História, Sujeitos Marginalizados e Alteridades | História Revista | 2020

O dossiê História, Sujeitos Marginalizados e Alteridades que apresentamos na História Revista da Faculdade de História e do Programa de Pós‐Graduação em História da Universidade Federal de Goiás traz para a reflexão, no campo das ciências humanas e sociais, a partir da relação dialógica entre a exclusão e a indiferença, a problemática da alteridade e da marginalização na história e na historiografia. Partindo da crítica às epistemologias das narrativas hegemônicas que privilegiaram a manutenção do status quo e a interpretação factual e determinista do contexto sócio‐histórico, os autores apoiam‐se nas contribuições críticas que remontam às contribuições dos Annales, dos estudos culturais e da decolonialidade.

A teoria da enunciação de Bakhtin nos ensinou que é a partir do dialogismo e da alteridade que nos relacionamos com o outro, nos constituindo e transformando, constantemente, nessa interação. Portanto, somente através das relações dialógicas com outros sujeitos, discursos, saberes, que podemos nos constituir. Existimos a partir do diálogo com o outro, como afirma o autor: “Eu só pode se realizar no discurso, apoiando‐se em nós” (BAKHTIN, 1926, p.192). Partindo dessas reflexões, reunimos nesse dossiê produções narrativas das ciências humanas que rompem com as perspectivas hegemônicas acadêmicas que obliteram as vozes e/ou narrativas dos interlocutores, quase sempre marginalizados, e os reconhecem como coautores da pesquisa numa relação dialógica entre os sujeitos pesquisador/interlocutor, possibilitando assim a produção de vozes polifônicas em suas escritas. Os textos trazem para o centro as visibilidades dos sujeitos e seus saberes em relação a suas regiões, espaços, lugares e não‐lugares, e trânsitos imersos nas práticas socioculturais das diferenças. Refletindo sobre os processos de marginalização dos sujeitos, dos marcadores da diferença que operam exclusões, das resistências, da produção/diluição de identidades, aspectos necessários para compreensão da sociedade local‐global contemporânea. Leia Mais

História, Sujeitos Marginalizados e Alteridades / História Revista / 2020

O dossiê História, Sujeitos Marginalizados e Alteridades que apresentamos na História Revista da Faculdade de História e do Programa de Pós‐Graduação em História da Universidade Federal de Goiás traz para a reflexão, no campo das ciências humanas e sociais, a partir da relação dialógica entre a exclusão e a indiferença, a problemática da alteridade e da marginalização na história e na historiografia. Partindo da crítica às epistemologias das narrativas hegemônicas que privilegiaram a manutenção do status quo e a interpretação factual e determinista do contexto sócio‐histórico, os autores apoiam‐se nas contribuições críticas que remontam às contribuições dos Annales, dos estudos culturais e da decolonialidade.

A teoria da enunciação de Bakhtin nos ensinou que é a partir do dialogismo e da alteridade que nos relacionamos com o outro, nos constituindo e transformando, constantemente, nessa interação. Portanto, somente através das relações dialógicas com outros sujeitos, discursos, saberes, que podemos nos constituir. Existimos a partir do diálogo com o outro, como afirma o autor: “Eu só pode se realizar no discurso, apoiando‐se em nós” (BAKHTIN, 1926, p.192). Partindo dessas reflexões, reunimos nesse dossiê produções narrativas das ciências humanas que rompem com as perspectivas hegemônicas acadêmicas que obliteram as vozes e / ou narrativas dos interlocutores, quase sempre marginalizados, e os reconhecem como coautores da pesquisa numa relação dialógica entre os sujeitos pesquisador / interlocutor, possibilitando assim a produção de vozes polifônicas em suas escritas. Os textos trazem para o centro as visibilidades dos sujeitos e seus saberes em relação a suas regiões, espaços, lugares e não‐lugares, e trânsitos imersos nas práticas socioculturais das diferenças. Refletindo sobre os processos de marginalização dos sujeitos, dos marcadores da diferença que operam exclusões, das resistências, da produção / diluição de identidades, aspectos necessários para compreensão da sociedade local‐global contemporânea.

