do Golpe de 1964. O dossiê “Golpes e Ditaduras“, contido neste número 67, traz a contribuição da Revista Brasileira de História a esse processo de reflexão. Os seis artigos contidos no dossiê, cinco deles enfocando o Brasil e um Portugal, exploram diferentes dimensões da experiência de supressão da democracia por meio da força, assim como as formas pelas quais as sociedades contemporâneas enfrentam os desafios colocados por essas circunstâncias históricas.

Em “Os ‘inimigos da pátria’: repressão e luta dos trabalhadores do Sindicato dos Químicos de São Paulo (1964-1979)”, Larissa Rosa Corrêa detalha os impactos da violência exercida sobre os trabalhadores urbanos organizados em associações de classe, tomando como caso de estudo uma das maiores organizações operárias do país, em um trabalho que enfatiza a dimensão classista do autoritarismo instalado a partir de 1964. Já o provocativo artigo de Bryan Pitts intitulado “‘O sangue da mocidade está correndo’: a classe política e seus filhos enfrentam os militares em 1968” examina as reações dos congressistas brasileiros à repressão desencadeada contra o movimento estudantil em 1968. Chamando a atenção para os vínculos de sangue e de classe entre líderes universitários e políticos profissionais, Pitts oferece novas perspectivas para a compreensão da mudança da natureza do regime a partir da promulgação do AI-5 e para o debate sobre a relação entre seus componentes civis e militares. Carla Simone Rodeghero, no artigo “Pela ‘pacificação da família brasileira’: uma breve comparação entre as anistias de 1945 e de 1979”, proporciona ao leitor uma reflexão sobre as semelhanças e as diferenças entre os dois períodos de “transição democrática” vividos pelo Brasil. Examinando como a concepção do significado da anistia desloca-se da mera “conciliação” para a de “ferramenta para a conquista de direitos”, Rodeghero agrega importantes elementos para um debate de renovada atualidade.

As dimensões culturais da busca de construção de legitimidade dos regimes ditatoriais, bem como da resistência a eles, estão no foco dos três artigos que fecham o dossiê. Em “Os usos do civismo em tempos autoritários: as comemorações e ações do Conselho Federal de Cultura (1966-1975)”, Tatyana de Amaral Maia examina um dos principais mecanismos institucionais por meio do qual o regime exercia sua política cultural, voltada a “valorizar os elementos cívicos” como parte de um processo de “regeneração” da vida social e política do país. Já Francisco Régis Lopes Ramos, em “O Calendário e o golpe de 1964: temporalidade, escrita da história e hagiografia”, analisa a atualização da tradição católica de associação entre o registro da passagem do tempo e a memória do sacrifício dos mártires como parte da resistência às ditaduras latino-americanas, a partir do exemplo de como obras de caráter hagiográfico vinculadas à Teologia da Libertação trataram a vida e a morte de frei Tito de Alencar Lima. Por fim, Edwar de Alencar Castelo Branco reflete sobre a relação entre experimentalismo estético e resistência política em “PO-EX: A poética como acontecimento sob a noite que o fascismo salazarista impôs a Portugal”.

A seção de artigos avulsos contém sete trabalhos. Dois deles analisam personagens relevantes da história da ciência nos séculos XIX e XX e seus vínculos com o Brasil. Trata-se de “Evolucionismo darwinista? Contribuições de Alfred Russel Wallace à Teoria da Evolução”, de Nelson Papavero e Christian Fausto Moraes dos Santos, e de “Diplomacia e ciência no contexto da Segunda Guerra Mundial: a viagem de Arthur Compton ao Brasil em 1941”, de Olival Freire Junior e Indianara Silva. A dimensão cultural das relações entre o Brasil e o restante do mundo continua em foco no trabalho de Anaïs Fléchet e Juliette Dumont, intitulado “‘Pelo que é nosso!’ A diplomacia cultural brasileira no século XX”.

Os quatro trabalhos seguintes analisam temas e objetos diversos no campo da história social. Márcia C. O. Cury oferece uma importante contribuição para o estudo dos movimentos sociais no Cone Sul em “Ocupando espaços, construindo identidades: a importância do movimento de pobladores para a história política e social do Chile (1950-1970)”. “Cidadania por um fio: o associativismo negro no Rio de Janeiro (1888-1930)”, de Petrônio Domingues, traz novos elementos para o debate de um dos aspectos cruciais do período pós-emancipação no Brasil. Paulo Cesar Gonçalves oferece uma nova abordagem para um tema clássico da história do trabalho no Brasil em “Procuram-se braços para a lavoura: imigrantes e retirantes na economia cafeeira paulista no final do Oitocentos”. A seção de avulsos se encerra com um trabalho focado na temática de gênero: “Imprensa e educação feminina em zona pioneira: o caso do Noroeste Paulista (1920-1940)”, de Raquel Discini de Campos.

Este número traz de volta a seção Memória, publicando a conferência “Conhecimento histórico e diálogo social”, proferida pelo ex-presidente nacional da Anpuh, Benito Bisso Schmidt, na abertura do XXVII Simpósio Nacional de História (julho de 2013, Natal, RN).

O volume encerra-se com quatro resenhas. A primeira delas relaciona-se diretamente ao dossiê temático desta edição: Claudia Wasserman analisa a coletânea O Passado que não passa: a sombra das ditaduras na Europa do Sul e na América Latina, organizada por Francisco C. Palomanes Martinho e António C. Pinto. Fernando Teixeira da Silva apresenta aos leitores brasileiros Trabalhadores do mundo: ensaios para uma história global do trabalho, tradução do livro do historiador holandês Marcel van der Linden. Por fim, trazemos duas resenhas dedicadas a obras sobre aspectos da história brasileira recentemente publicadas em inglês. Maria Helena P. T. Machado comenta From Africa to Brazil: Culture, Identity, and an Atlantic Slave Trade, 1600-1830, de Walter Hawthorne; e Regina Horta Duarte analisa In Search of the Amazon: Brazil, the United States, and the Nature of a Region, de Seth Garfield.

Alexandre Fortes


FORTES, Alexandre. Apresentação. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.34, n.67, jan. / jun., 2014. Acessar publicação original [DR]

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