Um oceano, dois mares, três continentes | Wilfried N’Sondé

Sem fôlego! É assim que ficamos quando lemos, analisamos e refletimos sobre uma obra tão intensa e cativante como Um oceano, dois mares, três continentes, um romance histórico que nos transporta numa viagem ao século XVII, para o epicentro da maior catástrofe da humanidade: o comércio transatlântico. Ao narrar, embora de forma romanceada, a viagem do primeiro “embaixador do Reino do Kongo no vaticano” (p. 44), Wilfried Nsondé mostra, uma vez mais, que muito ainda está por descortinar não só em relação a essa figura emblemática da história do Kongo, mas sobretudo, em relação ao tráfico de escravos. A obra resulta da imaginação do autor para tecer as malhas do romance (histórico, porém romance), bem como do seu domínio histórico-científico na contextualização dos diferentes acontecimentos que, acreditamos, está assente num extenso e profundo trabalho de pesquisa em arquivos e literatura especializada.

Numa análise sócio-histórica completa, Nsondé apresenta o padre Nsaku ne Vunda, bacongo2,  nascido na aldeia de Boko, batizado António Manuel que, seduzido pelo catolicismo alimentado pelos missionários, envereda pela vida religiosa. É nessa condição, e enquanto pároco na sua aldeia natal, que é mandado chamar por sua majestade “Manzou a Nimi, rei dos Bakongo de ontem, hoje e amanhã, chamado também Álvaro II3 pelos seus irmãos cristãos desde o batismo” (p. 39), dando assim início à ação que se desenrola ao longo de toda a obra, numa concatenação perfeita de acontecimentos históricos devidamente referenciados e explorados. É esse descortinar de acontecimentos que nos permite dividir a obra em duas partes: a primeira, corresponde ao início da viagem de Nsaku ne Vunda do Kongo para o Novo Mundo (continente americano) e, a segunda, do Novo Mundo para o continente europeu. Leia Mais

Uma Vindicação dos direitos das mulheres | Mary Wollstonecraft

Numa tradução cuidada de Elisabete M. de Sousa, Uma vindicação dos direitos das mulheres1, consagrada obra de Mary Wollstonecraft, é disponibilizada ao público, na íntegra, em língua portuguesa. A obra, publicada em 1792 e considerada um clássico na área dos estudos do género, do feminismo e da luta pela igualdade entre os sexos, retrata, numa perspetiva macro, a situação económica, social e política das mulheres na Europa do século XVIII. Uma análise meso sobre os seus mecanismos de luta para alterar essa condição é complementada com uma análise micro sobre o impacto real da Revolução Francesa (1789-1799)2 em todo esse processo.

Na presente obra, a autora, acérrima defensora dos direitos das mulheres, da liberdade, igualdade e fraternidade, procura sobretudo questionar a ordem sexual que faz com que prevaleça a opressão estrutural das mulheres em relação ao sexo masculino, atribuindo responsabilidades à educação que lhes é ministrada, que as educa somente para serem esposas fiéis e dedicadas ao lar. Apesar de ter eleito a educação como temática central da obra, informação que encontramos logo na introdução, a crítica de Wollstonecraft ao sistema dominante não se esgota por aqui, roçando igualmente temáticas imprescindíveis que durante séculos mantiveram as mulheres subjugadas a uma ideologia social dominante, com destaque para o carácter, a modéstia, a virtude, a moralidade, a reputação, a sociedade, o afeto parental. Leia Mais

Angola-Portugal: Representações de Si e de Outrem ou o Jogo Equívoco das Identidades | Arlindo Barbeitos

Resenhar um livro com essa densidade e pormenorização é tão difícil quanto traçar o perfil do autor pois este assume diversas facetas: o intelectual, o professor, o investigador, o nacionalista, o politico, o cidadão, que se resume numa única característica: o profissional. E é com profissionalismo, mas igualmente com muito empenho, dedicação e persistência que Arlindo Barbeitos escreveu a presente obra, pois de outro modo não seria possível empreender essa tarefa com tal densidade de pormenorização. Abordar temas ainda muito sensíveis para a sociedade angolana e portuguesa, como a raça, a miscigenação e todas as conotações daí resultantes, analisar obras essencialmente portuguesas, mas que representam os angolanos da altura (período colonial), parece-nos à partida, uma missão inglória, na medida em que se torna fundamental ter um excelente domínio da história dos dois países, assim como da relação entre os diferentes acontecimentos ocorridos nos dois lados do Atlântico. Leia Mais