Esses estudos são de suma importância pois fraturam a fronteira entre cultura de elite e cultura de massas e favorecem a visibilidade de outros sujeitos nas narrativas histórico‐ sociais. Permitem‐nos pensar como a construção do “outro”, que ocupou e ocupa a outra margem das imaginárias linhas abissais, pôde em um espaço ambivalente e intersticial construir estratégias de (re) existência e sobrevivência. Nesse espaço da produção da diferença e da diferenciação como sinalizou Homi Bhabha, nos é possível refletir nestes textos: o agenciamento de sujeitos e movimentos sociais que se articulam a partir do gênero e da sexualidade; uma história a contrapelo dos sujeitos indígenas; as relações de alteridade entre colonizadores e nativos que resistem em terras africanas e ou palestinas. Ainda, no local da cultura e da resistência, podemos refletir sobre como a lógica colonizadora se imiscuiu nas sociedades contemporâneas que, a partir de processos de racialização dos corpos que habitam a preferia do Maranhão, dos homens e mulheres encarcerados na Guiana francesa, vítimas da necropolítica estatal, ou dos trabalhares candangos que foram e são sistematicamente apagados da memória pública do Distrito Federal, cobram da história uma luta pela humanização num sentido freiriano.

É possível pensar ainda como a diferença se manifesta nas representações culturais seja para analisar a exclusão dos negros e latinos nas políticas educacionais dos EUA ou as experiências de reconstrução da democracia no Chile pós‐ditadura por meio do cinema. Em perspectiva semelhante, as contribuições de Raymond Williams para uma revisão da leitura marxista sobre a cultura atestam a possibilidade de pensar culturas alternativas ou de oposição no interior da cultura dominante, como no caso dos sujeitos marginais das “subculturas” jovens das grandes cidades, a exemplo da cena heavy metal do ABC paulista. Pelo viés decolonial os estudos se voltam, ainda, para necessidade de pensar os corpos da juventude negra brasileira e das mulheres negras e trabalhadores na sociedade brasileira.

Assim, Aguinaldo Rodrigues Gomes, Robson Pereira da Silva e Antônio Ricardo Calori de Lion em Educação & emancipação pela agência dos movimentos sociais de sexualidade e de gênero refletem sobre uma pedagogia da diferença que desafia a “machocracia” e indica a capacidade de agenciamento dos movimentos sociais pautados pelo gênero e pela sexualidade. Tiago Duque apresenta um percurso semelhante em uma sensível leitura sobre um regime de (in)visibilidade (reconhecimento) que envolve pessoas trans e não trans, utilizando a categoria analítica da “passabilidade” no texto Epistemologia da passabilidade: dez notas analíticas sobre experiências de (in)visibilidade trans”. Bruno Rodrigues, no texto O contrapelo da história: os negros e indígenas nos caminhos fluviais até o Mato Grosso nas narrativas elaboradas pelos viajantes (séculos XVIII e XIX), valendo‐se das contribuições benjaminianas, analisa a menção e abordagens dos negros e povos indígenas em obras produzidas por viajantes que transitaram pelo Mato Grosso entre os séculos XVIII e XIX, especialmente através das rotas fluviais. Refletindo sobre a colonialidade das relações e seus impactos na construção da alteridade em Moçambique, o texto A missão civilizadora como factor de construção da alteridade colonial em Moçambique, de Denisse Omar, demonstra como os portugueses conseguiram o direito de civilizar os povos considerados atrasados ignorando / silenciando suas histórias. Fabio Bacila Sahd, em Edward Said e os paralelos entre a ocupação da Palestina e o apartheid na África do Sul, analisa as obras saidianas pela chave do colonialismo, estabelecendo comparações recorrentes entre a ocupação israelense e o apartheid sul‐africano. Ainda pensando as apropriações contemporâneas da colonialidade do poder os textos de Vinícius Pereira Bezerra e Luiz Eduardo Lopes: O “Comando Organizado do Maranhão” (C.O.M) e a guerra de facções na periferia maranhense; de Dinaldo Silva Junior: Enseigner en prision: Un devoir d’histoire; de Karolline Santos: Entre a cidade imaginária e a cidade sensível: breve análise da imaginação museal no Distrito Federal; de Pedro Barbosa: A violência social e o genocídio da juventude negra do Brasil, focalizam de maneira competente e acurada como essa lógica produz a violência, o encarceramento, o apagamento das memórias e o genocídio da população negra e pobre no Brasil contemporâneo.

No espectro de uma pedagogia cultural que capta sentidos produzidos na educação histórica ou aprendida nas representações culturais cinematográficas ou musicais, os autores e títulos que apresentamos a seguir se propuseram a refletir sobre as relações entre o pensamento intelectual, as linguagens e o campo histórico / político / cultural. Assim, Rodrigo de Oliveira Soares, em O papel do aprendizado histórico na construção do sujeito na obra de Paulo Freire: desenvolvimento da consciência histórica, dedica‐se às contribuições de Paulo Freire para o processo de aprendizagem pela via da historicidade enquanto ferramenta de conhecimento que permite pensar a história dos excluídos. Leandro Candido de Souza, em seu texto Cartografias da cultura underground: o surgimento da subcultura heavy metal no ABC paulista e os deslocamentos da identidade suburbana, inspirado pelos Estudos Culturais, pensa a cena heavy metal como uma “subcultura” e sua relação com a consolidação da indústria cultural no Grande ABC. Ao lado disso Flávio Trovão e Roberto Moll Neto, no artigo Conservadorismo e política nos Estados Unidos no filme “Curtindo a vida adoidado”, discutem, principalmente no campo da educação, como as políticas conservadoras da década de 1980 atingiram as comunidades negra e latina no país. Também refletindo sobre a relação cinema e história, Thais Vieira e João Pedro Rosa Ferreira, em Política cool, humor fun: o código humorístico e a perda da dimensão coletiva no filme No, de Pablo Larraín, discorrem sobre o papel do humor nas relações da sociedade do espetáculo e do consumo na política latino‐ americana, a partir do filme “No”, de Pablo Larraín, no qual se apresenta uma leitura sobre o plesbicito de 1988, quando os chilenos decidiram não perpetuar a ditadura de Pinochet. Cleonice Elias da Silva, em Mulheres negras em cena, analisa os documentários “Mulheres Negras: Projeto de Mundo” (Day Rodrigues; Lucas Ogasawara, 2016) e “Sementes: Mulheres Pretas no Poder” (Éthel Oliveira; Júlia Mariano, 2020), refletindo sobre o feminismo negro e as experiências cinematográficas de construção de outras narrativas por mulheres negras brasileiras.

Em A Hidra nos trópicos: trabalhadores britânicos nas margens da ordem, Rute Andrade Castro desconstrói a imagem idealizada dos trabalhadores europeus e da imigração, evidenciando, a partir da documentação de época, um processo de resistência ao trabalho por parte desses trabalhadores que “estavam nas ruas das cidades, nas áreas rurais do país, nas praias, nos bares ou em qualquer lugar onde desejassem estar”. Finalmente, também na esteira das contribuições de feministas negras, no texto Ela era doméstica: trabalhadoras domésticas e donas de casa no Triângulo Mineiro‐MG, Jorgetânia Ferreira da Silva nos traz reflexões sobre experiências de trabalhadoras domésticas e donas de casa da região do Triângulo Mineiro, indicando a importância de compreender as trajetórias dessas sujeitas.

Transpondo a linha artificial, pós‐abissal, já aludida por Boaventura de Sousa Santos e Maria Paula Menezes, que invisibiliza os corpos das mulheres negras, seja na vida ou nas representações cinematográficas – ou simplesmente apaga e elimina os corpos da juventude negra brasileira e subalterniza os corpos das mulheres trabalhadoras domésticas – buscamos apresentar uma história revista pelo viés da alteridade. Esperamos que os leitores apreciem, desfrutem e divulguem!

Aguinaldo Rodrigues Gomes – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul / Aquidauana. E-mail: [email protected]

Magdalena López – Universidade de Buenos Aires / CONICET. E-mail: [email protected]

Murilo Borges Silva – Universidade Federal de Jataí. E-mail: [email protected]


GOMES, Aguinaldo Rodrigues; LÓPEZ, Magdalena; SILVA, Murilo Borges. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 25, n. 3, set. / dez., 2020. Acessar publicação original [DR]

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